ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DA INCAPACIDADE
FACTOR DE BONIFICAÇÃO 1
5
Sumário


Não há violação da Instrução Geral n.º 5, alínea a) da TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, quando no cálculo da incapacidade agravada, em sede de incidente de revisão, se continua a aplicar o fator de bonificação 1.5 que havia sido aplicado, por o sinistrado ter 50 anos ou mais, à incapacidade inicial fixada.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
O sinistrado AA, com o patrocínio do Ministério Público, veio deduzir incidente de revisão da sua incapacidade, por alegado agravamento das sequelas decorrentes do acidente de trabalho que sofreu em 14 de junho de 2019.
Decorrida a instrução do incidente, foi proferida decisão, com o seguinte dispositivo:
«Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se:
a) Julgar o sinistrado AA (nascido em .../.../1964), em consequência do acidente de trabalho que o vitimou em 14/06/2019, afetado de um grau de incapacidade permanente parcial de 2,865% desde 20/01/2022;
b) Condenar a “Mútua dos Pescadores – Mútua de Seguros, C.R.L.” a pagar ao sinistrado AA, o capital de remição calculado em função de uma pensão anual e vitalícia de €260,96 (duzentos e sessenta euros e noventa e seis cêntimos), devida desde 20/01/2022, acrescida de juros contados à taxa legal desde essa data e a que haverá que deduzir a pensão já remida anteriormente fixada (capital de remição entregue no valor de €2.399,58).
Fixa-se o novo valor da ação em €3.071,24.
Custas pela entidade seguradora, que ficou vencida (cf. artigo 537º, do Código de Processo Civil) e sempre responde pelo pagamento da remuneração dos peritos e das despesas realizadas com outras diligências necessárias ao diagnóstico clínico do sinistro (cf. artigo 17º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais).
Registe-se, notifique-se e, oportunamente, proceda-se ao cálculo do capital de remição (n.º 3, do artigo 148.º do Código de Processo do Trabalho), cumprindo-se em seguida o disposto no artigo 148.º, n.º 4, aplicável por força do disposto no artigo 149º do mesmo diploma legal.».
Não se conformando com esta decisão, veio a seguradora responsável interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«1. O Proc. n.º: 1005/20.0T8PTM (autos principais) e o Proc. n.º: 1005/20.0T8PTM-A (Incidente de Revisão de Incapacidade), versam sobre o mesmo acidente de trabalho, ocorrido a 14 de Junho de 2019, em que foi vítima AA.
2. Nos autos principais, Proc. n.º: 1005/20.0T8PTM, foi atribuído o fator de bonificação de 1,5 em razão da idade, ao Sinistrado AA, nos termos Instruções Gerais n.º 5, al. a), da T.N.I..
3. No Incidente de Revisão de Incapacidade, Proc. n.º: 1005/20.0T8PTM-A, foi atribuído o fator de bonificação de 1,5 em razão da idade, ao Sinistrado AA, nos termos Instruções Gerais n.º 5, al. a), da T.N.I..
4. O n.º 5, al. a), das Instruções Gerais da T.N.I., estabelece que os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1.5, quando o Sinistrado não tiver beneficiado da aplicação desse fator.
5. Tendo o Sinistrado beneficiado anteriormente, da bonificação 1,5 em função da idade, pelo mesmo acidente de trabalho, viola o Tribunal a quo a Lei quando repete a aplicação desse mesmo fator.
6. Impõe-se a revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo.».
Contra-alegou o sinistrado, pugnando pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos, atribuindo-lhe efeito meramente devolutivo.
O recurso foi mantido nos seus precisos termos, e foram colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir.

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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, a questão que importa dilucidar e decidir é a de saber se o tribunal a quo aplicou em duplicado o fator de bonificação 1.5.
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III. Matéria de Facto
A 1.ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1.1 AA nasceu no dia .../.../1964.
1.2 No dia 14/06/2019, quando desempenhava as suas funções como trabalhador qualificado de aquicultura, ao serviço de “T..., S.A.” sofreu traumatismo do joelho direito.
1.3 Por sentença de 25/11/2021 (proferida no processo principal) foi fixada ao sinistrado, em consequência desse acidente, uma Incapacidade Permanente Parcial de 2,149% desde 24/04/2020 (já com o fator de bonificação e considerando IPP anterior de 4,5% fixada no processo 2502/17.0T8PTM).
1.4 Em consequência do referido traumatismo, atualmente o sinistrado apresenta cicatriz pós-cirúrgica, com 1cm de comprimento na face lateral do joelho direito e cicatriz pós-cirúrgica, circular com cerca de 1 cm de maior diâmetro na face medial, compatíveis com meniscectomia, o que lhe determina uma incapacidade permanente parcial de 2,865% (já com o fator de bonificação e considerando IPP anterior de 4,5% fixada no processo 2502/17.0T8PTM).
1.5 Na referida data do acidente (14/06/2019) o sinistrado auferia da referida “T..., S.A.” a retribuição anual de € 13.012,00.
1.6 À data do acidente a responsabilidade por acidentes de trabalho encontrava-se transferida para a “Mútua dos Pescadores – Mútua de Seguros, C.R.L.”, com referência à retribuição anual referida.
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IV. Fator de bonificação 1.5
Alega a Apelante que, na fixação da IPP em sede de incidente de revisão, o tribunal a quo violou a Instrução Geral n.º 5, alínea a) da TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, porquanto aplicou em duplicado a bonificação aí prevista.
Analisemos a questão.
Na decisão recorrida, escreveu-se:
«Em face dos factos dados como provados verifica-se que existe um agravamento da situação clínica do sinistrado relativamente à última decisão.
As sequelas físicas de que padece são subsumíveis ao item 12.1.3.a), do Capítulo I, da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, com uma IPP de 2,865%.
O exame médico nada referiu quanto à data em que a sinistrada passou a encontrar-se afetada de uma IPP superior, porque nenhum quesito havia sido formulado para o efeito.
A jurisprudência vem sustentando que, para os casos em que se não fixe, por exame, a data em que se verificou o agravamento ou a melhoria das lesões, deve entender-se a data da entrada do requerimento de revisão, na Secretaria do Tribunal (cf. entre outros, Acórdãos da Relação do Porto de 12/12/2005, processo 0513681 e 29/05/2006, processo 0610535, acessíveis em www.dgsi.pt).
Tal entendimento mereceu acolhimento conforme à Constituição pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 480/2010 (in DR, II Série, n.º 18, de 26/1/2011).
No caso dos autos, tendo em consideração que o requerimento de revisão deu entrada no dia 20/01/2022, é desde essa data que é devido o capital de remição calculado em função de uma pensão anual e vitalícia.
De resto, nada existe nos autos que permita o afastamento da bonificação prevista no n.º 5, alínea a), das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades (cf. D.L. 352/2007, de 23 de Outubro).
De resto, conforme se decidiu nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 30/05/2012 (processo 468/08TTTVD.L1-4) e de 22/05/2013 (processo 183/03.8TTBRR.1.L1-4), ambos acessíveis em www.dgsi.pt, se entre o momento da definição do direito do sinistrado (data da alta ou da prolação da sentença no processo de acidente de trabalho) e a data da decisão da revisão ocorrer alteração da idade do sinistrado que a torne relevante para efeitos de aplicação de algum fator de bonificação, quando antes não o era, deve o mesmo ser tido em conta.
De resto, verificando-se que o sinistrado tinha mais de 50 anos de idade, à data da consolidação das lesões, na fixação do grau de incapacidade permanente e não se verificando qualquer situação de duplicação de bonificação (por não estar em causa a atribuição de outra bonificação no mesmo acidente), deve ser tido em conta o fator 1,5 de bonificação, previsto na instrução geral nº 5 al. a) da TNI, só assim se respeitando a aplicação das regras definidas na tabela nacional de incapacidades, em conformidade com o previsto no n.º 3, do artigo 21.º da LAT (ver, neste ponto, Acórdão da Relação de Guimarães de 07/03/2019, processo n.º 10/18.1T8BCL.G1, acessível em www.dgsi.pt).
Assim, no caso dos autos, atendendo à idade do sinistrado, entende-se que o valor final da incapacidade deverá ser bonificado pelo fator 1,5.
Assim, considerando que o sinistrado auferia à data do acidente o salário anual de €13.012,00 e tendo ainda em atenção o disposto no artigo 47.º, n.º 1, alínea c), o artigo 48.º, n.º 3, alínea d), o artigo 50.º, n.º 2, 71.º e artigo 75.º, todos da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, tem direito a ser ressarcido pela entidade responsável Seguradora de um capital de remição calculado em função de uma pensão anual e vitalícia, devida desde o dia seguinte ao da alta, correspondente a 70% da redução sofrida na sua capacidade geral de ganho, ou seja, de €260,96 (Rendimento Anual×0,70×o valor da incapacidade Permanente Parcial, ou seja, neste caso, 13012,00x0,70= 9108,40; 9108,40x0,02865=260,95566), devida desde 20/01/2022.
Consequentemente é de alterar a anterior decisão proferida no processo principal nos termos apontados.».

A Instrução Geral n.º 5, alínea a) do Anexo I da TNI, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, prescreve que os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator.
Infere-se desta norma que a bonificação da incapacidade devido à idade do sinistrado, apenas pode ocorrer uma única vez, no mesmo acidente de trabalho.
Nos presentes autos, o fator de bonificação 1.5 foi aplicado na IPP inicial, atribuída na sentença de 25/11/2021, por o sinistrado ter mais de 50 anos.
Porém, o sinistrado não beneficiou da aludida bonificação duas vezes.
Se compararmos o auto do exame por juta médica de 29/10/2021[2] e o auto do exame de revisão realizado em 16/03/2023, constata-se que as sequelas de que padece o sinistrado foram, em ambos os exames periciais, enquadradas no Capítulo I nº 12.1.3.a) da TNI.
A diferença entre os exames reside na circunstância de a junta médica ter arbitrado um coeficiente de desvalorização de 0,015, e, no exame de revisão, foi arbitrado um coeficiente de desvalorização de 0,02.
Ocorreu, pois, um agravamento da desvalorização atribuída às sequelas.
E é desse agravamento que resulta a IPP de 2,865% fixada em sede de incidente de revisão.
A 1.ª instância limitou-se a considerar a bonificação que anteriormente havia sido aplicada em função da idade do sinistrado, mantendo-a em relação ao agravamento.
E esta secção social já se pronunciou pela legalidade de tal procedimento.
No Acórdão prolatado em 11/06/2015, no Proc. n.º 518/09.0TTSTR.E1[3], escreveu-se:
«Tendo a sinistrada ficado portadora de uma IPP de 15% em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima e beneficiado da aplicação do fator de bonificação de 1.5 em função da sua idade (por ter mais de 50 anos à data do sinistro) ao abrigo do n.º 5 al. a) das Instruções Gerais da TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23-10 aquando da prolação da sentença de 30 de junho de 2010 e com efeitos desde 7 de novembro de 2009 (dia seguinte ao da alta), tendo visto posteriormente agravado o referido grau de IPP na sequência de exame médico de revisão requerido em 14 de fevereiro de 2012, deve a mesma continuar a beneficiar daquele fator de bonificação sobre o efetivo agravamento dessa IPP, tudo se passando como se a sinistrada anteriormente nunca tivesse beneficiado da aplicação desse fator de bonificação e tivesse (como efetivamente tinha já à data da verificação do acidente) mais de 50 anos de idade».
No mesmo sentido, escreveu-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 18/01/2017, proferido no Proc. n.º 189/14.1TTBGC.2.G1[4]:
«Não ocorre duplicação de aplicação do fator 1,5 previsto na instrução nº 5, alª a), da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo DL nº 352/07, de 23.10 e assim a sua violação, se a aplicação desse fator for apenas a continuação da aplicação deste a um agravamento das sequelas incapacitantes.».
No Acórdão da Relação de Lisboa de 15/05/2019, prolatado no Proc. n.º 21922/16.1T8SNT.1.L1-4[5], idêntica posição foi sustentada:
«Tendo sido aplicado o fator de bonificação 1,5 (previsto no ponto 5 a), das Instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades) no cálculo da incapacidade sofrida pela sinistrada, por a mesma já ter atingido a idade de 50 anos e tendo, posteriormente, sido requerida a revisão da incapacidade, por agravamento das sequelas, dever-se-á continuar a aplicar o mesmo facto de bonificação no cálculo da incapacidade».
Enfim, não vislumbramos qualquer razão para alterar o entendimento já anteriormente assumido por esta Secção Social.
Em consequência, sem necessidade de mais delongas, atenta a simplicidade da questão, resta-nos concluir que a decisão recorrida não violou a Instrução Geral n.º 5, alínea a) da TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, pelo que o recurso terá de improceder.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
Notifique.
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Évora, 28 de junho de 2023
Paula do Paço (Relatora)
Mário Branco Coelho (1.º Adjunto)
Emília Ramos Costa (2.ª Adjunta)

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa
[2] No qual se baseou a sentença prolatada em 25/11/2021.
[3] Acessível em www.dgsi.pt.
[4] Idem.
[5] Idem.