CONVOCATÓRIA PARA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
IRREGULARIDADES
INVALIDADE DA DELIBERAÇÃO
ÓNUS DE PROVA
Sumário

1–As irregularidades do procedimento de convocação da assembleia de condóminos, seja por inobservância do prazo de antecedência, seja por omissão de convocatória de um ou mais condóminos, seja por ter sido convocada por quem não tem legitimidade, têm como consequência que as deliberações que nessa assembleia sejam tomadas são inválidas e estão sujeitas à arguição de anulabilidade respectiva.

2–O ónus de provar que todos os condóminos foram tempestivamente convocados para a assembleia incumbe à entidade convocante, não se podendo encarregar o condómino da prova negativa da inobservância de tal obrigação legal.

Texto Integral

Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


IRELATÓRIO.


1-M– Investimentos I e T, Lda., FG – Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda., CV, Lda. e, FMG, instauraram acção declarativa, com processo comum, contra Condomínio do Centro Comercial e CEC, pedindo:

A anulação das deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 28/05/2021.

Alegaram, em síntese, serem proprietários de diversas fracções autónomas, que indicam, no prédio em propriedade horizontal, representando 157 dos 850 votos representativos do capital social. O réu convocou uma assembleia de condóminos, a realizar no dia 26 de Maio de 2021 sendo que, caso nessa data inexistisse quórum, realizar-se-ia no dia 28 seguinte. Contudo, apenas expediu convocatória para a autora Investimentos I e T, Lda no dia 14, não tendo convocado qualquer dos outros autores, sendo que no dia 26 ainda não havia sido levantada. Só em junho vieram os autores a tomar conhecimento de que a assembleia se havia realizado, debatendo assuntos do seu interesse. Face a isso, o autor FG solicitou ao administrador a realização de assembleia extraordinária com vista a suprir a irregularidade, o que lhe foi negado, em resposta.

2–Citado, o réu contestou.
Alegou, em síntese, ter remetido a convocatória por carta registada dirigida a cada um dos condóminos, tendo-os convocado a todos e atempadamente. Acresce que as autoras receberam, também por email, a convocatória e documentos que a acompanhavam, sendo que haviam acordado, em assembleia anterior, em 23 de julho de 2013, tendo à data como administrador, a sociedade aqui autora, CV, Lda., representada pelo seu sócio gerente, FG “…que as futuras convocatórias sejam remetidas sem os respectivos documentos de suporte, os quais ficarão à disposição dos condóminos no local de funcionamento da administração ou disponíveis para envio em formato digital por e-mail àqueles condóminos que contactarem a administração do condomínio para o efeito…”. Pugna, por isso, pela sua absolvição do pedido e pela condenação das autoras como litigantes de má-fé.

3–Os autores pronunciaram-se sobre a pretendida condenação como litigantes de má-fé.

4–Realizada audiência final, com data de 16/01/2023, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
3. Decisão
Pelo exposto, julgo totalmente procedente a presente ação e, consequentemente, anulo todas as deliberações tomadas na assembleia do condomínio de 28 de maio de 2021 do Centro Comercial e CEC” (NIPC 900 533 218), sito na Rua da …, números 1…, 1200 Lisboa.

Custas pela ré – art.º 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil.”

5–Inconformado o réu interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
A–O Recorrente é um condomínio.
B–As Recorridas são todas condóminas no Condomínio supra identificado nos autos.
C–As Recorridas sendo todas sociedades têm em comum a mesma sede social.
D–As Recorridas sendo sociedades têm em comum o mesmo sócio-gerente, Eng. FG.
E–As Recorridas peticionaram a anulação das deliberações tomadas em sede de Assembleia de Condóminos que datou de 28.05.2021, apresentando não terem sido notificadas da convocatória no prazo legal na situação da sociedade Investimentos, Lda sendo que no referente às sociedades CV, Lda e sociedade FG, Lda, nunca foram convocadas.
F–O Recorrente apresentou e comprovou que tal não corresponde à verdade, oferecendo e comprovando que a todos os condóminos foi enviada a convocatória para a assembleia geral no dia 14.05.2021 com primeira data a 26.05.2021 (primeira convocatória) e com segunda data de 28.05.2021 (segunda convocatória).
G–Ficou provado, que a sociedade Investimentos, Lda, foi notificada por carta registada com aviso de recepção.
H–Tendo a mesma sido envida pelo administrador do condomínio no dia 14.05.2021, contudo o seu sócio-gerente, Sr. FG, apenas procedeu ao levantamento da carta registada no dia 26.05.2021, sendo que a mesma já há muito que se encontrava disponível para ser levantada.
I–Pelo que, face à Recorrida, Investimentos, Lda o Tribunal tendo dado como provada a recepção da convocatória de forma tempestiva, teria de considerar que a mesma foi convocada para a assembleia e logo aqui a acção teria de ter sido julgada, quanto a esta sociedade Recorrida, como improcedente.
J–Os demais Condóminos foram todos notificados, por e-mail enviado, conforme documento junto aos autos.
K–O Administrador agiu nos moldes descritos em cumprimento do vertido da acta 40, que foi realizada no dia 23 de julho de 2013, tendo o condomínio, à data, como Administrador, a sociedade aqui Recorrida – CV, Lda, representada pelo seu sócio gerente, Sr. FG, sociedade que ora contesta não ter recebido a convocatória por carta, quando foi a mesma a propor a recepção da convocatória apenas por e-mail tendo fornecido os emails da sociedade CV bem como das demais sociedades que são pela mesma pessoa geridas, tendo ainda, desde 23 de julho de 2013 sempre recebido todas as notificações /convocatórias /comunicações e actas por e-mail, conforme resulta também amplamente provado nos autos.
L–Esta acta n.º 40 prevê que as futuras convocatórias sejam remetidas sem os respectivos documentos de suporte, os quais ficarão à disposição dos condóminos no local de funcionamento da administração ou disponíveis para envio em formato digital por e-mail àqueles condóminos que contactarem a administração do condomínio para o efeito, reduzindo assim as despesas de correio e fotocopias”.
M–Esta proposta foi proposta pela Recorrida CV, Lda e foi deliberada por unanimidade dos condóminos.
N–O Recorrente enviou por e-mail para os endereços, que desde 2013, o sócio-gerente das recorridas cedeu, tanto a convocatória como todos os demais documentos.
O–Mesmo, que não tivesse recebido a convocatória por e-mail, o sócio-gerente, das três Recorridas, foi levantar a carta com a convocatória, encontrando-se o recibo por este assinado, no dia 26 de maio de 2021, uma vez que a Assembleia Geral, apenas foi celebrada no dia 28 de maio de 2021, poderia este ter contactado com a Administração.
P–Mas, conforme prova produzida, este sócio-gerente, das três sociedades aqui Recorridas, nenhum interesse demonstrou nesta matéria, sendo totalmente omissivo.
Q–Pelo que, toda a alegação das Recorridas deve ser entendida como um claro abuso de direito, uma vez que o sócio-gerente das três Recorridas, foi o mesmo que propôs que se passasse a enviar as convocatórias apenas por e-mail e, vem ora, apresentar que uma vez que não recebeu as convocatórias por carta, que as convocatórias enviadas por e-mail não são válidas.
R–Nos termos do vertido no artigo 1432.º, n.º 1, do Código Civil. Não se detecta nenhuma desconformidade com um qualquer prazo de antecedência para o envio da convocatória.
S–Aliás, já antes de o legislador do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, havia flexibilizado as convocatórias, não se podendo ter esta decisão exarada em acta pelo universo dos condóminos por violadora da Lei.
T–Pelo que, em face do exposto, alegado e documentado, a presente decisão encontra-se eivada de uma incorrecta interpretação dos factos, bem como numa incorrecta aplicação do direito, sendo urgente uma rectificação da presente decisão, atento que todas as recorridas se encontram devidamente convocadas no estrito cumprimento tanto da Lei como de acta anterior, onde existiu a proposta da Recorrida, CV, Lda e uma votação por unanimidade de todos os condóminos nesse sentido.
U–Pelo que as atitudes das Recorridas, não passa de uma tentativa de defraudar a Lei, bem como de uma clara manobra de venire contra factum proprium, ao qual se impõe uma devida sanção, conforme foi peticionada nos autos pelo Recorrente.
Em face do exposto e nos demais do direito, deverá revogar-se a douta sentença recorrida, devendo a mesma ser substituída por uma que vise e cumpra com todos os princípios legais, nomeadamente que considere que nos termos do exposto e alegado as recorridas foram todas notificadas de forma tempestiva da convocatória que agendava a assembleia-geral do condomínio.

6A co-autora, CV, Lda., contra-alegou, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
A.Nestes autos, foi o Recorrente confrontado com a procedência da ação contra si deduzida, na qual se peticionava a anulação das deliberações tomadas na assembleia de condóminos de dia 28 de maio de 2021, por inobservância dos formalismos de convocatória de todos os condóminos, neles se incluindo a aqui Recorrida, CV, Lda., e demais Autores.
B.O Recorrente impugnou a decisão proferida, pugnando por uma diferente apreciação da prova produzida nos autos.
C.Contudo, o Recorrente não especificou os concretos pontos da decisão da matéria de facto impugnados, nem a prova produzida que imporia conclusão diversa.
D.Desta forma, o Recorrente incumpriu com o ónus que sobre si recaía, ao abrigo do disposto no Artigo 640.º do CPC, tendo este recurso de ser liminarmente rejeitado.
E.A assim não se entender, o que por mero dever de cautela se invoca, é de salientar que não pode ser atribuído, ao recurso deduzido, o efeito suspensivo, por força do Artigo 647.º, n.º 1 do CPC, invocado pelo Recorrente, porquanto estes autos não respeitam ao estado das pessoas.
F.Não obstante o efeito atribuído ao recurso em apreço, é manifesto que o mesmo carece de qualquer fundamento.
G.Em síntese, o Recorrente invoca que a obrigação de convocatória dos Autores, para a assembleia de condómino de onde emanaram as deliberações impugnadas, foi, adequadamente, cumprida.
H.De acordo com a contestação, esse cumprimento decorria do facto de ter sido endereçado a todos os condóminos carta registada, com aviso de receção, respeitando o período de antecedência legal imposto (vide artigo 5.º da contestação).
I.Ora, nos autos apenas consta junta uma carta registada, com aviso de receção, endereçada e destinada a apenas uma das Autoras, a empresa Investimentos, Lda. (Cfr. Documentos n.º 5 e 6 juntos com a petição inicial).
J.Refere, então, o Recorrente, numa versão aditivada dos factos, apenas desenvolvida em sede de discussão e julgamento, que a convocatória aos demais Autores, neles se incluindo a aqui Recorrida, ter-se-ia efetuado por via de e-mail, em conformidade com o deliberado a 23 de julho de 2013, vertido no ponto 9 da ata n.º 40.
K.Nessa ata é, efetivamente, deliberada a possibilidade de informação aos condóminos por via de e-mail, apenas e tão só, dos documentos de apoio às convocatórias, a remeter pelas vias legalmente exigidas, ou seja, por correio registado com aviso de receção.
L.Portanto, da mencionada ata não se retira a dispensa de forma de comunicação que o Recorrente pretende.
M.Ademais, não foi junta indicação dos Autores para serem informados por essa via; não foi junta lista de endereços eletrónicos associando-se aos respetivos condóminos; nem tão pouco foi junto comprovativo de envio de e-mail, a endereços eletrónicos respeitantes a cada um dos Autores, com a convocatória para a assembleia geral em causa.
N.Esta era prova que incumbia ao Recorrente, tal como decorre do disposto no Artigo 342.º, n.º 2 do CC.
O.Não tendo sido este ónus de prova cumprido, a ação foi declarada procedente.
P.Vem, agora, em sede de recurso, o Recorrente aditar que, sempre teriam os Autores de ter sido considerados como devidamente convocados através da carta remetida para a Moldihouse, uma vez que comungam da mesma sede e do mesmo sócio-gerente.
Q.O Recorrente nunca alegou tal facto, desta forma, por esse motivo, o mesmo não foi objeto de contraditório, nem de apreciação pelo Tribunal a quo e nem pode, por isso, ser, nesta sede de recurso, conhecido.
R.E, ainda que assim não fosse, nunca seria um fundamento que permitisse a procedência da pretensão do recurso.
S.A comunhão de sede e de sócio-gerente não faz com que pessoas coletivas distintas e o próprio sócio-gerente, enquanto pessoa singular, Autor, e individualmente considerado, se confundam e possam se considerar convocados por via de carta endereçada apenas a uma dessas entidades.
T.Veja-se que o próprio Tribunal teve de cuidar por endereçar notificações individualizadas a cada um dos Autores, para que estes se pudessem considerar como, devida e adequadamente, notificados.
U.Mais se dirá quanto a meras comunicações a efetuar entre privados, como é o caso de convocatórias para assembleias de condóminos.
V.Assim, não estava o Recorrente dispensado de dar o devido e cabal cumprimento, em relação a cada um dos condóminos, à obrigação de convocatória, por carta registada, com aviso de receção, decorrente da redação do Artigo 1432.º do CC, à data em vigor, para tanto pouco relevando considerações e devaneios sobre os preâmbulos legais.
W.O Recorrente não convocou, por essa via ou qualquer outra, a totalidade dos condóminos, sobre o agendamento da assembleia de condóminos de dia 28 de maio de 2021.
X.Como tal, as deliberações nessa data tomadas foram, atempadamente, impugnadas e, adequadamente, anuladas, tendo os Autores, e bem assim a aqui Recorrida, se limitado a exercer, válida e legitimamente, o direito que lhes assiste, sem motivo de censura.
Y.A sentença recorrida não padece de qualquer nulidade, tendo de se manter, determinando a total improcedência do recurso apresentado.

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IIFUNDAMENTAÇÃO.

1Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
- Se há fundamento para revogar a sentença em termos de considerar validamente convocadas a assembleia-geral de condóminos.

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2Matéria de Facto.

É a seguinte a matéria de facto decidida pela 1ª instância:

Factos Provados
1)As autoras Investimentos, Lda., FG, Unipessoal, Lda. e CV, Lda têm como objeto social, entre outros, a compra e venda de imóveis.
2)O autor FG é sócio e gerente das três sociedades autoras.
3)A autora Moldihouse, Lda. é proprietária das frações autónomas designadas pelas letras E, G, H, CQ, CR, CS, CT, CV, CX, CZ, DA, DB, DC, DD, DE, DF, DG, DH, DI, DJ, DL, DM, DN, DO, DP, DQ, DR, DS, DT, DU, DV, DX, DZ, EA, EB, EM, EN, EO, EP, EQ, ER, ES, ET, EU, EV, EX, EZ, FA, FB, FC, FD, FE, FF, FG, FH, FI, FJ, FL, FM, FN, FO, FP, FQ, FR, FS, FT, FU, FV, GG, GH, GI, GJ, GL, GM, GN, GO, GP, GQ, GR, GS, GT, GU, GV, GX, GZ, HA, HB, HC e LG do prédio urbano sito na Rua…, nºs …e Rua …, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 7…, da dita freguesia e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 3…, da freguesia de …, vulgarmente conhecido como “…”.
4)A autora FG, Unipessoal, Lda. é proprietária das frações autónomas designadas pelas letras J e MG do prédio urbano acima identificado.
5)A autora CV, Lda, é proprietária das frações autónomas designadas pelas letras EJ, HF, HG e IV.
6)O autor FG é ainda proprietário das frações autónomas designadas pelas letras CU, EH e JM do referido prédio.
7)O réu, na pessoa do seu administrador, expediu, no dia 14 de maio de 2021, sexta-feira, através de carta registada com aviso de receção, uma convocatória para realização de assembleia geral de condóminos.
8)A referida convocatória respeitava a uma assembleia de condóminos agendada para dia 26 de maio de 2021, pelas 9:30h, indicando a respetiva ordem de trabalhos e ainda que, para o caso de não haver o quorum necessário para a realização da assembleia, a mesma seria reagendada para dia 28 de maio de 2021, à mesma hora e no mesmo local.
9)A referida convocatória foi remetida à autora Investimentos, Lda.
10)A assembleia geral de condóminos veio a realizar-se em 28 de maio de 2021, pelas 09h30, tendo os condóminos presentes deliberado sobre os tópicos identificados na ordem de trabalhos.
11)Em 30 de junho de 2021, os autores receberam cópia da ata da assembleia realizada em 28 de maio, que lhes foi enviada pelo administrador.
12)O autor FG, na dupla qualidade de condómino e de representante das sociedades condóminas também aqui autoras, solicitou ao administrador do réu, no dia 07/07/2021, por via postal, a realização de uma assembleia extraordinária.
13)No dia 15 de julho de 2021, o autor recebeu uma carta registada com aviso de receção, da qual consta a recusa da realização de assembleia extraordinária, em virtude de que “… não assiste razão a V.Exa. no pedido que realiza a esta Administração (…) não corresponde à verdade que a convocatória para a assembleia identificada tenha sido enviada sem a antecedência legal…”.
14)Em assembleia de condóminos do condomínio réu realizada em 23 de julho de 2013, da qual foi lavrada a ata n.º 40, onde consta que foi deliberado o seguinte: O Presidente da Mesa colocou à consideração da Assembleia para que futuras convocatórias sejam remetidas sem os respetivos documentos de suporte, os quais ficarão à disposição dos Condóminos no local de funcionamento da Administração ou disponíveis para envio em formato digital por e-mail àqueles condóminos que contactarem a Administração do Condomínio para o efeito, reduzindo assim as despesas de correios e de fotocópias. Foi posta esta proposta à votação e foi a mesma aceite por unanimidade.

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Factos Não Provados
a)-Que, no dia 14.05.2021, tenham sido enviadas, por carta registada com aviso de receção, convocatórias para a assembleia de condóminos a realizar em 26.05.2021 dirigidas aos autores “FG – Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda.”, “CV, Lda.” e FG.
b)-Que tenham sido enviadas, para endereço eletrónico previamente indicado para esse efeito pelas autoras à administração do condomínio, convocatórias para a assembleia de condóminos a realizar em 26.05.2021 dirigidas aos autores “FG – Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda.”, “CV, Lda.” e FG.
c)-Que o réu soubesse que a convocatória dirigida à autora “Investimentos, Lda.” ainda não tinha sido por esta levantada no dia 26.05.2021.

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3A Questão Enunciada: Se há fundamento para revogar a sentença em termos de considerar validamente convocadas a assembleia-geral de condóminos.
 
Defende o réu/apelante que deve ser revogada a sentença e decidido que a assembleia-geral realizada a 28/05/2021 foi regularmente convocada.
Invoca que a sentença foi incorrecta na interpretação dos factos e na aplicação do direito, Alega que remeteu a todos os condóminos, por carta registada, convocatória para assembleia com 12 dias de antecedência; e que dos documentos juntos provam o envio da convocatória para o endereço de email das recorridas onde sempre receberam as convocatórias, desde 2013, como foi deliberado, por unanimidade, em assembleia de condóminos conforme acta nº 40.
Haverá fundamento para revogar a sentença?
Em primeiro lugar, impõe-se a seguinte constatação: o apelante afirma que a sentença foi incorrecta na interpretação dos factos e aduz que, dos documentos juntos, resulta o envio de convocatórias a todos os condóminos e, além disso, as convocatórias por email.
Pois bem, parece que com tal alegação o apelante pretende por em causa a decisão sobre a matéria de facto decidida pela 1ª instância.
A questão que se coloca é a de saber se se pode considerar que a apelante impugna, válida e eficazmente, a decisão sobre a matéria de facto.
Ora, como é sabido, o artº 640º do CPC impõe ao recorrente, que impugne matéria de facto, o cumprimento de certos ónus sob pena de rejeição do recurso quanto a essa impugnação.

Concretizando.

Estabelece o artº 640º do CPC:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b)- Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Por comparação com o artº 685º-B do anterior código, verifica-se um reforço desse ónus de alegação que impõe ao recorrente, sob pena de rejeição:
(i)-especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
(ii)-especificar os meios de prova constantes do processo que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
(iii)-indicar a resposta que, no seu entender deve ser dada às questões de facto impugnadas. E,
(iv)-“…relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes…” (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, 2016, Almedina, pág. 136 e segs, mormente a 139 e seg.).    
Saliente-se ainda que o legislador optou por rejeitar a admissibilidade de recursos genéricos contra errada decisão da matéria de facto (Abrantes Geraldes, Recursos…cit., pág. 137).
Além disso, relembre-se, que não existe despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da matéria de facto (Abrantes Geraldes, Recursos…cit., pág. 141).
No caso dos autos, o recorrente limitou-se a referir, genericamente e de modo pouco claro, que a sentença 1ª instância foi incorrecta na interpretação dos factos e afirma que, dos documentos juntos, resulta o envio de convocatórias a todos os condóminos e, além disso, as convocatórias por email.
Só que o apelante  não especificou, rectius, não indicou nenhum concreto meio de prova, constante do processo, que, em seu entender determinaria uma decisão diversa quanto aos  pontos de factos. Limita-se a referir, genericamente, “da prova produzida”, dos “documentos juntos”, sem especificar quais concretamente e qual prova.
Ou seja, não se percebe em que meios de prova se baseia a apelante para ver alterados aqueles pontos da matéria de facto.
Perceba-se que quando se fala em impugnação da matéria de facto pretende-se significar um juízo de discordância com a decisão do julgador acerca de determinado facto. E que para alcançar esse desiderato importa que o impugnante demonstre, através dos meios de prova, que deve concretizar, que o julgador não decidiu de acordo com a prova que foi produzida. No fundo, impõe-se que o impugnante convença o tribunal ad quem que, perante aqueles meios de prova o resultado do juízo probatório deveria ter sido outro.

Além disso, o apelante não especifica quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente decididos. Nem indica qual o sentido da decisão que a factualidade deveria, em seu entendimento, ter.
Em suma, o apelante não cumpriu os ónus que o artº 640º nº 1 e 2 al. a) do CPC lhe impõe.
Assim, sem necessidade de outros considerandos, resta concluir que não pode ser alterada a factualidade decidida pela 1ª instância.

E, sem modificação da matéria de facto será que haverá fundamento para revogar a sentença?

A 1ª instância fundamentou a sua decisão de anulação da assembleia de condóminos, de 28/05/2021, escrevendo:
“…uma vez que o réu, a quem incumbia o ónus da prova destes factos (cfr. o artigo 342º, n.º 2 do CC), não fez a sua prova, não tendo logrado provar o envio das convocatórias por carta registada, como havia alegado, também para os autores “FG – Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda.”, “CV, Lda.” e FG.
Não se justifica, igualmente, analisar a legalidade da realização de convocatórias por email, antes da entrada em vigor da atual redação do artigo 1432º do CC, uma vez que o réu também não conseguiu fazer prova de ter enviado aos ora autores qualquer convocatória por esse meio. Contudo, não se pode deixar de referir que não foi, sequer junta qualquer ata ou regulamento do condomínio legitimando o envio de convocatórias por essa via, sendo que a deliberação da ata n.º 40 respeita apenas ao envio dos documentos que acompanham a convocatória, dispensando a administração do seu envio pelos correios que, dado o seu peso, elevaria os custos. O envio por correio eletrónico está ali previsto unicamente para os documentos, e não para a convocatória. Uma eventual prática do condomínio nesse sentido, “aligeirando” as formalidades previstas na lei, sem contestação dos condóminos não se traduz, como é evidente, numa qualquer permissão genérica para deixar de cumprir as normas legais.
Importa, assim, julgar a ação procedente, anulando todas as deliberações tomadas na assembleia de 28 de maio de 2021, uma vez que não foram convocados três condóminos, aqui autores: “FG – Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda.”, “CV, Lda.” e FG.

Pois bem, em face da factualidade apurada, somos a entender que não há motivo para revogar a sentença da 1ª instância.
Na verdade, o artº 1432º do CC, com epígrafe Convocação e funcionamento da assembleia”, na redacção dada pelo DL 267/94, de 25/10, em vigor à data da convocatória em causa (entretanto, foi alterado esse artigo pela Lei 8/2022, de 10/01, que entrou em vigor a partir de 10 de abril de 2022) estabelecia no seu nº 1:
1-A assembleia é convocada por meio de carta registada, enviada com 10 dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de recepção assinado pelos condóminos.

Ou seja, à data da assembleia em causa, a convocatória podia fazer-se de duas formas: (i)-por carta registada enviada com 10 dias de antecedência, (ii)-ou mediante aviso convocatório, desde que houvesse recibo de recepção assinado pelos condóminos, feito com a mesma antecedência.
Ora bem, como salienta Sandra Passinhas (Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2000, pág. 217) O ónus de provar em juízo que todos os condóminos foram tempestivamente convocados para a assembleia incumbe à entidade convocante, não se podendo encarregar o condómino da prova negativa da inobservância de tal obrigação legal.

No caso dos autos, o réu/apelante não provou que:
Que, no dia 14.05.2021, tenham sido enviadas, por carta registada com aviso de receção, convocatórias para a assembleia de condóminos a realizar em 26.05.2021 dirigidas aos autores “FG – Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda.”, “CV, Lda.” e FG.
b)-Que tenham sido enviadas, para endereço eletrónico previamente indicado para esse efeito pelas autoras à administração do condomínio, convocatórias para a assembleia de condóminos a realizar em 26.05.2021 dirigidas aos autores “FG – Investimentos Imobiliários, Unipessoal, Lda.”, “CV, Lda.” e FG.

Portanto, isso significa que estes três autores não podem considerar-se como convocados para a assembleia.
Retomando a lição de Sandra Passinhas: As eventuais irregularidades do procedimento de convocação – e, em particular, as atinentes à observância do prazo e à iniciativa da convocação – não podem dar lugar senão a deliberações contrárias à lei e, como tal, sujeitas à anulação. Nas deliberações resultantes de assembleias irregularmente convocadas há uma violação lateral da lei, através do processo formativo da assembleia. Serão, por isso, de acordo com o regime regra, deliberações meramente anuláveis.(A Assembleia de Condóminos…, cit., pág. 215).

Na verdade, estabelece o artº 1433º nº 1 do CC:
1-As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que não as tenha votado.
Facilmente se percebe que a falta de convocatória de alguns condóminos implica a violação da lei, concretamente, a regra de convocação de todos os condóminos para participarem, querendo, na assembleia – que por isso se diz geral – de condóminos.
E, repare-se, que a falta de convocação de um condómino que seja afecta a própria validade da deliberação, sem que se possa invocar que o voto do condómino não convocado não teria influência no resultado da votação.

Efectivamente, segundo Vasco da Gama Lobo Xavier (Anulação de deliberação social e deliberações conexas, pág. 52) “…quando a pessoa legitimada para concorrer ao colégio for disso impedida este facto determina sempre a invalidade das deliberações aí tomadas – e tal invalidade revestirá a forma de anulabilidade. (…) Isto muito embora os votos que àquele coubessem fossem insuficientes para, somados aos da minoria, igualar o número daqueles que fizeram vencimento. (…) Pois no pensamento da lei a assembleia geral não é apenas destinada à votação, mas também à formação do convencimento dos votantes, através do mútuo esclarecimento proveniente da discussão que eventualmente precede a emissão dos votos. Assim, com a irregularidade cometida perde-se a possível influência de um membro do colégio deliberativo na determinação dos restantes. Não pode raciocinar-se como se o sentido de voto destes fosse seguramente o mesmo, ainda que o excluído tivesse intervindo na assembleia.” (apud Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos…, cit., pág. 216, nota 545).

Portanto, do que se expôs, dada a falta de convocação dos condóminos acima referidos, resta concluir que as deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 28/05/2021 são inválidas e, por isso, reconhece-se o acerto da sentença da 1ª instância.

Em suma, resta concluir pela improcedência do recurso.

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IIIDECISÃO.

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença impugnada.

Custas na instância de recurso, pelo apelante, na vertente de custas de parte (as custas na vertente de taxas de justiça mostram-se previamente satisfeitas e não foram praticados actos, nesta instância, tributáveis como encargos).



Lisboa, 06/07/2023


(Adeodato Brotas)
(Gabriela Marques)
(Nuno Ribeiro)