MARCA
FORMA
Sumário

Marca de forma – Capacidade distintiva e arbitrariedade – Artigos 209.º n.º 1-b) e 231.º n.º 1-c) do CPI – Artigo 4.º n.º 1- e) da Directiva (EU) 2015/2436

Texto Integral

Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa


Enquadramento do litígio

1.–A recorrente, requereu ao INPI o registo da marca nacional n.º 689997 (marca tridimensional para assinalar bolachas), que foi recusado por decisão do INPI de 29.12.2022 (cf. referência citius 109669).

2.–Da decisão do INPI mencionada no parágrafo anterior, a recorrente interpôs recurso de impugnação judicial junto do Tribunal da Propriedade Intelectual (doravante também Tribunal a quo, Tribunal recorrido ou Tribunal de primeira instância), pedindo a sua revogação e substituição por decisão que conceda o registo da marca nacional 689997.

3.–O processo administrativo, acompanhado dos elementos de informação previstos no artigo 42.º do Código da Propriedade Industrial (CPI), foi remetido pelo INPI ao Tribunal (cf. referência citius 109669).

4.–Neste processo não existe contraparte, não sendo o INPI considerado parte contrária (cf. artigo 43.º do CPI).

5.–O Tribunal da Propriedade Intelectual, por sentença de 27.4.2023, julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão do INPI que recusou o registo da marca em crise.

Alegações da recorrrente

6.–Da sentença referida no parágrafo anterior veio a recorrente interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, pedindo a sua revogação e substituição por acórdão que conceda o registo da marca nacional tridimensional n.º 689997.

7.–A recorrente invocou, em síntese, argumentos que o Tribunal agrupa como se segue:

Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

  • A matéria de facto apresenta um lapso de escrita no facto provado 1, onde se escreveu o número da marca nacional 676480, o qual deve ser rectificado passando a escrever-se o número correcto 689997;
  • Com base no documento n.º 4 junto à impugnação judicial e nos elementos jurisprudenciais aí indicados, devem acrescentar-se à matéria de facto provada os seguintes factos:
(i)-A recorrente é titular do registo:
da marca mexicana tridimensional n.º 2307215 que protege “bolos e bolachas” na classe 30, pedida em 11 de Março de 2020 e em vigor até 11 de Março de 2030”.

(ii)-A recorrente é titular dos registos:
da marca mexicana n.º 1377977

da marca mexicana n.º 136701

da marca brasileira n.º 908529120

da marca peruana n.º P00217207

(iii)-O INPI concedeu os seguintes registos de marcas tridimensionais, todos na classe 30

n.º 343195 em nome de MARS INC., concedido em 5 de Julho de 2004 e em vigor;

n.º432319em nome de IMPERIAL-Produtos Alimentares, S.A., concedido em 4 de Julho de 2008, e em vigor;

n.º 439468 de IMPERIAL-Produtos Alimentares, S.A.,

concedido em 6 de Janeiro de 2009 e em vigor;

(iv)-O Arbitrare e o Tribunal da Relação de Lisboa reverteram a decisão de recusa do pedido de registo de marca tridimensional inicialmente proferida pelo INPI, em posterior decisão de concessão, na classe 30, para os seguintes pedidos de registo de marca nacional:

Marca internacional designando Portugal n.º 986274 na classe 30, em nome de FERRERO SpA

e Marca nacional n.º 441753 , nas classes 29 e 30, em nome de LENG-D’OR, S.A.

  • Por não existir documento ou qualquer outro meio de prova sobre tais factos, devem considerar-se não provados os seguintes factos:

(v)-A forma tridimensional apresentada corresponde à forma mais tradicional, comummente utilizada ou usual na categoria dos produtos em causa;

(vi)-A forma redonda corresponderá à forma mais tradicional e comummente utilizada na categoria dos produtos em causa;

(vii)-É usual ver-se o acabamento do rebordo em anéis ou ondas, com maior ou menor dimensão (ex. bolachas de água e sal); É usual o interior em quadrados em várias categorias de bolachas (ex. bolachas digestive ou bolachas tipo waffle).

Erro de julgamento
  • Contrariamente ao que julgou o Tribunal recorrido, não é necessário que a forma tridimensional da marca em crise se mantenha disponível para os outros operadores económicos porque a mesma corresponde a uma combinação criativa de elementos decorativos diferentes, a saber, a espessura, a forma do rebordo, a quadrícula, as duas superfícies, que lhe conferem caracter distintivo merecedor de protecção;
  • Em circunstâncias análogas, o INPI e o Tribunal concederam o registo da marca nacional tridimensional n.º 447113 para assinalar chocolates, por entenderem que apresentava diferenças suficientes para preencher o requisito da novidade relativa, tomando em conta outro registo existente, cujo titular deduziu reclamação;
  • A recorrente é titular de vários registos das suas marcas de bolachas feitos noutros países, que se integram numa família de marcas, de que faz parte a marca aqui em crise, já registada e considerada distintiva noutro país;
  • Isso demonstra a intenção da recorrente identificar a proveniência empresarial comum das bolachas assinaladas com tais marcas e de internacionalizar a marca em crise;
  • A sentença apelada violou o disposto nos artigos 209.º n.º 1 e 231.º 1- c) do CPI.

Delimitação do âmbito do recurso

8.Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões, suscitadas pelos argumentos da recorrente vertidos conclusões:

A.Modificação da decisão sobre a matéria de facto

B.Erro na interpretação e aplicação dos artigos 209.º n.º 1 e 231.º 1- c) do CPI

Factos provados na sentença recorrida

Nota prévia: a numeração dos factos constante da sentença recorrida será mencionada a seguir entre parêntesis para facilitar a leitura e remissões.

9.(1)-GRUPO BIMBO, S.A.B. DE C.V. apresentou junto do INPI pedido de registo da marca nacional nº 676480 689997 *, com o sinal,

*Lapso de escrita na sentença recorrida rectificado no presente recurso conforme explicado na fundamentação infra.

10.(2)-O pedido destinava-se a abranger os seguintes produtos: Classe 30, Bolachas.

11.(3)-Na descrição da marca tridimensional, a Requerente fez constar: bolacha redonda achatada na frente da qual 144 quadrados com as suas protuberâncias ou relevos são representados em paralelo e equidistantes, rodeada por uma borda mais grossa com 33 anéis ovais, criando no seu conjunto uma forma característica e distintiva.

12.(4)-O INPI recusou o registo da marca referida em 1.º, por despacho do Diretor do Instituto, de 29.12.2022. (cf. processo INPI).

13.(5)-Encontra-se registada a favor de GRUPO BIMBO, S.A.B. DE C.V. a marca nacional nº 529750, requerida em 30-04-2014 e concedida em 10-11-2016, com o seguinte sinal tridimensional:

14.(6)-Encontra-se registada a favor de GENERALE BISCUIT a marca nacional nº 446197, requerida em 17.03.2009 e concedida em 12.06.2009, com o seguinte sinal tridimensional:

15.(7)-Encontra-se registada a favor de GALLETAS ARTIACH, S.A. a marca nacional nº 647299, requerida em 04.08.2020 e concedida em 20-01-2021, com o seguinte sinal tridimensional:

16.(8)-Encontra-se registada a favor de GALLETAS ARTIACH, S.A. a marca nacional nº 647300, requerida em 04.08.2020 e concedida em 20-01-2021, com o seguinte sinal tridimensional:

17.(9)-Encontra-se registada a favor de BAHLSEN LEIBNIZ BUTTERKEKS, a marca comunitária nº 000536227, requerida em 16/05/1997 e concedida em 23/02/1999, com o seguinte sinal tridimensional:

18.(10)-Encontra-se registada a favor de BISCUITERIE DE LA TOUR D'ALBON, a marca comunitária nº 001694694, requerida em 31.05.2000 e concedida em 18.07.2001, com o seguinte sinal tridimensional:

19.(11)-Encontra-se registada a favor de Weetabix Limited, a marca comunitária nº 000834150, requerida em 20/07/2001 e concedida em 26/05/1998, com o seguinte sinal tridimensional:

20.(12)-Encontra-se registada a favor de Société des Produits Nestlé S.A., a marca comunitária nº 002330090, requerida em 06/08/2001 e concedida em 26/07/2004, com o seguinte sinal tridimensional:

Factos provados aditados no presente recurso

21.A recorrente é titular do registo: da marca mexicana tridimensional n.º 2307215

que protege “bolos e bolachas” na classe 30, pedida em 11 de Março de 2020 e em vigor até 11 de Março de 2030.

22.Por decisões judiciais nacionais foram concedidas as seguintes marcas:

nº986274 na classe 30, em nome de FERRERO SpA

e nº 441753 nas classes 29 e 30, em nome de LENG-D’OR, S.A.

Factos não provados na sentença recorrida

23.Não há.

Quadro legal relevante

24.Têm relevo para a decisão os seguintes textos legais:

Directiva (EU) 2015/2436 (marcas)

Artigo 3.º
Sinais suscetíveis de constituírem uma marca
Podem constituir marcas todos os sinais, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, ou desenhos, letras, números, cores, a forma ou da embalagem do produto ou sons, na condição de que tais sinais:
a)- sirvam para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas; e
b)- possam ser representados no registo de uma forma que permita às autoridades competentes e ao público determinar, de forma clara e precisa, o objeto claro e preciso da proteção conferida ao seu titular.

Artigo 4.º
Motivos absolutos de recusa ou de nulidade
1.É recusado o registo, ou são passíveis de serem declarados nulos, se efetuados, os registos relativos:
a)-a sinais que não podem constituir uma marca;
b)-a marcas desprovidas de caráter distintivo;
c)-a marcas constituídas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção dos produtos ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
d)-a marcas constituídas exclusivamente por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
e)-a sinais constituídos exclusivamente:
i)- pela forma ou por outra característica imposta pela própria natureza dos produtos,
ii)-pela forma ou por outra característica dos produtos necessária à obtenção de um resultado técnico,
iii)- por uma forma ou por outra característica que confira um valor substancial aos produtos;
f)-a marcas contrárias à ordem pública ou aos bons costumes;
g)-a marcas que sejam suscetíveis de enganar o público, por exemplo no que respeita à natureza, à qualidade ou à proveniência geográfica do produto ou do serviço;
h)-a marcas que, não tendo sido autorizadas pelas autoridades competentes, sejam de recusar ou invalidar por força do artigo 6.o ter da Convenção de Paris;
i)-a marcas excluídas do registo em conformidade com a legislação da União, com o direito nacional do Estado-Membro em causa, ou com acordos internacionais de que a União é parte, que conferem proteção a denominações de origem e indicações geográficas;
j)-a marcas excluídas do registo em conformidade com a legislação da União ou com acordos internacionais de que a União é parte, que conferem proteção a menções tradicionais para o vinho;
k)-a marcas excluídas do registo em conformidade com a legislação da União ou com acordos internacionais de que a União é parte, que conferem proteção a especialidades tradicionais garantidas;
l)-a marcas constituídas por uma denominação de variedade vegetal anterior, registada em conformidade com a legislação da União ou com o direito nacional do Estado-Membro em causa, ou com acordos internacionais de que a União ou o Estado-Membro em causa seja parte, que confere a proteção dos direitos das variedades vegetais, ou a marcas que reproduzam essa denominação nos seus elementos essenciais, e que digam respeito a variedades vegetais da mesma espécie ou de espécies estreitamente relacionadas.
2.As marcas devem ser declaradas nulas se o pedido de registo for feito de má-fé pelo requerente. Qualquer Estado-Membro pode também estabelecer que essa marca não seja registada.
3.Qualquer Estado-Membro pode prever que seja recusado o registo de uma marca ou que o seu registo, se efetuado, fique sujeito a ser declarado nulo quando e na medida em que:
a)- a utilização dessa marca possa ser proibida por força de legislação que não seja a legislação em matéria de direito de marcas do Estado-Membro em causa ou da União;
b)- a marca inclua um sinal de elevado valor simbólico e, nomeadamente, um símbolo religioso;
c)-a marca inclua emblemas, distintivos e escudos diferentes dos referidos no artigo 6.o ter da Convenção de Paris e que apresentem interesse público, salvo se o seu registo tiver sido autorizado em conformidade com o direito do Estado-Membro pela autoridade competente.
4.Não será recusado o registo de uma marca nos termos do n.o 1, alíneas b), c) ou d), se, antes da data do pedido de registo, na sequência do uso que dela for feito, a marca tiver adquirido caráter distintivo. Pelos mesmos motivos, a marca não será declarada nula se, antes da data do pedido de declaração de nulidade, na sequência do uso que dela for feito a marca tiver adquirido caráter distintivo.
5.Os Estados-Membros podem prever que o n.o 4 se aplica também no caso em que o caráter distintivo tiver sido adquirido após a data do pedido de registo mas antes da data do registo.

Código da Propriedade Industrial ou CPI

Artigo 208.º
Constituição da marca
A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, cor, a forma do produto ou da respetiva embalagem, ou por um sinal ou conjunto de sinais que possam ser representados de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.

Artigo 209.º
Exceções
1Não satisfazem as condições do artigo anterior:
a)-As marcas desprovidas de qualquer caráter distintivo;
b)-Os sinais constituídos, exclusivamente, pela forma ou por outra característica imposta pela própria natureza do produto, pela forma ou por outra característica do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma ou por outra característica que confira um valor substancial ao produto;
c)-Os sinais constituídos, exclusivamente, por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
d)-As marcas constituídas, exclusivamente, por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.
2Os elementos genéricos referidos nas alíneas a), c) e d) do número anterior que entrem na composição de uma marca não serão considerados de uso exclusivo do requerente, exceto quando, na prática comercial, os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.
3A pedido do requerente ou do reclamante, o INPI, I. P., indica, no despacho de concessão, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de uso exclusivo do requerente.

Artigo 231.º
Fundamentos de recusa do registo
1Para além do que se dispõe no artigo 23.º, o registo de uma marca é recusado quando esta:
a)-Seja constituída por sinais que não possam ser representados graficamente ou de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular;
b)-Seja constituída por sinais desprovidos de qualquer caráter distintivo;
c)-Seja constituída, exclusivamente, por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) a d) do n.º 1 do artigo 209.º;
d)-Contrarie o disposto nos artigos 208.º, 211.º e 224.º
2Não é recusado o registo de uma marca constituída, exclusivamente, por sinais ou indicações referidos nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 209.º se, antes da data do pedido de registo e na sequência do uso que dela for feito, esta tiver adquirido caráter distintivo.
3É ainda recusado o registo de uma marca que contenha em todos ou alguns dos seus elementos:
a)-Símbolos, brasões, emblemas ou distinções do Estado, dos municípios ou de outras entidades públicas ou particulares, nacionais ou estrangeiras, o emblema e a denominação da Cruz Vermelha, ou de outros organismos semelhantes, bem como quaisquer sinais abrangidos pelo artigo 6.º-ter da Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, salvo autorização;
b)-Sinais com elevado valor simbólico, nomeadamente símbolos religiosos, salvo autorização, quando aplicável, e exceto quando os mesmos sejam usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais do comércio dos produtos ou serviços a que a marca se destina e surjam acompanhados de elementos que lhe confiram caráter distintivo;
c)-Expressões ou figuras contrárias à lei, moral, ordem pública e bons costumes;
d)-Sinais que sejam suscetíveis de induzir o público em erro, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina;
e)-Sinais ou indicações que contrariem o disposto na legislação nacional, na legislação da União Europeia ou em acordos internacionais de que a União Europeia seja parte, que conferem proteção a denominações de origem e indicações geográficas;
f)-Sinais ou indicações que contenham, em todos ou alguns dos seus elementos, menções tradicionais para o vinho que se encontrem protegidas pela legislação da União Europeia ou por acordos internacionais de que a União Europeia seja parte;
g)-Sinais ou indicações que contenham, em todos ou alguns dos seus elementos, especialidades tradicionais garantidas que se encontrem protegidas pela legislação da União Europeia ou por acordos internacionais de que a União Europeia seja parte;
h)-Sinais ou indicações que contenham, em todos ou alguns dos seus elementos, denominações de variedades vegetais que se encontrem protegidas pela legislação da União Europeia ou por acordos internacionais de que a União Europeia seja parte.
4É também recusado o registo de uma marca que seja constituída, exclusivamente, pela Bandeira Nacional da República Portuguesa ou por alguns dos seus elementos.
5É ainda recusado o registo de uma marca que contenha, entre outros elementos, a Bandeira Nacional nos casos em que seja suscetível de:
a)-Induzir o público em erro sobre a proveniência geográfica dos produtos ou serviços a que se destina;
b)-Levar o consumidor a supor, erradamente, que os produtos ou serviços provêm de uma entidade oficial;
c)-Produzir o desrespeito ou o desprestígio da Bandeira Nacional ou de algum dos seus elementos.
6Quando invocado por um interessado, constitui também fundamento de recusa o reconhecimento de que o pedido de registo foi efetuado de má-fé.

Apreciação do recurso

A.Modificação da decisão sobre a matéria de facto

25.Tal como alega a recorrente, existe um erro de escrita no facto 1 da sentença recorrida, respeitante ao número de registo da marca aqui em crise. Tal erro extrai-se do contexto em que foi escrito – artigo 249.º do Código Civil (CC). Não tendo sido rectificado pela primeira instância, pode o Tribunal da Relação rectificar o erro de escrita ao abrigo do disposto no artigo 614.º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC). Em conformidade, no facto provado 1 da sentença recorrida, acima transcrito no parágrafo 9, onde se escreveu 676480, passa a escrever-se 689997, por ser esse o número do registo da marca objecto do processo.

26.No que diz respeito ao facto (i), mencionado supra no parágrafo 7, cuja inclusão na matéria de facto é pedida pela recorrente, o mesmo resulta do documento junto à impugnação judicial em primeira instância (cf. referência citius 108885), intitulado “Título de Registro de Marca”, emitido pelo “Instituto Mexicano de la Propriedad Industrial”. Este documento é um título com o valor probatório constante do artigo 7.º do CPI, não foi impugnado, está redigido em língua espanhola e afigura-se que não carece de tradução, uma vez que o Tribunal compreende o seu teor (cf. artigo 134.º n.º 1 do CPC). Com base neste meio de prova foi aditado aos factos provados o facto constante do parágrafo 21 supra, a saber, que a recorrente é titular do registo da marca mexicana tridimensional n.º 2307215 com a configuração e validade aí indicados.

27.No que diz respeito ao facto (iv) mencionado no parágrafo 7, cuja inclusão na matéria de facto provada também é requerida pela recorrente, o mesmo, na parte apurada, resulta dos seguintes documentos juntos à impugnação judicial em primeira instância (cf. referência citius 108885): o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 605/11.4TYLSB.L1, do qual resulta que foi concedido o registo da marca n.º 986274; e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 265/11.2TYLSB.L1, do qual resulta que foi concedido o registo da marca n.º 441753. São reproduções não certificadas dos acórdãos em causa, que não foram impugnadas e por isso fazem prova plena - artigo 368º do CC. Dai a inclusão nos factos provados da matéria constante do parágrafo 22 supra.

28.A decisão arbitral (da Arbitrare) junta igualmente com a referência citius 10885, refere-se à marca n.º 529750 que já se encontra incluída na matéria de facto provada, no facto 5 da sentença recorrida.

29.Os restantes factos, constantes do parágrafo 7, (ii) e (iii), cuja inclusão na matéria de facto provada a recorrente pretende, referem-se a registos de marcas cuja prova deve ser feita nos termos do artigo 7.º do CPI, mediante a junção dos respectivos títulos ou de certificados ou documentos emitidos pela entidade detentora dos registos, que não foram juntos aos autos. Com efeito, tais títulos, certificados ou documentos equivalentes emitidos pela entidade detentora do registo, não se encontram juntos à impugnação judicial em primeira instância (cf. referência citius 108885) nem ao processo remetido pelo INPI (cf. referência citius 109669). A esse propósito, não basta a mera indicação de links, feita pela recorrente na peça processual de recurso, onde se encontram anunciadas as marcas em questão, para provar que tais marcas se encontram registadas a favor da recorrente. Em consequência, improcede nessa parte o pedido de modificação da decisão sobre a matéria de facto.

30.Por fim, a recorrente pede a inclusão da matéria constante dos pontos (v), vi) e (vii) do parágrafo 7, nos factos não provados. Trata-se, porém, de matéria conclusiva, referida na decisão de recusa provisória do INPI, posteriormente convertida em decisão definitiva (cf. decisões juntas com a referência citius 109669). Com efeito, o INPI conclui aí que resulta das pesquisas que fez na internet (sem indicar os websites) que a forma aqui em crise é uma representação comum e usual no sector das bolachas. Porém, afigura-se que à luz do disposto no artigo 229.º n.º 1 do CPI, teria sido preferível que o INPI pesquisasse e juntasse ao processo os registos de outras marcas de bolachas, com base nos quais pudesse chegar a tal conclusão. O Tribunal a quo, repetiu a mesma conclusão na fundamentação de direito o que, em tais circunstâncias, só pode ter por fundamento ou os factos provados na sentença recorrida, dos quais resulte essa conclusão, como será a seguir explicado na análise da questão B, ou factos notórios que, ao abrigo do disposto no artigo 412.º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) não carecem de alegação nem prova. Em qualquer dos casos, afigura-se que a matéria em questão é conclusiva, ou seja, em si mesma não é factual embora possa resultar de factos e, por tal motivo, o Tribunal não deve pronunciar-se sobre ela na fundamentação de facto. Pelo que, improcede nesta parte a pretensão da recorrente.

31.Assim, dentro dos limites do pedido de alteração da matéria de facto feito pela recorrente, foram aditados à matéria de facto provada os factos acima descritos nos parágrafos 21 e 22, improcedendo no mais a pretensão da recorrente no que respeita à modificação da decisão sobre a matéria de facto.

B.Erro na interpretação e aplicação dos artigos 209.º n.º 1 e 231.º 1- c) do CPI

32.A marca que a recorrente pretende registar é uma marca de forma ou tridimensional que consiste no formato do produto assinalado, em si mesmo, ou seja, o formato de uma bolacha – cf. parágrafos 9 a 11. O INPI e o Tribunal de primeira instância recusaram a concessão do registo dessa marca mas a recorrente discorda.

33.Para resolver a controvérsia este Tribunal começa por sublinhar que, nos termos do artigo 208.º do CPI que transpõe o artigo 3.º - b) da Directiva 2015/2436, o conceito de marca enquanto sinal ou conjunto de sinais, inclui a forma do produto desde que a mesma permita determinar, de modo claro e preciso, o objecto de protecção conferida ao seu titular e seja adequada a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa em relação aos produtos ou serviços de outras empresas. Ou seja, desde que a forma do produto usada enquanto sinal, preencha o requisito da identificabilidade ou determinabilidade (cf. Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, 2.ª Edição, Almedina, página 214).

34.O registo aqui em crise exige, assim, que o Tribunal aprecie, em primeiro lugar, se há algo de invulgar ou idiossincrático na forma a registar, que leve o consumidor relevante a reparar nela; e em segundo lugar, existindo tal individualidade, se o consumidor pensaria nessa forma como sendo indicativa da origem e não meramente funcional ou decorativa. Pelo que, a decisão de conceder o registo à marca de forma aqui em análise depende da resposta à seguinte pergunta: a forma representada supra no parágrafo 9, em si mesma considerada, permite aos consumidores da área geográfica abrangida pelo registo identificar o produto e distingui-lo dos demais, mesmo na falta de outra referência identificativa? Para que a resposta a esta pergunta seja positiva a recorrente tem de comprovar duas condições: que a forma tem capacidade distintiva própria; e que é arbitrária (cf. Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, 2.ª Edição, Almedina, páginas 210 a 220 e 222 a 223).

35.No que diz respeito à primeira condição enunciada no parágrafo anterior, para ter capacidade distintiva própria na área geográfica abrangida pelo registo, que é o território português, uma vez que se trata de um pedido de registo de marca nacional (cf. artigo 4.º n.º 1 do CPI):
  • A forma a registar deve ser peculiar ou invulgar, ou seja, ter algo de fora do comum no sector em que é usada que é o sector das bolachas/biscoitos;
  • Deve ser reconhecida e entendida pelos consumidores no território nacional como um sinal distintivo das bolachas assinaladas;
  • Deve gozar de notoriedade elevada junto do universo de consumidores desse tipo de produtos, de modo a ser reconhecida como marca pela maioria do público relevante, que, neste caso é composto pela população em geral que consome bolachas.

36.No que diz respeito à segunda condição, a forma deve ser arbitrária, ou seja, não deve resultar da natureza do produto, nem de uma necessidade funcional ou decorativa.

37.Subjacente à exigência do preenchimento das duas condições acima mencionadas está o objectivo, prosseguido pelo artigo 4.º n.º 1- e) da Directiva 2015/2436, transposto para o artigo 209.º n.º 1 – b) do CPI, de que a marca a registar não deve ser constituída por uma forma que tenha de permanecer disponível para permitir que os concorrentes possam competir efectivamente com o titular do registo – cf. acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), C-205/13.

38.Com efeito, o artigo 209.º 1 - b) do CPI contém uma delimitação negativa ao enumerar que são insusceptíveis de registo as marcas de forma que se enquadrem pelo menos numa das seguintes situações: (i)-a forma seja imposta pela própria natureza do produto; (ii)-a forma seja necessária à obtenção de um resultado técnico; (iii)-ou a forma confira um valor substancial ao produto. Estes três requisitos não devem ser aplicados de forma combinada, mas basta que a marca de forma preencha integralmente um deles, para dever ser recusada ou, se for concedida, para ser declarada nula, nos termos dos artigos 231.º n.º 1 – c) e 259.º n.º 1 do CPI – cf. C-205/13.

39.Ora, é precisamente a interpretação destes preceitos, em particular dos artigos 209.º n.º 1 b) e 231.º n.º 1-c) do CPI, feita pelo Tribunal a quo, que a recorrente põe em causa no presente recurso

40.Feito este enquadramento, para saber se a marca em crise tem capacidade distintiva, que é a primeira condição acima enunciada que ela deve preencher, este Tribunal leva em conta a jurisprudência constante do acórdão do TJUE C-96/11 (parágrafos 35, 40 e 59), na apreciação que se segue:
  • O consumidor médio não está habituado a presumir a origem dos produtos com base na sua forma, na ausência de elementos gráficos ou textuais, o que torna mais difícil estabelecer o carácter distintivo de uma marca tridimensional deste tipo do que de uma marca nominativa ou figurativa;
  • Nesse contexto, só terá carácter distintivo uma marca de forma que se afaste significativamente da norma ou do costume do sector e que, por conseguinte, seja capaz de cumprir a sua função distintiva essencial;
  • Apurou-se que existem no sector das bolachas, na área geográfica nacional e da União Europeia (na medida em que abrange a área geográfica nacional), inúmeras formas de bolachas/biscoitos, registadas como marca e que, por conseguinte, os consumidores na área geográfica relevante estão habituados a percepcionar certas formas como indicação da origem do produto (cf. factos constantes dos parágrafos 13 a 20)
  • As características da forma apurada (de bolacha redonda, achatada na frente, onde são representados, em paralelo e equidistantes, 144 quadrados com protuberâncias ou relevos, rodeada por uma borda mais grossa com 33 anéis ovais) embora difiram em parte das características das outras bolachas cujos registos constantam dos factos provados, não se afastam significativamente do costume existente no sector das bolachas, que consiste em usar relevos na frente da bolacha, ou uma borda, ou uma borda com anéis (cf. factos constantes dos parágrafos 9 a 11, 14, 17 e 18);
  • Apesar de a recorrente ter provado que registou uma marca de forma idêntica à que está aqui em análise, no México (cf. facto constante do parágrafo 21) e uma marca em Portugal com uma forma diferente, de um rolo (cf. facto constante do parágrafo 13), destes factos não é possível concluir que o público relevante no território nacional percepciona a forma de bolacha aqui em crise como tendo origem na empresa recorrente; isto porque a forma registada em Portugal (rolo) é diferente da marca em crise e a marca de forma idêntica à agora pedida, está registada no México, não existindo prova de que seja notória em Portugal, nomeadamente, em resultado da sua comercialização no mercado nacional ou de campanhas publicitárias lançadas pela recorrente para a sua promoção, dirigidas ao público português.

41.Em resultado da análise feita no parágrafo anterior, afigura-se que resulta dos factos provados que a marca pedida é uma variante de certas formas de base – redondas e/ou com rebordo anelado e/ou com relevos – habitualmente utilizadas no sector das bolachas, que não permite ao público relevante (generalidade da população), no território nacional, distinguir, de forma imediata e segura, as bolachas da recorrente das de outra origem comercial, na falta de indicações complementares. Pelo que, a recorrente não logrou comprovar a primeira condição mencionada supra no parágrafo 35, a saber, a capacidade distintiva da marca de forma cujo registo pediu.

42.Mas ainda que assim não fosse, quod non, a recorrente também não demonstrou o preenchimento da segunda condição acima mencionada no parágrafo 36, a saber, a arbitrariedade da marca pedida. Para apreciar se se verifica esta segunda condição o Tribunal interpreta o disposto no artigo 209.º n.º 1 – b) do CPI à luz da jurisprudência constante do acórdão do TJUE C-205/13; no essencial, de acordo com esta jurisprudência, um sinal não é registável como marca de forma tridimensional pelo simples facto de apresentar características que não decorrem da natureza dos produtos; de igual modo, um sinal não é registável em relação a um produto cujo valor substancial deriva da sua forma, pelo simples facto de existirem outras características do produto que também lhe conferem valor substancial.

43.A este propósito, lê-se no acórdão C-205/13:

“Com efeito, o conceito de "forma que confere um valor substancial ao produto" não pode ser limitado apenas à forma dos produtos que apenas têm um valor artístico ou ornamental, pois, caso contrário, corre-se o risco de não abranger produtos que têm características funcionais essenciais e um elemento estético significativo. Nesse caso, o direito conferido pela marca ao seu titular concederia a este último um monopólio sobre as características essenciais desses produtos, o que não permitiria realizar plenamente o objetivo do referido motivo de recusa”.

44.Assim, o artigo 209.º n.º 1 – b) do CPI, que prevê uma das excepções à constituição da marca elencadas nesse preceito, não se aplica apenas aos sinais constituídos exclusivamente por formas indispensáveis à função dos produtos em causa, que não deixam ao produtor qualquer margem de manobra para dar um contributo pessoal essencial, mas também a produtos em que é possível acrescentar o contributo pessoal ou artístico do produtor, como sucede com as formas da marca aqui em crise (cf. factos constantes dos parágrafos 9 e 11).

45.Com efeito, segundo o acórdão C-205/13, uma interpretação diferente da acima exposta:

(...) teria por consequência limitar os produtos aos quais esse motivo de recusa poderia ser aplicado aos produtos "naturais" (que não têm substituto) e aos produtos "regulamentados" (cuja forma é prescrita por normas legais), embora os sinais constituídos pelas formas desses produtos não pudessem, de qualquer modo, ser registados devido à sua falta de carácter distintivo.

(...) ao aplicar o motivo de recusa (...) há que ter em conta que o conceito de "forma que resulta da natureza do próprio produto" implica que as formas com características essenciais inerentes à função ou funções genéricas desses produtos devem, em princípio, ser igualmente recusadas.”

46.Ora, as formas da marca aqui em crise representadas e descritas supra nos parágrafos 9 e 11, não são arbitrarias na medida em que resultam, umas de necessidades funcionais impostas pela própria natureza do produto (forma achatada das bolachas), outras de necessidades decorativas, que conferem valor substancial ao produto (forma redonda, relevos na frente, rebordo saliente e anelado). Em consequência, afigura-se que a marca de forma aqui em crise preenche integralmente, quer o primeiro, quer o terceiro motivo de recusa, previstos no artigo 209.º n.º 1- b) do CPI, acima enunciados no parágrafo 38 – cf. artigo 231.º n.º 1 – c) do CPC.

47.Por todo o exposto, não merece censura a decisão recorrida na parte em que recusou o registo da marca de forma pedida pela recorrente, improcedendo assim o presente recurso.

Decisão

Acordam as Juízes desta secção em:

I.–Julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.

II.–Condenar a recorrente nas custas do presente recurso – artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC.

III.–Ordenar o cumprimento do disposto no artigo 46.º do CPI, após trânsito e baixa dos autos.



Lisboa, 13 de Julho de 2023



Paula Pott - (relatora)
Ana Mónica Pavão - (1ª adjunta)
Eleonora Viegas - (2.ª adjunta)