CONTRATO DE SEGURO
INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS GERAIS
NULIDADE DE CLÁUSULAS
CONHECIMENTO OFICIOSO PELA RELAÇÃO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DE COBERTURA
Sumário

1.–Tendo a ré Companhia Seguradora sido demandada com base (causa petendi) em contrato de seguro, a sua responsabilidade terá que ser aferida a partir das obrigações que precisamente no âmbito do referido contrato assumiu perante o tomador do seguro, maxime a partir da interpretação das respectivas cláusulas gerais e especiais;

2.– No âmbito da interpretação referida em 4.1.há-de o interprete socorrer-se das regras do gerais do Código Civil (as dos artºs 236º a 238º), e, outrossim , das regras específicas do DL nº 446/85, de 25 de Outubro [v.g as dos arts. 7.º, 10.º (dispondo esta última que “ As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam) e 11.º].

3.– Nada obsta a que o Tribunal da Relação e em recurso de apelação, conheça em primeira mão da nulidade de cláusula do contrato de seguro, apesar de só nas alegações da apelante tal nulidade ser levantada, pois que, apesar de se tratar de questão nova, é a mesma do conhecimento oficioso, nos termos do art.º 286º do Cód. Civil, e visto o disposto no artº 608º, nº2, in fine, do CPC, ex vi do artº 663º,nº2, do mesmo diploma legal .

4.– Não é de considerar em absoluto proibida uma cláusula de contrato de seguro facultativo que exclua a cobertura da apólice em caso de sinistro que tenha por objecto a embarcação segura e quando a mesma tenha sofrido danos consequentes de “amarração do barco em locais sem vigilância ou assistência, na praia ou em sítio descoberto”.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Lisboa


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1.–Relatório 

                     
F, Lda., intentou acção declarativa com processo comum contra … Seguros, S.A., peticionando que, uma vez julgada a acção provada e procedente, seja a  condenada :
a)-A PAGAR À AUTORA A QUANTIA PECUNIÁRIA DE 207.413,00€, ACRESCIDA DO VALOR DOS JUROS CONTADOS DESDE A CITAÇÃO, À TAXA LEGAL, ATÉ EFETIVO E INTEGRAL PAGAMENTO;
b)- A INDEMNIZAR A AUTORA NA QUANTIA QUE ESTA VIER A SUPORTAR A TÍTULO DE PARQUEAMENTO DA EMBARCAÇÃO ATÉ À SUA REPARAÇÃO TOTAL, BEM COMO NO CUSTO QUE VIER A DESPENDER COM O SERVIÇO RELATIVO À SUA DESCIDA PARA A ÁGUA, IMPORTÂNCIAS A APURAR EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA;
c)-A PAGAR À AUTORA UMA INDEMNIZAÇÃO CORRESPONDENTE A 5.000,00€ POR CADA MÊS QUE FIQUE PRIVADA DE UTILIZAR ASUA EMBARCAÇÃO, CONTADOS DESDE O MOMENTO DA APRESENTAÇÃO DA AÇÃO EM JUÍZO.

1.1.– Para tanto, alegou a autora, em síntese, que :
- A Autora dedica-se de forma habitual ao exercício da atividade comercial de exploração de empreendimentos para alojamento turístico, bem como animação turística, exploração de atividades marítimo turísticas, nomeadamente passeios turísticos, pesca desportiva, mergulho, razão porque celebrou com a Ré/Seguradora um contrato de seguro tendo por objecto a embarcação de recreio de que é proprietária denominada “Onda Azul II”, marca Princess, modelo F460, de casco plástico reforçado com fibra de vidro PRFV, com 14,16 metros de comprimento, com o número de registo …FN4 e cuja construção data do ano de 1997 ;
- Titulado pela apólice n.º …9 , o contrato referido providenciaria, entre outras garantias, pela cobertura de danos na embarcação até ao limite de capital seguro, no montante de Euros: 250.000,00, bem como a prestação de assistência à embarcação e seus ocupantes, incluindo transporte daquela ;
- Sucede que em 27/5/2021, pelas 13h00, a embarcação Onda Azul II“Onda Azul II”, após uma viagem do Funchal até à Fajã dos Padres e que correu com toda a normalidade, ao chegar ao seu destino, na Fajã dos Padres, pelas 13h30, o seu manobrador AG fundeou o “ONDA AZUL II” utilizando um cabo de bordo para efectuar a sua amarração ao cabo da poita, prática que é comum para não sujar o barco e mais eficiente quando se larga o cabo;
- Porém, Já pelas 14h15, durante uma segunda viagem da embarcação de apoio para o cais, com dois tripulante a bordo, verificou o skipper do “ONDA AZUL II” que este se encontrava a ir à garra, já sem tripulação a bordo, razão porque foi a nado até à embarcação, conseguindo-a alcançar;
- Colou então os motores a funcionar, mas, quando deu ré, a popa afundou, batendo numa baixa, ficando, temporariamente, sem propulsão, o que originou o encalhe entre algumas pedras de grande porte;
- Em consequência do referido acidente, a embarcação sofreu vários rombos no casco, e ficou com as hélices danificadas e apoiadas no fundo sobre pedras, sendo posteriormente rebocada para os Estaleiros, para vistoria e subsequente reparação dos danos sofridos, v.g. danos no casco e em peças e componentes integrantes da sua estrutura e parte mecânica, designadamente nas hélices, “alheta”, hidráulicos, aranhas do veio, eixo e porta do leme, pintura, entre outros componentes, apresentando rombos graves e alguns de grande dimensão no casco ;
- Importando a reparação de todos os danos a quantia de €172.113,29, o certo é que a Ré recusa-se a assumir as suas obrigações , e isto apesar de a autora dispor de um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto (artigo 43.º/1 do RJCS) que consiste em ver satisfeita pelo segurador a prestação convencionada "em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato.
1.2.Citada a Ré/Seguradora, apresentou a mesma CONTESTAÇÃO, deduzindo defesa essencialmente por impugnação motivada e por excepção [v.g. aduzindo não se ter comprovado que a embarcação tenha sido amarrada à poia de amarração; que o skipper não tomou as medidas de segurança que a situação impunha, tendo actuado de forma irresponsável e desadequada ; que o sinistro não está incluído no âmbito de cobertura da Apólice , e isto porque no caso em apreço, não estamos perante um evento de natureza aleatória porquanto existe um nexo de causalidade entre a acção imprudente e temerária do skipper e os danos produzidos ; que nos termos da Cláusula 34ª das Condições Gerais aplicáveis a Ré não assumu, no âmbito das coberturas facultativas, quaisquer perdas, danos, despesas, reclamações ou desembolsos respeitantes a ou consequentes de “… imprudência temerária do Segurado, proprietário patrão, governantes ou responsáveis da embarcação segura, maxime com a  amarração do barco em locais sem vigilância ou assistência…], pugnando a final no sentido de a acção ser julgada totalmente improcedente, com todas as consequências legais daí decorrentes.
1.3.Dispensada a audiência prévia, foi de seguida proferido DESPACHO SANEADOR [tabelar], fixando-se ainda o objecto do litígio e enunciando-se os temas da prova, não tendo havido reclamações.

1.4.Por fim, designado que foi o dia para a audiência de julgamento, realizou-se a mesma com observância do legal formalismo [iniciada e concluída a 10/11/2022] e, uma vez concluída a mesma, proferiu-se de seguida a competente SENTENÇA, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
“(…)
IV – Dispositivo:
Nestes termos, e de acordo com o exposto e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supra citados, julgo a acção improcedente e, em consequência, absolvo a Ré “… Seguros, S.A.”, dos pedidos contra si deduzidos.
Custas a cargo da Autora.
Registe e notifique.
Funchal, 05 de Janeiro de 2023”

1.5.Da sentença discordando, e inconformada, logo atravessou nos autos (e em tempo), a demandante F,Lda, requerimento de interposição de recurso, o que fez  deduzindo na apelação as seguintes conclusões :
1.Por requerimento apresentado no dia 2 de Novembro de 2022, a Autora requereu a junção aos autos da factura de reparação da embarcação, no montante de Euros:147.280,84, emitida pela “TM, S.A.”, a qual titula todos os trabalhos realizados na embarcação, os quais já se encontram concluídos, sendo que tal documento não foi impugnado, em face do que tal realidade factual deverá ser assente, passando o item PP) a ser mais amplo tendo a seguinte redação :
PP)- A Autora mandou proceder à reparação da embarcação, tendo obtido um orçamento por parte da sociedade “TM, S.A.”, na importância de € 147.280,84, o qual deu origem à fatura n.º FENS.2022/57, de 10.10.2022, no valor de Euros: 147.280,84.
2.A matéria dada como provada em TT) – “A zona referida em N. e em P. a R. era não vigiada” - deve ser suprimida porquanto se trata, por um lado, de uma mera conclusão, mas, por outro lado, trata-se de um conceito “de direito” que resulta do teor do clausulado no contrato de seguro.
3.A expressão “zona não vigiada” é uma conclusão e as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada.
4.O pecado original gerador do enunciado na conclusão anterior foi cometido pela Ré-Seguradora na sua contestação, pois não alegou quaisquer factos que permitam ao Tribunal concluir que o Cais da Fajã dos Padres é “uma zona não vigiada”, tendo-se limitado a invocar, superficialmente, aquele conceito constante na cláusula 34.º, mas sem ter o cuidado de o densificar minimamente, sendo certo que o contrato de seguro não define o que se entende por vigia.
5.Sendo a Ré quem se quer prevalecer da exclusão, era ela quem tinha o ónus da prova, pelo que lhe cabia o ónus de alegar o que é uma “zona não vigiada”, alegando factos concretos donde se pudesse extrair essa conclusão, na certeza que a mesma deve ser enquadrada, posteriormente, pelo Tribunal, na operação de subsunção jurídica dos factos ao contrato de seguro.
6.Ocorrendo falta de especificação das circunstâncias factuais (porque não alegadas pela Ré) que permitam concretizar aquela expressão conclusiva, ficamos com uma alusão de contornos indeterminados e de natureza genérica que não permite extrair e delimitar (e fiscalizar) a globalidade do comportamento imputado à Autora para prova da causa de exclusão da responsabilidade, pelo que existe insuficiência da matéria de facto para uma decisão no sentido seguido pelo Tribunal a quo.
7.Na presente ação judicial a expressão “local não vigiado” assume-se como um autêntico conceito “de direito” e não “de facto”, pois a questão de fundo reconduz-se a saber se, à luz da interpretação das condições gerais do contrato de seguro, o cais da “Fajã dos Padres” pode ser considerado “uma zona não vigiada”, dado ter sido nesse sentido que a questão foi colocada ao tribunal – é a causa de exclusão da responsabilidade da Seguradora, cujo ónus da prova lhe cabia.
8.Da conclusão anterior resulta que, considerando que aferir se o cais da Fajã dos Padres é “uma zona não vigiada” corresponde, ao cabo e ao resto, à própria interpretação e aplicação da cláusula 34.º das condições gerais do contrato de seguro, não restarão dúvidas que estamos perante matéria de direito, matéria essa que é a grande questão jurídica a decidir (thema decidendum), pelo que, também por esta razão, o facto provado descrito sob a alínea TT) deve ser eliminado e, assim sendo, inexiste qualquer elemento de facto para julgar afastada a responsabilidade da seguradora, pelo que as conclusões subsequentes passam a ter natureza subsidiária.
9.O Tribunal recorrido interpretou mal a cláusula 34.º das condições gerais do contrato de seguro já que a mesma reporta-se a quaisquer perdas, a danos, reclamações e desembolsos em consequência de “depósito ou amarração” em “zonas não vigiadas ”pelo que a previsão contratual está feita, claramente, para a perda de bens ou a danificação decorrente de situações de varagem (em linguagem náutica, o acto ou efeito de varar, de transportar embarcação para terra para reparação, resguardo, etc.), de armazenamento para revisão em estaleiro ou “depósito” em doca seca (local situado dentro de um porto ou perto dele, onde as embarcações são retiradas da água para reparação ou manutenção) e não para um sinistro/acidente como o dos autos (uma embarcação que encalhou em rochas).
10.A cláusula 34.º das condições gerais tem o âmbito da sua aplicação nas situações de parqueamento da embarcação para efeitos da sua guarda ou de realização da sua manutenção ou revisão, em oficina ou estaleiro, pelo que, nessas situações, tal deverá acontecer em zonas dotadas de vigilância ou assistência – é esse o âmbito de aplicação da cláusula, pois pressupõe-se uma amarração/depósito já em terra ou em estruturas marítimas próprias (todavia, no nosso caso a amarração ocorreu próximo do cais, num ponto de amarração, numa boia ligada a uma poita – factos provados Q e R).
11.A interpretação do sentido dessa clausula pelo Tribunal recorrido é errada também porque interpreta o conceito de “zona não vigiada” fazendo uma analogia com os serviços próprios de um marina ou um porto, mas a verdade é que se fosse esse o sentido da clausula esta tê-lo-ia dito expressamente no seu texto (elemento literal), definindo que “zonas vigiadas” seriam as reconhecidas pelas entidades administrativas como portos ou marinas, o que não acontece.
12.Um segurado que paga um seguro conta, razoavelmente, que quando amarra o seu barco junto a um cais com as características (provadas) da Fajã dos Padres (com estrutura de betão no mar, bóias, poitas, restaurante na costa muito visitado, apenas com acesso de elevador ou de barco por mar), não está a incorrer numa má prática por estar numa zona em que a Seguradora se vai esconder, fugindo da sua responsabilidade, pelo que, se houvesse dúvidas na interpretação da clausula, importaria fazer a interpretação no sentido de repor o equilíbrio das prestações, no sentido mais favorável ao segurado, como dimana do disposto no artigo 237.º do Código Civil.
13.A cláusula 34.ª das condições gerais não tem sequer aplicação ao nosso caso porquanto no elenco dos factos provados não consta, porque não foi estabelecido, qualquer nexo causal entre a amarração e a ocorrência do acidente/sinistro e tal clausula só configura exclusão de responsabilidade da seguradora se o dano for“…resultante ou consequente de depósito ou amarração…” (negrito e sublinhado nossos) e, percorrida a matéria de facto dado por provada e não provada constata-se que a Ré falhou na prova que lhe competia fazer, sendo que o ónus da prova do nexo causal entre o facto (amarração) e “a consequência” cabia á Ré, a beneficiária da exclusão.
14.A conclusão anterior é reforçada quando se verifica que o facto provado sob a alínea AA) refere o acidente ocorreu a 167 metros do local da amarração, facto que o Tribunal recorrido não valorou adequadamente.
15.Das duas conclusões anteriores decorre que nem sequer cabia ao Tribunal recorrido indagar o que é uma “zona não vigiada” para efeitos do contrato de seguro, pois que a partir do momento em que não resulta dos factos provados que o sinistro decorreu de algum problema relacionado com a amarração, isto é, que o sinistro foi “resultante ou consequente” da amarração, ficou prejudicada a apreciação daqueloutra problemática, pois, desde logo, não está legitimada a conclusão de que o sinistro foi consequente da amarração (passe a redundância), ponto que era nuclear para o acionamento da cláusula de exclusão.
16.Entre a fundamentação da sentença e a decisão não pode haver contradição lógica, isto é, a fundamentação fáctico jurídica tem de ser coerente, pois não se poderá partir de uma premissa e concluir pelo seu contrário e, no presente caso, o Tribunal não podia dar por provado que a amarração foi bem-feita, fundamentar abundantemente essa sua convicção, mas depois decidir que o acidente foi “consequência” da amarração – pois este é o antecedente lógico da aplicação da cláusula 34.ª no segmento em discussão, na interpretação que o Tribunal de 1.ª Instância lhe deu.
17.Ocorreu um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto de que a Juiz se serviu ao proferi-la: a contradição é geradora de nulidade pois ocorreu quando verificamos que os fundamentos invocados pelo juiz (o facto da amarração ter sido bem executada) conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão (acidente causado em consequência de amarração, o que gerou a aplicação da clausula 34.ª das condições gerais), mas a um resultado diametralmente oposto, pelo que vai expressamente invocada a nulidade da sentença.
18.Analisada a fundamentação da sentença verifica-se que, para o Tribunal de 1.ª Instância, só estaríamos perante uma zona vigiada, se o local tivesse as comodidades “dum porto” ou de “uma marina “ou se o Cais da Fajã dos Padres fizesse parte da lista da Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, o que configura uma interpretação errónea da cláusula 34.ª das condições gerais pois, se formos procurar alista dos portos e das marinas existentes na ilha da Madeira, publicada pela Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (entidade citada pelo Tribunal a quo - https://www.dgrm.mm.gov.pt/marinas-e-portos-de-recreio) só encontramos dois: a marina do Funchal e a marina da Quinta do Lorde, não sendo aceitável que a embarcação da Autora, utilizada na ilha da Madeira, no meio do Atlântico Norte, tem um seguro contratado na Seguradora-Ré, mas só tem riscos transferidos para a Ré nas amarrações realizadas naquelas duas marinas: no Funchal e na Quinta do Lorde.
19.Sendo a Madeira uma ilha com dez concelhos - Calheta, Câmara de Lobos, Funchal, Machico, Ponta do Sol, Porto Moniz, Ribeira Brava, Santa Cruz, Santana e São Vicente -todos eles dotados de equipamentos marítimos, por serem de matriz portuária e traço pescador, com portos de pesca, portos de recreio e diversos cais (como o da Fajã dos Padres), verificamos que, a fazer fé no entendimento do Tribunal de 1.ª instância, no que tange a amarração, a Autora só estaria segura na marina do Funchal e na Quinta do Lorde, o que, como resulta das regras da experiência e do senso comum, nos reconduz a uma situação absolutamente abusiva, caricata e até absurda, pois do lado Norte da ilha da Madeira não há um único local onde uma embarcação de recreio possa amarrar, o que esvazia completamente o contrato de seguro.
20.O acervo de factos provados (L, J, M, N, Q e S) permite concluir que o cais da “Fajã dos Padres” não é um local ermo da costa, um local escondido, remoto, sem frequência de pessoas, pois, pelo contrário, é um local preparado para receber embarcações de recreio e tanto assim é que dispõe de um cais de estrutura fixa em betão, onde barcos podem atracar e aportar, carregar e descarregar mercadorias e passageiros sendo destituído de qualquer sentido invocar que aquele cais não consta de uma lista pública, pois é consabido que ninguém pode fazer obras no mar sem licença, pois o domínio público marítimo a isso obriga, daí que o Tribunal recorrido não valorou adequadamente as características (provadas) do local, quando se constata que as poitas identificadas no local (com mais de 3.000 kg em betão no fundo do mar, como refere o relatório da policia marítima) eram de grande dimensão e peso suficiente para a tonelagem da embarcação “ONDA AZUL II, tal como relatado pela Policia Marítima (relatório junto à P.I.), sendo que é incumbência legal da Capitania do Porto do Funchal inspecionar os cais ao longo da costa - artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 265/72, de 31 de julho.
21.Qualquer pessoa indeterminada que se dirija a uma seguradora para subscrever um seguro de embarcação de recreio quer garantir uma situação de risco no uso da respetiva embarcação e essa pessoa pretende que o contrato viabilize o ressarcimento dos prejuízos que eventualmente venha a sofrer durante uma deslocação ou manobra, sejam danos mais ou menos simples, seja a sua perda total ou parcial, pelo que jamais tomador de um contrato de adesão, leigo em matéria de seguros, prevê que a seguradora apenas vai assumir o risco decorrente de sinistro consequente duma amarração da embarcação se tal acontecer numa marina ou num porto, por estar excluída a sua responsabilidades e tal acontecer em qualquer outro local, ainda que seja, como no caso dos autos, num conhecido cais, com estrutura de betão para descarga de mercadorias e saída de pessoas, com boias, poitas e um restaurante na imediação.
22.A conclusão anterior é ainda mais chocante na Madeira onde a Ré decidiu vender seguros e, a fazer fé na lista de portos e marinas citada pelo Tribunal de 1.ª Instância, o aderente só estaria protegido no Porto do Funchal e na Marina da Quinta do Lorde, pois todas as demais localidades e inúmeros cais existentes nos vários concelhos da ilha estariam fora do âmbito da cobertura da apólice, pelo que as companhias seguradoras em geral não podem deixar de conhecer aquela intenção generalizada dos clientes/aderentes, pois não estamos a falar de uma zona de navegação interdita.
23.A cláusula 34.ª das condições gerais do contrato de seguro, interpretada no sentido que lhe foi dado pelo Tribunal recorrido é desproporcionada a favor da seguradora, por esvaziar o contrato e, por outro o lado, verifica-se que o próprio contrato deveria clarificar o conceito de “zona não vigiada”, especificando o risco coberto pelo seguro em conformidade com a finalidade do contrato em termos com os quais o aderente poderia razoavelmente contar mas não o fez e, ao não faze-lo, foi a Seguradora que se colocou na posição de não se poder fazer valer da ambiguidade do clausulado.
24.Tal cláusula, no sentido em que foi interpretada pelo Tribunal recorrido, sempre teria de se considerada nula por dar lugar a uma redução, desproporcionada ou drástica, do risco coberto pelo seguro que favorece injustificadamente a seguradora em detrimento da Autora aderente, sendo a estipulação em causa abusiva.
25.Caso não houvesse, como há, outros argumentos para afastar a aplicação desta cláusula 34.ª ao caso dos autos, sempre teria o Tribunal de julgar nula tal cláusula por ter um objeto indeterminado e indeterminável, não apresenta uma clareza total, possibilitando interpretações diversas, o que lhe confere uma grande ambiguidade, pelo que sempre importaria declarar a sua nulidade.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGUE PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO, CONDENANDO-SE A RÉ A INDEMNIZAR A AUTORA NO CUSTO PROVADO DA REPARAÇÃO DA EMBARCAÇÃO, ACRESCIDO DE JUROS, CONTADOS DESDE A CITAÇÃO ATÉ EFETIVO PAGAMENTO,
FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL JUSTIÇA!

1.6.Por sua vez, a apelada Ré Companhia Seguradora … Seguros, S.A., contra-alegando, veio impetrar a manutenção do julgado, e, concomitantemente AMPLIAR O ÂMBITO DO RECURSO, terminando por deduzir as seguintes conclusões :

A)Ampliação do âmbito da apelação (a título subsidiário)

a)- Impugnação da decisão de facto

  • Al. U) dos FP e nº 19 dos FNP
1.-A R. discorda das decisões vertidas na al. U) dos FP e no nº 19 dos FNP, por entender que a prova produzida nos autos obriga a concluir por uma deficiente amarração da embarcação segura.
2.-À partida, três hipóteses se podiam colocar, para explicar o desprendimento e a deriva da embarcação segura: 1ª Omissão de amarração; 2ª Rebentamento do cabo (da poita ou da embarcação);

Deficiente amarração.
3.-A 1ª hipótese está afastada face à decisão vertida na al. R) dos FP, não impugnada pela R..
4.- A prova produzida nos autos não permite atribuir a causa do desprendimento e da deriva da embarcação à quebra do cabo, seja o da poita, seja o da embarcação segura.
5.-Da investigação e das conclusões da Polícia Marítima, espelhadas no respectivo relatório (doc. 6 da p.i.), nomeadamente nos seus nºs 7, 8 e 9 e nas suas 3ª, 5ª, 6ª e 9ª conclusões, resulta a impossibilidade da hipótese de rebentamento do cabo da poita, bem como a inverosimilhança da hipótese de ruptura do cabo da embarcação (sendo que a impossibilidade da quebra do cabo da poita resulta, ainda, do depoimento da testemunha MF - ficheiro 20221110112153_1744946_2871376, passagem da gravação: 00:17:40 – 00:18:38).
6.-A prova testemunhal afasta qualquer dúvida razoável sobre a ausência de rebentamento do cabo da embarcação.
7.-Em sede de declarações de parte, o gerente da A., AGF, tentando explicar o facto de nunca ter apresentado para exame o cabo da embarcação alegadamente partido, avançou com a possibilidade de, aquando da operação de reboque, o mesmo ter sido removido do cabeço da embarcação, para aí se prender o cabo de reboque (ficheiro 20221110 095259_1744946_2871376, passagem da gravação: 00:12:28 – 00:15:10).
8.-O depoimento do Cmdte. ET, autor do relatório da “Uon” (doc. 1 da contestação) deitou por terra essa explicação, declarando que, se o cabo da embarcação se tivesse partido, uma parte do mesmo permaneceria, necessariamente, dentro da embarcação, mesmo que tivesse sido retirado do cabeço, para aí se prender o cabo de reboque, pois o cabo da embarcação está enrolado no cunho, pelo que, se se tivesse partido, teria sido antes do cunho e sempre subsistiria a parte neste enrolada (ficheiro 20221110 145003_1744946_2871376, passagens da gravação: 00:05:53 – 00:07:32, 00:19:45 – 00:20:19, 00:26:45 – 00:27:10 e 00:31:55 – 00:37:14).
9.-Se o cabo da embarcação se tivesse partido, subsistiriam duas “pontas”, uma presa ao cabeço da embarcação e outra presa ao cabo da poita. Ora, não se encontrou nem uma, nem outra. Mesmo que, por razões misteriosas, não se encontrasse a ponta presa à “bóia” e a outra ponta tivesse retirada do cabeço e substituída pelo cabo de reboque, sempre permaneceria a bordo a parte do cabo enrolada no cunho, do que resulta que a explicação dada pelo gerente da A. para a não disponibilização do cabo para exame é inconsistente e desacredita a versão dos factos da A., podendo-se concluir, com suficiente segurança, que a deriva da embarcação não teve como causa a quebra do seu cabo de amarração.
10.-O julgamento da questão da qualidade e da eficácia da amarração feita pelo gerente da A. deverá ser feito a partir da factualidade conhecida, que, finda a produção de prova, é a seguinte: a) O gerente da A. amarrou a embarcação; b) Nenhum dos cabos (da poita ou da embarcação) se partiu; c) O estado do tempo e do mar não teve influência na deriva da embarcação.
11.-A decisão de julgar provado um facto não pressupõe a certeza do mesmo, mas sim a ausência de dúvida razoável ou a convicção sobre a sua verificação, à luz das regras da experiência, da lógica e da normalidade das coisas.
12.-Os três factos conhecidos, indicados na conclusão nº 10, na ausência de outra causa possível (à luz dos critérios mencionados na conclusão anterior), permitem ao tribunal ad quem concluir, nos termos dos arts. 349º e 351º do CC, que o desprendimento e a deriva da embarcação se prenderam com a sua deficiente amarração.
13.-Assim, impõe-se a revogação da parte inicial da al. U) dos FP (até “… em condições”), a eliminação do nº 19 dos FNP e o aditamento aos FP de uma nova alínea, com a seguinte redacção, ou outra, com o mesmo sentido, que o tribunal ad quem considere mais apropriada: “A amarração referida em R. foi insuficiente para evitar que a embarcação “Onda Azul II” se desprendesse e ficasse à deriva.”.
14.-Ainda que se entendesse que a prova não autoriza o aditamento proposto, o que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, sempre seria de considerar que a mesma prova também não suporta a decisão vertida na al. U) dos FP, pelo que a 1ª parte dessa alínea ( “ a amarração estava em condições”) sempre deveria transitar para os factos não provados.
  • Al. D) dos FP
15.-Das condições particulares da apólice (doc. 3 da p.i.) resulta, quanto à garantia de danos próprios, que as partes convencionaram um capital seguro de € 250.000 e uma franquia de 1% sobre este capital.
16.- Assim, para que a al. D) dos FP passe a reflectir as condições acordadas não só quanto ao capital seguro, mas também à franquia, no que à cobertura de danos próprios respeita, propõe-se que esse ponto da decisão de facto assuma a seguinte redacção : “ Autora e Ré celebraram um contrato de seguro, na modalidade “… Protecção Náutica”, titulado pela apólice número 10893459, relativo à embarcação “Onda Azul II”, com as coberturas de “Responsabilidade Civil”, “Perdas e Danos à Embarcação” e “Assistência à Embarcação e seus Ocupantes”, as duas primeiras coberturas com um capital seguro de € 250.000,00 e a segunda cobertura com uma franquia de 1% sobre esse capital.”.
  • Al. PP) dos FP
17.-Caso a apelação procedesse, o que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, a discriminação do IVA incluído no preço da reparação seria relevante, à luz da solução jurídica pugnada pela R. nos arts. 44º a 46º da contestação.
18.-Assim, por referência à redacção proposta pela A. para a al. PP) dos FP, sugere-se que a referida alínea sofra o seguinte aditamento: “A Autora mandou proceder à reparação da embarcação, tendo obtido um orçamento por parte da sociedade “TM, S.A.”, na importância de € 147.280,84 o qual deu origem à fatura nº FEN. 2022/57, de 10.10.2022, no valor de € 147.280,84, do qual € 26.558,84 correspondem a IVA.”.

b)-Fundamentos jurídicos em que a R. decaiu
  • Falta de prova do sinistro, tal como definido contratualmente
19.-Nos termos do art. 342º/1 do CC, e à luz da definição contratual de “sinistro” e, por remissão desta, da de “acidente”, ambas contidas na cl. 1ª das CGA, a A. tinha o ónus de provar que os danos à embarcação haviam sido causados por um evento acidental, entendido como “fortuito, súbito e anormal, devido a causa exterior e alheia” à sua vontade.
20.-Apesar desse ónus, a A. omitiu na p.i. a alegação da causa (acidental) do desprendimento e da deriva da embarcação.
21.-Certo é que a A. não só não provou que a deriva da embarcação teve causa acidental, nomeadamente a quebra do seu cabo (invocada extrajudicialmente e em declarações de parte), como, em caso de procedência da impugnação subsidiária da decisão de facto, ficará provado o inverso, ou seja, que não houve quebra alguma do cabo e que o desprendimento e a deriva da embarcação se deveram à insuficiente amarração efectuada pelo gerente da A..
22.-Mesmo que não se conheça ou improceda a impugnação subsidiária da decisão de facto, esta, na sua versão actual, não permite atribuir o desprendimento e a deriva da embarcação a causa acidental (“acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a causa exterior e alheia à vontade do Segurado”), sendo que está provado que as condições de tempo e de mar (“fortuns de mar”) nenhuma influência tiveram no evento (al. I. e FF. dos FP).
23.-Não tendo a A. provado qualquer causa acidental, nem, consequentemente, o sinistro, tal como entendido contratualmente, falta um pressuposto essencial do seu alegado direito de indemnização.
  • Exclusão prevista no 3º ponto da cl. 34ª das CGA
24.-Em caso de necessidade de conhecimento e, como se espera, de procedência da impugnação subsidiária da decisão de facto, ficará provado que “ A amarração referida em R. foi insuficiente para evitar que a embarcação “Onda Azul II” se desprendesse e ficasse à deriva.”.
25.-Esse facto obrigará a concluir que o gerente da A. não executou a amarração com a atenção e o cuidado exigíveis e de que era capaz, atenta a sua experiência na navegação, a que acresce a sua prévia decisão de amarrar um dos cabos da embarcação ao cabo de uma das poita, em lugar de largar o ferro da própria embarcação, especificamente destinado a garantir a segurança da operação de fundear, com o que criou as condições necessárias ao desprendimento e à deriva da embarcação.
26.-A imprudência do gerente da A. (da qual resultaram os danos sofridos pela embarcação) é causa de exclusão da responsabilidade da R., nos termos do 3º ponto da cl. 34ª das CGA.

B)Do recurso da A.
  • Da impugnação da al. TT) dos FP
27.-A decisão vertida na al. TT) dos FP (impugnada pela A. não por considerar que o depoimento da testemunha MF não a suporta, mas sim por razões de forma) justifica-se e é de aceitar, pelas seguintes razões: a) Contempla um facto negativo, susceptível de ser percepcionado pelos sentidos e comprovado; b) A expressão “não vigiada” tem um significado fáctico comum e unívoco, que resulta imediata e directamente do seu elemento literal, e que é o da ausência de qualquer tipo de guarda ou vigilância, por meios humanos ou tecnológicos; c) O termo “não vigiada” não é um conceito jurídico e não passa a sê-lo apenas por o 5º ponto da cl 34ª das CGA usar a expressão “sem vigilância ou assistência” ; d) Pela natureza da questão de facto julgada na al TT) dos FP, não seria fácil ao tribunal a quo conferir-lhe uma redacção muito diferente da adoptada, sendo que essa alínea impugnada sempre teria de encerrar uma negação.
28.-Ainda que o tribunal ad quem entendesse de outro modo, a solução nunca poderia passar pela eliminação da al. TT) dos FP, na medida em que a factualidade envolvida ou implícita na expressão “não vigiada” tem inteiro suporte no testemunho de MF, inexistindo quaisquer dúvidas sobre a sua veracidade, que não é questionada pela A.; nessa hipótese, sempre o tribunal ad quem poderia alterar a redacção actual da al. TT) dos FP, decidindo levar à matéria provada os factos instrumentais ou probatórios (especificados pelo tribunal a quo) que motivaram a decisão ali vertida:
a)- “Na Fajã dos Padres inexiste qualquer concessão.”; b)- “Na Fajã dos Padres inexiste qualquer vigilância ou apoio às embarcações que fiquem ao largo.”; c)- “Na Fajã dos Padres existe (na época alta) uma pessoa que dá apoio ao solário, podendo, eventualmente, em certas ocasiões, prestar algum apoio às pessoas que ali se deslocam, não sendo essa, contudo, a sua função.”.
  • Da arguida nulidade da sentença
29.-Não há contradição alguma entre os fundamentos de facto, nomeadamente a decisão vertida na al. U) dos FP, e a procedência da exclusão prevista no 5º ponto da cl. 34ª das CGA, pelo que inexiste a arguida nulidade da sentença.
30.-A decisão de procedência dessa exclusão é o corolário lógico da decisão vertida na al. TT) dos FP (sendo que a amarração da embarcação em zona não vigiada teve influência no evento que se lhe seguiu, ou seja, no desprendimento, na deriva e no consequente encalhe).
  • Da interpretação e aplicação da cl. 34ª das CGA
31.-O termo “amarração” usado no 5º ponto da cl. 34ª das CGA encerra, naturalmente, um significado náutico – atracar, ancorar, aferrar ou fundear -, e não de parqueamento ou estacionamento em terra, significado esse ao alcance de um declaratário comum e, por maioria de razão, do gerente da A., que tem a experiência de navegação descrita na decisão de facto.
32.-O 5º ponto da cl. 34ª das CGA deve ser interpretado sistematicamente, o que implica a sua articulação com o âmbito da cobertura de danos próprios, delimitada no 2º ponto do nº 2 da cl. 16ª das CGA, do qual resulta que a garantia “funciona” quando a embarcação está depositada em “recintos fechados e vigiados” ou amarrada em “marinas”, “docas de recreio”, “portos” ou “lugares de refúgio”.
33.-Em coerência com esse âmbito de garantia, o 5º ponto da cl. 34ª das CGA exclui a responsabilidade da R. por perdas e danos “respeitantes a ou consequentes de” depósito em locais sem vigilância ou assistência ou em sítios descobertos ou de amarração em locais sem vigilância ou assistência (isto é, fora de marinas, docas de recreio, portos ou lugares de refúgio).
34.-Uma situação como a dos autos, em que a embarcação segura, aquando do seu desprendimento e deriva, se encontra desprovida de tripulação e fora de qualquer estrutura marítima destinada ao seu estacionamento e abrigo e dotada de vigilância ou instalações de apoio, está, manifestamente, excluída do âmbito de cobertura do seguro, nos termos do 5º ponto da cl. 34ª, em articulação com o 1º ponto do nº 2 da cl. 16ª das CGA.
35.-O 5º ponto da cl. 34ª das CGA não padece de ambiguidade alguma, pois a expressão “amarração do barco em locais sem vigilância ou assistência” é suficientemente clara e inteiramente concordante com a formulação usada no 2º ponto do nº 2 da cl. 16ª das CGA, que delimita o âmbito da garantia de danos próprios, pelo que não há que aplicar o nº 2 do art. 11º do DL nº 446/85, de 25.10, ou o art. 237º do CC.
36.-A exclusão contemplada no 5º ponto da cl. 34ª das CGA não exige nexo de causalidade entre a amarração e a perda ou dano à embarcação, mas sim que estes sejam “respeitantes a ou consequentes de: … amarração do barco em locais sem vigilância ou assistência”, do que resulta que o que está aí em causa não é a amarração ou forma como ela foi executada, mas sim a amarração em local sem vigilância ou assistência, o que é bem diferente.
37.- O facto de o gerente da A. ter deixado a embarcação segura, sem tripulação, ao largo, amarrada a uma “bóia”, fora de qualquer estrutura, com vigilância ou assistência, destinada ao estacionamento e ao abrigo de embarcações, foi determinante ou teve influência no evento que se lhe seguiu, o qual, de outro modo, isto é, se a embarcação tivesse sido amarrada numa estrutura marítima com aquelas características (previstas no 2º ponto do nº 2 da cl. 16ª das CGA) ou, pelo menos, não tivesse sido abandonada pelo gerente da A., jamais poderia ocorrer, do que resulta o preenchimento dos pressupostos de facto da exclusão prevista no 5º ponto da cl. 34ª das CGA.
  • Do alegado esvaziamento do contrato de seguro
38.-Abrangendo a cobertura de danos próprios à embarcação 17 riscos, em 4 situações, nomeadamente quando navega (1ª), quando está recolhida em recintos fechados e vigiados ou amarrada em marinas, docas de recreio, portos ou lugares de refúgio (2ª), durante a imobilização em seco e os actos de lançamento ou retirada da água (3ª) e durante o transporte terrestre (4ª), num raio de navegação que vai das costas de Portugal Continental e Sul de Espanha à região autónoma da Madeira, será forçoso concluir que a alegação da R. de que o contrato de seguro está esvaziado de conteúdo (por restringira garantia facultativa em situação de amarração às marinas, docas de recreio, portos ou lugares de refúgio) não tem cabimento.
  • Da alegada nulidade da exclusão prevista no 5º ponto da cl. 34ª das CGA39. A questão da nulidade da exclusão prevista no 5º ponto da cl. 34ª das CGA é uma questão nova, na medida em que foi alegada pela primeira vez em sede de recurso.
40.-As Relações são tribunais de recurso, não devendo conhecer de questões que não foram, previamente, submetidas à apreciação da 1ª instância, salvo os casos previstos no art. 665º do CPC, do que resulta a impossibilidade de a questão da nulidade da cláusula de exclusão integrar o objecto da apelação, que não deve ser conhecido nessa parte, nos termos do art. 652º/1 b) do CPC.
41.-Ainda que fosse outro o entendimento do tribunal ad quem, a decisão de facto não o habilitaria com a matéria necessária ao conhecimento da questão da nulidade da exclusão prevista no 5º ponto da cl. 34ª das CGA, à luz dos arts. 15º e 16º do DL nº 446/85, de 25.10.
42.-Dado que não suscitou na p.i. a referida questão, a A. não alegou, nem provou, quaisquer factos reveladores: a) da confiança ou convicção gerada no seu espírito sobre o âmbito da cobertura de danos próprios; b) da fonte dessa confiança ou convicção (isto é, se foi o sentido global das CGA, o processo de formação do contrato celebrado, o seu teor ou qualquer outro elemento atendível); c) do objectivo que pretendia alcançar com a contratação do seguro (não se sabendo, por isso, quais os riscos cuja garantia assumia preponderância para si, nem qual a sua expectativa relativamente à extensão das garantias contratadas).
43.-A absoluta ausência de alegação e prova de factualidade reveladora dos factores a ponderar nos termos do art. 16º do DL nº 446/85, de 25.10 está espelhada na decisão de facto, que é totalmente omissa quanto às questões da confiança suscitada na A. e do objectivo que esta pretendia atingir com a contratação.
44.-Importa não perder de vista que, pela apólice identificada na al. D) dos FP, foram contratadas 3 coberturas (um obrigatória e duas facultativas), sendo que pela cobertura facultativa de danos próprios foram garantidos 17 riscos, em 4 situações, uma das quais quando a embarcação se “encontre imobilizada por amarras, em marinas, docas de recreio, ou portos ou lugares de refúgio”, sendo quecada uma dessas garantias depende do preenchimento dos respectivos pressupostos de facto, que poderão ser (nuns casos) mais ou (noutros) menos exigentes ou restritivos (do risco seguro). Fruto da falta de alegação da A., a decisão de facto não deixa perceber: a) quais dessas garantias assumiram maior peso na sua decisão de contratação do seguro; b) o peso da cobertura de danos próprios (na situação de amarração) nessa decisão; c) o objectivo que a A. pretendia alcançar com cada uma das coberturas contratadas e, em particular, com aquela; d) a convicção que formou sobre o âmbito de cada uma delas e daquela em particular, ; e) a correlação existente entre o prémio acordado entre as partes e as coberturas contratadas, incluindo o âmbito destas.
45.-Sem o esclarecimento de todas essas questões de facto, é impossível ao tribunal ad quem concluir, com a segurança e o rigor exigíveis, pela alegada existência de um desequilíbrio contratual desproporcionado, em detrimento da A.. Com efeito, a aferição do equilíbrio entre a protecção contratual conferida aos interesses de uma e outra parte não dispensa uma análise do esquema de coberturas no seu todo, sem a qual não é perceptível a cobertura global da apólice, nem é possível ponderar a relação entre essa cobertura (oferecida pela R.) e o prémio de seguro (contrapartida pecuniária da A.), ou seja, entre os direitos e obrigações resultantes do contrato para ambas as partes.
46.-De qualquer modo, a exclusão prevista no 5º ponto da cl. 34ª das CGA não é desconforme com a boa-fé, sendo compreensível que, num seguro facultativo de danos próprios, e quando a embarcação e encontre amarrada, se exclua a cobertura no caso de essa amarração ocorrer em locais sem vigilância ou assistência, o que é coerente e uma decorrência natural do âmbito dessa garantia, delimitada no 2º ponto do nº 2 da cl. 16ª das CGA.
Termos em que devem V. Exas. negar provimento à apelação e, em consequência, confirmar a sentença absolutória recorrida, com o que fareis a costumada JUSTIÇA!

1.7.Respondendo a autora F,Lda à AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO,  veio impetrar a sua total improcedência, para tano concluindo que :
1)-Inexiste qualquer regra legal ou contratual que afaste a sua responsabilidade da Seguradora pelo facto de uma embarcação navegar e/ou fundear em “zonas não vigiadas”, nem tal é prática de qualquer seguradora sua congénere ou corresponde a algo comum ou sequer aceitável na atividade náutica.
2)-Era ónus da Seguradora clarificar qualquer outro entendimento que não o plasmado na conclusão anterior, objetivando no contrato, sem qualquer margem para dúvidas, o que entende por uma “zona não vigiada”, o que não fez.
3)-Na ampliação do objeto do recurso, a Seguradora parte do pressuposto errado que a embarcação “Onda Azul” terá cometido alguma “infração” ao aproximar-se de um cais, parar, fazer a amarração e sair temporariamente com a tripulação para um almoço no restaurante da praia, como se a conduta do skipper não fosse semelhante à de milhares de outros skippers, todos os dias, em todo o mundo, pois tal é o que resulta da experiência comum, do conhecimento geral, na náutica de recreio;
4)-A Ré, para colocar em causa o ponto U) dos factos provados e o ponto 19.º dos não provados, parte de premissas meramente teóricas, querendo levar o Tribunal a ponderar “em abstrato” as várias possibilidades que poderiam existir à partida, querendo, assim, partir para a análise deste sinistro com base em preconceitos pré-estabelecidos, desviando-se dos concretos meios de prova que foram produzidos, olvidando o adágio que refere que “o que não está no processo, não está no mundo”;
5)-Quanto ao ponto U) dos factos provados e o ponto 19.º dos factos não provados, os fundamentos pelos quais o tribunal de primeira instância conferiu credibilidade a determinadas provas e não a outras dependeu sempre de um juízo de valoração efetuado com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum e, nesse particular, andou bem o Tribunal recorrido e tanto assim foi que a Ré não apontou qualquer obscuridade ou contradição à decisão nesse segmento;
6)-No presente caso existe uma clara univocidade no teor dos depoimentos e declarações de todos os que estavam presentes no dia dos factos (reitera-se: não houve qualquer contradição, nem a Ré a alega), e o convencimento da entidade imparcial a quem compete julgar a matéria de facto depende sempre de uma conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante, o que no caso sub judice aconteceu naturalmente, sendo que os pontos U) dos factos provados e 19.º dos não provados, não poderiam ter outra resposta que não a dada pelo Tribunal recorrido, pois nenhuma outra prova se produziu em sentido contrário.
7)-A alínea D) que a Ré quer sindicar a titulo subsidiário é matéria contratual (direito), pelo que não careceria sequer de ser levada ao elenco dos factos provados, pelo que a impugnação deduzida é inócua, tanto mais que dela não foi retirada qualquer consequência que prejudicasse a Ré/Recorrida.
8)-Não há qualquer imprudência, muito menos temerária, no abandono temporário de uma embarcação, para ir almoçar a um restaurante numa praia, ocorrência comum e natural em todo o mundo, constituindo um comportamento censurável, por abusivo, que uma seguradora que vende seguros náuticos tenha o topete de deixar o seu sinistrado totalmente desprotegido, querendo fazer crer ao Tribunal que algo de errado foi feito pelo skipper, sendo que foi justamente a Seguradora que não logrou provar qualquer comportamento ou facto censurável imputável ao skipper.

***

THEMA DECIDENDUUM

1.8.Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir  são as seguintes  :

A)NA apelação de F,Lda.

Primo: Aferir se efectivamente padece a sentença recorrida do vício de NULIDADE, incorrendo o Julgador em erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto de que a Juiz se serviu ao proferi-la ;
Secundo: Aferir se in casu se impõe a alteração da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo em face de competente impugnação pela autora deduzida , e a ponto de :
i)-Se justificar uma diversa redacção do item de facto nº 2.42
ii)-Ser o item de facto nº 2.46 excluído da decisão de facto; 
Tertio: Se, em razão das alterações introduzidas na decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto, ou , independentemente de uma qualquer alteração, se justifica a alteração do julgado – sendo a sentença SUBSTITUIDA POR OUTRA QUE JULGUE PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO, CONDENANDO-SE A RÉ A INDEMNIZAR A AUTORA NO CUSTO PROVADO DA REPARAÇÃO DA EMBARCAÇÃO, ACRESCIDO DE JUROS, CONTADOS DESDE A CITAÇÃO ATÉ EFETIVO PAGAMENTO - , e isto porque :
i)-A cláusula 34.º das condições gerais da apólice de seguro não se mostra correctamente interpretada pelo tribunal a quo ;
ii)-A cláusula 34.º das condições gerais da apólice de seguro não deve inclusive ser aplicada ao caso dos autos ;
iii)-Sempre teria o Tribunal de julgar nula tal cláusula por ter um objeto indeterminado e indeterminável, não apresenta uma clareza total, possibilitando interpretações diversas, o que lhe confere uma grande ambiguidade, pelo que sempre importaria declarar a sua nulidade.

B)NA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO a requerimento de …Seguros, S.A.
Primo: Aferir se in casu se impõe a alteração da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, a ponto de :
i)-Se justificar uma diversa redacção do item de facto nº 2.21 ; 
ii)-Ser o item de facto nº 2.66 excluído da decisão de facto; 
iii)-Se justificar que seja adicionado ao elenco dos factos provados um novo ponto de facto ;
iv)-Ser conferida aos itens de facto nº 2.4 e 2.42 uma diversa redacção ;
 
***

2.Motivação de Facto.

Pelo tribunal a quofoi proferida a seguinte decisão de facto

A)FACTOS PROVADOS

2.1.-(A)A Autora é uma pessoa colectiva, organizada sob a forma de uma sociedade por quotas, que se dedica de forma habitual ao exercício da actividade comercial de exploração de empreendimentos para alojamento turístico, bem como animação turística, exploração de actividades marítimo turísticas, nomeadamente passeios turísticos, pesca desportiva, mergulho e tem como sócio-gerente AG;
2.2.-(B)A embarcação de recreio denominada “Onda Azul II”, marca Princess, modelo 460, de casco plástico reforçado com fibra de vidro PRFV, com 14,16metros de comprimento, com o número de registo …FN4 e cuja construção data do ano de 1997, mostra-se registada em nome da Autora;
2.3.-(C)AG detém a carta de navegador de recreio de categoria “Patrão de Alto Mar” número PT…;
2.4.-(D)Autora e Ré celebraram um contrato de seguro, na modalidade “… Protecção Náutica”, titulado pela apólice número …9, relativo à embarcação “Onda Azul II”, pelo valor global de € 250.000,00, para cobertura de responsabilidade civil obrigatória, perdas e danos na embarcação, prestação de assistência à embarcação e seus ocupantes;
2.5.-(E)No dia 27 de Maio de 2021, pelas 13h00m, a embarcação “Onda Azul II”, da Autora, partiu da marina do Funchal, manobrada por AG;
2.6.-(F)AG tem experiência de navegação com a embarcação referida em B.;
2.7.-(G)AG navegou ao comando, por diversas vezes, à volta da Madeira, viajando, também, até Porto Santo, ilhas Desertas e Canárias;
2.8.-(H)AG tem perícia na navegação, atracagem, manutenção e tarefas conexas com a utilização de uma embarcação de recreio;
2.9.-(I)No dia referido em E., o tempo apresentava-se bom, o céu estava limpo e com muito sol, o vento e o mar estavam calmos, com ondulação e correntes fracas, sendo que a direcção do vento e a ondulação eram provenientes do quadrante Norte e a sua influência na costa Sul da Madeira era praticamente nula;
2.10.-(J)AG e a sua família decidiram aproveitar as condições referidas em I. para se deslocarem do Funchal até à Fajã dos Padres e almoçar no restaurante que nesta zona se encontra;
2.11.-(K)Não foi a primeira vez que AG e família fizeram o referido em J.;
2.12.-(L)A Fajã dos Padres, situada no concelho da Ribeira Brava, é dos locais mais conhecidos e comummente frequentados na ilha da Madeira e o acesso apenas é possível por barco ou pelo elevador panorâmico da Quinta Grande;
2.13.-(M)Na Fajã dos Padres existe uma praia com um estabelecimento de restauração, bem como algumas unidades de alojamento local;
2.14.-(N)Para quem vem de barco, a Fajã dos Padres dispõe de uma estrutura fixa em betão, onde barcos podem atracar e aportar para carregar e descarregar carga e passageiros;
2.15.-(O)A viagem de AG e família desde o Funchal até à Fajã dos Padres correu com normalidade, sem registo de qualquer incidente;
2.16.-(P)AG e família chegaram à Fajã dos Padres e, já nas imediações do cais, aquele decidiu abrandar e parar a circulação da embarcação;
2.17.-(Q)Após, verificou a existência de um cabo para amarração ligado a uma poita, dado que a “Fajã dos Padres” disponibiliza algumas poitas para os seus clientes apoitarem as embarcações enquanto vão a terra;
2.18.-(R)De forma a fundear o “ONDA AZUL II”, utilizou um cabo de bordo para efectuar a amarração da embarcação ao cabo da poita para amarração;
2.19.-(S)As poitas identificadas no local eram de grande dimensão e peso suficiente para a tonelagem da embarcação “ONDA AZUL II”;
2.20.-(T)A embarcação “ONDA AZUL II” já tinha sido amarrada da forma referida em R naquele mesmo local nos últimos anos;
2.21.-(U)Verificando que a amarração estava em condições, com a embarcação e as máquinas paradas, AG decidiu deslocar-se para terra, fazendo o transbordo de tripulantes;
2.22.-(V)Para o fazer, os tripulantes utilizaram uma embarcação de apoio a remos, tendo sido efectuadas duas viagens, entre a embarcação e o cais;
2.23.-(W)Durante a segunda viagem da embarcação de apoio para o cais, com dois tripulantes a bordo, AG verificou que o “ONDA AZUL II” se encontrava a ir à garra, já sem tripulação a bordo;
2.24.-(X)De forma a ser o mais rápido possível, e porque o bote estava pesado, foi a nado até à embarcação, a qual havia derivado;
2.25.-(Y)AG conseguiu alcançar a embarcação quando esta se encontrava na iminência de encalhar, colocando os motores a funcionar;
2.26-(Z)Quando AG deu ré, a popa afundou, batendo numa baixa, ficando, temporariamente, sem propulsão, o que originou o encalhe entre algumas pedras de grande porte;
2.27-(AA)A embarcação ficou encalhada entre formações rochosas existentes no local, a cerca de 167 metros do local onde se encontrava inicialmente atracada, já junto da costa;
2.28-(BB)Passado algum tempo, e como a embarcação estava apoiada em algumas rochas, sugiram vários rombos no casco, verificando-se que estava a entrar água na embarcação e que as bombas de esgoto estavam a funcionar;
2.29-(CC)Uma embarcação que passou pela zona rebocou a embarcação segurada para fora da zona das rochas;
2.30-(DD)Chegaram ao local os meios da Capitania do Porto de Funchal e da Polícia Marítima, que procederam ao reboque da embarcação encalhada, "Onda Azul II", para o Estaleiro Naval dos Socorridos, situado no concelho de Câmara dos Lobos, local onde a embarcação foi colocada a seco a fim de ser sujeita a vistoria e subsequente reparação de danos;
2.31-(EE)A Autora informou a Capitania do Porto de Funchal do sucedido, tendo solicitado vistoria à embarcação;
2.32-(FF)A Polícia Marítima, sob o Processo número 070.40.07-013/21 averiguou o ocorrido e concluiu não ter ficado provada a existência de um rebentamento, quer do cabo de fundo, que liga a poita à superfície, quer do cabo de bordo, ou se houve uma amarração deficitária e que as poitas identificadas no local eram de “grande dimensão e peso suficiente para a tonelagem da embarcação “ONDA AZUL II”, bem como que as condições meteorológicas não permitem existir uma “correlação directa entre o estado do tempo e o encalhe da embarcação” ;
2.33-(GG)A 10 de Novembro de 2021, foi efectuado um mergulho pelo Grupo de Mergulho Forense da Polícia Marítima, GMF-OPS, destacamento da Madeira, entre o cais da Fajã dos Padres e cerca de 150 metros para nascente, até cerca de 40 metros da linha de costa, exactamente o local onde o “Onda Azul II” fundeou, no sentido de se apurar qual a poita que havia sido utilizada pela embarcação no dia do encalhe, tendo sido identificadas 5 poitas, de grande dimensão, com um peso superior a 3 toneladas e não havia vestígios de cabos “rompidos” em nenhuma das poitas;
2.34-(HH)Na sequência do referido em Z. , AA. e BB., a embarcação sofreu estragos a nível do casco, tendo a estrutura interna ficado afectada, o que põe em causa a sua integridade estrutural e impede o seu funcionamento e utilização;
2.35-(II)Na sequência do referido em Z., AA. e BB., a embarcação sofreu estragos nas hélices, “alheta”, hidráulicos, aranhas do veio, eixo e porta do leme, pintura, entre outros componentes, apresentando rombos graves, alguns de grande dimensão, no casco;
2.36-(JJ)Na sequência do referido em Z., AA. e BB., uma vez que estiveram submersos, todos os motores e caixas, bem como a instalação eléctrica, gerador, motores hidráulicos dos flaps e lemes, caixas de engrenagens dos motores de propulsão, alternadores, motores de arranque, têm de ser desmontados, limpos e eventualmente substituídos, pois estiveram em contacto com água salgada;
2.37-(KK)A reparação do mencionado em HH., II. e JJ. foi orçada em € 172.113,29;
2.38-(LL)Atenta a impossibilidade de se deslocar a embarcação para outro local uma vez que do estaleiro apenas se pode sair por mar, a “Onda Azul II” permaneceu no “Estaleiro Naval dos Socorridos” tendo a Autora suportado aquantia de€ 3.950,36 a título de estacionamento entre 27 de Maio de 2021 e 31 de Janeiro de 2022;
2.39-(MM)Por cada dia que a embarcação continuar parqueada no referido estaleiro, a Autora pagará a importância de € 12,00, acrescida de IVA;
2.40-(NN)A varagem da embarcação, a 27 de Maio de 2021, custou € 250,00, acrescido de IVA;
2.41-(OO)A descida da embarcação para a colocar na água está orçamentada em € 250,00 ;
2.42-PP)A Autora mandou proceder à reparação da embarcação, tendo obtido um orçamento por parte da sociedade “TM, S.A.”, na importância de € 147.280,84;
2.43-(QQ)A Autora continua a pagar a mensalidade do lugar na Marina do Funchal na importância de € 2.502,88 por ano;
2.44-(RR)Nas condições Gerais do contrato referido em D., as partes acordaram como cobertura facultativa as perdas e danos na embarcação;
2.45-(SS)Sob a Cláusula 34.ª, das Condições Gerais do contrato referido em D., as partes acordaram que a Victoria não assumirá, no âmbito das coberturas facultativas, quaisquer perdas, danos, despesas, reclamações ou desembolsos respeitantes a ou consequentes de (..) dolo e negligência, ou imprudência temerária do segurado, proprietário, patrão, governantes ou responsáveis da embarcação segura; (…) depósito ou amarração do barco em locais sem vigilância ou assistência, na praia ou em sítio descoberto;
2.46-(TT)A zona referida em N. e em P. a R. era não vigiada;
2.47-(UU)Por comunicação datada de 29 de Setembro de 2021, a Ré deu a conhecer à Autora o seu entendimento de que o incidente não seria passível de indemnização, face à cláusula 34ª das Condições Gerais do contrato, tendo o barco sido alvo de amarração em local sem vigilância ou assistência e por o comportamento do Segurado ter sido imprudente.

***

B)FACTOS NÃO PROVADOS
2.48-(1)AG tem 20 anos de experiência, milhares de horas ao comando de embarcações e é pessoa reconhecidamente habilidosa;
2.49-(2)AG também já comandou embarcações em muitos outros locais do mundo, designadamente quando está de férias, o que fez em algumas ilhas das Caraíbas, Brasil e Ibiza;
2.50-(3)O referido em J. configura um plano relativamente comum na vida social desta família (mais de dez vezes ao ano), aliás, bem como de muitos madeirenses e turistas;
2.51-(4)O referido em L. faz com que a zona seja muito frequentada, quer por turistas, quer por madeirenses, que aproveitam o local para momentos de lazer, beneficiando da excelente exposição solar e da temperatura amena das águas do mar durante todo o ano;
2.52-(5)O referido em P. ocorreu pelas 13h30m;
2.53-(6)O referido em R. configura uma prática comum para não sujar o barco e mais eficiente quando se larga o cabo;
2.54-(7)O referido em T. já havia ocorrido em condições meteorológicas menos favoráveis;
2.55-(8)O referido em W. ocorreu pelas 14h15m;
2.56-(9)AG pediu socorro via telemóvel, uma vez que se encontrava numa zona sombra de VHF;
2.57-(10)G tentou desencalhar a embarcação, mas não obteve sucesso visto as hélices já se encontrarem danificadas e apoiadas no fundo sobre pedras;
2.58-(11)O referido em CC. ocorreu passada cerca de uma hora;
2.59-(12)O referido em DD. ocorreu meia hora mais tarde do referido em CC.;
2.60-(13)Os meios referidos em DD. cederam mais uma bomba de esgoto uma vez que as três bombas de bordo não estavam a dar vencimento à inundação provocada pelos diversos rombos existentes no casco;
2.61-(14)A Autora tinha o propósito de proceder à utilização da “Onda Azul II”, quer para passeios, quer para a prática de pesca lúdica;
2.62-(15)Essa utilização ocorre durante todo o ano, pois na Madeira as condições meteorológicas assim o permitem;
2.63-(16)A embarcação “Onda Azul II” era usada semanalmente;
2.64-(17)Caso tivesse de alugar uma embarcação como a “Onda Azul II”, a Autora pagaria € 10.000,00 por mês;
2.65-(18)Não foi efectuada amarração da embarcação ao cabo da poita ;
2.66-(19)A embarcação “Onda Azul II” foi fundeada sem que o skipper tenha garantido uma correcta e eficaz amarração;
2.67-(20)O ponto por onde terá passado o cabo da amarração terá sofrido desgastes por fricção levando à ruptura do mesmo, tendo-se o cabo separado da bóia e afundado;
2.68-(21)O desconhecimento da capacidade de resistência e do estado de conservação das poitas de amarração, aliado à dimensão e peso da embarcação deveria ter levado o skipper a optar pela utilização do sistema/método próprio de fundear que a embarcação possui; 
  
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3.Se padece a sentença recorrida do vício de NULIDADE, nos termos do nº1, alínea c), primeira parte, do cpc.
Partindo do pressuposto de direito no sentido de que entre a fundamentação da sentença e a subsequente decisão não pode haver contradição lógica, isto é, a fundamentação fáctico jurídica tem de ser coerente, não se podendo partir de uma premissa e concluir pelo seu contrário, conclui a apelante que vedado estava ao Tribunal a quo dar por provado que a amarração foi bem-feita, fundamentar abundantemente essa sua convicção, mas depois decidir que o acidente foi “consequência” da amarração – pois este é o antecedente lógico da aplicação da cláusula 34.ª no segmento em discussão, na interpretação que o Tribunal de 1.ª Instância lhe deu.
Conclui assim a apelante que incorre a sentença apelada em erro de raciocínio lógico ,consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto de que a juiz se serviu ao proferi-la, logo, tal contradição é geradora de nulidade pois ocorreu quando verificamos que os fundamentos invocados pelo juiz (o facto da amarração ter sido bem executada) conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a um resultado diametralmente oposto.
Embora não o refira expressis verbis, invoca a apelante o vício de nulidade da sentença nos termos do nº1, alínea c), primeira parte, do cpc.

Apreciando
Tendo presente o vício de NULIDADE invocado pela apelante F,Lda., recorda-se que reza o dispositivo acima identificado que é Nula a sentença quandoOs fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível “.
O vício de nulidade de sentença referido, pressupondo uma contradição entre a fundamentação e a decisão [que não entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito], apenas existe quando os fundamentos invocados - de facto e de direito - devessem, necessária e logicamente (qual vício lógico), conduzir a uma decisão diferente/oposta àquela que a sentença expressa, sob pena de existir entre ambos uma contradição insanável e incompreensível (a decisão colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia) . (1)

Dito de uma outra forma, e como ensinam ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO e NORA (2), na alínea c), do nº1, do pretérito artº 668º do CPC, a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não a hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.
É que, e em rigor, como bem explicam ainda os mesmos e ilustres Prof.s (3) citados, na situação referida, “há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença ): a fundamentação aponta num sentido ; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.

Ainda como referência ao vício formal ora em apreço, e agora nas palavras de LEBRE de FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO (4),” Entre os fundamentos da decisão não pode haver contradição lógica : se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”.

E, logo a seguir, os mesmos autores advertem que  Esta oposição não se confunde com o erro de subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 193-2-b).”
Ou seja, a hipótese da alínea c), pressupõe a existência de uma oposição real entre os fundamentos e a própria decisão, isto é, situações em que os fundamentos invocados pelo julgador devessem ter conduzido, logicamente e coerentemente, a um  resultado diferente do expresso na decisão .(5)

Concluindo, as nulidades da decisão, previstas no artigo 615º do CPC “ são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito” . (6)

Postas estas breves considerações, cremos que nada mais importa acrescentar para de pronto  afastar o vício de nulidade de sentença invocado  pela recorrente, pois que, analisado o grosso ( a globalidade) da fundamentação (de facto e de direito) do tribunal a quo aduzida na sentença, não se descortina, antes pelo contrário, que aponte ela necessária e obrigatoriamente para um único sentido, tendo porém a Exmª julgadora enveredado, contraditoriamente, por diferente desfecho/solução.

Ou seja, além de o vício de nulidade em apreço nada ter que ver com qualquer contradição entre fundamentação de facto e fundamentação de direito (porque encerra a mesma um erro de julgamento, insusceptivel portanto de integrar a previsão do arº 615º, do CPC), certo é que uma leitura atenta da fundamentação de direito vertida na sentença recorrida obriga a considerar que o subsequente comando decisório mostra-se de harmonia com a mesma, não existindo qualquer contradição, cedo apontando o entendimento da Exmª Juiz para a inevitável e forçosa improcedência da acção.

É assim que, v.g. em sede de fundamentação de Direito, consta designadamente a seguinte e elucidativa passagem :
“(…)
Ponderado, no entanto, o clausulado do contrato de seguro celebrado entre Autora e Ré – especificamente o artigo 34º, das Condições Gerais -, concluímos que o local onde se deu o evento, por consubstanciar zona sem vigilância e por os danos reclamados se reconduzirem a danos na própria embarcação (portanto, cobertura facultativa), determina que exista exclusão da cobertura da apólice.
Na verdade, o sinistro ocorreu num local sem vigilância, como resulta do mencionado em TT., do referido em N. (de onde se retira a mera existência de uma estrutura de betão, sem as comodidades e serviços próprios de um porto ou de uma marina) e, bem assim, das próprias informações da Direcção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, de cuja lista de marinas e portos não consta qualquer menção à Fajã dos Padres.
Ora, o facto de o sinistro ocorrer em local não vigiado, configura circunstância que as partes, por acordo, estabeleceram como causa de exclusão de cobertura da apólice, no que respeitava a coberturas facultativas (como é claramente, face ao que se mostra exarado em HH. a JJ., o caso dos autos).
Em face do supra exposto, conclui-se que a responsabilidade da Ré se mostra afastada, face àquelas que foram as cláusulas contratuais assumidas e às excepções consignadas no próprio contrato.”.

Ou seja, em face da referida passagem, é claro, manifeste e ostensivo de que não existe qualquer oposição entre a fundamentação e a decisão, antes é esta última aquela para a qual aponta a primeira, existindo entre ambas e ao invés de desarmonia, completa coerência e compatibilidade.
É vero que para a recorrente o referido entendimento e pelo tribunal a quo sufragado não faz qualquer sentido, sendo erradoe não podendo de todo suportar o subsequente comando decisório da sentença, considerando a demandante que em função da motivação de facto fixada (provada e não provada) forçoso era ter o Primeiro Grau julgado a acção procedente.
Sucede que, a ter a recorrente razão, então o vício que atinge a sentença será já de natureza substantiva (error in judicando ou erro de julgamento em matéria de subsunção da factualidade provada ao direito aplicável), que não adjectiva, não sendo ele subsumível de todo à previsão do artº 615º, do CPC.
Em suma, e mais uma vez, o que de resto integra prática nefasta e confrangedoramente repetitiva em sede de instâncias recursórias, confunde também a recorrente o error in judicando com o mero error in procedendo, ou seja, trata o erro no julgar ou erro material ou de conteúdo como se fosse ele (também) um mero erro adjectivo ou um vício de forma, vícios estes últimos que como é por demais consabido são queles, e só aqueles, susceptíveis de integrar a previsão do nº1, do artº 615º, do CPC .

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4.Se in casu, se impõe a alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.
No âmbito das alegações (stricto sensu) da recorrente F,Lda., descortina-se com clareza a não aceitação pela mesma do julgamento de facto efectuado pelo tribunal a quo, designadamente a discordância no tocante à “pretensafactualidade reconduzida aos itens de facto nºs  2.42 e  2.46 ,  ambos  do presente Ac.
Já no âmbito das conclusões recursórias, volta a apelante a manifestar a sua discordância no tocante ao julgamento de facto da primeira instância e direccionado para dois concretos pontos de facto, aduzindo que um deles merece uma diversa redação e, um outro, e porque conclusivo, deve ser excluído da decisão de facto.
Outrossim a apelada , e em sede de AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO, bem impugnar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, dirigindo a mesma para os itens de facto nºs 2.4., 2.21, 2.42 e 2.66 .
Prima facie, mostram-se observados/cumpridos os diversos ónus a seu cargo e indicados no artº 640º, nº1 e 2, do CPC [maxime a indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, a descrição dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas] .
Destarte, na sequência do exposto, nada obsta, portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração das respostas aos pontos de facto indicados e impugnados.

4.1.Se se justifica uma diversa redacção do item de facto nº2.42.
Ao invés da actual, reclama [com base no documento junto aos autos a requerimento apresentado no dia 2/11/2022] a apelante que do item de facto nº 2.42 passa a constar que “A Autora mandou proceder à reparação da embarcação, tendo obtido um orçamento por parte da sociedade “TM, S.A.”, na importância de € 147.280,84, o qual deu origem à fatura n.º FENS.2022/57, de 10.10.2022, no valor de Euros: 147.280,84
À referida alteração, diz a Ré que prima facie nada tem a opor, mas, tendo presente as diversas soluções plausíveis da questão de direito [com referência ao valor do IVA], considera que o adequado é que do item 2.42  passe a constar que “A Autora mandou proceder à reparação da embarcação, tendo obtido um orçamento por parte da sociedade “TM, S.A.”, na importância de € 147.280,84 o qual deu origem à fatura nº FEN. 2022/57, de 10.10.2022, no valor de € 147.280,84, do qual €26.558,84 correspondem a IVA.”.
Ora, tendo presente as posições de ambas as partes com referência à redacção do item de facto nº 2.42 e, sobremaneira o teor do Documento junto aos autos pela autora em 2/11/2022 [em instrumento Refª 43737959], temos por  adequado que do item de facto nº 2.42  passe doravante a constar que :
A Autora mandou proceder à reparação da embarcação, tendo obtido um orçamento por parte da sociedade “TM, S.A.”, na importância de € 147.280,84 o qual deu origem à fatura nº FEN. 2022/57, de 10.10.2022, no valor de € 147.280,84, do qual €26.558,84 correspondem a IVA.”.

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4.2.Do ponto de facto nº 2.46

Considera a apelante que o item de facto nº 2.46 [dele consta que “A zona referida em 2.14 e em 2.16 a 2.18 era não vigiada” ]deve ser suprimido porquanto se trata, por um lado, de uma mera conclusão, e, por outro, trata-se de um conceito de “direito” que resulta do teor do clausulado no contrato de seguro.
Destarte, porque a sentença, de entre os alegados pelas partes, ou os considerados nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, apenas pode discriminar os factos materiais, concretos, objetivos, devendo dela ser subtraídos conceitos jurídicos, enunciações legais, elementos que encerrem em si próprios a solução de direito discutida na ação, forçoso é, portanto ,conclui a apelante, que o item de facto nº 2.46. seja excluído da decisão de facto.
Divergindo do referido entendimento, é convencimento da apelada Seguradora que o item de facto nº 2.46 contempla um mero facto negativo, susceptível de ser percepcionado pelos sentidos e comprovado, sendo que a expressão “não vigiada” tem um significado fáctico comum, de todos conhecido, que resulta imediata e directamente do seu elemento literal, e que é o da ausência de qualquer tipo de guarda ou vigilância, por meios humanos ou tecnológicos.
De resto, reforça a apelada, na pior das hipótese sempre poderia o tribunal ad quem alterar a redacção actual do item de facto nº 2.46 ,decidindo levar à matéria provada os factos instrumentais ou probatórios que motivaram a decisão ali vertida a saber: a) Na Fajã dos Padres inexiste qualquer concessão; b) Na Fajã dos Padres inexiste qualquer vigilância ou apoio às embarcações que fiquem ao largo; c) Na Fajã dos Padres existe (na época alta) uma pessoa que dá apoio ao solário, podendo, eventualmente, em certas ocasiões, prestar algum apoio às pessoas que ali se deslocam, não sendo essa, contudo, a sua função.

Apreciando.
Para começar, recorda-se que da CLÁUSULA 34 -  EXCLUSÕES GERAIS, do contrato de seguro outorgado entes Autora e Ré, consta expressis verbis, que :
“Sem prejuízo das exclusões específicas estabelecidas em cada garantia, a …SEGUROS não assumirá, no âmbito das coberturas facultativas, quaisquer perdas, danos, despesas, reclamações ou desembolsos respeitantes a ou consequentes de:
- Sinistros ou acidentes ocorridos durante qualquer período em que a embarcação, a navegar ou ancorada, não se encontre habilitada com um "certificado de navegabilidade" válido, emitido pela autoridade competente para o efeito;
(…)
- Dolo e negligência, ou imprudência temerária do Segurado, proprietário, patrão, governantes ou responsáveis da embarcação segura;
(…)
- Depósito ou amarração do barco em locais sem vigilância ou assistência, na praia ou em sítio descoberto;
(…)”.
Conhecido o teor da cláusula de alguma forma relacionada com a questão agora em sindicância, recorda-se que a instrução de uma qualquer causa e/ou incidente, apenas deve ter por objecto os factos necessitados de prova (positivos e concretos - cfr. artºs 5º , 410º e 607º,nºs 3 e 4, todos do CPC), estando por consequência e efectivamente excluídos da tarefa instrutória quaisquer meros “juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios e valorações de factos”, pois que, todos eles importam uma actividade que é de todo “estranha e superior à simples actividade instrutória.(7)
Na verdade, se um qualquer e pretenso ponto de facto se mostrasse impregnado tão só de meros factos jurídicos, que não de factos materiais, ou , como bem nota TEMUDO MACHADO (8), integrasse “ (…) a conclusão, em vez de conter os silogismos primários de que ela deriva, as testemunhas viriam a ser interrogadas, não a respeito de factos susceptíveis de ser captados pelos sentidos, mas a respeito de juízos de valor formados sobre aqueles factos. ”.
Daí que, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artº 646º ,n.º 4 , do pretérito  CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), é todavia nossa convicção que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas,e as quais, a priorie comodamente [porque têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem (9)], acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente,  resolvendo de imediato o thema decidendum.
Quando muito, porque como bem se nota em Ac. do STJ de 10/9/2015 (10) “o modelo processual introduzido pela reforma é o da prevalência do fundo sobre a forma, de acordo com uma nova filosofia que vê no processo um instrumento, um meio de alcançar a justa composição do litígio, de chegar à verdade material pela aplicação do direito substantivo“, aceita-se que o NCPC [com a abolição da base instrutória e a opção pela enunciação de temas de prova], ao conferir  aos tribunais de instância uma maior liberdade na circunscrição da matéria de facto, permite agora ao juiz optar por uma formulação mais genérica, desde que não seja pura matéria de direito em face do caso concreto.
Tal não invalida,  porém , que continue actual o entendimento de que o que importa é que a decisão de direito venha a ser resolvida no momento adequado, e tendo ela por base e objecto a realidade concreta apurada - factos concretos -  e revelada nos autos por via da instrução, sendo então e de seguida - após aquela fixada - os subjacentes factos concretos objecto de valoração jurídica.
Isto dito, e tal como adverte ABRANTES GERALDES (11), é pacífico que a distinção entre matéria de facto e matéria de direito constitui uma das questões de maior complexidade de todo o direito processual civil.
Desde logo, porque como por todos é também reconhecido, “A linha divisória entre matéria de facto e matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta“, sendo que, “A nível do julgamento da matéria de facto só são proibidos os juízos conclusivos que impliquem a apreciação e valorização de determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica ” (12)

É que, como bem ensina CASTANHEIRA NEVES (13), existe um “continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos”, ou seja, “na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objectivos do problema colocado, por exemplo, elementos sócio-culturais e até jurídicos”.

Em última instância, portanto, pertinente será concluir que, dependendo dos exactos termos em que a lide se apresenta, então “A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. (14)

Socorrendo-nos, de seguida , dos ensinamentos, sempre actuais, do Professor ALBERTO dos REIS (15), dir-se-á que “é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior ; e é questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.

E mais adiante, conclui ALBERTO dos REIS: Reduzido o problema à sua maior simplicidade a fórmula é esta:
a)-É questão de facto determinar o que aconteceu;
b)-É questão de direito determinar o que quer a lei, ou seja a lei substantiva, ou seja a lei do processo.”

Com total pertinência outrossim para a questão ora em análise, ensinam os Prof.s ANTUNES VARELA e outros (16) que, sendo certo que a área dos factos (seleccionáveis para o pretérito questionário) incide, principalmente, obre os eventos reais, as ocorrências verificadas, pode também abranger as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros juízos de facto, os quais,  integram ainda a realidade de uma zona empírica – fáctica ou factual - que faz parte também do thema probandum, qual  zona imediatamente contígua à dos juízos de valor e à dos juízos significativo-normativos, e integrando estes últimos, manifestamente, a esfera do direito.

Dito de uma outra forma, e lançando mão, novamente, dos ensinamentos do Prof. ANTUNES VARELA (17) “há que distinguir nesses juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) entre aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador ”.

Os primeiros, remata o Profº ANTUNES VARELA, “estão fundamentalmente ligados à matéria de facto e a última palavra acerca deles, por isso mesmo, deve caber à Relação. Os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valoração da lei e, por isso, o Supremo pode e deve, como tribunal de revista, controlar a sua aplicação”.

Em sede conclusiva, temos assim que, quando na presença de juízos de natureza valorativa sobre os factos, importa distinguir aqueles que envolvem valorações de natureza jurídica, inserindo-se na análise jurídica do caso, e aqueles que não implicam já valorações da referida natureza, pois que, os primeiros, ao invés dos segundos, não poderão de todo integrar o acervo factual base a atender/considerar.

Postas estas breves considerações relacionadas com a questão ora em sindicância, e analisada finalmente a “factualidade” inserta no item de facto nº 2.46, temos para nós que, em bom rigor, limita-se o mesmo a integrar mera conclusão relativa/alusiva a factos da vida real, sendo que, o respectivo conhecimento/apreensão pode perfeitamente ser alcançado sem necessidade de se lançar mão de um qualquer critério de valoração jurídico-normativa.

É que, no nosso entendimento, a alusão de que uma determinada zona consubstancia uma zona não vigiada não integra qualquer juízo de valor cuja apreensão e percepção apenas esteja ao alcance da sensibilidade ou intuição de um qualquer jurista, antes qualquer homem comum dispõe à partida da capacidade para, sem dificuldades, logo discorrer qual o alcance de uma tal afirmação.
Não é assim razoável , para nós, e em razão do conteúdo do item de facto nº 2.46, dizer-se que integra ele mero juízo e/ou valoração conclusiva destituído de todo de realidade fáctica, e , muito menos pertinente será concluir que resolve o mesmo - antecipadamente – uma questão de direito, maxime em sede de interpretação e de aplicação da lei.

É certo que, não se olvida, encerra ainda o ponto de facto em análise uma alusão de pendor também eminentemente conclusivo, mas, convenhamos, o mesmo emerge ainda, implícita e necessariamente, de factos concretos da vida real, que não de meros juízos de natureza eminentemente jurídico-normativo, integrando já a esfera do direito.

Dir-se-á portanto e no essencial que, sendo inquestionável que no ponto de facto em análise se integram juízos de valor que pressupõem concreta realidade factual não expressamente descrita, sucede porém que  a exacta compreensão do sentido e alcance do referido juízo valorativo não exige já que se socorra o declaratário de critérios estritamente jurídico-normativos.

Em face do acabado de aduzir, é assim nossa convicção de que, nada impõe/obriga, tal como o pretendido pela apelante, à retirada/exclusão  da matéria de facto dada como provada no ponto de facto correspondente ao item nº 2.46.

Ademais, recorda-se que, como com total pertinência se considera em douto Ac. do STJ (18), que “é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados juízos conclusivos sobre outros elementos de facto, e assim, e desde que se trate de realidades apreensíveis pelos sentidos e compreensíveis pelo intelecto do homem [como é o caso ], não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia e um exacerbado rigorismo na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena da resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstracções distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger”.
Em suma, a impugnação pela apelante da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo deve proceder apenas parcialmente, maximenada justifica a exclusão da decisão de facto do respectivo item nº 2.46 .

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4.3.Da impugnação inserida em APLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO.
4.3.1–Da reclamada redacção diversa do item de facto nº 2.21 e exclusão do item nº 2.66 ( dos factos não provados).
É entendimento da apelada Seguradora que, em face da prova produzida [designadamente do relatório da Polícia Marítima], que a única explicação plausível para a ocorrência do sinistro relaciona-se com uma deficiente amarração da embarcação segura ao cabo da poita (ou à alça da “bóia”) mas, erradamente, certo é que o tribunal a quo não só julgou não provado esse facto (item nº 2.66), como julgou provado o facto inverso (item nº 2.21).
É que, explica a recorrida, e em face da prova produzida, mostram-se reunidas as condições necessárias para que o tribunal ad quem, nos termos dos citados arts. 349º e 351º do CPC, conclua, a partir da prova da não verificação das demais causas hipotéticas em discussão à partida, que o desprendimento e a deriva da embarcação segura se prenderam com a sua deficiente amarração.
Logo, impõe-se – no entender da Ré Seguradora - a eliminação do item 2.66  da decisão de facto e a revogação da parte inicial do item 2.21 [até “… em condições”], e , bem assim, o aditamento aos factos provados de um novo item de facto, v.g. com a seguinte redacção “A amarração referida em R. foi insuficiente para evitar que a embarcação “Onda Azul II” se desprendesse e ficasse à deriva.”

Já em sede de explicação (nos termos do nº 4, do artº 607º, do CPC ) do julgamento dirigido para os itens nº 2.66 e 2.21, consta da sentença recorrida, no essencial, e em parte o seguinte :
“ (…)
A tese de que o comandante não teria efectuado a amarração da embarcação não só não se revela verosímil – como acreditar que uma pessoa com experiência de navegação ( como as testemunhas inquiridas mencionaram) simplesmente parasse uma embarcação, dela saísse e a deixasse sem tripulação, sem sequer a amarrar ou fundear – como não se mostra comprovada por nenhum elemento de prova sustentado e concreto ( que não meras suposições e conclusões empíricas, sem que se percebam os factos concretos de que se partiu para a elas chegar).
Sara ……… e Maria ……….. foram unânimes em dizer que a embarcação havia sido amarrada a uma das poitas existentes no local referido em N., sendo que Sara ………. foi, até, a pessoa que foi buscar o cabo para esse efeito e o passou ao comandante para efectuar os nós necessários para esse efeito.
Também AG confirmou essa amarração, a confirmação de nós efectuados e, bem assim, a circunstância de ter efectuado essa manobra por várias vezes, naquele mesmo local.
Recorde-se que mesmo o relatório de fls. 42-45 concluiu pela ausência de elementos concretos que permitisse apurar a causa concreta do desprendimento da embarcação (sendo certo que o mesmo foi elaborado com base nos elementos recolhidos naquele mesmo dia por quem ali se deslocou e por visualização in loco) e, em momento algum, concluiu pela inexistência, tout court de amarração (antes colocando a hipótese de rebentamento do cabo ou de uma amarração deficitária).
Acresce que nem mesmo Eurico ………… declara a existência de amarração, antes questionando o acerto do comportamento de amarrar a embarcação a uma poita como as que existiam no local.
Acresce que as testemunhas Sara …………. e Mário ………… (que explora o restaurante existente na Fajã dos Padres) declararam que a embarcação referida em B. já ali havia parado e sido amarrada da mesma forma, sem que tivesse havido problemas, daí se concluindo que o tripulante sabia da forma de amarração e conhecia as poitas (tendo estas capacidade para o efeito).
Tudo ponderado, concluiu-se pela ausência de prova sustentada, credível e cabal do alegado pela Ré em 18., 19., 20. e 21., não tendo esta cumprido com aquele que se configura como o seu ónus de prova (cfr. artigo 342º, do Código Civil).”

Apreciando
Cotejando as explicações do tribunal a quo com as razões da impugnação da decisão de facto deduzida pela recorrida, tudo aponta para que, em face da prova produzida, pertinente não seja questionar se efectivamente a embarcação foi, ou não, objecto de efectiva amarração a um cabo da poita.
A divergência circunscreve-se tão só em saber se, a referida amarração terá sido, ou não, correcta e competentemente efectuada, considerando a Exmª julgadora que o AG decidiu deslocar-se para terra, fazendo o transbordo de tripulantes após verificar que a amarração estava em condições [que o mesmo é dizer, correctamente efectuada], com a embarcação e as máquinas paradas [cfr. item de facto nº 2.21] e, ao invés, pressupondo já a recorrida que tendo havido uma efectiva amarração, foi no entanto a mesma insuficiente para evitar que a embarcação “Onda Azul II” se desprendesse e ficasse à deriva.
Em última análise, quer o tribunal a quo [embora de um modo não assertivo, invocando porém a experiência do “comandante” e a circunstância de no passado ter já realizado no mesmo local amarrações idênticas], quer a recorrida, e com referência ao modo da amarração da embarcação, socorrem-se essencialmente de presunções judiciais para julgarem/avaliarem o acto de amarração, e isto porque sobre tal matéria  não existe prova directa e imparcial/equidistante [além do entendimento e convicção do interessado directo AG e dos depoimentos prestados pelas testemunhas Sara ……….e Mª Isabel ………., sendo que as duas últimas tendo é vero referido convictamente que a embarcação havia sido amarrada a uma das poitas existentes no local, não depuseram porém – desde logo por não disporem de “habilitações” para tal - sobre a qualidade e a correcção da amarração realizada feita pelo AG].
A questão essencial que se coloca, portanto, no âmbito do julgamento de facto dirigido para os itens da decisão de facto nºs 2.21 [“Verificando que a amarração estava em condições, com a embarcação e as máquinas paradas, AG decidiu deslocar-se para terra, fazendo o transbordo de tripulantes”] e 2.66  [“ A embarcação “Onda Azul II” foi fundeada sem que o skipper tenha garantido uma correcta e eficaz amarração] é aferir se pertinente/adequado é no âmbito das respostas referidas socorrer-se o julgador sobremaneira de mera presunção .

Ora Bem
Para começar, pacífico é que no âmbito do julgamento de facto nada impede o julgador de lançar mão de presunções judiciais ( nos termos dos artºs 349º a 351º, do CC) e das regras da experiência, sendo que o respectivo  uso e tal como é  entendimento uniforme da jurisprudência - consubstancia também “(…) critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, não na interpretação e aplicação de normas legais, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica”. (19)

Inquestionável é também que em sede de julgamento de facto, mister é que o julgador aprecie a prova segundo a sua experiência, prudência e bom senso, e, sobretudo, com base em raciocínios ancorados em fundamentos racionais e ajustados às máximas da experiência  e  da normalidade da vida,  pois que, como bem nota Luís Filipe de Sousa (20), no âmbito da livre apreciação da prova, o juiz tem o dever de raciocinar correctamente e de utilizar oficiosamente as máximas da experiência e das quais não deve em principio estar arredado, sob pena de proferir decisões não sensatas porque desfasadas da realidade da vida.

É que, precisamente em sede de função probatória, hão-de as máximas da experiência servir de filtro à adesão do julgador a determinadas alegações fácticas, actuando então como elementos auxiliares do juiz em sede de valoração das provas, e isto porque, não se deve olvidar,  é também o juiz um ser humano como qualquer outro, estando portanto sujeito a valorações subjectivas da realidade que o cerca, razão porque em principio se lhe exige e dele se espera que a valoração que faça das provas carreadas para os autos não deve em principio afastar-se muito da opinião comum/média que em relação às mesmas faria o bónus pater famílias - o modelo da pessoa capaz e responsável.

Ou seja, como bem notou CALAMANDREI (21), há-de o convencimento do órgão jurisdicional operar-se à luz de critérios de racionalidade, utilizando-se as máximas da experiência, sendo de exigir que o juiz atente ao que acontece na normalidade dos casos, como parâmetro para concluir pela validade ou não de uma determinada pretensão, e não olvidando que tal convencimento do juiz não é asséptico, pois que, o juiz, ao formar seu convencimento sobre o facto, não age como ser inerte e neutro, desprovido de qualquer “pré-conceito”, preconceitos ou vontade anterior.

Porém, implicando no essencial o uso de presunções judiciais a recondução ao elenco de factos provados de factos que são presumidos a partir de meros factos base-indiciários [nas palavras de Acórdão do STJ, de 29.09.2016 (22) « a presunção centra-se, pois, num juízo de indução ou de inferência extraído do facto base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência » ] , exigível é que estes últimos disponham de uma força de convicção e de persuasão tal que permita/justifique - em termos de probabilidade - considerar como verificado/provado o facto presumido.

Dito de uma outra forma, pressupondo a utilização de uma máxima da experiência a existência de um nexo lógico entre o facto-base e o facto presumido, qual relação lógica de causa-efeito,  deve a sua utilização estar reservada para as situações em que existe uma probabilidade qualificada entre ambos (23), ou seja, deve sempre qualquer generalização derivada do id quod plerumque accidit estar rodeada de especiais cuidados, devendo pautar-se por critérios de racionalidade (24), e, sobretudo, estar o seu aproveitamento condicionado a uma aplicação prudente e sensata, logo, isenta de excessivo voluntarismo. (25)

Isto dito, e como decorre da própria decisão de facto [não tendo nesta parte havido qualquer impugnação], pacífico é que :
-No dia 27 de Maio de 2021, pelas 13h00m, o tempo apresentava-se bom, o céu estava limpo e com muito sol, o vento e o mar estavam calmos, com ondulação e correntes fracas, sendo que a direcção do vento e a ondulação eram provenientes do quadrante Norte e a sua influência na costa Sul da Madeira era praticamente nula, razão porque o AG - e família - ao chegar à Fajã dos Padres e, já nas imediações do cais, decidiu abrandar e parar a circulação da embarcação “ONDA AZUL II” [itens 2.5., 2.9., e 2.16];
-  Após, verificar a existência de um cabo para amarração ligado a uma poita [as quais no local eram de grande dimensão e peso suficiente para a tonelagem da embarcação “ONDA AZUL II”] ,e de forma a fundear o “ONDA AZUL II”, o AG utilizou um cabo de bordo para efectuar a amarração da embarcação ao referido cabo da poita para amarração, tarefa que já havia realizado naquele mesmo local nos últimos anos [itens 2.18 ,2.19., e 2.20];
- De seguida, com a embarcação e as máquinas paradas, decidiu então o AG deslocar-se para terra, fazendo o transbordo de tripulantes [item de facto 2.21].
Porém, não obstante ter ficado provado que o AG utilizou um cabo de bordo para efectuar a amarração da embarcação ao referido cabo da poita para amarração, certo é que a determinada altura [ item de facto nº  2.23.] verificou-se que o “ONDA AZUL II” se encontrava a ir à garra, já sem tripulação a bordo.
Perante a referida constatação, o que se questiona é se a desamarração só pode/deve [em face da conjugação da demais factualidade provada, e na qualidade de factos conhecidos e/ou factos-base ou indiciários] justificar-se/explicar-se com base em incorrecto, mal feito  e/ou deficiente acto de amarração realizado por parte do AG.
A nosso ver, e com fundamento na factualidade assente em 2.9., 2.32, e 2.33 , estamos em crer que bem andou o Primeiro Grau em julgar não provado que “A embarcação “Onda Azul II” foi fundeada sem que o skipper tenha garantido uma correcta e eficaz amarração”, e isto porque  não existindo prova directa que suporte uma tal conclusão, certo é que a mesma mostra-se outrossim em total desarmonia com a factualidade indiciária vertida em 2.6. a 2.8 [quanto à experiência, qualificações, e traquejo de AG].
Ou seja, é nosso convencimento que  a factualidade assente em 2.9., 2.32, e 2.33 não obrigava [com base em juízo de probabilidade qualificada  e assente em máxima de experiência ] a julgar como provada a factualidade assente em 2.66.
Porém, e não existindo prova directa , credível e convincente que ateste que o acto de amarração efectuado pelo AG foi realizado de forma competente, é igualmente nosso convencimento que vedado estava também ao tribunal a quo em julgar como provado [ em 2.21] que AG decidiu deslocar-se para terra, fazendo o transbordo de tripulantes “após verificar que a amarração estava em condições”.
É que, também não se nos afigura que a factualidade indiciária vertida em 2.6. a 2.8 [quanto à experiência, qualificações, e traquejo de AG] seja suficiente para concluir pela verificação [ enquanto facto presumido] de um eficaz, adequado e competente [ em condições] acto de amarração, e como se um acto negligente e ou descuidado só pudesse ser praticado por pessoa/profissional não traquejado, que não de todo por um profissional já com larga experiência e com provas dadas .
Não. Porque errare humanum est, pertinente não é considerar que entre os factos nºs 2.6. a 2.8 , como factos básicos, e o facto 2.21, este último como facto consequência, exista uma forte conexão racional decorrente/assente em máximas/regras da experiência comum.
Aqui chegados, tudo visto e ponderado, e da conjugação/articulação dos itens de facto provados e respectiva análise à luz das regras da experiência [cfr. artº 607º, nº4, do CPC ], é nosso convicção que deve o ponto de facto nº 2.21 passar a ter [ apenas, ou seja, amputando-se a referência a “uma amarração em condições”]  a seguinte redacção :
Após diligenciar pela amarração nos termos indicados em 2.18  e ,  com a embarcação e as máquinas paradas, o AG decidiu deslocar-se para terra, fazendo o transbordo de tripulantes.
Por último, é nosso convencimento que nada justifica também que aos factos provados seja adicionada uma nova alínea, maxime com a redacção proposta pela Ré (ou outra) e que passe a dizer que “A amarração referida em R. foi insuficiente para evitar que a embarcação “Onda Azul II” se desprendesse e ficasse à deriva.”, pois que, nenhum prova foi produzida sobre o modo/forma/circunstâncias da amarração efectuada, e para a partir do referido conhecimento se poder dizer que não foi a mesma  suficiente ou apropriada para evitar que a embarcação “Onda Azul II” se desprendesse e ficasse à deriva.

***

4.3.2–Da reclamada introdução de uma redacção diversa nos itens de facto nº s  2.4 e 2.42.
Reclama a Ré/Seguradora apelada que o item de facto nº 2.4 passe a reflectir as condições exactas  acordadas não só quanto ao capital seguro, mas também à franquia (no que à cobertura de perdas e danos à embarcação respeita),  devendo assim o referido ponto de facto passar a dispor da redacção:
Autora e Ré celebraram um contrato de seguro, na modalidade “… Protecção Náutica”, titulado pela apólice número …9, relativo à embarcação “Onda Azul II”, com as coberturas de “Responsabilidade Civil”, “Perdas e Danos à Embarcação” e “Assistência à Embarcação e seus Ocupantes”, as duas primeiras coberturas com um capital seguro de € 250.000,00 e a segunda cobertura com uma franquia de 1% sobre esse capital.”

Por outra banda, e no seguimento da impugnação deduzida pela autora com referência ao ponto de facto nº 2.42, vem a Ré igualmente reclamar que o referido ponto de facto seja brindado como uma nova e diversa redacção.
Ora, tendo presente o já decidido em 4.1. do presente acórdão  e, bem assim, o teor dos documentos juntos aos autos com referência ao um contrato de seguro, na modalidade “… Protecção Náutica”, titulado pela apólice número 10893459, relativo à embarcação “Onda Azul II”, nada obsta a que a pretensão da Ré Seguradora seja atendida relativamente à redacção do item de facto nº 2.4..
Destarte, procedendo nesta parte a impugnação da Ré Seguradora,  deve o ponto de facto nº 2.4.. passar a dispor que :
Autora e Ré celebraram um contrato de seguro, na modalidade “… Protecção Náutica”, titulado pela apólice número …9, relativo à embarcação “Onda Azul II”, com as coberturas de “Responsabilidade Civil”, “Perdas e Danos à Embarcação” e “Assistência à Embarcação e seus Ocupantes”, as duas primeiras coberturas com um capital seguro de € 250.000,00 e a segunda cobertura com uma franquia de 1% sobre esse capital.”

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5.Se, em razão das alterações introduzidas na decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto, ou , independentemente de qualquer alteração, se justifica a alteração do julgado nos termos reclamados pela autora/apelante F,Lda.
Como decorre do relatório do presente Ac. e das conclusões recursórias da Apelante F,Lda, dirigidas para a sentença recorrida , e , outrossim do conteúdo desta última, vemos que a acção pela recorrente intentada veio a ser julgada como totalmente improcedente.

sentenciada improcedência mostra-se, no essencial, suportada nos seguintes considerandos :
PrimusQue entre autora e ré foi outorgado um contrato de embarcações de recreio, relativo à embarcação “Onda Azul II”, no âmbito do qual ficou garantida a protecção de terceiros em caso de danos ou ferimentos (seguro obrigatório – cfr. artº 33º, do Regime Jurídico da Náutica de Recreio, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 93/2018 , de 13 de novembro) e outrossim a cobertura de perdas e danos na embarcação (seguro facultativo) até ao montante de € 250.000,00 ;
Secundus Que em 27 de Maio de 2021 ocorreu um SINISTRO com a embarcação segura “Onda Azul II”, sendo o  mesmo susceptível de desencadear o funcionamento de garantia do contrato de seguro, porque em consequência do mesmo a embarcação de recreio veio a sofrer danos materiais (tendo existido assim um evento danoso/risco objecto da garantia assumida/incluída na apólice do seguro) ;
TertioQue não obstante o referido em Primus e Secundus, a acção não podia proceder, porque a cobertura do risco se mostrava expressamente excluída no presente caso, por força da aplicação de cláusula de Exclusão Geral inserida no contrato de seguro ;
QuartusQue o referido em tertio impunha-se porque estando fixado/acordado que a Ré Seguradora não assumirá, no âmbito das coberturas facultativas, quaisquer danos consequentes de amarração do barco em locais sem vigilância ou assistência, na praia ou em sítio descoberto, certo é que se provou que  evento teve lugar em zona “ não vigiada.
Em suma, conclui-se da sentença recorrida que “Na verdade, o sinistro ocorreu num local sem vigilância (…)”, sendo que “ o facto de o sinistro ocorrer em local não vigiado, configura circunstância que as partes, por acordo, estabeleceram como causa de exclusão de cobertura da apólice, no que respeitava a coberturas facultativas (…)”,  razão porque “a responsabilidade da Ré se mostra afastada(…)”.
Dissentindo a autora/recorrente do entendimento perfilhado pelo Primeiro Grau, para tanto lançou mão em primeiro lugar da faculdade da modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo a quo,designadamente reclamando a recondução ao elenco dos factos provados do item de facto nº 2.46, alteração que, a justificar-se, por si só afastava a aplicação da cláusula de Exclusão Geral inserida no contrato de seguro e na qual se baseou a primeira instância para decidir como decidiu.
Ora, não tendo a referida pretensão – dirigida para a decisão de facto - sido atendida [em razão dos considerandos aduzidos em 4.1.], resta de seguida aferir se a interpretação pela Exmª julgadora efectuada da Cláusula nº 34.ª das condições gerais do contrato de seguro se mostra correcta ou, ao invés [como assim o considera a apelante], deve a mesma ser afastada, porque errada [v.g. porque de cláusula se trata que não tem qualquer aplicação ao caso dos autos], tendo na referida matéria o Primeiro Grau incorrido em error in judicando .
Neste conspecto recorda-se que para a apelante o segmento da cláusula 34.º e na parte alusiva à “amarração” apenas deve abranger as situações de parqueamento da embarcação para efeitos da sua guarda ou de realização da sua manutenção ou revisão, em oficina ou estaleiro [caso em que tal deverá acontecer em zonas dotadas de vigilância ou assistência], que não no caso de uma amarração efectuada numa boia ligada a uma poita.
É que, reforça a apelante, a assim não se entender, e sob o ponto de vista prático, a responsabilidade da seguradora estaria afastada “por qualquer amarração do barco, que se encontre a navegar ao longo da costa, em qualquer local que não fosse uma marina ou um porto, o que contraria toda a prática náutica de todo o mundo e constituiria um clamoroso e inaceitável esvaziamento do contrato de seguro ”.
Ademais, insiste a apelante, a existirem dúvidas em sede de interpretação da cláusula em apreço, maxime por não haver no contrato uma definição prática do que é uma “zona não vigiada”, sempre a interpretação deve ser feita no sentido mais favorável ao segurado, como dimana do disposto no artigo 237.º do Código Civil.
Por último, considera ainda a apelante que outrossim a factualidade provada e não provada afasta/obriga à não aplicação da referida cláusula, e isto porque não se provou ter havido uma deficiente ou inadequada amarração, ou seja, não permite a factualidade provada considerar como existente qualquer nexo causal entre a amarração e a ocorrência do acidente/sinistro , sendo que, a exclusão em causa é para os casos “…resultantes ou consequentes de depósito ou amarração…”

Abordemos, portanto, já de seguida, a questão da interpretação.

Para começar, pacífico é que a demandada …Seguros,S.A é accionada pela autora em razão da outorga entre ambas de um  contrato de seguro, ou seja, de concreto negócio no âmbito do qual esta última, na qualidade de tomadora de Seguro, transferiu para a primeira e ora Ré/apelada (na qualidade de Seguradora), um concreto risco económico, e obrigando-se em consequência do mesmo a pagar à Seguradora/apelada uma concreta contrapartida (o prémio).

Definindo-o, considera JOSÉ VASQUES (26), que “ Seguro é o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto “.

Por sua vez,  em sede de regulamentação do regime jurídico do contrato de seguro [aprovado pelo artº 1º, do Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril], precisa o artº 1º, do anexo ao referido Decreto-Lei e que dele faz parte integrante, e sob a epígrafe de “ Conteúdo típico ”, que “ Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga -se a pagar o prémio correspondente”.
Isto dito, e não obstante não estar a validade do contrato de seguro dependente da observância de forma especial, certo é que está o segurador  obrigado a formalizá-lo num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a entregá-lo ao tomador do seguro [cfr. artº 32º,nº1 e 2, do Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril], sendo que, deve precisamente a apólice incluir todo o conteúdo do acordado pelas partes, nomeadamente as condições gerais, especiais e particulares aplicáveis (cfr. artº 37º, do Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril).
Destarte, e maxime para uma adequada aferição dos direitos/obrigações de cada uma das partes outorgantes, imprescindível é analisar e interpretar o que no âmbito do negócio jurídico do contrato de seguro foi acordado e ficou estabelecido ( o que nele ficou clausulado), dentro dos limites da lei (cfr. art. 405º, do  Código Civil), e de cuja apólice deve necessariamente constar, designadamente quais os riscos cobertos, quais os direitos e obrigações das partes, assim como do segurado e do beneficiário , qual o conteúdo da prestação do segurador em caso de sinistro ou o modo de o determinar, e quais as cláusulas que estabeleçam o âmbito das coberturas, designadamente a sua exclusão ou limitação.
Ora, no seguimento do acabado de aduzir, recorda-se mais uma vez que da apólice referida ficou a constar, em sede de “EXCLUSÕES GERAIS” que “Sem prejuízo das exclusões específicas estabelecidas em cada garantia, a [SEGUROS] não assumirá, no âmbito das coberturas facultativas, quaisquer perdas, danos, despesas, reclamações ou desembolsos respeitantes a ou consequentes de “Depósito ou amarração do barco em locais sem vigilância ou assistência, na praia ou em sítio descoberto” [cláusula 34ª] .

Incidindo agora a nossa atenção sobre o clausulado no contrato de seguro e em sede de COBERTURA FACULTATIVA DE PERDAS E DANOS NA EMBARCAÇÃO, CLÁUSULA 16ª, ÂMBITO DA GARANTIA, que “ 1. - A presente garantia tem como objeto a cobertura da embarcação segura contra os seguintes riscos (…) : “Incêndio, tempestades, inundações, abalroamento, submersão, colisão, varação e encalhe ”.

Por último, e agora no âmbito das CONDIÇÕES GERAIS do contrato de SEGURO dos autos, mais exactamente em sede de “DEFINIÇÕES”, que considera-se SINISTRO “ (…) Qualquer evento ou série de eventos de natureza aleatória, suscetível de provocar o funcionamento das garantias do contrato, cuja ocorrência seja acidental, súbita, imprevista e originária de uma mesma causa (…)”.
Perante o conteúdo das cláusulas acabadas de indicar/transcrever,  importa de seguida tecer algumas considerações - porque pertinentes para a solução da questão em análise - a propósito das regras a atender no âmbito da respectiva interpretação .

De imediato, premente é salientar que, como vem sendo entendido de modo uniforme e pacífico pelo nosso mais Alto Tribunal, integra em rigor matéria de direito a interpretação do negócio jurídico, mormente quando não se dirija ela – a interpretação – ao apuramento da vontade real das partes e antes se destina à fixação do seu sentido normativo ou juridicamente relevante. (27)

Depois, inquestionável é que as cláusulas contratuais e/ou condições de uma apólice do seguro, podem e devem ser objecto de interpretação, como quaisquer outras declarações de vontade, e , de resto, tratando-se de cláusulas contratuais gerais, além de para o efeito se impor o recurso às regras do gerais do Código Civil (as dos artºs 236º a 238º), importará outrossim lançar mão das regras específicas do DL nº 446/85, de 25 de Outubro [v.g as dos arts. 7.º, 10.º (dispondo esta última que “As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam) e 11.º].

Dito isto, do nº1, do artº 236º, do Código Civil, resulta que a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia, respondendo o declarante “pelo sentido que a outra parte pode atribuir à sua declaração, enquanto esse seja o conteúdo que ele próprio devia considerar acessível à compreensão dela”. (28)

Porém, estando em discussão um negócio que obrigatoriamente há-de ser formalizado em instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro (cfr. artº 32º, nº2, do DL nº 72/2008), o objectivismo exigido ao intérprete “obriga” a que o sentido correspondente à impressão do destinatário não possa valer se não tiver um mínimo de correspondência, embora imperfeita, no texto do respectivo documento (cfr. art. 238º, nº1, do Código Civil), a não ser que, ainda assim, corresponda ele à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não oponham à sua validade (cfr. nº 2 , do artº 238º).
Importante, outrossim, em sede de interpretação de clausulado de contrato de seguro, é considerar que o declaratário normal há-de corresponder à figura do tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos, e tendo de preferência em atenção o sentido que melhor corresponda à sua natureza e objecto, maxime aquele que resulte das respectivas vertentes da “definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos”, adoptando o sentido comum ou ordinário dos termos utilizados na apólice ou, quando seja o caso, o sentido técnico dos termos que ”claramente” se apresentem com tal conteúdo. (29)

Por último, como se refere também no referido Ac. do STJ de 20/10/2011,“ no tocante à tutela da vontade do segurado, haverá que ter também em conta o critério interpretativo fixado no art. 237º Código  Civil, que vai no sentido de que as condições gerais devem interpretar-se restritivamente : impõe-se, como regra, o princípio in dubio contra stipulatorem, na medida em que a aplicação do mesmo conduzirá a um maior equilíbrio das prestações. Assim, se em caso de litígio se pretender extrair das cláusulas uma significação que o aderente não surpreendeu, não poderá tal significação prevalecer”.

De resto, para a adopção do princípio in dubio contra stipulatorem, aponta também, e de uma forma expressa, o artº 11º do DL nº 446/85, 25 de Outubro, ao dispor que, as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real, mas, na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente(nºs 1 e 2 ).

Postas estas breves considerações, e descendo agora ao concreto, manifesto é que aponta a factualidade provada para a ocorrência de um evento susceptível de desencadear o funcionamento das garantias do contrato de seguro dos autos, que o mesmo é dizer de um sinistro  cujo risco integra o respectivo objecto de cobertura .
Na verdade, em face da factualidade assente em 2.23 a 2.27, incontroverso é que a embarcação ONDA AZUL II foi “vítima” de um encalhe [qual imobilização forçada da embarcação consequente de um choque do respectivo casco com rochedos, fazendo-a estancar], “risco” para todos os efeitos objecto da COBERTURA FACULTATIVA [DE PERDAS E DANOS NA EMBARCAÇÃO] contratada pela autora/apelante.
E, tendo em “resultado/consequência” do referido encalhe vindo o ONDA AZUL II a sofrer danos materiais [cfr. itens de facto nºs 2.35 a 2.38 ], tudo aponta para que, forçosamente, e em face da conjugação da globalidade da factualidade provada, se deva concluir pela ocorrência de um evento idóneo a provocar o funcionamento da garantia/COBERTURA FACULTATIVA pela autora contratada junto da Ré Seguradora.
Em rigor, provou portanto a autora o facto constitutivo do direito alegado e que junto da Ré Seguradora pretende fazer valer ao interpor a presente acção [artº 342º,nº1, do CC] .
Mas, visando a Ré afastar a sua “responsabilidade”, e na qualidade de facto impeditivo do direito pela autora invocado [ artº 342º,nº2, do CC ], é altura de aferir se logrou a mesma provar factualidade subsumível a concreta cláusula de exclusão da respectiva responsabilidade, mais exactamente a cláusula 34ª.
Ou seja, a partir da conjugação da factualidade PROVADA e inserta em 2.17, 2.18,2.21 e 2.46, será que “licito” é concluir pelo preenchimento da cláusula de exclusão geral nº 34ª ? .

Vejamos
Antes de mais, e do conteúdo da referida cláusula, temos para nós que o respectivo preenchimento exige, com segurança, e em termos cumulativos, que :
i)-Tenha a embarcação de recreio segura sofrido danos ;
ii)-Os danos sofridos estejam relacionados ou sejam consequentesde acto de depósito oude amarração da embarcação ;
iii)-O depósito ou a amarração da embarcação tenha ocorrido em local sem vigilância ou assistência,na praia ou em sítio descoberto.

Depois, e em razão da utilização da conjunção alternativa (ou) em cada uma das supra indicadas alíneas, pacífico é que os danos verificados na embarcação, podem decorrer tanto de acto de depósito como de amarraçãoisto por um lado e, por outro, qualquer um dos referidos actos podem outrossim ter lugar em local sem vigilância ou sem assistência.
Por outra banda, correspondendo o conceito de amarração  a acto de amarrar uma embarcação, de o prender com amarra [v.g. com um cabo, uma corda, etc], tudo indica/aponta para que [cfr. interpretação de declaratário normal e correspondente à figura de um tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos] possa/deva ele corresponder a acto de segurar a embarcação a um cais – o que será a regra, maxime para embarcações de grande porte e no âmbito de operações de descarga - , mas também a uma bóia de amarração fixa.
Ou seja, e desde logo em razão do respectivo elemento literal, adequado não é interpretar a cláusula nº 34ª com o sentido de que o respectivo âmbito de aplicação se cinge a situações de parqueamento de embarcação para efeitos da sua guarda ou de realização da sua manutenção ou revisão, em oficina ou estaleiro.
A referida interpretação, convenhamos, envereda manifestamente por um sentido que não tem um mínimo de correspondência no texto da clausula em análise.
De seguida, estamos em crer que do conteúdo da clausula nº 34ª não decorre outrossim a necessidade/obrigatoriedade de apontar a factualidade provada para a existência de um nexo causal entre a amarração da embarcação em local/praia sem vigilância e o sinistro/evento [estando este último relacionado com a factualidade inserta em 2.23, ou seja, encontrar-se a embarcação a ir à garra, apesar de ter a mesma sido amarrada a cabo da poita para amarração – cfr. facto nº 2.21 – vindo a encalhar entre algumas pedras de grande porte– facto nº 2.26] gerador dos danos.

Na verdade e desde logo em razão ainda do elemento literal da interpretação, temos como injustificado exigir que, para haver exclusão, seja necessário que o “evento” deva ser causado pela ausência de vigilância no local de amarração da embarcação segura.

Acresce que, não se olvidando que em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece nos negócios onerosos o sentido que conduzir ao maior equilíbrio das prestações, [artº 237º, do CC ], certo é que in casu não suscita a redacção da cláusula nº 34º uma situação de dúvida,  e , ademais, recorda-se que o seguro de danos próprios tem caráter facultativo, não estando em causa razões de proteção social e  ou interesses de terceiros, sendo o tomador livre de o celebrar e de aceitar [correspondendo o seguro facultativo - com as cláusulas que as partes nele queiram inserir - à concretização do princípio da liberdade contratual consagrada no artº 405º do CC (30)] as cláusulas que do contrato constam.
Temos assim por adequado – e porque assim também o entenderia um qualquer segurado medianamente prudente e sagaz – que a causa de exclusão do artº 34º da apólice há-de e deve funcionar independentemente de se verificar a existência de nexo de causalidade entre amarração da embarcação em local/praia sem vigilância, o  sinistro/evento, e os danos sofridos pela mesma embarcação.

Em conclusão, ao decidir o Primeiro Grau pela verificação de cláusula contratual geral de Exclusão do contrato de seguro, estamos em crer que não incorreu em interpetação desconforme com as regras legais aplicáveis, antes enveredou pela aplicação da teoria da impressão do declaratário, que o mesmo é dizer, por interpretar a declaração em apreço com o sentido que também lhe daria alguém medianamente sagaz, diligente e prudente, colocado na posição do declaratário.
Em face do exposto, não se nos afigura, assim, que o Primeiro Grau, ao subsumir a factualidade provada na previsão da cláusula nº 34º do contrato de seguro, incorrer em error in judicando.

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5.1.– Da Nulidade da cláusula nº 34 do contrato de seguro.

A amparar a reclamada alteração do julgado, esgrime também a AUTORA/apelante com o vício de NULIDADE da cláusula 34º e de EXCLUSÃO  GERAL  do contrato de seguro outorgado entre Autora e Ré, e isto porque em rigor [se interpretada com o sentido em que foi pelo Tribunal recorrido ], obriga e conduz a mesma a uma redução, desproporcionada ou drástica, do risco coberto pelo seguro, favorecendo injustificadamente a seguradora em detrimento da aderente/autora, sendo a estipulação em causa abusiva.

Ademais, reforça a apelante, ainda que assim não se entenda, sempre teria o Tribunal que ter julgado nula tal cláusula por ter um objeto indeterminado e indeterminável, não apresentando uma clareza total, possibilitando interpretações diversas, o que lhe confere uma grande ambiguidade, pelo que sempre importaria declarar a sua nulidade.

Tratando-se de questão que pela apelante não foi introduzida nos autos (no âmbito dos articulados, OU SEQUER nos termos do nº 4, do artº 3º, do CPC), vem a Ré nas contra-alegações invocar que da mesma não pode este tribunal da Relação conhecer, por se tratar de questão nova, sendo que por questão nova deve entender-se a matéria que anteriormente, e, por falta de atempada invocação, não foi pela primeira instância apreciada e resolvida.
Porque o “impedimento” pela apelada invocado não se verifica [ em razão de nada obstar a que o Tribunal da Relação e em recurso de apelação, conheça em primeira mão da nulidade de cláusulas do contrato de seguro, apesar de só nas alegações da apelante tal nulidade ser levantada, pois que, apesar de se tratar de questão nova, é a mesma do conhecimento oficioso, nos termos do art.º 286º do Cód. Civil, e visto o disposto no artº 608º, nº2, in fine, do CPC, ex vi do artº  663º,nº2, do mesmo diploma legal ]. (31)

E conhecendo.
No âmbito do DL nº 446/85, de 25/10, e com pertinência para a questão recursória ora em análise em razão das conclusões da apelante, recorda-se que do REGIME JURIDICO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS (aprovado pelo referido diploma) constam as seguintes disposições legais :
Artigo 12º
Cláusulas Proibidas
As cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos.
Artigo 15.º
Princípio geral
São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé.
Artigo 16.º
Concretização
Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente:
a)-A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b)-O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.
Já nos artºs 18º e 19º, do mesmo diploma, mostram-se caracterizadas algumas situações de cláusulas contratuais gerais que, em face do respectivo conteúdo, devem ser consideradas como absolutamente proibidas, ou apenas relativamente proibidas.
Assim e designadamente o art. 18, nº 1, al. b), do DL nº 446/85, de 25.10, refere que são absolutamente proibidas, e, por conseguinte, nulas (art. 12 do mesmo Diploma), as cláusulas contratuais gerais que “Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros”.

Ora, tendo presente a factualidade provada, desde logo importa assinalar que se revela a mesma em absoluto destituída de pertinentes elementos concretos suscetíveis de integrar a cláusula nº 34º e na parte que interessa aos presentes autos na previsão dos artºs 15º e 16º do RJCCG.

Neste conspecto recorda-se que a boa fé que nos dois referidos dispositivos legais se mostra prevista é a OBJECTIVA, visando a respectiva salvaguarda lograr-se uma composição de interesses que não seja excessivamente desequilibrada.  (32)

Daí que, como é jurisprudência praticamente uniforme nesta matéria, apenas serão de considerar como “absolutamente proibidas as cláusulas que prevejam uma exclusão ou limitação da responsabilidade que desautorize ou esvazie a garantia de protecção do risco que o contrato cabia assegurar”(33), ou que “prevejam uma exclusão ou limitação da responsabilidade que esvazie ou torne inútil a garantia de proteção do risco contratado”.(34)

Tal não ocorre, porém, com a cláusula nº 34º, maxime quando estipula que a Ré Seguradora não assumirá, no âmbito das coberturas facultativas, quaisquer danos respeitantes a ou consequentes de “amarração do barco em locais sem vigilância na praia ou em sítio descoberto”.

Acresce que, estamos em crer que não se revela também a referida cláusula como manifestamente desproporcional, introduzindo um inaceitável (à luz da BOA FÉ) desequilíbrio no vínculo contratual pelas partes outorgado, antes apela a mesma ao princípio geral do artº 762º, do CC, e no sentido de que “ No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”, e sabendo-se que neste âmbito o principio da boa fé se desobra também numa série inesgotável de deveres, especialmente de deveres acessórios de conduta. (35)

É que, a nosso ver, mostra-se perfeitamente aceitável [quer porque não conduz a mesma ao esvaziamento do conteúdo mínimo do contrato ,quer porque tem a mesma no essencial por desiderato a exclusão de certos riscos, o que é perfeitamente “normal” em contratos de seguro] a inserção em Contrato de Seguro Facultativo de uma cláusula de exclusão de responsabilidade da seguradora cuja ratio se mostre relacionada com uma norma de conduta do próprio tomador do seguro [porque em tese eleva/majora de alguma forma o risco do contrato à seguradora] , designadamente em não agir o mesmo de modo a potenciar a verificação de evento idóneo a desencadear a responsabilidade da outra parte.

Tudo visto e ponderado, porque ademais “ …o juízo acerca da validade da cláusula exoneratória depende apenas do seu conteúdo, dos pressupostos de irresponsabilização nela previamente definidos, não ficando condicionado pela forma de imputação do facto lesivo no caso decidindo ” (36),  e porque da respectiva formulação abstracta não decorre o esvaziamento do conteúdo mínimo do seguro, também nesta parte a apelação improcede.

Em conclusão, improcedendo in totum a apelação, a sentença recorrida é de manter.

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6.-Sumariando (nos termos do artº 663º, nº7, do Código de Processo Civil).
6.1.-Tendo a ré Companhia Seguradora sido demandada com base (causa petendi) em contrato de seguro, a sua responsabilidade terá que ser aferida a partir das obrigações que precisamente no âmbito do referido contrato assumiu perante o tomador do seguro, maxime a partir da interpretação das respectivas cláusulas gerais e especiais;
6.2.-No âmbito da interpretação referida em 4.1.há-de o interprete socorrer-se das regras do gerais do Código Civil (as dos artºs 236º a 238º), e, outrossim , das regras específicas do DL nº 446/85, de 25 de Outubro [v.g as dos arts. 7.º, 10.º (dispondo esta última que “ As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam) e 11.º ].
6.3.- Nada obsta a que o Tribunal da Relação e em recurso de apelação, conheça em primeira mão da nulidade de cláusula do contrato de seguro, apesar de só nas alegações da apelante tal nulidade ser levantada, pois que, apesar de se tratar de questão nova, é a mesma do conhecimento oficioso, nos termos do art.º 286º do Cód. Civil, e visto o disposto no artº 608º, nº2, in fine, do CPC, ex vi do artº  663º,nº2, do mesmo diploma legal .
6.4.- Não é de considerar em absoluto proibida uma cláusula de contrato de seguro facultativo que exclua a cobertura da apólice em caso de sinistro que tenha por objecto a embarcação segura e quando a mesma tenha sofrido danos consequentes de “amarração do barco em locais sem vigilância ou assistência, na praia ou em sítio descoberto”.

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7. Decisão.

Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em, não concedendo provimento à apelação interposta por F,Lda:
7.1.-Manter a decisão/sentença  do tribunal  a quo;
Custas a cargo da apelante.

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LISBOA, 6/7/2023


António Manuel Fernandes dos Santos-  (O Relator)
Gabriela de Fátima Marques-  (1ª Adjunta)
Nuno Luís Lopes Ribeiro- (2º Adjunto)

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(1)Cfr. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil, anotado, 5ª , pág. 141.
(2)In Manual de Processo Civil, 1984, Coimbra editora, pág. 671.
(3)In ob. citada, pág. 671.
(4)In Código de Processo Civil, Anotado, Coimbra Editora, vol. II, pág. 670,
(5)Cfr. J.O. CARDONA FERREIRA, in Guia de Recursos em Processo Civil, 5ª Edição, pág. 71.
(6)Cfr. Ac. do STJ de 8/4/2021, proferido no Processo nº 3340/16.3T8VIS-A.C1.S2, in www.dgsi.pt.
(7)Cfr. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil, Vol. III, 3 ª Edição, 1981, pág. 212.
(8)Citado por ALBERTO DOS REIS, ibidem, pág. 209.
(9)Cfr. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2°, 605­, e , de entre muitos outros, os Acs. do STJ de 9/9/2014 ( Proc. nº 5146/10.4TBCSC.L1.S1), de 14/1/2015 ( Proc. nº 488/11.4TTVFR.P1.S1) , de 29/4/2015 ( Proc. nº 306/12.6TTCVL.C1.S1) e de 14/1/2016 ( Proc. Nº 1391/13.9TTCBR.C1.S1) , todos eles disponíveis in www.dgsi.pt.
(10)Proc. nº 819/11.7TBPRD.P1.S1 , e disponível in www.dgsi.pt
(11)Ibidem, pág. 330.
(12)Cfr.  Ac. do STJ de 23/9/1997, Proc. nº 97B151, in www.dgsi.pt.
(13)In “Matéria de Facto-Matéria de Direito”, RLJ, Ano 129, págs.162-167.
(14)Cfr. Ac. do STJ de 9/9/2014, Proc. nº 5146/10.4TBCSC.L1.S1, in www.dgsi.pt
(15)In Código de Processo Civil Anotado , Volume III , pág 206 e 207.
(16)In Manual de Processo Civil,  1984, Coimbra editora, págs. 393/394.
(17)In Anotação ao Acórdão do STJ, de 8 de Novembro de 1984, in “Revista de Legislação e de Jurisprudência”, Ano 122.º, n.º 3785, Novembro de 1989, pp. 219 a 222.
(18)Cfr. Ac. do STJ de 10/01/2012, Revista n.º 197/04.0TCGMR.S1 – 6ª Secção (Relator Nuno Cameira), por sua vez citado no Ac. do STJ de 28/05/2015, Revista n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, Relator GRANJA DA FONSECA , este último disponível in  www.dgsi.pt.
(19)Cfr. Ac. do STJ de 6/7/2011, proferido no Proc. nº 3612/07.6TBLRA.C2.S1, in www.dgsi.pt..
(20)Em Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, págs. 77 e segs..
(21)Em Veritá e verossimiglianza nel processo civile, Rivista di diritto processuale, Padova,  CEDAM, 1955.
(22)Proferido no processo nº 286/10.2TBLSB.P1.S1, sendo Relator TOMÉ GOMES  e in www.dgsi.pt.
(23)Cfr. Sánchez de Movellán, apud Luís Filipe de Sousa , in Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, pág. 45.
(24)Cfr. Luís Filipe de Sousa , em Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, pág. 82.
(25)Cfr. Ac. do TRLisboa, de 25/3/2003, proferido no Proc. nº 2155/2003-7, sendo Relator ABRANTES GERALDES e in www.dgsi.pt.
(26)In “Contrato de Seguro”, Coimbra Editora, 1999, pág. 94 .
(27)Cfr. Ac. do STJ de 8/3/2012, proferido no Processo nº 2187/08.5/VLSB.L1.S1 e in www.dgsi.pt.
(28)Dispositivo legal que adopta a "teoria da impressão do destinatário", de cariz objectivista - Cfr. Ferrer Correia, in “Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico”, pág.  201.
(29)Cfr. Ac. do STJ, de 20/10/2011, proferido no Processo nº 1653/05.9TJVNF.P1.S1, sendo Relator ALVES VELHO e disponível in www.dgsi.pt.
(30)Cfr. Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª edição, 1987, ALMEDINA, pág.442 e segs.
(31)Cfr. Ac. do STJ, de 10/7/2008, proferido no Processo nº 08B1846, sendo Relator JOÃO CAMILO e disponível in www.dgsi.pt.
(32)CFr. ANA PRATA, Em Contratos de Adesão e Clausulas Contratuais Gerais, Almedina, 2010, pág.327, e citando SOUSA RIBEIRO.
(33)Cfr. Ac. do STJ, de 24/1/2018, proferido no Processo nº 534/15.2T8VCT.G1.S1, sendo Relatora GRAÇA AMARAL e disponível in www.dgsi.pt.
(34)Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/2/2022, proferido no Processo nº 62/19.7TNLSB.L1-7, sendo Relatora MARIA DA CONCEIÇÃO SAAVEDRA e disponível in www.dgsi.pt.
(35)Cfr. FERNANDO CUNHA DE SÁ, em Abuso do Direito, CCTF, 1973, pág. 173.
(36)Cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, em  Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra, págs. 26  e segs. .