Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
TÍTULO EXECUTIVO
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
MERA INVENTARIAÇÃO DAS DÍVIDAS AO CONDOMÍNIO
OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO
Sumário
I– Nos termos do art. 6º do DL nº 268/94 de 25.10, só a ata da assembleia de condomínio que contém a deliberação que aprovou o montante das contribuições ou despesas devidas pelos condóminos ao condomínio, é suscetível de constituir título executivo.
II–A mera inventariação, constante de uma ata da assembleia de condomínio, das dívidas pré-existentes por parte dos condóminos tem uma função meramente informativa, não contendo qualquer elemento constitutivo da obrigação de pagamento, pelo que não assume a natureza de título executivo nos termos do preceito acima mencionado.
Texto Integral
Acordam os Juízes Desembargadores que compõem este Coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Recorrente-embargante: PP e VC Recorrida-embargada: ADMINISTRAÇÃO DOCONDOMÍNIO JFAA
Por apenso ao processo de execução para pagamento de quantia certa que a recorrida instaurou contra os recorrentes, vieram estes deduzir oposição à execução mediante embargos de executado. Invocaram como fundamento dos embargos o seguinte: inexistência do título executivo, por falta do necessário quórum deliberativo; pagamento parcial, alegando que as quotas ordinárias referentes ao ano de 2014 e 2015 foram liquidadas, encontrando-se por pagar as quotas vencidas entre fevereiro de 2016 e abril de 2018, no total de € 1.975,20; inexigibilidade das multas peticionadas, por falta de título executivo; inexigibilidade da quota extra para as obras por nunca terem sido adjudicadas; compensação de créditos pelo facto dos embargantes terem realizado obras necessárias na sua garagem decorrentes de infiltrações provindas das partes comuns, no montante de € 3.521,95, os quais foram comunicados ao exequente, que os reconheceu.
A exequente-recorrida contestou os embargos, pugnando pela improcedência de todos os respetivos fundamentos, à exceção do pagamento da mensalidade de agosto de 2014.
Foi proferido despacho saneador tabelar a julgar verificados os pressupostos processuais, relegando para final a apreciação da exceção de inexistência do título executivo.
Realizou-se a audiência final.
Foi proferida sentença cujo trecho decisório é o seguinte: “julgo parcialmente procedentes os presentes embargos e, consequentemente determino a prossecução da execução, reduzindo-se à quantia exequenda: -A quotização do mês de agosto de 2014, no montante de € 48,97 -Crédito detido pelos embargantes, no montante de € 840,10”. *
Inconformados com o decidido, apelaram os embargantes, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões: A)–Estavam presente na Assembleia de Condóminos de xxxx – acta n.º 21 - os seguintes condóminos que detêm as seguintes permilagem e direito de voto:
1º A - BM – 69% de permilagem;
1º C - BM - 62% de permilagem;
2º A - MC - 34,50% de permilagem;
2º B - BM - 69% de permilagem:
3º A - BM - 117% de permilagem;
3º C - BM - 96% de permilagem.
B)–Perfazendo o total de existência de 447,5/1000, ao contrário do registado na acta n.º 21 de 544/1000. C)–Tanto que assim é que, a Administração do Condomínio teve a necessidade de realizar a Assembleia de Condóminos em segunda convocatória. D)–Se existisse quórum – maioria – certamente que Assembleia de Condóminos se tinha realizado logo na primeira convocatória. Por que motivo é que foi realizada em segunda convocatória? Por que não existia quórum. Parece elementar a presente conclusão. E)–Acontece que, a Assembleia de Condóminos não obteve quórum para deliberar na primeira convocatória, tal como não obteve quórum para deliberar na segunda convocatória, uma vez que, nos termos da alínea c) do artigo 16.º do Regulamento Interno que prevê que “As deliberações de acordo com os assuntos sujeitos a votação, são as seguintes: a)-unanimidade: alteração do título constitutivo; reconstrução do edifício, em caso de destruição superior a três quartos do seu valor total; actos de disposição das partes comuns do edifício; b)-dois terços do valor total do edifício: obras que constituam inovações; c)-maioria simples do valor do edifício: todas as deliberações restantes.” F)–Previram as partes que tanto em primeira como em segunda convocatória é sempre necessária maioria dos votos para aprovação das deliberações, ou seja, os condóminos pretenderam alargar a maioria exigida no número 6 do artigo 1432.º do Código Civil, sendo sempre exigida uma maioria simples. G)–Se não existe quórum deliberativo, quer isso dizer que, a deliberação é inexistente. H)–As deliberações inexistentes – por nunca terem existido – não se podem solidificar na ordem jurídica pelo facto de não serem impugnadas, tal como o douto Tribunal ad quo pretende fazer acreditar. I)–Em face da inexistência – que é de conhecimento oficioso - das deliberações tomadas na acta n.º 21 deve este douto Tribunal ad quem revogar a Sentença de fls… e absolver os Recorrentes do pedido. J)–Mais cumpre referir que, a exigibilidade da quota extraordinária em sede de processo executivo ocorre quando houver precisa indicação de que a obrigação já deve ser cumprida, se encontra vencida (atingiu a data de vencimento), ou seja, porque não se submete a nenhuma condição ou termo ou estes já ocorreram. Obrigação exigível é, portanto, a que está vencida e já se pode exigir. K)–Acontece que é próprio administrador do condomínio – AS – que admite que o valor inerente à quota extraordinária não é exigível e tanto que assim é que a maioria dos condóminos não liquidaram o valor inerente à quota extraordinária. L)–Na verdade, só o BM é que pagou. Mais ninguém… M)–Assim sendo, dúvidas não existem que o título executivo é nulo – por falsidade - e que a obrigação – quota extraordinária - é judicialmente inexigível, daí que, devam os Recorrentes serem absolvidos do pedido e revogada a Sentença de fls…
N)–No que diz respeito à compensação dos créditos cumpre referir que, foi pelo Tribunal ad quo dado como provado – alínea I, J, K, L e M - que: e)-“Por terem os embargantes constatado infiltrações solicitaram a elaboração de um relatório à empresa “CH”, que apresentou um orçamento no valor de € 13.447,34, e concluíram, conforme consta das conclusões finais, do relatório elaborado em 23/06/2014, que: «Após a análise ao tubo de queda de águas pluviais que desce junto do canto Sul do edifício identificou-se dois pontos críticos. Sensivelmente a 1,75m da caixa de visita localizada no piso -1 (a 1m na vertical), identificou-se uma quebra no tubo provocada por um elemento exterior ao mesmo, que poderá estar já remendado. No entanto, aos 13,70m medidos do topo da conduta, quando filmada no sentido descendente, identificou-se um grande orifício no tubo que provavelmente é responsável pelas infiltrações de água existentes nas paredes adjacentes. Verificaram-se ainda alguns pontos críticos no exterior que poderão originar as infiltrações verificadas no interior da box 5 do 3ºB, nomeadamente furos para drenagem das águas que se acumulam sob a calçada acima da impermeabilização com pendentes contrárias e alguns destes furos, pela sua localização podem mesmo ter danificado a impermeabilização existente. Não foi possível efetuar um ensaio de carga neste passeio, quer pelas dimensões do mesmo, quer por não existirem muros para retenção das águas, pelo que e embora se tenham verificado outras causas ao nível da tubagem que estão certamente na origem do aparecimento de água nesta laje e paredes periféricas, pois, a água que se espalha por esta laje, que por ser interior não é impermeabilizada, manifesta-se nas zonas onde a mesma é mais permeável, nomeadamente nas zonas onde foram tapadas carotes com argamassa simples de cimento e areia e onde existem fissuras. Por estas razões, é impossível concluir se as anomalias verificadas no passeio exterior estão ou não diretamente relacionadas com as infiltrações verificadas no interior. Concluímos assim, considerando todas as infiltrações analisadas, que será necessário proceder de imediato a estas reparações, de forma a evitar posterior degradação do imóvel e erradicar todas as deficiências existentes na altura do nosso diagnostico.»” f)-Os embargantes, em 17/09/2012, despenderam € 32,99 com a aquisição de tinta branca. g)-Os embargantes, em 15/02/2017, despenderam € 462,48 referente a pagamento de uma proposta de 13/12/2016.; h)-Os embargantes, em 16/03/2017, despenderam € 1.937,68 com execução de trabalhos na recuperação de paredes e teto da garagem devido a infiltrações de água vinda do exterior.”
O)–O Sr. AS, Administrador da Recorrida reconhece a existência das infiltrações e das reparações, bem como, que as mesmas nunca foram liquidadas aos Recorrentes. Senão vejamos: Pergunta: “foi presente ao condomínio documentos de despesas realizadas pelo Sr. PP na sua garagem afim do condomínio as pagar?” gravação da inquirição da testemunha, minuto 12:05 a 12:16 da faixa 20221205145346_5907614_2871226. Resposta: “sim ele apresentou, ele apresentou”. gravação da inquirição da testemunha, minuto 12:17 a 12:19 da faixa 20221205145346_5907614_2871226. Pergunta: “os senhores pagaram?” gravação da inquirição da testemunha, minuto 12:20 a 12:22 da faixa 20221205145346_5907614_2871226. Resposta: “não, não, não” gravação da inquirição da testemunha, minuto 12:22 a 12:23 da faixa 20221205145346_5907614_2871226. Pergunta: “não pagaram porquê? gravação da inquirição da testemunha, minuto 12:13 a 12:23 da faixa 20221205145346_5907614_2871226. Resposta: “porque não houve acordo de nenhum condómino de fazer esse pagamento.” Gravação da inquirição da testemunha, minuto 12:23 a 12:29 da faixa 20221205145346_5907614_2871226.
P)–Resulta do relatório elaborado pela CH – conforme documento junto aos Autos – que “(…) Após a análise ao tubo de queda de águas pluviais que desce junto do canto Sul do edifício identificou-se dois ponto críticos. Sensivelmente a 1,75m da caixa de visita localizada no piso -1 (a 1m na vertical), identificou-se uma quebra no tubo provocada por um elemento exterior ao mesmo, que poderá estar já remendado. No entanto, aos 13,70m medidos do topo da conduta, quando filmada no sentido descendente, identificou-se um grande orifício no tubo que provavelmente é responsável pelas infiltrações de água existentes nas paredes adjacentes. Verificaram-se ainda alguns pontos críticos no exterior que poderão originar as infiltrações verificadas no interior da box 5 do 3ºB, nomeadamente furos para drenagem das águas que se acumulam sob a calçada acima da impermeabilização com pendentes contrárias e alguns destes furos, pela sua localização podem mesmo ter danificado a impermeabilização existente. (…)” Q)–As infiltrações vieram a danificar a impermeabilização da box 5 do 3.º B – garagem dos Recorrente, conforme se pode verificar [seguem-se umas fotografias, algo absolutamente inadequado para inserir em conclusões] R)–Tanto que as obras são urgentes e necessárias que a própria Recorrida reconhece que pediu vários orçamentos para a realização das obras. S)–Tanto que as obras são urgentes e necessárias que a Recorrida implementou uma quota extraordinária para a realização das obras. T)–Assim sendo, devem os valores que foram despendidos pelos Recorrentes serem compensados com os eventuais valores que foram pelos Recorrentes reconhecidos como sendo devidos à Recorrida e, por conseguinte, revogada a Sentença de fls…, de má-fé e com o intuito de prejudicar os Recorrente, vieram a intentar a presente acção judicial em claro abuso de direito. U)–A Recorrida reconhece que não existiu quórum deliberativo para as deliberações de 3 de Maio de 2018, reconhece que o valor das quotas extraordinárias não é devido e que não tem titulo executivo para demandar os condomínios, daí que, de má-fé e com o intuito de prejudicar os Recorrente, venha intentar a presente acção judicial em claro abuso de direito. V)–Em face de tal facto devem os Recorrentes serem totalmente absolvidos do pedido, ser reconhecida a actuação abusiva da Recorrida e revogada a Sentença de fls… *
Não foram apresentadas contra-alegações. FUNDAMENTAÇÃO Colhidos os vistos cumpre decidir. Objeto do Recurso O objeto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida. Assim, em face das conclusões apresentadas pelos recorrentes, as questões a apreciar são as seguintes:
- inexistência de título executivo;
- inexigibilidade da quota extra destinada às obras.
- compensação do crédito exequendo com as despesas que os recorrente tiveram com as obras de reparação das paredes e teto da garagem devido às infiltrações de água. *** Factualidade tida em consideração pela 1ª Instância Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: A.–Os embargantes são proprietários da fração “M”, que corresponde ao Piso xx, do prédio sito no JFAA, na localidade e freguesia de xx, concelho de xx, prédio registado na CRP de xx sob a ficha n.º xx da freguesia de xx e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo xx. B.–Em xx, reuniram em segunda convocatório, em assembleia geral ordinária, os condóminos do prédio sito no JFAA, na qual foi:
Aprovadas por unanimidade as contas referentes ao ano de 2017
Comunicado os montantes em dívida pelas frações devedoras, sendo que, em relação à fração de que os embargantes são proprietários, consta:
Quota Extra para obras no valor de 1.852,98 euros; Quotas de agosto de 2014 a abril de 2017 no valor de 2.145,38 euros; Quotas de maio a dezembro de 2017 no valor de 74,51 euros por cada mês no total de 596,08 euros; Multas de maio a dezembro de 2017 no valor mensal de 7,45 euros, no total de 59,60 euros; Quotas de janeiro a abril de 2018 no valor mensal de 74,51 euros no total de 298,04 euros; Multa de janeiro a março de 2018 no valor mensal de 7,45 euros no total de 22,35 euros
Deliberado implementar o procedimento de cobrança judicial dos condóminos faltosos
C.–Através de carta registada, datada de 13/07/2018, os embargantes solicitaram ao embargado a convocação de nova assembleia para “revogar – por clara nulidade – as deliberações tomadas em 3 de maio de 2018”. D.–Através de carta registada, datada de 10/09/2018, os embargantes reiteraram o pedido anterior. E.–Em 29/04/2015 os embargantes procederam ao pagamento da quantia de € 222,60.
F.–Em 08/04/2014, reuniram em primeira convocatória, em assembleia geral ordinária, os condóminos do prédio sito no JFAA, na qual foi:
Aprovado o orçamento para o ano de 2014/2015, fixando-se a quota em função da permilagem, sendo de € 48,97 para a fração xx
Deliberado por unanimidade aplicar uma pena pecuniária de 10% do valor da quota a todos os condóminos que efetuem o pagamento da quota após o dia 8 do mês seguinte a esta se refere, a entrar em vigor em junho de 2014 (inclusive)
Comunicado os montantes em dívida pelas frações devedoras, sendo que, em relação à fração de que os embargantes são proprietários, consta:
Quota Extra para obras no valor de € 196,00; Quotas de junho de 2013 a dezembro de 2013 no valor de € 210,00 G.–Em 20/11/2015, reuniram em primeira convocatória, em assembleia geral ordinária, os condóminos do prédio sito no JFAA, na qual foi:
Aprovado o orçamento para o ano de 2015/2016, mantendo-se o valor da quota anteriormente aprovado (€ 48,97 para a fração M)
Comunicado os montantes em dívida pelas frações devedoras, sendo que, em relação à fração de que os embargantes são proprietários, consta:
Quota Extra para obras no valor de € 196,00; Quotas de abril de 2014 a novembro de 2015; Penas pecuniárias de junho de 2014 a outubro de 2015; Crédito no valor de € 840,10 H.–As obras aprovadas, referentes à quota extra no valor de € 1.852,98, ainda não foram realizadas.
I.–Por terem os embargantes constatado infiltrações solicitaram a elaboração de um relatório à empresa “CH”, que apresentou um orçamento no valor de € 13.447,34, e concluíram, conforme consta das conclusões finais, do relatório elaborado em 23/06/2014, que: «Após a análise ao tubo de queda de águas pluviais que desce junto do canto Sul do edifício identificou-se dois pontos críticos. Sensivelmente a 1,75m da caixa de visita localizada no piso -1 (a 1m na vertical), identificou-se uma quebra no tubo provocada por um elemento exterior ao mesmo, que poderá estar já remendado. No entanto, aos 13,70m medidos do topo da conduta, quando filmada no sentido descendente, identificou-se um grande orifício no tubo que provavelmente é responsável pelas infiltrações de água existentes nas paredes adjacentes. Verificaram-se ainda alguns pontos críticos no exterior que poderão originar as infiltrações verificadas no interior da xx, nomeadamente furos para drenagem das águas que se acumulam sob a calçada acima da impermeabilização com pendentes contrárias e alguns destes furos, pela sua localização podem mesmo ter danificado a impermeabilização existente. Não foi possível efetuar um ensaio de carga neste passeio, quer pelas dimensões do mesmo, quer por não existirem muros para retenção das águas, pelo que e embora se tenham verificado outras causas ao nível da tubagem que estão certamente na origem do aparecimento de água nesta laje e paredes periféricas, pois, a água que se espalha por esta laje, que por ser interior não é impermeabilizada, manifesta-se nas zonas onde a mesma é mais permeável, nomeadamente nas zonas onde foram tapadas carotes com argamassa simples de cimento e areia e onde existem fissuras. Por estas razões, é impossível concluir se as anomalias verificadas no passeio exterior estão ou não diretamente relacionadas com as infiltrações verificadas no interior. Concluímos assim, considerando todas as infiltrações analisadas, que será necessário proceder de imediato a estas reparações, de forma a evitar posterior degradação do imóvel e erradicar todas as deficiências existentes na altura do nosso diagnostico.» J.–Os embargantes, para além do orçamento apresentado pela empresa “CH”, solicitaram outros orçamentos. K.–Os embargantes, em 17/09/2012, despenderam € 32,99 com a aquisição de tinta branca. L.–Os embargantes, em 15/02/2017, despenderam € 462,48 referente a pagamento de uma proposta de 13/12/2016. M.–Os embargantes, em 16/03/2017, despenderam € 1.937,68 com execução de trabalhos na recuperação de paredes e teto da garagem devido a infiltrações de água vinda do exterior. N.–Os embargantes não pagaram:
Quota Extra para obras no valor de € 1.852,98;
Quotas de setembro de 2014 a abril de 2017 no valor de € 2.096,41;
Quotas de maio a dezembro de 2017 no valor de € 74,51/mês, no total de € 596,08;
Multas de maio a dezembro de 2017 no valor mensal de € 7,45, no total de € 59,60;
Quotas de janeiro a abril de 2018 no valor mensal de € 74,51, no total de € 298,04;
Multa de janeiro a março de 2018 no valor mensal de € 7,45, no total de € 22,35.
*
Foram considerados não provados os seguintes factos: 1.–As despesas referidas em K, L e M dos factos provados foram “indispensáveis e urgentes”. 2.–Para além dos montantes referidos em K, L e M, os embargantes liquidaram os seguintes montantes: € 31,86, e € 80,85. 3.–Ficaram inutilizados, por causa das infiltrações, os seguintes bens: Frigorífico Balay 3FSW2416, com o valor de € 489,99; Mobile Projeções Mágicas, com o valor de € 56,30; Marsúpio CHICCO, com o valor de € 49,90; Carrinho bebé CHICCO "TOP RACE, com o valor de € 279,90; Baloiço Fisher Price RainForest, com o valor de € 100,00. Fundamentação jurídica
Preceitua o n.º 1 do art.º 6º do DL n.º 268/94, de 25.10, que “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Tais atas constituem, portanto, um documento a que, por disposição especial, é atribuída força executiva (cfr. alínea d) do nº 1 do artº 703º do CPC). O legislador pretendeu “procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros”, conforme consta do preâmbulo do mencionado DL.
Pretendeu-se dotar a administração do condomínio dum meio processual célere e eficaz para a prossecução e realização das atribuições a seu cargo. O recurso às ações declarativas não se mostrava adequado pela demora que acarretam e que era suscetível de fomentar incumprimentos baseados exatamente nessa demora, lesando o interesse geral do condomínio.
A questão que se levanta é a de saber qual é, afinal, a ata que pode ser considerada título executivo, pois a lei só o reconhece àquela que “tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio”.
Esta questão levanta-se, nomeadamente na execução aqui em causa, porque há muitas assembleias de condóminos que deliberam ou simplesmente fazem constar de ata as dívidas ao condomínio por parte dos condóminos e que são existentes à data da assembleia, levando a efeito uma inventariação de tais dívidas. Estas deliberações são distintas daquelas que decidem sobre o montante da contribuição periódica ao condomínio, o que geralmente é feito através da aprovação do orçamento anual, ou da aprovação de quaisquer outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns. Que estas últimas constituem título executivo, não há qualquer dúvida. A questão que se tem levantado e que tem dividido a jurisprudência é a de saber se as atas que contêm deliberações que se limitaram a inventariar as dívidas dos condóminos também constituem título executivo.
Sobre esta questão temos jurisprudência que nega a natureza de título executivo a tais atas e outra que lhe concede essa característica.
Há o entendimento de que apenas são títulos executivos as atas que contenham deliberações que procederam à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio. Negam a possibilidade de as atas que se limitam a inventariar as dívidas constituírem título executivo dizendo que a assembleia de condóminos, quando reconhece que o condómino está em dívida com determinado valor, apenas reconhece que ele não cumpriu uma obrigação anteriormente estabelecida e que está em mora. Tal deliberação não fixa a contribuição devida ao condomínio, limitando-se a constatar a existência da dívida (cfr. neste sentido os seguintes acórdãos (a) da Relação de Lisboa de 23/3/2012, proc.º n.º 524/06.6TCLRS.L1.6; de 17/2/2009, proc.º n.º 532/05.4TCLRS-7; de 22/6/2010, Proc. n.º 1155/05.3TCLRS.L1-7; de 11.10.2012, proc.º n.º 1515/09.0TBSCR.L1-2; de 22/06/2021, proc.º n.º 2951/14.6YYLSB-D.L1-7 (b) da Relação de Évora de 28.01.2010, proc.º n.º 6924/07.7TBSTB.E1; (c) da Relação do Porto de 17.01.2002, Proc. n.º 0131853; de 29.06.2004, Proc. n.º 0423806; de 21.04.2005, Proc.º n.º 0531258; de 16.6.2009, proc.º n.º 12447/06.4YYPRT-B.P; e de 06.9.2010, proc.º n.º 2621/07.1TJVNF-A.P1); (d) da Relação de Coimbra de 24.01.2023, proc.º n.º 2656/19.1T8ALM-A.C1)[1].
Neste sentido temos também o acórdão do STJ de 02.06.2021, proferido no processo nº 1549/18.4T8SVL-A.E1.S1[2], que decidiu o seguinte, assim sumariado: I– Para valer como título executivo nos termos do art. 6º do DL nº 268/94 de 25.10, a acta da assembleia de condomínio tem de conter a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respectivo; II–A acta que se limita a documentar a aprovação pela assembleia da existência de uma dívida de um condómino por não pagamento de quotas, tal como referido pela administração, não reúne os requisitos de exequibilidade que resultam do art. 6º do DL n 268/94. Neste acórdão menciona-se vária jurisprudência, nomeadamente os acórdãos do STJ de 14.10.2014, proc.º n.º 4852/08.YYLSB-A.L1, e de 01.10.2019, proc.º n.º 14706/3T8LSB.L1.S1.
No sentido contrário, ou seja, no sentido de atribuir a natureza de título executivo às atas que se limitam a enumerar as dívidas ao condomínio, temos os seguintes acórdãos: Ac. Relação do Porto de 02.6.1998, proc.º n.º 9820489; acórdãos da Relação de Coimbra de 1/3/2016, proc.º n.º 129/14.8TJCBR-A.C1; de 04.6.2013, proc.º n.º 607/12.3TBFIG-A.C1; de 6/12/2016, proc.º n.º 473/13.1TBLMG.C1; Acórdãos da Relação de Lisboa de 02.3.2004, proc.º n.º 10468/2003-1; de 29.6.2006, proc.º n.º 5718/2006-6; de 8.7.2007, proc.º n.º 9276/2007-7; de 18.3.2010, proc.º n.º 85181/05.0YYLSB-A.L1-6; e de 7.7.2011, proc.º n.º 42780/06.9YYLSB.L1-2; e da Relação de Évora de 17.02.2011, proc.º n.º 4276/07.4TBPTM.E1)[3].
Os defensores desta tese baseiam-se, essencialmente, na letra do n.º 1 do art.º 6º do DL n.º 268/94, que se refere ao montante das contribuições devidas e não à fixação dessas contribuições, entendendo que essa é a interpretação literal do preceito e é também a que melhor se enquadra na intenção do legislador ao conferir força executiva às atas do condomínio. Entendemos que a melhor interpretação é a primeira que se referiu. Consideramos que a segunda interpretação é de afastar, desde logo porque é contrária ao princípio geral da proibição da autotutela dos direitos, que decorre do artº 1º do CPC. Por via dessa interpretação está-se a conceder a um credor a possibilidade de ser ele a definir o seu crédito e o respetivo conteúdo. O legislador, ao dispensar o condomínio da instauração da ação declarativa, não lhe concedeu o poder de declarar o seu próprio direito, que é o que na realidade se passa quando se atribui força executiva à mera menção na ata da circunstância de determinado condómino dever determinada quantia[4.Não é, nem pode ser, esta declaração que consubstancia a obrigação exequenda, exatamente porque dela não decorre qualquer obrigação. Tal configuraria uma declaração de dívida que, ao invés de partir do devedor, parte do próprio credor. A obrigação que efetivamente está em causa constituiu-se por via da anterior deliberação que, essa sim, contém os factos determinantes suscetíveis de gerar a pretensão creditícia do condomínio.
As referidas menções efetuadas nas atas das assembleias de condóminos respeitantes às dívidas ao condomínio podem ter a utilidade de chamar a atenção do condómino em causa para o que está a dever ao condomínio e também, há que dizê-lo, para expor o incumprimento das obrigações por parte desse condómino perante todo o condomínio. Têm, portanto, uma finalidade meramente informativa e nem sequer se percebe qual o instituto jurídico, ou a norma, ou princípio jurídico a que se pode recorrer para sustentar algum tipo de eficácia jurídica a uma mera deliberação que menciona o rol das dívidas ao condomínio.
Voltando ao caso concreto, temos que na ata que foi dada à execução, relativa à assembleia de condóminos que teve lugar em 03/05/2018, consta o seguinte: “Foi comunicado os montantes em dívida pelas frações devedoras, sendo que, em relação à fração de que os embargantes são proprietários, consta: Quota Extra para obras no valor de 1.852,98 euros; Quotas de agosto de 2014 a abril de 2017 no valor de 2.145,38 euros; Quotas de maio a dezembro de 2017 no valor de 74,51 euros por cada mês no total de 596,08 euros; Multas de maio a dezembro de 2017 no valor mensal de 7,45 euros, no total de 59,60 euros; Quotas de janeiro a abril de 2018 no valor mensal de 74,51 euros no total de 298,04 euros; Multa de janeiro a março de 2018 no valor mensal de 7,45 euros no total de 22,35 euros”.
A execução refere-se exatamente a esses montantes. Como se constata, nem sequer a questão das dívidas dos embargantes foi submetida a deliberação. O que consta da ata é simplesmente que os montantes referidos foram comunicados aos presentes. Tal ata, como é manifesto, integra-se plenamente naquelas que se limitam a inventariar as dívidas dos condóminos, não contendo qualquer deliberação de onde decorra a obrigação de pagamento dos montantes nela mencionados. Aplicando a interpretação do artº 6º/1, do DL n.º 268/94 que entendemos ser a correta, nos termos acima expostos, temos que tal ata não constitui título executivo. Deste modo procede, embora por razões diferentes das invocadas pelos recorrentes[5], o primeiro fundamento do recurso. A procedência do fundamento relativo à inexistência do título executivo faz extinguir, in totum, a execução, pelo que se torna desnecessário apreciar dos demais fundamentos do recurso (cfr. artº 608º/2, ex vi artº 663º/2, do CPC). *** DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso procedente, e, em consequência, com fundamento na inexistência de título executivo, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se os embargos totalmente procedentes. Custas pelo recorrido (artº 527º/1 e 2 do CPC).
TRL, 06jul2023
Jorge Almeida Esteves- (relator) Adeodato Brotas - (1º Adjunto) António Santos - (2º Adjunto), que vota a decisão.
[1]Todos in www.dgsi.pt. [2]Idem. [3]Todos in www.dgsi.pt. [4]Tal só aconteceu, destinando-se a acautelar o interesse público respeitante ao Serviço Nacional de Saúde, por via do Decreto-Lei n.º 194/92, de 8 de setembro, que veio atribuir a natureza de título executivo às certidões de dívidas emitidas pelos hospitais públicos. Tal diploma foi posteriormente revogado. [5]De referir que este Tribunal pode – e deve - aplicar o direito aos factos provados, não estando sujeito, quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, às alegações das partes (cfr. artº 5º/3 do CPC). A questão da inexistência de título executivo faz parte do objeto do recurso. Daí que decidir pela procedência dessa exceção não constitui uma decisão surpresa.