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SOCIEDADE POR QUOTAS
EXCLUSÃO DE SÓCIO
DEVER DE LEALDADE
PREJUÍZO SÉRIO
INEXIGIBILIDADE
PRAZO
CLÁUSULA GERAL
Sumário
I - A exclusão judicial de sócio nas sociedades por quotas exige a verificação cumulativa de dois pressupostos (cfr. art. 242.º, n.º 1, do CSC): a) a existência de um determinado comportamento do sócio que traduza ou revele a sua deslealdade em relação à sociedade ou uma grave perturbação do funcionamento da sociedade; e b) que esse comportamento tenha causado ou possa vir causar prejuízos relevantes à sociedade. II - Assim, ainda que se provem violações do dever de lealdade e/ou comportamentos perturbadores do funcionamento da sociedade, a exclusão social não poderá ser decretada se não houver elementos que permitam determinar os prejuízos causados por tais violações/comportamentos. III - Efetivamente, a exclusão do sócio não visa sancionar o sócio pelo seu comportamento, mas sim proteger a sociedade dos danos que o seu comportamento possa causar ao exercício da atividade social, razão pela qual a nota essencial da exclusão de sócio e a inexigibilidade em suportar a sua permanência na sociedade reside no prejuízo relevante, atual ou potencial, que as suas condutas provocam.
Texto Integral
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – Relatório D...Lda., com sede na Rua ..., ... ..., representada pelo seu sócio-gerente AA, intentou a presente ação contra BB, residente em Rua ..., ... ..., e contra CC, residente na Rua ..., ... ..., pedindo que seja decretada a exclusão dos Réus da qualidade de sócios da sociedade Autora.
Invocou para fundamentar tal pretensão um conjunto de atos e comportamentos dos Réus que sustenta serem violadores dos seus deveres societários e que causam – e continuarão a causar – sério prejuízo à sociedade e que constituem justa causa para a sua exclusão da qualidade de sócios, sendo certo que por via desses atos:
- Apropriaram-se (por ação e comissão) de várias quantias, bens e ativos da sociedade;
- Mancharam a imagem da sociedade perante a instituição bancária com a qual aquela trabalha habitualmente, prejudicando os interesses desta a nível de perfil de risco para crédito e plafond de factoring (impedindo volumes maiores de faturação por esta via);
- Mancharam e mancham a imagem da sociedade junto de clientes, fornecedores e trabalhadores, fazendo-lhes crer que a sociedade se encontra numa situação de falência ou pré-falência por culpa da gestão do outro sócio e gerente, com impacto na manutenção dos seus melhores quadros, na angariação de novas obras, e na confiança junto dos seus fornecedores;
- Privaram a sociedade de um computador que era por ela utilizado para fazer a sua gestão de pagamentos e faturação;
- Ameaçaram por diversas vezes a integridade física do outro sócio e da sua esposa (também ela funcionária da sociedade) junto de outros funcionários, criando assim um clima de insegurança e medo por parte destes dentro da própria sociedade;
- Apresentaram, injustificadamente e sem sucesso, dois pedidos de declaração de insolvência da sociedade, bem sabendo que tal insolvência não existia;
- Bloquearam a aprovação das contas da sociedade relativas aos anos de 2019 e 2020, apesar de reconheceram que as mesmas se encontravam em condições de serem aprovadas.
Os Réus contestaram, sustentando que não estão verificados os pressupostos necessários para a sua exclusão da sociedade; negaram a prática de alguns dos atos que lhes são imputados e, apesar de aceitarem a prática de alguns dos atos referidos pela Autora, alegaram tê-lo feito como forma de pressão para que lhe fosse pago o seu vencimento ou no sentido de efetuar uma compensação de créditos sem que tivessem causado algum prejuízo à sociedade e sem que tivessem violado qualquer dever.
Concluíram pedindo a improcedência da ação.
Foi proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando a A. a juntar aos autos a deliberação da AG relativa à propositura da presente ação de exclusão (cfr. art. 242.º/2 do CSC), vindo a A. “confessar” a sua inexistência, afirmando que tal requisito não se aplicaria ao caso em apreço, face à situação de conflito de interesses dos Réus para com a própria sociedade e para deliberar a sua própria exclusão como sócios. Foi então proferido novo despacho, considerando/explicando que, para que exista uma ação judicial com vista à exclusão de sócio, é necessária uma deliberação quanto à proposição de tal ação judicial; e que a falta de tal deliberação integra o vício processual previsto no art. 29.º/1 do CPC, pelo que foi a A. notificada para, no prazo de 35 dias, comprovar nos autos a deliberação da AG consentindo na propositura da presente ação e ratificando o processado anterior, suspendendo-se entretanto os termos da causa.
Após o que foi junta aos autos a Ata 56 da AG da A., de 31-08-2022, tendo como ordem de trabalhos “dar cumprimento ao ordenado despacho judicial de 09-06-2022 e deliberar nos termos do art. 242.º/2 do CSC, isto é, a propositura de ação e respetiva ratificação do processado do processo 1197/22.4T8CBR”, sendo que, conforme consta do final de tal ata, “tudo o quanto sujeito a votação, [foi] ratificado e aprovado e, em face da inviabilidade de votação pelos sócios BB e CC, por unanimidade dos sócios votantes em representação do respetivo capital social da sociedade”.
Foi realizada audiência prévia – após se haver, com a junção de tal Ata, declarado como regularizado o processado – no âmbito da qual as partes acordaram em dar como assentes os factos alegados que já haviam sido considerados provados no processo n.º 1196/22.... (onde, a partir da alegação dos mesmos factos, se peticionava a destituição dos Réus das suas funções de gerente) e que não haviam sido questionados no recurso interposto da decisão aí proferida, prescindindo as parte da realização de qualquer diligência de prova.
Assim, depois de ser dada às partes a oportunidade de produzir alegações de direito, foi proferida sentença onde se decidiu julgar a ação procedente e se determinou “a exclusão dos Réus da qualidade de sócios da A., a efetivar com a deliberação de amortização ou aquisição das respetivas quotas”.
Inconformados com essa decisão, os Réus interpuseram recurso de apelação, o qual por Acórdão da Relação de Coimbra de 28/02/2023 foi julgado procedente, tendo-se, em consequência, revogado a sentença recorrida, julgando-se a ação improcedente e absolvendo-se os Réus do pedido contra eles formulado.
Inconformada agora a A., interpõe o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que repristine o sentenciado na 1.ª Instância.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“(…) 1ª Salvo o devido respeito, o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser revogado e mantido o decidido pela 1ª instância Senão vejamos. 2ª Perante a factualidade dada como provada e não contestada, e atento o raciocínio trilhado pela decisão de 1ª instância, não vemos como se possa considerar que os atos e omissões praticados pelos recorrentes não fossem reconhecidos como violadores dos seus deveres fundamentais como sócios e, assim, constituírem justa causa para a sua exclusão enquanto tais. 3ª Desde logo, conforme jurisprudência anterior dos nossos tribunais (incluindo deste Venerando Tribunal): Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 982/13.2TYVNG.P1.S1, Data do Acórdão: 03/20/2018 (…) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo: 382/18.8T8BRR.L1-1, Data do Acórdão: 03/23/2021; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo: 7518/2008-1, Data do Acórdão: 02/10/2009; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 5147/17.1T8OAZ.P2, Data do Acórdão: 09/13/2018. 4ª - Ao contrário do entendimento decisório vertido no acórdão recorrido, parece-nos ser jurisprudência pacífica que: “Acórdão do STJ - Processo: 982/13.2TYVNG.P1.S1 - Data do Acórdão: 03/20/2018 A atuação desleal do sócio, se se repercutir na sociedade, denegrindo-a aos olhos daqueles com quem se relaciona, ou se o comportamento censurável do sócio é idóneo a causar prejuízos, ou a possibilidade de prejuízos relevantes, ainda que não imediatamente, mesmo que esses prejuízos não sejam de cariz patrimonial, deve ser sancionada com a exclusão. O interesse social é afetado se um dos sócios, lançou mão de ações judiciais contra a sociedade de que faz parte, por razões de índole pessoal e com claro interesse egoísta e persecutório, visando fins alheios ao bom funcionamento e ao bom nome da sociedade. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - Processo: 382/18.8T8BRR.L1-1 -Data do Acórdão: 03/23/2021 São situações integradoras de tal normativo comportamentos desleais ou gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade, nomeadamente, o aproveitamento em benefício próprio de oportunidades de negócios da sociedade, a frequente propositura de acções contra a sociedade, a difusão de opiniões desabonatórias sobre a sociedade, a apropriação ilícita de bens sociais, a utilização em benefício próprio do património da sociedade, a revelação de segredos da organização empresarial da sociedade, actos de concorrência desleal contra a sociedade, provocação culposa de desavenças graves entre os sócios, assédio sexual a trabalhadores da sociedade. Para legitimarem a exclusão judicial, é ainda necessário que estes comportamentos tenham causado ou sejam suscetíveis de causar prejuízos relevantes à sociedade. Porém, não se exige um prejuízo efetivo, mas apenas a capacidade de provocar danos. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - Processo: 7518/2008-1 - Data do Acordão: 02/10/2009 (…) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - Processo: 5147/17.1T8OAZ.P2 – Data do Acordão: 09/13/2018 (…) 5ª Salvo o devido respeito, o aresto em recurso ponderou cada questão que elegeu assinalar (e crê-se que não foram todas) de forma meramente individual, como se a valoração global e conjunta desses comportamentos tomados como um todo não constituíssem uma atuação danosa, ou potencialmente danosa, para a sociedade suficientemente grave para justificar a exclusão dos recorridos como sócios. 6ª Ao contrário do que entendeu o aresto em recurso, foi provado, e é manifesto, que foram causados prejuízos relevantes à recorrente mais do que suficientes para justificar a sua exclusão como sócios (v. pontos 19º a 30º, 35º a 49º, 51º, e 70º da matéria de facto provada), sendo que essas mesmas condutas são idóneas (tomadas como um todo) para potencialmente causarem danos graves e relevantes para a sociedade. 7ª A decisão de 1ª instância diz, e bem, que “o simples afastamento dos réus da gerência não bastará para que a sociedade prossiga o seu normal funcionamento, tanto mais que esse afastamentojá se verificava na prática, e não ter obstou a que os réus perturbassem e a prejudicassem a atividade da sociedade.”, e não se vislumbra qualquer motivo atendível, ou erro cometido na apreciação da matéria de facto ou das normas legais aplicáveis, que possa contrariar o raciocínio trilhado pela mesma. 8ª Não existe qualquer distinção relevante entre as condutas de qualquer um dos recorridos, dadoque ambos participaram, poração e comissão, emclaro concerto de esforços e interesses, em todos os factos dados como provados. 9ª Atente-se aos pontos 19º a 21º, 22º a 24º, 35º, 36º a 42º, 44º a 48º da matéria de facto provada e já supra transcritos, sendo que os recorridos não alegaram qualquer erro quanto à mesma, e facilmente se conclui que: a) Os recorrentes fizeramobras utilizando meios da sociedade e apropriaram- se das respetivas verbas para uso pessoal e fora da esfera societária; b) Os recorrentes não permitiram à sociedade apresentar atempadamente as declarações de remunerações dos funcionários da sociedade; c) Os recorrentes não permitiram a aprovação atempada das contas de 2019 e 2020 da sociedade; d) Os recorrentes apresentaram 2 pedidos de insolvência da sociedade totalmente infundados, bem sabendo que a sociedade não se encontrava nessa situação; e) Estas condutas causaram, ou têm o potencial de causar, prejuízos relevantes à sociedade e, tomadas essas condutas como um todo, é por demais manifesto que justificam a sua exclusão como sócios; 10ª Assim sendo, eface ao exposto, é manifesto que o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento por violação do disposto no artº 242º do CSC, pelo que deve ser revogado, mantendo-se o decidido pela 1ª instância. (…)”
As RR. responderam, sustentando, em síntese, que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.
Obtidos os vistos, mantendo-se a regularidade da instância, cumpra, agora, apreciar e decidir. * II – Fundamentação de Facto II – A – Factos Provados 1. A Autora é uma sociedade comercial que gira sob a firma D... Lda., pessoa coletiva n.º ..., com sede em Rua ..., ... ..., e com o capital social de € 150.000,00.
2. Tem como objeto social o exercício de transportes rodoviários ocasionais de mercadorias; construção civil; eletricidade; metalomecânica; aluguer de máquinas industriais, nomeadamente, retroescavadoras, pás carregadoras, gruas telescópicas e betoneiras.
3. Atualmente, o capital social é composto pelos sócios BB, NIF ..., titular de uma quota no valor nominal de €28.500,00, CC, NIF ..., titular de uma quota no valor nominal de €22.500,00, AA, NIF ..., titular de uma quota no valor nominal de €22.500,00; sendo todos os sócios titulares de uma quota sem determinação de parte ou direito no valor nominal de €76.500,00.
4. AA é gerente e sócio da referida sociedade desde a sua criação em 18.10.1985 até à presente data.
5. A Ré BB é gerente desde 26.11.2012.
6. O Réu CC cessou formalmente funções da gerência em 12.03.2013, tendo retomado essas funções formalmente a 22.11.2019.
7. AA esteve formalmente a cargo da gestão da sociedade desde a sua criação, aprendendo com o seu pai AA, a quem competia a efetiva gerência de facto.
8. Após o falecimento do sócio e gerente AA, marido da Ré BB, e pai de AA e do Réu CC, a partir de 2012, a gestão da sociedade ficou a cargo de todos os sócios, que desde então se figuram como gerentes perante trabalhadores, terceiros e demais entidades, sendo que foram os irmãos que ficaram na gestão ativa da sociedade.
9. AA, com oposição dos Requeridos, tem controlado as contas bancárias da empresa e paga os vencimentos, através de um cartão multibanco do Banco Montepio, e, pelo menos, há mais de 2 anos, gere sozinho a sociedade D..., Lda.
10. Os Réus continuaram a questionar AA e funcionários sobre contactos e intervenções, a questionar a contabilidade acerca do quanto pertinente, a assinar documentos que lhes eram solicitados, quando necessário e assim concordavam, dando ordens aos funcionários, na veste de patrões.
11. Em 2012 a sociedade detinha um passivo de, pelo menos, €2.707.630,28, resultante de dívidas à autoridade tributária, segurança social, fornecedores, trabalhadores, colaboradores, indemnizações (em face de incumprimentos junto de clientes).
12. E pendentes ações judiciais contra si movidas, vendo-se alvo de pressões a pagamentos e cobrança, penhoras, citações, julgamentos, e inclusive pedidos de insolvência.
13. Ao longo do tempo foi o passivo sendo reduzido, passando para cerca de €400.000,00 nos dias de hoje com negociação, com acordos de pagamento, solvendo dívidas a fornecedores e trabalhadores, liquidando o passivo bancário (libertando garantias pessoais adstritas, designadamente dos Réus), liquidando o passivo junto da Autoridade Tributária e liquidando mais de metade do passivo junto da Segurança Social (que era de cerca de €600.000,00 e atualmente na ordem de €220.000,00 e em cumprimento e pagamento, mediante acordo vigente).
14. Foi impedida a requerida declaração de insolvência da sociedade.
15. Foi impedida a venda executiva de património da sociedade que havia sido penhorado, em face de cumprimento e extinção de execuções.
16. Após o falecimento do pai AA, o Réu CC deixou de ser gerente de direito (mas não de facto) a fim de intervir em processo judicial, enquanto testemunha, com a sociedade S... S.A. A Ré BB, pelo menos, ratificava os actos de gestão que a sociedade necessitava, sem nunca deixarem os Réus de controlar a actividade, os bens, as verbas, os trabalhadores.
17. As relações pessoais entre mãe e os irmãos foram-se deteriorando.
18. Em 2019, em assembleia geral, o Réu CC veio a ser nomeado novamente gerente de direito e o contrato de sociedade foi alterado para obrigar a sociedade com a assinatura de três gerentes para determinados actos, e a assinatura obrigatória da Ré BB para os demais.
19. Em Junho de 2020, o Réu CC recebeu diretamente € 2.780,00 referentes a trabalhos realizados para um cliente (C...), sem o entregar à sociedade posteriormente.
20. E exigiu ao funcionário encarregue da parte financeira/administrativa que emitisse recibos da sociedade relativos a essas quantias que havia recebido diretamente para entregar ao cliente, mas sem entregar as quantias por si recebidas à sociedade.
21. O que o referido funcionário recusou fazer.
22. Em 22 de Junho de 2020, perante a recusa do funcionário e do representante da Autora em emitir as referidas faturas, decidiu remover o computador onde era feito o processamento de salários, a emissão de faturas e demais gestão de tesouraria de toda a empresa, para local desconhecido, onde o manteve até data não concretamente apurada, mas antes do final de Setembro de 2020.
23. A sociedade, durante aquele período, por não ter cópia de reserva da base de dados, não teve acesso à informação nele constante (dados de clientes, faturação feita até ali, registo de salários, entre outros), tendo o sócio e gerente AA logrado suprir parcialmente a situação com um equipamento alternativo, mas sem acesso a alguns dados e elementos que constavam do computador levado da sociedade pelo Réu CC.
24. Em virtude da referida ação do 2.º Réu, a sociedade não logrou efetuar atempadamente as declarações obrigatórias à Segurança Social, o que originou os competentes procedimentos sancionatórios.
25. A sociedade tinha relação comercial bancária com a Caixa Económica Montepio Geral, então na agência da Rua ..., em ... (ora encerrada, sendo a relação mantida com a agência no Largo ...), designadamente conta bancária, cartão de débito e crédito, e contrato de factoring com esta instituição.
26. Em 2020, o Réu CC dirigiu-se às instalações da sociedade e dali levou, pelo menos, o computador de trabalho da funcionária DD, impedindo-a de dar continuidade ao seu trabalho.
27. Situação que foi resolvida.
28. Ainda em 2020, o Réu CC desmontou uma porta na sede da sociedade, que ainda hoje se encontra por repor.
29. São propriedade da sociedade e são utilizadas para exercício da sua atividade, seja para realizar obras, seja para alugar a terceiros uma máquina niveladora 120-H, uma escavadora, um bulldozer, uma máquina escavadora de rodas KAT M316-C, uma escavadora de rodas M318-D, uma carrinha Toyota Dyna vermelha, um trator CASE CDX ...., uma máquina ceifeira, um camião matrícula ..-..-XO, um outro camião MAN de 3 Eixos, ..-IQ-...
30. O representante da Autora viu-se na necessidade de alugar a terceiro um camião para cumprir o serviço que deveria ser efetuado com recurso ao camião que se encontrava carregado em ..., para frete de transporte e entrega na manhã do dia seguinte, na cidade ..., de uma ferramenta prensadora de lamas, pertença das Á....
31. Os Réus contactaram o TOC/a firma que faz a contabilidade da sociedade.
32. O TOC e respetivo gabinete de contabilidade renunciaram aos serviços prestados à D..., Lda., por factos que resultam da carta enviada em Fevereiro de 2020, onde o Sr. Dr. EE refere, além do mais, que:
“Ooutrosócio(AA)ligouenãosendooportunoatenderachamada,ligueiàs19h57mjáterminadaareunião,informeiquenãoatendiporqueestavaafalarcomosoutrosócios-gerentes.Nãomedeixouesclarecernadadoquetinhaacontecido,deimediatocomeçounovamentecomumdiscursoprovocatório,insultuosoedifamatório,emqueeunãoos“podiaterrecebidonomeuescritório”. Afirmouquenãoqueriamaisosmeusserviços,nãomepagavamaisnada,nemautorizavaquemefossefeitoqualquerpagamentonofuturo,queresolvesseosproblemascomosoutrossócios. DissequeiasolicitarosserviçosdecontabilidadeaoutroContabilistaesómevoltavaaligar,paraeulheentregarosdocumentosqueeutivessedaempresa“F...”. MantivesempreumdiálogocalmoecordialcomoAA,refutandotodasasacusaçõesdequeestavaaseralvoequenãoestavaasercorretocomigo.Perantetaisfactosqueconsidero,injustos,provocatórios,difamatórios,consideronãotermaiscondiçõesdedesenvolverosserviçosdecontabilistacertificado,quevinhaprestadoatodasasempresasdequeAAésócioegerente.:(…) SendoassiminformoquecessareifunçõesdeContabilistaCertificadonaAutoridadeTributáriaeOrdemdosContabilistasCertificadoapartirde01dejaneirode2020”.
33. O TOC/firma que fazia a contabilidade levou a cabo a emissão de nota de honorários finais e que foi ressarcido.
34. Os Réus comunicaram por carta a aceitação do reinício dos serviços contabilísticos do referido TOC/firma.
35. O Réu CC efectuou, pelo menos, obras:
a: C..., Lda.;
b. C..., Lda.,
c. Cooperativa Agrícola de ...; d. J... Unipessoal, Lda.;
e. Junta de Freguesia ...;
f. P..., Unipessoal, Lda.;
g. S... Unipessoal, Lda.; h. W... – Mediação Imobiliária, Lda.,
das quais o sócio-gerente CC recebeu directamente dos adjudicantes verbas que não deram entrada na sociedade, mas facturadas à mesma, tendo o Réu, nestas obras e outras, pago despesas, como combustível.
36. Em Setembro de 2021 e Novembro de 2021 (processos n.ºs 3540/21.... e 5214/21...., que correram termos por este Juízo de Comércio - Juiz ...) os Réus deram entrada de dois pedidos sucessivos para declaração de insolvência da sociedade D..., Lda.
37. O primeiro enquanto sócios-gerentes em representação da própria sociedade, e em sequência de deliberação social com oposição e explicitação pelo requerente de inexistência de qualquer situação de insolvência.
38. E o segundo na qualidade de sócios, invocando a qualidade de credores da sociedade.
39. O primeiro pedido veio a ser liminarmente rejeitado pelo tribunal por insuficiência de representação, não sem antes implicar a necessidade de defesa da sociedade pelo representante da Autora.
40. E no segundo os Réus desistiram do pedido em sede de audiência de julgamento.
41. Na referida audiência de julgamento, o Réu CC confessou que a sociedade não se encontrava em situação de insolvência.
42. A apresentação de um pedido de insolvência, coloca em causa a imagem da sociedade perante o mercado em face de alertas detidos nas plataformas de rating societários.
43. Os Réus não assinam os pedidos de emissão das licenças para proceder à renovação da licença especial dos veículos de transporte, as quais são necessários para que tais veículos possam legalmente circular e proceder ao transporte da maquinaria necessária às obras e trabalhos adjudicados, sendo que a recusa da assinatura de alguns documentos, por parte dos Réus, deve-se ao facto de exigirem o pagamento dos créditos de que são titulares para com a D..., Lda. em contrapartida.
44. A omissão de obrigação de apresentação de contas relativas aos anos de 2019 e 2020 ocorreu pela oposição dos Réus.
45. Em 19 de Janeiro de 2022 foi realizada assembleia geral da sociedade, além do mais, com a seguinte ordem de trabalho:
Prestação de informações e esclarecimentos aos sócios, considerando análise do serviço de assessoria contabilística e financeira acerca de contas, actividade, activo e passivo da sociedade, apresentação, discussão e deliberação e aprovação do relatório de contas dos exercícios dos anos de 2018 e 2020.
46. Na referida assembleia geral foi exarado, além do mais, que:
“Nosentidodeaberturadesessãoeiníciodetrabalhos,estandoemcondiçõesdedeliberarvalidamente,assumindoapresidênciaoDr.FFporosdemaisserecusaremapresidir,demodoapassaremaseranalisadosospontos1e2daordemdetrabalhos,ossóciospresentesCCeBBindicaramquenãoassinaramqualqueratasemapresençapessoal,equenãoporrepresentação,dosócio,AAequenãopermitiamquefosse disponibilizadoolivrodeatasparaostrabalhosaseremdesenvolvidos,equechamariamapolíciacasofosseprecisoparaoimpedir.” “EqueeraextremamenteimportanteeessencialqueascontasfossemaprovadasematademodoapoderemserregistadaseapresentadasasrespetivasdeclaraçõesfiscaisemfaltaesubstitutivasjuntodaAutoridadeTributária,demodoaregularizarasituaçãofiscalecomasmesmaslevaracorreçãodevaloresqueestavamasererradamenteeexcessivamenteimputadosàsociedade”. “OssóciosCCeBBindicaramnãocolocaremcausaotrabalhodoDr.EEeavalidadedoporesteapuradoeapresentado,equeasuaquestãonãoeraacorreçãodascontasapresentadas,masquenãoconcordavamcomalgunsatosdegestãopraticadospelogerenteAA,aindaquealiespelhados,masqueoqueriamconfrontardiretamente(…). OssóciosCCeBBdisseramaindaquenãoobstaculizavamàaprovaçãoecontas,queasaprovavam,masquenãoassinavamnadanestedia,poissóassinariamcomapresençadosócioAA. Equeaprovavamascontasnoutrodiaqualquer,masdeixavamaindicaçãodequenãoconcordavamcomasuagestão,quenãoeraemfavordasociedade,masemprejuízodeles,CCeBB. Peloqueapesardeseencontrarememcondiçõesdediscutireprocederavotaçãodeaprovaçãodasditascontasaquiemquestão,istoé,2019e2020,tendoemcontaotrabalhodoDr.EE,eonecessárioàsociedade,quenãoparticipariamemassinaturadequalquerdequalqueratadeassembleianestediaequefossemarcadooutrodiaqualquerdesdequecomapresençadosócioAAenãodeumseurepresentante. FoiaindaditopelosócioCCquetudoistoeradesnecessárioseosócioAAdesseacaraeaceitassedividiraempresaepatrimóniodeherança,tendopedidolistadebensdaempresaparaverificaçãoeavaliaçãoparapropostadedivisão,eescritopropostaparadivisãodebensdaherança. OrepresentantedosócioAAsolicitouossóciosCCeBBparaaproveitaremapresençadoDr.EEparaesclarecerqualquerdúvidaquetivessemquantoaoseutrabalhoedocumentosqueremeteu. Disseaindaqueeraessencialqueascontasfossemdefactoapreciadaseaprovadaspoisquealatênciadestasituaçãocausavaprejuízos,designadamenteperanteaAutoridadeTributária,perfeitamenteevitáveis,atéporqueasociedadetemopassivoperfeitamentecontrolado,enormementediminuídoaolongodosanos,decercade3milhõesde€paramenosde500mil€(enãocorrente),mantendo-seemcorreçãocomtodasasentidades,menoscomaAutoridadeTributária,emfunçãodesteimpasseabsurdocriado.TendoinclusivecréditodeIVAjuntodaATquenãofaziasentidoestaradarazoaincumprimentogratuitamente,obstaculizandoàcorreçãodaempresa.Equeasquestõesentreossóciosdeveriamserresolvidasfamiliarmenteoupormeiospróprios,quenãoera,emseuentendimento,opedidodeinsolvênciadeumaempresaperfeitamentecapaz,quegeriudificuldadesaolongodotempodemodoaganharfôlegoesaúdefinanceira,equeagoraestásaneada,ecumpridoracomasobrigações.Istoparaalémdeterumativovalioso,bemsuperioraoqueédevido.Quedeveriamfazerumesforçoparasepararáguassobreoqueéumaquezíliapessoalefamiliar,eoquedeveminimamenteserrespeitadoemdefesadaempresa. OsmesmosnãosuscitaramqualquerdúvidaàqueleereferenciadoquetinhamconfiançanotrabalhodoDr.EE,masquenãoconfiavameranosócioAAque,nosseusdizeres,osroubava. OrepresentantedosócioAAindicouquelevariaacaboarespetivaatadeassembleia,commençãoàposiçãodosócioAAnosentidodeconcordânciaaaprovaçãodascontasapresentadas,equeespelhavanoescritoaposiçãodossóciosCCeBBerecusaemassinarqualquerataquantoaoocorrido(…)”.
47. Em virtude da não aprovação das contas dos anos de 2019 e 2020 não foram atempadamente cumpridas as obrigações declarativas, o que poderia implicar a instauração dos procedimentos contraordenacionais por parte da Autoridade Tributária e ainda procedimento de apuramento de lucro tributável por recurso a métodos indirectos, que poderá não corresponder ao lucro real tributável apurado nos resultados contabilísticos.
48. As contas dos anos de 2019 e 2020 foram aprovadas na pendência da presente acção.
49. O Réu CC executou obras a favor da Junta de Freguesia ....
50. Correram inquéritos criminais no âmbito dos processos n.ºs 7/20.... e 6/21.... na Procuradoria do Juízo de Competência Genérica ..., um dos quais teve já termo por desistência de queixa.
51. Os factos descritos levados a cabo pelo Réu CC são do conhecimento da Ré BB.
52. A Ré BB desde sempre que procede à limpeza, arrumação e organização das instalações da D..., Lda. sita em ....
53. O Réu CC efectua trabalhos na prossecução do objecto social daquela, tendo entre 2014 e 2017 prestado trabalhos que serviram para pagar, designadamente, os leasings existentes na sociedade nessa data. 54. São feitas transferências bancárias da conta bancária da D..., Lda. para a conta bancária da esposa do requerente ou para outra com o IBAN ...09.
55. Foram adquiridos aproximadamente €15.000,00 de gasóleo em nome da D..., Lda., em 11.01.2022, gasóleo que foi entregue e que se encontra na Quinta ..., propriedade do sócio AA.
56. Foram adquiridos veículos, os quais se encontram estacionados na Quinta ....
57. A trabalhadora GG publicitou na rede social Facebook, na página “C...”, vagas de trabalho para empresa de construção civil em ... (local onde se situa a Quinta ...), indicando como contacto o email ....
58. A sociedade comercial R..., Lda. pertence ao sócio AA e à sua esposa, e tem o mesmo objecto social da D..., Lda.
59. O Réu CC não recebe o seu vencimento mensal desde Junho de 2020, o que perfaz, à data que foi apresentada a contestação, pelo menos, o montante de €30.999,16.
60. Encontra-se inscrito na matriz predial urbana, em ..., um imóvel figurando como titular o Réu CC.
61. O Réu CC continua a fazer trabalhos para a D..., Lda.
62. Como forma de pressão de, pelo menos, para o pagamento do seu vencimento, o Réu CC retirou o computador da mulher do sócio AA, tendo-o posteriormente entregue.
63. Foi comunicado ao Banco Montepio que a D..., Lda. se obriga com a intervenção de três gerentes.
64. Em consequência da deliberação da Assembleia Geral de nomeação para o cargo de gerente do Réu CC, e alteração da forma de obrigar a sociedade para três assinaturas, os Réus enviaram no dia 23.09.2020 uma comunicação ao Montepio Geral, mais concretamente ao seu Balcão sito na Fernão ..., Edifício... em ..., a solicitar a suspensão das contas, cartões de débito e crédito, ou outros activos, propriedade da D..., Lda., bem como, que agendassem uma reunião para a assinatura da documentação necessária para a alteração da forma de obrigar a referida sociedade junto do Montepio Geral, tendo tal sido enviado através de advogado.
65. O Montepio Geral não alterou as regras de movimentação e as condições da conta e dos cartões.
66. Em virtude do Montepio Geral, na pessoa do Dr. HH, trabalhador no Balcão da Ré sito na Fernão ..., Edifício... em ..., no dia 21.10.2020, ter recusado o fornecimento do extracto bancário aos aqui Réus, invocando que seriam necessárias três assinaturas, o Réu CC escreveu uma reclamação no Livro de Reclamações, onde denunciou o sucedido.
67. O Réu CC utilizou o veículo com a matrícula ..-..-XO, o veículo com a matrícula ..-IQ-.., a máquina niveladora 120-H e a escavadora do estaleiro.
68. A carrinha vermelha Toyota Dyna vermelha encontrava-se na sede da sociedade D..., Lda., mas está avariada e estragada.
69. O trator CASE CVX .... encontra-se num terreno propriedade dos sócios, sito em ... e uma máquina ceifeira, máquinas de agricultura está na sede da sociedade D..., Lda.
70. De acordo com declaração da Junta de Freguesia ..., esta “atualmentenãoadjudicaserviçosàempresaD...,Lda.,NIF...,comsedenaRua .........,devidoaofactodeestanãoapresentarprovadasuasituaçãoregularizadaperanteaAutoridadeTributáriaeAduaneiraeoInstitutodeGestãoFinanceiradaSegurançaSocial,I.P.”
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III – Fundamentação de Direito
Versam os autos e o presente recurso de revista sobre a exclusão de sócios duma sociedade por quotas, mais concretamente, sobre a exclusão dos RR. de sócios da A..
Exclusão de sócios que é um direito atribuído por lei ou pelo estatuto à própria sociedade, direito que, quanto às sociedades por quotas, está previsto nos artigos 241.º e 242.º do CSC, ou seja, além da exclusão do sócio por deliberação da sociedade (cfr. art. 241.º do CSC), a lei prevê, no art. 242.º do CSC, a exclusão do sócio por decisão judicial.
É justamente este último o caso dos autos/revista: não se invocam pois, como fundamento para a exclusão dos RR., factos que se encontrem especificados em disposições legais ou no contrato de sociedade (causas legais ou causas estatutárias de exclusão de sócios), mas “apenas” a causa legal genérica de exclusão de sócio contida (como cláusula geral) no art. 242.º/1, segundo a qual: “pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes”.
Temos pois, de acordo com tal art. 242.º/1 do CSC, que, para o sócio ser excluído, têm que ficar demonstrados comportamentos dos sócios que sejam qualificados ou como desleiais ou como gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade; e, além disso, têm tais comportamentos dos sócios que ter causado ou possam vir a causar à sociedade prejuízos relevantes.
Exclusão esta que, embora efetuada por via judicial (e não por deliberação dos sócios, como sucede, de acordo com o art. 246.º/1/c) do CSC, em relação às causas legais ou causas estatutárias), não prescinde de ser previamente decidida pelo órgão deliberativo interno, ou seja, de prévia deliberação tomada pela sociedade (como resulta expressamente do art. 242.º/2 e se extrai do art. 246.º/1/g) do CSC); deliberação essa que tem por objeto a proposição da ação e em que “não basta alegar, como fundamento da deliberação, de modo genérico, comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, devendo ser especificados os factos que podem receber tal qualificação, (…) [sendo] que tais factos limitam a causa de pedir da ação de exclusão, pois o representante da sociedade deve propor a ação com os fundamentos da deliberação e não outros, sobre os quais não tenha recaído a apreciação dos sócios”[1].
Sendo que, quanto ao prazo de que dispõe a sociedade para exercer o direito de excluir o sócio (deliberando a exclusão ou adotando a deliberação que dá azo à propositura da ação judicial), a lei é omissa, porém, deve entender-se, “por aplicação analógica do art. 241.º e sua remissão para o art. 234.º/2 do CSC, que a sociedade terá 90 dias, a contar do conhecimento dos factos por algum dos gerentes, para adotar a deliberação que desencadeia o processo de exclusão”[2]; sendo que a inobservância de tal prazo faz caducar o direito da sociedade a excluir o sócio.
Vem isto a propósito de observar que não foi seguido este iter (e prazo) na presente ação de exclusão, intentada (em 06/03/2022) sem previamente ter sido decidida pelo órgão deliberativo interno, órgão esse que apenas se pronunciou (após o tribunal ter explicitado que a falta de tal deliberação integrava o vício processual previsto no art. 29.º/1 do CPC) a favor da propositura da presente ação em 31/08/2022, sendo que os factos e comportamentos desleais e perturbadores do funcionamento da sociedade, atribuídos aos RR., haviam ocorrido, na sua maioria, nos anos de 2020 e 2021; circunstâncias estas que – não podendo a caducidade do direito de exclusão dos RR., por a mesma não ter sido suscitada, ser aqui conhecida/declarada[3] (estamos em matéria não excluída da disponibilidade das partes e que, por isso, não é de conhecimento oficioso-cfr. 333.º e 303.º, ambos do CPC) – não podem deixar de ser tidas em conta no momento de apreciar se o comportamento dos RR. impossibilita ou dificulta a prossecução do fim social, tornando inexigível que o sócio II suporte a permanência dos RR. na sociedade A..
Porque, no fundo e em síntese, é “apenas” disto que tratam os autos/revista: avaliar se os factos alegados/provados configuram comportamentos ou situações pessoais que impossibilitem ou dificultem a prossecução do fim social, que tornem inexigível que o sócio II suporte a permanência dos RR. na sociedade, avaliação em que entram todas as circunstâncias concretas da sociedade e o próprio modo como os comportamentos dos RR. ocorreram e a presente ação foi intentada.
Avaliação em que, antecipando desde já a conclusão, não podemos deixar de concordar com a apreciação constante do Acórdão recorrido.
Os comportamentos imputados aos RR. circunscrevem-se ao seguinte:
- Em Junho de 2020, o 2.º Réu recebeu 2.780,00 € de trabalhos realizados a um cliente e não entregou tal verba à sociedade, apesar de ter exigido ao funcionário encarregue da parte financeira/administrativa que emitisse recibo da sociedade relativo a tal quantia;
- Em Junho de 2020, perante a recusa de emissão de tal recibo, o 2.º Réu removeu o computador onde era feito o processamento de salários, a emissão de faturas e demais gestão de tesouraria de toda a empresa, para local desconhecido, onde o manteve até data anterior ao final de Setembro de 2020 (situação que privou a sociedade de ter acesso a dados de clientes, faturação, registo de salários e que impediu a sociedade de efetuar atempadamente as declarações obrigatórias à Segurança Social com os consequentes procedimento sancionatórios);
- Em 2020, o 2.º Réu, levou das instalações da sociedade o computador de trabalho de uma funcionária, impedindo-a de dar continuidade ao seu trabalho;
- Ainda o 2.º Réu, efetuou obras para diversas pessoas, recebendo verbas que não deram entrada na sociedade;
- Em 2021, deram ambos os Réus entrada a dois pedidos de insolvência da sociedade A., sendo que o primeiro (que apresentaram na qualidade de sócios-gerentes) foi liminarmente indeferido por insuficiência de representação (por ser necessária a assinatura dos três gerentes) e no segundo (que apresentaram na qualidade de sócios e credores) desistiram do pedido, reconhecendo o 2.º Réu na respetiva audiência, que a sociedade não se encontrava em situação de insolvência;
- Em 19/01/2022, não aprovaram os Réus as contas relativas aos anos de 2019 e 2020 – entretanto aprovadas – por não concordarem com alguns atos de gestão do sócio-gerente II e o pretenderem confrontar presencialmente com os mesmos (não aprovação que foi prejudicial para a sociedade autora, na medida em levou ao incumprimento das obrigações declarativas desta e teve como resultado que a mesma deixasse de conseguir contratos com entidades públicas).
Tendo também ficado provado que:
- São feitas transferências bancárias da conta bancária da D..., Lda. para a conta bancária da esposa do sócio AA;
- Foram adquiridos aproximadamente €15.000,00 de gasóleo em nome da D..., Lda., em 11.01.2022, gasóleo que foi entregue e e que se encontra na Quinta ..., propriedade do sócio AA.
- A sociedade comercial R..., Lda. pertence ao sócio AA e à sua esposa e tem o mesmo objeto social da D..., Lda.
- O Réu CC não recebe o seu vencimento mensal desde Junho de 2020, o que perfaz, à data que foi apresentada a contestação, pelo menos, o montante de €30.999,16.
- Foi como forma de pressão para o pagamento do seu vencimento que o Réu CC retirou o computador, tendo-o posteriormente entregue.
E estando igualmente assente que
A Autora é uma sociedade de que são sócios a mãe (BB, com uma quota de € 28.500,00) e os filhos CC (com uma quota de € 22.500,00) e AA (com uma quota de € 22.500,00); sendo todos eles titulares de uma quota sem determinação de parte ou direito no valor nominal de €76.500,00 (quota herdada após o falecimento, em 2012, do marido e pai, AA); e sendo todos eles gerentes.
Perante tais factos, e sem prejuízo dos mesmos configurarem comportamentos dos desleais e perturbadores da vida da sociedade, é evidente que não são suficientes para ditar as exclusões dos RR. da sociedade A. (muito especialmente, no que diz respeito à R. BB).
Como refere Carolinha Cunha (CSC em Cometário, Vol. III, pág. 595), “(…) na dinâmica da cláusula geral do art. 242.º/1, os factos relevantes restringem-se a certas condutas dos sócios – condutas em si mesmas já passíveis de um juízo de desvalor, quer por violarem princípios de lealdade, quer por entravarem o funcionamento da sociedade. Mas somos de opinião que a nota essencial, aquela que, no seio do tipo sociedade por quotas, confere sentido à opção legislativa pela prevalência do interessa da sociedade e que alicerça a concomitante inexigibilidade da permanência do sócio, reside no prejuízo, atual ou potencial, que tais condutas provocam. Na ausência de prejuízo, o desvalor contido no comportamento dos sócios não bastará para fundar a respetiva exclusão.”
E como identicamente se sustenta no Acórdão deste STJ de 15/02/2005 a exclusão do sócio não visa sancionar o sócio pelo seu comportamento, mas sim proteger a sociedade dos danos que o seu comportamento possa causar a exercício da atividade social, pelo que “ (…) o instituto da exclusão de sócio encontra fundamento na proteção do fim do contrato de sociedade (…) [e] justifica-se quando o interesse social é posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social”.
Sucedendo – concorda-se com o Acórdão recorrido – que não ficou provado que os factos/comportamentos dos RR. tenham causado ou possam vir a causar à A. prejuízos relevantes.
Quanto à não aprovação das contas de 2019 e 2020: atento a razão que levou os RR. a não aprovar as contas (apenas o facto de o outro sócio não estar fisicamente presente na AG e não poderem assim confrontá-lo presencialmente com a sua gestão), pode dizer-se, não podendo ignorar os RR que a não aprovação das contas levava ao incumprimento de obrigações fiscais, que votaram sem cuidar do interesse social, assim violando o dever de lealdade em relação à sociedade, porém, ignoram-se de todo os concretos prejuízos que daí resultaram para a sociedade.
Quanto aos pedidos de insolvência formulados: a dedução de pedidos de insolvência configura a difusão de “opiniões” negativas sobre a solidez financeira da sociedade, pelo que, não existindo a situação de insolvência e sabendo-o o sócio/requerente, há uma evidente deslealdade do sócio que deduz tais pedidos, porém, ainda que assim tenha ocorrido (e que os RR. não tenham atuado com a devida diligência para apurar se a A. estava ou não em situação de insolvência), ignoram-se também de todo os concretos prejuízos que daí resultaram para a sociedade (e os processos de insolvência até terão tido curta duração: o primeiro, foi liminarmente rejeitado e, no segundo, os RR. desistiram do pedido em audiência).
Quanto à retirada de dois computadores pelo 2.º R.: face à globalidade dos factos – e sem prejuízo da perturbação causada ao funcionamento da sociedade – não parece ter havido intenção de apropriação; e, em relação ao computador onde era feito o processamento de salários, a emissão de faturas e demais gestão de tesouraria de toda a empresa, apenas sabemos que a A. não logrou efetuar atempadamente as declarações obrigatórias à Segurança Social, o que originou os competentes procedimentos sancionatórios, porém, não sabemos – não foi sequer alegado – quais foram as sanções concretamente aplicadas e suportadas pela A..
Quanto ao recebimento de quantias pelo 2.º R.: como é evidente, a apropriação ilícita de bens sociais constitui um comportamento desleal, porém, aqui, de concreto apenas se provou a apropriação/prejuízo de 2.780,00 € – para além do valor de tais 2.780,00 €, a que alude o ponto 19 da matéria de facto, desconhecem-se os restantes valores que o 2.º Réu recebeu e não entregou à sociedade – e este valor não é, só por si, um prejuízo relevante.
Enfim, a exclusão de sócio, de acordo com a cláusula geral do art. 242.º/1 do CSC, só é permitida como última ratio e quando a exclusão se mostre necessário para que os restantes sócios prossigam normalmente a atividade social, sendo de todo evidente que os factos alegados/provados não configuram fundamento suficiente para excluir os RR. de sócios da A.
Em relação à 2.ª R. – a quem, tendo em vista a sua exclusão de sócia, se atribui ter conhecimento dos factos levados a cabo pelo 1.º R. – o pedido exclusão é mesmo algo temerário (terá servido, admite-se, para a impedir de votar a deliberação de exclusão-cfr. art. 251.º/1/d) do CSC).
Ademais, olhando à globalidade dos factos, constata-se que as deslealdades nem serão um exclusivo dos RR. – como, designadamente, resulta do facto do sócio que aprovou a destituição dos RR., o sócio-gerente AA, ser titular, com a esposa, de uma sociedade comercial com o mesmo objeto social da A. – o que, naturalmente, recomenda uma apreciação das deslealdades dos RR. com alguma flexibilidade.
E estando também em causa, na exclusão de sócio (duma sociedade por quotas), comportamentos do sócio que tornem inexigível que os restantes sócios suportem a permanência daquele na sociedade, também não podemos deixar de considerar como em discrepância com tal “inexigibilidade” a circunstância do sócio que aprovou a destituição dos RR., o sócio gerente AA, ter deixado passar mais de um ano sobre a maior parte dos comportamentos em que agora, nesta ação, vem fundar os pedidos de exclusão dos dois restantes sócios da A. (a sua mãe e o seu irmão).
É quanto basta para confirmar o Acórdão recorrido e julgar a revista totalmente improcedente.
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IV - Decisão
Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o Acórdão recorrido.
Custas, neste STJ e nas Instâncias, pela A..
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Lisboa, 31/05/2023
António Barateiro Martins (Relator)
Luís Espírito Santo
Ana Resende
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[1] Raul Ventura, Sociedade por Quotas, Vol. II, pág. 62.
[2] Carolina Cunha – CSC em Cometário, Vol. III, pág. 594 [3] O que, claro, a poder ser conhecida/declarada, só poderia ocorrer após o devido cumprimento do princípio do contraditório (art. 3.º/3 do CPC).