RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PLURALIDADE DE QUESTÕES DE DIREITO
EXTEMPORANEIDADE
REJEIÇÃO
Sumário


I. Não é pelo facto do recorrente referir que pretende corrigir o recurso anterior, ou que houve um lapso/deficiência no anterior recurso, apelando a regras do CPC que, aqui são inaplicáveis, que passa então a poder ignorar o que foi decidido no acórdão do STJ de 18.01.2013 sobre esse recurso e, de forma habilidosa, apresenta então dois recursos, separando as duas questões que apresentara conjuntamente no recurso de fixação de jurisprudência que deu causa ao referido acórdão do STJ.
II. E, para além do recorrente não poder ignorar a variada jurisprudência deste STJ sobre a matéria decidida no ac. de 18.01.2023 (não podendo sequer colocar-se a questão de haver qualquer convite para corrigir o recurso anterior, como argumenta, para melhor construir a sua tese que é contra a lei), também não podia supor que não lhe era aplicável o disposto no art. 438.º, n.º 1, do CPP, criando uma argumentação artificiosa para, estabelecer para si um prazo diferente, em fraude à lei, precisamente àquele dispositivo legal (art. 438.º, n.º 1, do CPP), privativo deste recurso extraordinário.
III. Ora, sendo o acórdão recorrido proferido em último lugar de 6.04.2022 (recurso de revisão), transitado em julgado em 11.07.2022, é manifesto que tendo os dois recursos incluídos no apenso C, aqui em apreciação entrado em 6.02.2023, já há muito se mostra ultrapassado o prazo de 30 dias aludido no art. 438.º, n.º 1, do CPP, pelo que são manifestamente extemporâneos, impondo-se a rejeição dos recursos extraordinários ora em apreciação.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça







I. Relatório




1. O arguido AA veio em 06.02.2023 interpor dois recursos extraordinários para fixação de jurisprudência (referências n.º ...32 e ...55), nos termos dos artigos 437.º, n.ºs. 1, 3, 4 e 5 e 438.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPP, alegando que o fazia por ter sido rejeitado o recurso para fixação de jurisprudência que anteriormente interpusera (acórdão do STJ de 18.01.2023), por (em resumo) “não ser viável peticionar, no mesmo recurso extraordinário, a fixação de jurisprudência relativamente a mais do que uma questão de direito” e, não havendo no CPP, convite ao aperfeiçoamento do requerimento que anteriormente interpusera, vinha ao abrigo do art. 4.º do CPP, socorrendo-se dos arts. 590.º, n.º 1 e 560.º do CPC, proceder à separação das duas questões anteriormente apresentadas (e que foram objeto do acórdão de rejeição de 18.01.2023), corrigindo-as para uma questão por recurso, que formulava dentro dos 10 dias subsequentes à aludida rejeição (resultante do dito ac. de 18.01.2023), atenta a importância da questão apresentada e que a mesma voltava a ser apresentada, para a realização da justiça e descoberta da verdade, considerando que este é um direito que lhe assiste, no âmbito do direito ao recurso e à tutela jurisdicional efetiva, prevista no art. 20.º da CRP, tendo igualmente em atenção a importância e a finalidade da uniformização da jurisprudência (v.g. para evitar a propagação de distintas interpretações e obstar ao erro de direito judiciário pela ordem jurídica).





2.1. Para o efeito, nas conclusões do recurso com a referência n.º ...32 apresentou os seguintes fundamentos (transcrição sem sublinhados, nem negritos):


1ª) Por sentença proferida nos autos principais que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais - foi ora Recorrente condenado pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de usura qualificada, previsto e punível pelo art. 226º, nº 1 e nº 4, alínea b), do Código Penal, numa pena de dois anos (2) e nove (9) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo e sujeita ao cumprimento de determinadas condições, condições estas que o ora Recorrente veio a cumprir.


2ª) Tal sentença veio a transitar em julgado em 26 de Janeiro de 2017 cfr. certidão junta sob doc. nº 1 com o recurso extraordinário de revisão, aqui se dá por reproduzida, para todos os efeitos legais, cujo Código de Acesso é o seguinte: 5KNB-5IZX-EIQI-3X37.


3ª) Decorrido o prazo de suspensão da execução da pena em que havia sido condenado e cumpridas que se encontravam, à data, todas as condições que lhe haviam sido impostas, veio a ser declara extinta tal pena, pelo seu cumprimento, por despacho proferido em 8 de Janeiro de 2020, a fls. dos autos principais.


Acontece que


4ª) Pretendendo o arguido, ora Recorrente, ver reconhecida a injustiça da sua condenação, a revisão da mesma e a subsequente prolação uma sentença absolutória, com os demais efeitos decorrentes da lei interpôs, em 23 de Maio de 2021, RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO - o que fez nos termos e ao abrigo das disposições dos arts. 449º e seguintes do Código de Processo Penal,


5ª) Sendo fundamentos de tal recurso não só o da alínea c) do nº 1 do art. 449º daquele diploma legal, ou seja, “os factos que servirem de fundamentos à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”,


6ª) Como o da alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do mesmo diploma legal, isto é “Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação” (sublinhado nosso).


7ª) Em primeiro lugar, entendia o Recorrente ser este o caso entre os factos provados na sentença revidenda e aqueloutros, provados no âmbito do processo de execução nº 16620/08.2YYLSB, os quais vieram a correr termos no Juízo de Execução ..., Juiz ..., aí tendo sido proferida sentença transitada em julgado em 26 de Janeiro de 2016 (cfr. certidões do processo nº 16620/08.2YYLSB-B juntas sob docs. nº 2, 3 e 4 ao recurso de revisão, com menção de trânsito e julgado, reportado aquela data, com os códigos de acesso FGET-817G-E2RH-8860, H8WW7- B3EI-HT3Z-F2KC e PHUL-D1OPQZU2-UG7A - que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais ).


De facto


8ª) Entendia o então - como agora - Recorrente, configurar como fundamento do recurso de revisão por si nos termos ao abrigo do disposto no art. 449º, nº 11, alínea c) do Código de Processo Penal, a sentença proferida em 10 de Setembro de 2014, pela então ... secção de Execução Juiz ..., da Instância Central ... da Comarca de Lisboa, no âmbito dos autos de oposição à execução nº 16620/08.2YYLSB-B, transitada em julgado em 26 de Janeiro de 2016 - que aqui, mais uma vez, se dá por reproduzida para todos os efeitos legais - na medida quem, na mesma, em seu entender, teriam sido dados por provados factos total e absolutamente inconciliáveis com os dados como provados na sentença revidenda, desta oposição resultando, de forma hialina, graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


Sucede que


9ª) Não foi esse o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão proferido em 6 de Abril de 2022 veio a julgar improcedente o recurso de revisão intentado pelo ora Recorrente.


10ª) Com esta decisão não se conformou o arguido/condenado, dela interpondo recurso para o Tribunal Constitucional, tendo vindo a ser proferido, em 24 de Junho de 2022 o Acórdão nº 463/2022, notificado ao ora Recorrente em 30 de Junho de 2022, transitando o mesmo a 11 de Julho de 2022, e, em consequência, o supramencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.


Ora


11ª) O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 6 de Abril de 2022, proferido nos presentes autos na sequência do Recurso de Revisão e o acórdão, de igual modo do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 17 de Janeiro de 2019 no âmbito do processo nº 209/17.8VVD-A.S1, transitado em julgado em 31 de Janeiro de 2019, disponível para consulta em www.dgsi.pt - cuja certidão ora a se junta e aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais - o primeiro, da 3ª Secção deste Tribunal, o segundo, da 5ª Secção do Supremo, decidiram de forma diametralmente oposta a mesma questão de direito, e isto no domínio da mesma legislação (ou seja, sem que tenha ocorrido qualquer modificação legislativa entre a prolação do primeiro e a do segundo).


Com efeito


12ª) Neste último decidiu o Supremo Tribunal de Justiça que, para que se verifique o fundamento da alínea c) do nº 1 do art. 449º do Código de Processo Penal não é necessário que aos factos dados por provados numa e noutra sentença se reportem, em ambos os casos, a sentenças penais, podendo verificar-se essa oposição entre uma sentença penal e uma sentença cível.


13ª) Ou, dito de outra forma:”a sentença inconciliável com a sentença condenatória não tem que ser penal, podendo ser de natureza cível ou outra, e pode relevar quer tenha sido proferida antes ou depois desta. Condição é que tenha transitado em julgado”.


14ª) Já no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 6 de Abril de 2022 entendeu este Tribunal Superior que tal oposição só pode resultar do confronto entre duas decisões sentenças ou acórdãos - criminais.


Na verdade


15ª) No âmbito do Recurso de Revisão interposto pelo ora Recorrente, chamada a emitir parecer nos termos do art. 454º do Código de Processo Penal, aduziu a Meritíssima Juiz do Tribunal de Primeira Instância a seguinte argumentação:


“Por sentença transitada em julgado em 26/01/2017, AA foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de usura qualificada, previsto e punido pelo art. 22º, nº 1 e nº 4, alínea b), do Código Penal, numa pena de 2 anos e 9 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período subordinada a condições.


Vem agora o condenado AA interpor recurso extraordinário de revisão com fundamento no disposto no artigo 449º, nº 1, alínea c) e d), do Código de Processo Penal, alegando para tanto e em síntese que a sentença condenatória incorreu em erro judiciário pelos factos que julgou demonstrados, tendo igualmente sido demonstrados e não demonstrados factos inconciliáveis com outros que foram julgados provados por sentença proferida em 10 de Setembro de 2014 no processo executivo n.º 16620/08.2YYLSB-B, a correr termos na ... secção de ... – Juiz ... da Instância Central ... ( negrito e sublinhado nossos)


(…)


Relativamente à sentença proferida no processo executivo n.º 16620/08.2YYLSB-B, a correr termos na ... secção de ... – Juiz ... da Instância Central ..., verificamos que a mesma respeita a processo executivo (e não criminal), proferida com regras probatórias distintas das que se aplicam em sede de processo crime, tendo tal decisão sido proferida em 10 de Setembro de 2014 (logo em data anterior à decisão condenatória proferida nos presentes autos – proferida em 2 de Julho de 2015).”


16ª) Por tais razões - uma sentença ter sido proferida no âmbito de um processo executivo, com regras probatórias distintas das que se aplicam em processo-crime e em data anterior à decisão proferida no processo-crime, e outra ter sido proferida no âmbito de um processo-crime - foi de parecer aquela Ilustre Magistrada não ser aquela incompatível com esta, não se verificando o pressuposto do art. 449º, nº 1, alínea c) do CPP,


17ª) Entendimento este que foi acolhido e reproduzido pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do seu acórdão proferido em 6 de Abril de 2021 (cfr. fl. 47, in fine deste mesmo acórdão).


Acontece que


18ª) A sentença inconciliável com a sentença condenatória não tem de ser penal, podendo ser de natureza cível ou outra e pode relevar quer tenha sido proferida antes ou depois desta, sendo apenas condição essencial que tenha transitado em julgado - como decidido no acórdão fundamento (o supra mencionado Acórdão proferido em 17 de Janeiro de 2019 pela 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo nº 209/17.8T8VVD-A.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt ) - nesse sentido devendo ser fixada agora jurisprudência, o que se requer.


Termina pedindo que seja admitido o presente RECURSO DE EXTRAORDINÁRIO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, e, em consequência, seja o mesmo remetido ao Pleno das Secções do Supremo Tribunal de Justiça, seguindo-se os demais termos até final.


2.2. Por sua vez, nas conclusões do recurso com a referência n.º ...55 apresentou os seguintes fundamentos (transcrição sem sublinhados, nem negritos):


1ª) Por sentença proferida nos autos principais que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais - foi ora Recorrente condenado pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de usura qualificada, previsto e punível pelo art. 226º, nº 1 e nº 4, alínea b), do Código Penal, numa pena de dois anos (2) e nove (9) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo e sujeita ao cumprimento de determinadas condições, condições estas que o ora Recorrente veio a cumprir


2ª) Tal sentença veio a transitar em julgado em 26 de Janeiro de 2017 cfr. certidão junta sob doc. nº 1 com o recurso extraordinário de revisão, aqui se dá por reproduzida, para todos os efeitos legais, cujo Código de Acesso é o seguinte: 5K...B-5IZX-EI...I-3X37.


3ª) Decorrido o prazo de suspensão da execução da pena em que havia sido condenado e cumpridas que se encontravam, à data, todas as condições que lhe haviam sido impostas, veio a ser declara extinta tal pena, pelo seu cumprimento, por despacho proferido em 8 de Janeiro de 2020, a fls. dos autos principais.


Acontece que


4ª) Pretendendo o arguido, ora Recorrente, ver reconhecida a injustiça da sua condenação, a revisão da mesma e a subsequente prolação uma sentença absolutória, com os demais efeitos decorrentes da lei interpôs, em 23 de Maio de 2021, RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO - o que fez nos termos e ao abrigo das disposições dos artºs. 449º e seguintes do Código de Processo Penal,


5ª) Sendo ainda fundamento de tal recurso o da alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do mesmo diploma legal, isto é, “se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação” (sublinhado nosso).


Sucede que


6ª) Entendeu desde logo o Tribunal de Primeira Instância que, pelo facto de a mesma já ter sido arrolada e posteriormente prescindida em sede de audiência de julgamento, não configurava um novo meio de prova, não integrando o conceito do art. 449º, nº 1, alínea d) do CPP.


7ª) Já o Supremo Tribunal de Justiça, começando por admitir a divergência jurisprudencial que se verifica relativamente a esta questão - elencando uma série de acórdão proferidos por esta Alta Instância num e noutro sentido (cfr. fls. 48, 49 e 50 do acórdão proferida a 6 de Abril de 2022),


8ª) Acaba por concordar com o entendimento do Tribunal de Primeira Instância - e, admite-se, de muito jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça - no sentido de só poder ser considerado um novo meio de prova aquele que era ignorado pelo recorrente ao tempo do julgamento, não podendo, por essa razão ser apresentado e apreciado neste (cfr. fls. 51 do acórdão recorrido).


Porém


9ª) Facto é que existe jurisprudência, de igual modo do Supremo Tribunal de Justiça noutro sentido no sentido que nos parece o mais correto e o mais conforme com a vontade do legislador como é o caso do acórdão fundamento, cuja certidão ora se junta e aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, proferido em 17 de Janeiro de 2019 pela 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo nº 209/17.8T8VVD-A.S1, transitado em julgado em 31 de Janeiro de 2019 e disponível para consulta em www.dgsi.pt ou seja, que pode e deve ser considerado novo facto ou novo meio de prova aquele relativamente ao qual, pese embora conhecido pelo recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura (cfr. De igual modo os ACS. Do STJ de 17/10/2021, proferido no âmbito do processo 2132/10.8TAMAI-C.S1 da 3ª Secção e de 20/11/2014, proferido no âmbito do processo nº 113/06.3GCMMN-A.S1 da 5ª Secção, ambos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt).


10ª) Termos em que deverá ser neste sentido que deverá agora ser fixada jurisprudência, com as legais consequências.


Termina pedindo que seja admitido o presente RECURSO DE EXTRAORDINÁRIO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, e, em consequência, seja o mesmo remetido ao Pleno das Secções do Supremo Tribunal de Justiça, seguindo-se os demais termos até final.





3. Não houve resposta do MP junto do tribunal da condenação.





4. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, o Sr. PGA emitiu douto parecer no sentido de serem  manifestamente extemporâneos os recursos extraordinários interpostos pelo recorrente, ainda que sob a capa de se tratarem de uma correção do recurso anterior ou da sanação de um lapso de escrito e que, se estava perante procedimento perfeitamente anómalo, inadmissível por ser uma tentativa de contornar o prazo ultrapassado de interposição deste recurso extraordinário, o que era uma fraude à lei processual, para além de (se assim não se entendesse) também faltava a verificação do requisito material, ou seja, da oposição de julgados.


E, por isso, em síntese, concluiu pela rejeição do recurso, uma vez que:


É extemporânea a interposição dos presentes recursos para fixação de jurisprudência;


Liminarmente, é manifesto que entre os acórdãos recorrido e fundamento que o recorrente pretende indicar em requerimento rectificativo não é viável extrair qualquer relação de oposição quanto à matéria neles julgada, equivalendo à falta de indicação.





5. Na resposta ao Parecer, o recorrente discordando da posição sustentada pelo Sr. PGA, manteve a sua argumentação já apresentada nos dois recursos agora em apreciação.





6. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, incumbe, agora, decidir da admissibilidade ou rejeição destes recursos extraordinários (art. 441.º do CPP).





II. Fundamentação


7. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem por finalidade a obtenção de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça que fixe jurisprudência, “no interesse da unidade do direito”, resolvendo o conflito suscitado (art. 445.º, n.º 3, do CPP), relativamente à mesma questão de direito, quando existem dois acórdãos com soluções opostas, no domínio da mesma legislação, assim favorecendo os princípios da segurança e previsibilidade das decisões judiciais e, ao mesmo tempo, promovendo a igualdade dos cidadãos.


O que se compreende, até tendo em atenção, como se diz no ac. do STJ n.º 5/2006, publicado no DR I-A Série de 6.06.2006, que «A uniformização de jurisprudência tem subjacente o interesse público de obstar à flutuação da jurisprudência e, bem assim, contribuir para a certeza e estabilidade do direito.»


Ora, a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende do preenchimento de requisitos formais e de requisitos materiais, que se extraem dos artigos 437.º e 438.º do CPP.


 Assim, a jurisprudência deste Tribunal tem entendido, como é clarificado em variada jurisprudência[1], que são requisitos formais, a legitimidade do recorrente, a tempestividade da interposição do recurso (prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido), a identificação do acórdão fundamento (com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição), incluindo se tiver sido publicado, o lugar da publicação e o trânsito em julgado do acórdão fundamento e, por sua vez, são requisitos materiais, que os dois acórdãos respeitem à mesma questão de direito, tenham sido proferidos no “domínio da mesma legislação”, “assentem em soluções opostas”, partindo de idêntica situação de facto, importando que as decisões em oposição sejam expressas.


Quanto a estes últimos dois requisitos, a saber, que sejam proferidas “soluções opostas a partir de idêntica situação de facto e que as decisões em oposição sejam expressas”, assinala-se no acórdão do STJ de 21.10.2021 citado, que “constitui jurisprudência assente deste Supremo Tribunal que só havendo identidade de situações de facto nos dois acórdãos é possível estabelecer uma comparação que permita concluir, quanto à mesma questão de direito, que existem soluções jurídicas opostas, bem como é necessário que a questão decidida em termos contraditórios seja objeto de decisão expressa, isto é, as soluções em oposição têm de ser expressamente proferidas (ac. STJ 30.01.2020, proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1, 5.ª, ac. STJ 11.12.2014, proc. 356/11.0IDBRG.G1-A.S1, 5.ª), acrescendo que, de há muito, constitui também jurisprudência pacífica no STJ que a oposição de soluções entre um e outro acórdão tem de referir-se à própria decisão, que não aos seus fundamentos (ac. STJ 30.01.2020, proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1, 5.ª, ac. de 13.02.2013, Proc. 561/08.6PCOER-A.L1.S1).”





8. Posto isto, vejamos se, neste caso concreto, estão ou não preenchidos todos os requisitos acima apontados.


Assim.


Apesar do procedimento anómalo de, no mesmo processo, serem juntos dois recursos extraordinários de fixação de jurisprudência, que no tribunal da condenação foram objeto da mesma tramitação (portanto, nem sequer foram objeto de tramitação em processos autónomos), também a mesma atividade “aberrante” é bem patente e continuada quando, o recorrente/arguido pretende reagir, como claramente refere, ao acórdão deste STJ de 18.01.2023, que rejeitou o seu anterior recurso de fixação de jurisprudência que interpusera em 25.09.2022, invocando agora que o fazia (através de dois recursos separando as duas questões que anteriormente apresentara e que não foram admitidas em conjunto no ac. de 18.01.2023), corrigindo a petição de recurso anterior (por não haver no CPP, convite ao aperfeiçoamento do requerimento que anteriormente interpusera), o que fazia ao abrigo do art. 4.º do CPP e dos arts. 590.º, n.º 1 e 560.º do CPC, dentro dos 10 dias subsequentes à aludida rejeição (resultante do dito ac. de 18.01.2023), atenta a importância da questão apresentada, entendendo que devia voltar a ser apresentada, para a realização da justiça e descoberta da verdade, considerando que era um direito que lhe assistia e cabia no âmbito do direito ao recurso e à tutela jurisdicional efetiva, prevista no art. 20.º da CRP, tendo igualmente em atenção a importância e a finalidade da uniformização da jurisprudência.


Ora, se o que o recorrente pretendia reagir contra o decidido no ac. do STJ de 18.01.2023, a via que escolheu, tendo em atenção o teor dos dois recursos extraordinários para fixação de jurisprudência (referências n.º ...32 e ...55) que interpôs, não foi a adequada.


Não é pelo facto do recorrente referir que pretende corrigir o recurso anterior, ou que houve um lapso/deficiência no anterior recurso, apelando a regras do CPC que, como bem diz o Sr. PGA, aqui são inaplicáveis, que passa então a poder ignorar o que foi decidido no acórdão do STJ de 18.01.2023 e, de forma habilidosa, apresenta então dois recursos (referências n.º ...32 e ...55), separando as duas questões que apresentara conjuntamente no recurso de fixação de jurisprudência que deu causa ao referido acórdão do STJ de 18.01.2023.


E, para além do recorrente não poder ignorar a variada jurisprudência deste STJ sobre a matéria decidida no ac. de 18.01.2023 (não podendo sequer colocar-se a questão de haver qualquer convite para corrigir o recurso anterior, como argumenta, para melhor construir a sua tese que é contra a lei), também não podia supor que não lhe era aplicável o disposto no art. 438.º, n.º 1, do CPP, criando uma argumentação artificiosa para, estabelecer para si um prazo diferente, em fraude à lei, precisamente àquele dispositivo legal (art. 438.º, n.º 1, do CPP), privativo deste recurso extraordinário (argumentação do recorrente que não tem base legal, quando invoca que está simplesmente a corrigir o recurso de fixação de jurisprudência anterior, que deu origem ao ac. do STJ de 18.01.2023, ignorando a decisão deste, e pretendendo contar o prazo dos dois novos recursos que apresenta separando as questões, que foram o motivo da rejeição do recurso extraordinário anterior, desde a notificação do mesmo acórdão de 18.01.2023, passando a contar 10 dias, porque trata ou denomina, erradamente, toda a sua atuação como uma “correção” do recurso anterior, como se essa sua denominação fosse “lei” ou fosse “vinculativa”, que não é).


Ora, sendo o acórdão recorrido proferido em último lugar (conforme apenso A) de 6.04.2022 (recurso de revisão), transitado em julgado em 11.07.2022, é manifesto que tendo os dois recursos (referências n.º ...32 e ...55) incluídos no apenso C, aqui em apreciação entrado em 6.02.2023, já há muito se mostra ultrapassado o prazo de 30 dias aludido no art. 438.º, n.º 1, do CPP.


E, como muito bem conclui o Sr. PGA, “abstraindo da questão da eventual violação do caso julgado formal sobre a decisão de rejeição, pois o que recorrente pretende é ressuscitar a peça recursória anterior, cujo desígnio processual viu o seu fim com aquela decisão”, isto é, com o ac. do STJ de 18.01.2023.


É, pois, manifesto que são extemporâneos os recursos (referências n.º ...32 e ...55) incluídos neste apenso C, aqui em apreciação.


Como é evidente a decisão de admissão dos recursos pelo tribunal da condenação não vincula o tribunal superior (art. 414.º, n.º 3, do CPP).


Assim, sempre se impõe a rejeição dos recursos extraordinários ora em apreciação (visto o disposto no art. 438.º, n.º 1 do CPP), por ser manifesto que foram interpostos pelo arguido muito para além do prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, falecendo, assim, um dos pressupostos formais para a sua admissibilidade (art. 441.º, n.º 1, 1ª parte, do CPP).



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III - Decisão


Pelo exposto, acorda-se em rejeitar os recursos extraordinários para fixação de jurisprudência ora em apreciação interpostos pelo arguido AA.


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs (art. 513.º, n.º 1 e n.º 3 do CPP e tabela III do RCP), a que acresce, nos termos dos arts. 420.º, n.º 3 e 448.º, ambos do CPP, o pagamento de 9 UCs.



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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.



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Supremo Tribunal de Justiça, 11.07.2023


Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)


Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)


Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Adjunto)


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[1] Entre outros, Ac. do STJ de 21.10.2021, proferido no proc. n.º 613/95.0TBFUN-A.L1-C.S1 (relatado por António Gama), consultado no site da dgsi.