Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ADOÇÃO RESTRITA
SUCESSÃO
ALTERAÇÃO LEGISLATIVA
Sumário
I – A Lei 143/2015, de 08 de Setembro, alterou diversas normas do Código Civil, retirando completamente a figura da adopção restrita, permanecendo tão só a da adopção. II – Permanecem, todavia, incólumes efeitos substantivos do vínculo de adopção restrita ocorrida anteriormente. III – O adoptado restrito mantém a sua qualidade de sucessível legítimo do adoptante.
Texto Integral
ACORDÃO NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES PROCESSO 319/22.0T8PTL.G1 Relatora: Raquel Rego 1º Adjunto: Anizabel Sousa Pereira 2º Adjunto: Conceição Sampaio I – RELATÓRIO
AA intentou a presente ação declarativa comum contra BB pedindo que seja reconhecida, a si e aos seus primos, a qualidade sucessória da herança de CC, enquanto parentes colaterais do 4.º grau. Que, em consequência, seja declarada a restituição de todos os bens da herança, contra quem os possua como herdeiro, nomeadamente, contra o adoptado restrito, aqui réu. Para tanto sustenta que, por a aludida de cujus não ter deixado nem cônjuge, nem descendentes nem ascendentes, é o autor, por ser seu primo, e em conjunto com os demais primos que identifica, o herdeiro dos bens que deixou por morte. O réu contestou defendendo ser o único herdeiro da falecida CC, em decorrência de ter sido restritamente adoptado por ela e seu decesso marido. Os autos foram julgados em sede de despacho saneador, tendo sido proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, dela absolvendo o réu de todos os pedidos. Não se conformando, interpõe recurso o autor, apresentando as suas alegações, onde conclui nos seguintes termos:
1. O tribunal a quo entende que o Réu tem prioridade na hierarquia dos sucessíveis, em relação ao Autor. No sentido de que, a quinta classe de sucessíveis é constituída pelos adotantes restritos, o aqui Réu, e os restantes colaterais até ao 4.º grau, é a classe em que se integra o autor e demais primos, que constituem a sexta classe de sucessíveis.
2. O Autor não pode coadunar-se com tal entendimento.
3. Dúvidas não há de que o autor é sucessível, de acordo com o art. 2131.º do Código Civil.
4. Assim como é unânime que a vontade dos falecidos, DD e CC, não era a de que o Réu BB fosse herdeiro, o que indicia, desde logo, a escolha pela adoção restrita ao invés da adoção plena.
5. O regime da adoção restrita é torneado por determinadas restrições em termos sucessórios, dado que o adotado, ou seus descendentes, e os parentes do adotante não são herdeiros legítimos ou legitimários uns aos outros, conforme ditava o revogado art.1994.º do Código Civil.
6. De acordo com o revogado art. 1999.º do Código Civil, o adotado restrito não é herdeiro legitimário do adotante, nem este daquele, sendo apenas chamado à herança supletivamente.
7. O que difere, portanto, do regime aplicável à adoção plena, pois em termos gerais, por esta, o adotando adquire a situação de filho do adotante e integra-se completamente com os seus descendentes na família deste, beneficiando dos correspondentes direitos sucessórios.
8. Pelo que, se há data da adoção do BB pelos falecidos, pernoitavam as duas modalidades de adoção – a adoção restrita e a adoção plena – e foi escolha daqueles últimos optar pela adoção restrita, tal denota e transparece uma clara intenção daqueles em deixar de fora da herança o Réu, impedindo-o de ser herdeiro legítimo ou legitimário, sendo apenas chamado à herança supletivamente.
9. O Réu BB, enquanto adotando restrito, não é herdeiro legítimo ou legitimário de CC, sendo apenas chamado à herança supletivamente, de acordo com os revogados arts. 1994.º e 1999.º do Código Civil.
10. Por sua vez, o Autor e os seus primos, que se habilitaram à herança de CC, enquanto parentes colaterais até ao quarto grau, são herdeiros legítimos daquela, arts. 2131.º, 2132.º, 2133.º e 2147.º do Código Civil.
11. Sendo que, na falta de cônjuge, descendentes, ascendentes, irmãos e descendentes destes, são chamados os restantes colaterais até ao quarto grau, preferindo sempre os mais próximos, art. 2133.º, n.º 1, art. 2134.º e 2147.º do Código Civil.
12. Neste termos, o Autor e os primos que constam da habilitação de herdeiros, junta sob o doc. n.º ... com a petição inicial, preferem ao BB, adotado restrito, na sucessão de CC.
13. Assim, bem andou o Autor ao requer, judicialmente, o reconhecimento da sua qualidade sucessória, assim como a dos seus primos, e a consequente restituição de todos os bens da herança, contra quem os possua como herdeiro, nomeadamente, contra BB, nos termos do art. 2075.º do Código Civil.
14. Pelo que, deveria ter sido reconhecida a qualidade sucessória do Autor e dos seus primos, na herança de CC – como foi –, a prioridade destes na hierarquia dos sucessíveis em relação ao Réu, e a consequente restituição de todos os bens da herança. Termina pedindo que seja revogada a sentença em crise. Não foram apresentadas contra-alegações. Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir. Há que ter presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do C. P. Civil). Nos recursos apreciam-se questões e não razões.
**
II – FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: A. O Autor é primo de CC e, por afinidade, de EE. B. CC e DD foram casados no regime da comunhão de adquiridos. C. DD faleceu no dia .../.../2020, no estado de casado com CC. D. Não deixou descendentes nem ascendentes vivos e não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade. E. Como única herdeira legitimária, sucedeu-lhe o cônjuge sobrevivo, CC. F. CC acabou por falecer no dia .../.../2021, no estado de viúva do referido DD. G. Não deixou descendentes nem ascendentes vivos, nem irmãos ou seus descendentes, e não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade. H. No dia .../.../1978, DD e CC adoptaram restritamente o réu BB.
**
No presente processo, urge apurar quem é, na classe dos sucessíveis, o herdeiro da falecida CC. É sobre a questão assim delineada que se exige a pronúncia deste Tribunal da Relação, para o que se impõe que se teçam as considerações atinentes à matéria. Segundo o artº 2024º do Código Civil (doravante CC), diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam. A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor, sendo chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis – artºs 2031º e 2032º. A sucessão legal é legítima ou legitimária, conforme possa ou não ser afastada pela vontade do seu autor, dita o normativo 2025º. Quanto aos sucessores que assumam a qualidade de herdeiro em consonância com o artº 2030º, podem qualificar-se em herdeiros legítimos ou legitimários. Os primeiros constam do artº 2132º, enquanto os segundos têm consagração no artº 2157º, ambos do CC. No caso, que ora se nos apresenta, sabemos que CC faleceu no dia .../.../2021, no estado de viúva, não deixando descendentes nem ascendentes vivos, nem irmãos ou seus descendentes, Pode, assim, afirmar-se que à sua herança não concorrem herdeiros legitimários, qualidade que a lei confere somente ao cônjuge, descendentes e ascendentes- artº 2157º citado. Todavia, o autor, enquanto primo da falecida, integra a classe dos herdeiros legítimos, porquanto, na verdade, a ordem por que são chamados os herdeiros, sem prejuízo do disposto no título da adopção, é a estatuída no artº 2133º que, na sua alínea d) consagra o chamamento de outros colaterais até ao quarto grau. Aqui chegados, podemos dizer que nos sediamos, agora, no verdadeiro cerne da questão sub judice. Importa ter presente que o réu havia sido adoptado restritamente pela falecida no dia .../.../1978. Ao tempo, sob a epígrafe “Direitos sucessórios”, ditava o artº 1999.º que o adoptado não era herdeiro legitimário do adoptante (nº1), mas por si e, por direito de representação, os seus descendentes, eram chamados à sucessão como herdeiros legítimos do adoptante, na falta de cônjuge, descendentes ou ascendentes (nº2). O adoptado restrito integrava a classe dos sucessíveis legítimos, mas ficava excluído da classe dos legitimários. Acontece, porém, que o regime jurídico da adopção veio a ter diferente consagração legal com a Lei 143/2015, de 08 de Setembro, que alterou diversas normas do CC, retirando completamente a figura da adopção restrita, permanecendo tão só a da adopção e consagrando, ainda, o instituto do apadrinhamento civil. Com ela, veio a ser igualmente revogado o aludido artº 1999º, que assim deixou de existir, pelo que a partir deste último diploma de 2015, não é possível encontrar norma que confira a qualidade de sucessível legítimo ao adoptado restrito. Que consequências jurídicas podem advir para o aqui réu perante um estatuto conferido por um diploma, posteriormente revogado, que lhe atribuía a aludida qualidade, quando a sucessão se abre em momento em que vigorava já a Lei 143/2015? Permanece no seu estatuto essa qualidade de sucessível, ou perdeu-a em função da publicação da nova lei? O artº 2133º do Código Civil, que acima se reproduziu no segmento que ora releva, ressalva os efeitos sucessórios da adopção, quando estabelece a ordem por que são chamados os sucessíveis legítimos. O teor desta norma não sofreu alteração com a entrada em vigor da Lei 143/2015, que terminou com a figura da adopção restrita. Anteriormente, como agora, o chamamento dos sucessíveis do adoptante tem de ter presente os efeitos jurídicos decorrentes do acto de adoptar. Diversos autores, entre os quais Ana Rita Alfaiate e Guilherme de Oliveira, atentaram na problemática das consequências da revogação da adopção restrita, face à omissão do legislador acerca de qual a lei por que devem reger-se as já constituídas. Escreve a primeira que «devem aqui ser aplicadas as regras gerais e que a revogação deve, na realidade, ter expressão apenas do ponto de vista do impedimento de constituição de novos vínculos com este figurino, não se prejudicando, todavia, os efeitos produzidos ou esperados à data da constituição dos vínculos já existentes», acrescentando que «o que a Lei 143/2015, de 08/09 pretendeu alterar foi apenas o facto constitutivo destas relações, mas já não, em geral, o seu conteúdo». Continua consignando que as pessoas adoptadas restritivamente continuam a poder «ser chamadas à sucessão como herdeiras legítimas, na falta de cônjuge, descendentes ou ascendentes» - Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, pag. 1060 e 1061, Clara Sottomayor, Coord, 2ª ed. Almedina (sublinhado nosso). Na mesma linha de pensamento encontramos o segundo dos aludidos autores que, na sua obra “Adoção e Apadrinhamento Civil”, Petrony, 2019, citando Batista Machado, escreve ser necessário «distinguir se a lei pretendeu suprimir apenas o modo de constituição de certos vínculos, ou se, mais do que isto, lhe repugnam os seus efeitos» - pag.81. E, continuando este rumo interpretativo, escreve, na pagina seguinte: «julgo que se pode afirmar que os vínculos anteriores de adoção restrita geraram um estatuto em que os adotantes e os adotados ficaram investidos – um conjunto de direitos e obrigações que estavam definidos pelo código civil e que a nova lei não eliminou. Sendo assim, penso que todos os efeitos jurídicos que o regime previa foram encabeçados nos titulares e podem exercer-se tal como estavam previstos antes, fazendo as adaptações que forem necessárias…» - sublinhado nosso. No nosso modesto entendimento, também julgamos que o diploma que revogou a adopção restrita não teve em mente alterar o regime e efeitos substantivos do vínculo de adopção restrita, mas tão somente impedir que novos fossem estabelecidos ao abrigo deste regime. Por outro lado, o princípio da proteção da confiança terá de conferir tutela à pessoa que cria expectativas e orienta as suas opções de vida de acordo com o ordenamento jurídico vigente à data em que pratica actos com consequências jurídicas que, pela sua própria natureza, se destinam a perdurar e a produzir efeitos para futuro. Usando palavras alheias, se é verdade que o futuro não pode ser um perpétuo prisioneiro do passado, as alterações legislativas não podem corresponder a uma completa desconsideração de legítimas expectativas jurídicas. Não pode suscitar dúvidas que, quando adpotante e adoptado, à luz do regime anterior, formaram a vontade de criar entre si o laço de adopção restrita, sabiam que a ele estava associado um estatuto de direitos e obrigações que não se esgotavam no acto, antes perdurariam no tempo e que, nesse núcleo se integrava, então, a qualidade de sucessível legítimo que, pela sua própria natureza, se configurava como algo futuro. Assim, concluindo, o adotado restrito não perdeu a qualidade de sucessível legítimo, apesar da revogação desta figura jurídica. A acção tem de improceder. III – DECISÃO Nestes termos, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida. Custas pelo apelante.