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INVENTÁRIO
DOAÇÃO REMUNERATÓRIA
COLAÇÃO
SONEGAÇÃO DE BENS
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
I- “A doação é uma atribuição patrimonial, que, consoante tem, ou não, por detrás um correlativo sacrifício suportado pelo beneficiário é onerosa ou gratuita. II- Sendo normalmente contrato, apresenta, todavia, estrutura unilateral em determinada hipótese: quando se trate de doações puras feitas a incapazes, porque então produzem efeitos independentemente de aceitação em tudo o que aproveite aos donatários. III- Só podem considerar-se doações as transferências que têm origem no património do doador tendo, em consequência, natureza patrimonial, já que aumentam o património do donatário sob o ponto de vista económico. IV- As doações são quase sempre remuneratórias porque quase todas significam o reconhecimento de serviços; mas só têm em direito esta natureza quando o devedor declara positivamente que a doação é feita em remuneração de certos serviços. V- Está na base da colação a presunção de que o doador não quis beneficiar o seu presuntivo herdeiro legitimário “em detrimento dos outros, mas antecipar apenas a transferência da parte do seu património que há-de vir a competir-lhe”. VI- Em caso de dispensa de colação, conclui-se que o autor da sucessão quis avantajar o descendente e então a imputação não é feita na sua legítima subjectiva, mas pelo contrário na quota disponível e só se a extravasar será feita na quota indisponível. VII- Em caso de dispensa de colação, conclui-se que o autor da sucessão quis avantajar o descendente e então a imputação não é feita na sua legítima subjectiva, mas pelo contrário na quota disponível e só se a extravasar será feita na quota indisponível. VIII- A dispensa de colação não se presume: a sua dispensa pelo doador há-de resultar de uma declaração positiva do mesmo – expressa ou tácita (mas concludente) – e feita pela mesma forma que assumiu a doação. IX- O nosso ordenamento jurídico adoptou, nos seus traços essenciais, o conceito de sonegação dado no Anteprojecto de Galvão Telles, e o tratamento jurídico nele proposto reage fortemente, com pesadas sanções de natureza criminal, fiscal e civil, contra a sonegação de bens pelos herdeiros, sendo a sonegação um acto doloso de ocultação de bens da herança, seja o sonegador cabeça-de-casal ou simples herdeiro. X - Trata-se de um fenómeno de ocultação de bens – que pressupõe, obviamente, um facto negativo (uma omissão), cumulado com um facto jurídico de carácter positivo (o dever de declarar), podendo o acto provir quer do cabeça-de-casal ou de qualquer herdeiro, como a própria lei refere, devendo a omissão, ou mesmo a ocultação, ser dolosa.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães. I – RELATÓRIO.
Recorrente: AA
Recorrido: BB Tribunal Judicial da Comarca ..., V... - Juízo C. Genérica
Nos presentes autos de inventário para partilha do dos bens deixados por óbito de CC, falecido em .../.../2018e de DD, falecida em .../.../2019, residentes que foram a Rua ..., na freguesia ... e ..., concelho ..., em que é requerente BB, e onde foi nomeado cabeça de casal AA, sendo ainda interessado EE apresentada que foi a relação de bens, de fls. 34-113, veio o requerente dela reclamar acusando a falta de bens que deviam ser relacionados, indicados outros indevidamente relacionados e incorreções em bens relacionados; conclui pela sonegação de bens e, igualmente, pela condenação do cabeça de casal como litigante de má fé.
Juntou documentos e arrolou testemunhas
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A fls. 196-214, veio o interessado EE deduzir incidente de reclamação à relação de bens, alegando igualmente falta de bens que deviam ser relacionados e outros indevidamente relacionados. Juntou documentos, não requereu diligências probatórias.
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O cabeça de casal respondeu a fls.218-246, confessando, por um lado, a existência de bens, cuja falta havia sido acusada, concretamente um seguro com a apólice ...74, Real PPR R, com o saldo de € 1.930,25, um veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-TD, fazendo assim constar em sede de relação adicional de bens, impugnado e mantendo, quanto ao mais, a posição sufragada na primitiva relação de bens.
Arrolou prova testemunhal e requereu diligências probatórias.
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Ordenou-se a realização das diligências de prova requeridas e a marcação de dia para a inquirição das testemunhas arroladas e tomada de declarações às partes, tendo tal diligência decorrido com observância de todo o formalismo legal, como consta da respectiva ata.
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No âmbito da referida diligência, lograram as partes, conforme resulta da acta de inquirição de testemunhas – referência ...18 - alcançar acordo quanto à correcta descrição da composição da verba 44 da relação adicional de bens; também quanto aos bens móveis relacionados e ao valor atribuído; quanto aos saldos existentes nas contas bancárias tituladas pelos inventariados à data da morte e, bem assim, quanto ao saldo da conta da inventariada referida no artigo 50º da reclamação à relação de bens; consignaram, por fim, em excluir da relação de bens os montantes referentes aos subsídios por morte e de funeral; aos reembolsos de IRS e subsídios agrícolas. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos: Pelo exposto, o tribunal decide:
1) Homologar, por válido quer quanto ao objecto, quer quanto à qualidade dos que nele intervieram, o acordo estabelecido pelos interessados – referencia ...18; 2) Julgar improcedente por não provada a reclamação à relação de bens apresentada pelo interessado EE; 3) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a reclamação à relação de bens apresentada pelo interessado BB e, em consequência: i. Remeter os interessados para os meios comuns quanto à natureza e termos das doações efectuadas pelos inventariados, identificadas no item II da relação de bens (referência ...38); ii. Incluir na relação de bens, o saldo existente, à data do óbito da inventariada DD, na conta bancária aberta por aquela, no Banco 1..., em 30-05-2018, devendo o cabeça de casal juntar o respetivo extrato bancário, à mesma data; iii. Manter na relação de bens as duas alianças em ouro, pertença de cada inventariado; iv. Julgar improcedente por não provado o pedido de sonegação de bens, deduzido pelo interessado BB e, em consequência, absolver o cabeça de casal do pedido; v. Julgar improcedente por não provado o pedido de condenação como litigante de má fé deduzido pelo interessado BB e, em consequência, absolver o cabeça de casal do pedido. Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso a Cabeça de casa, AA, e o Requerente, BB, sendo que, das respectivas alegações desses recursos extraíram, em suma, as seguintes conclusões: Recurso Principal. A.- O presente recurso versa sobre a apreciação e decisão quanto à alínea a) das questões a decidir, ou seja: «Se as doações realizadas pelos inventariados aos interessados o foram a título remuneratório». B.- O Douto Despacho objecto do presente recurso, no âmbito das DOAÇÕES, faz uma errada aplicação do direito à matéria dada como provada,verificando-se contradição e consequentemente decisão não consentânea com a matéria dada como provada. C.- O Cabeça de Casal/Recorrente apresentou a Relação de Bens, sob a referência ...38, fazendo constar a item II, Verbas 1 a 9 inclusive diversas Doações dos Inventariados aos Interessados BB e EE. D.- Os restantes Herdeiros/Interessados apresentaram Reclamação de Bens, alegando, no essencial que receberam tais doações, mas que se consideravam remuneratórias. E.- Foi proferido Douto Despacho que decidiu: 3) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a reclamação à relação de bens apresentada pelo interessado BB e, em consequência: i. Remeter os interessados para os meios comuns quanto à natureza e termos das doações efectuadas pelos inventariados, identificadas no item II da relação de bens (referência ...38); F.- E, na parte final o tribunal A Quo ordenou que: «Notifique, e sendo a cabeça de casal para, em 10 dias, apresentar nova relação de bens rectificada de acordo com o aqui decidido e o acordado na acta com a referência ...18, excluindo, ainda, o item II da relação de bens por via da remissão, nesta parte, dos interessados para os meios comuns. » G.- A Douta Decisão, no âmbito do recurso, deu como provados os factos seguintes: «23).- Ao longo das suas vidas os inventariados sempre pautaram a sua actuação para com os filhos pelos valores da justiça e equidade; 24).- Desde bem cedo que os inventariados procuraram incutir nos filhos o gosto pelo trabalho, e a ideia de que deveriam trabalhar todos com o mesmo objectivo, que era o de enriquecer o património familiar, e que um dia mais tarde este também lhes pertenceria; e 27) Os inventariados, em vida, efectuaram, aos herdeiros legitimários, BB E EE, as doações, por conta da legitima, identificadas em II da relação de bens apresentada.» H.- A Douta Decisão em causa, no âmbito do recurso, deu como não provados os factos seguintes: h) Por altura do divórcio do cabeça de casal (em 2010/2011), os inventariados doaram ao cabeça de casal a quantia de cerca de 50.000,00€, para que este pudesse adquirir a parte da sua ex-cônjuge no apartamento que era de ambos e ainda liquidar diversos créditos ao consumo; j) Ao longo dos anos várias trocas de dinheiro entre os inventariados e os reclamantes, consoante as necessidades de liquidez de uns e outros; e k) Estas trocas configuravam empréstimos, e não doações, e como tal foram sempre liquidadas.» I.- Quanto à motivação, resulta do Douto Despacho que os factos contantes dos itens 23º; 24º e 27º resultaram assentes por acordo das partes, expresso nos seus articulados.» J.- «Por sua vez, quanto aos factos julgados não provados, assim resultaram de nenhuma prova ter sido efectuada quanto aos mesmos ou de estarem em contradição com os factos dados por provados […]. L.- O Tribunal A Quo deu como provado/assente que «Os inventariados, em vida, efectuaram, aos herdeiros legitimários, BB E EE, as doações, por conta da legitima, identificadas em II da relação de bens apresentada», e na motivação bem andou o Tribunal a Quo na fundamentação desenvolvida. M.- E ASSIM, o Douto Despacho recorrido, no âmbito das doações já definiu os concretos termos e natureza das doações efectuadas, pelo que, nada mais há a apurar e consequentemente, não há qualquer necessidade de remeter para os meios comuns. N.- Concretamente definiu os Doadores (Inventariados), os Donatários (Interessados BB e EE), os valores, as circunstâncias e termos em que foram efectuadas as doações e que foram realizadas por conta da legitima de cada herdeiro legitimário, e, como tal, sujeitas à colação. O.- Sem necessidade de mais considerações, entendemos que, chegados aqui, deveria o Tribunal a Quo proferir Despacho que julgasse improcedente, por não provada, a reclamação à Relação de Bens apresentada pelo Interessado BB e consequentemente ordenar a manutenção na Relação de Bens das Doações efectuadas pelos Inventariados no item II da Relação de Bens (referencia ...38) . P.- No que concerne à Fundamentação de Direito o Tribunal a Quo começa por definir o contrato de doação; efectuar o seu enquadramento legal, explicitar os seus elementos constitutivos, as formalidades legais, os efeitos essenciais, o significado e efeito legal do instituto da “colação”. Q.- Descendo ao caso sub judice o Tribunal a Quo, no essencial e em concreto, assenta a sua Decisão na fundamentação de direito ao seguinte argumento: «apurar se determinado capital foi doado, se foi total ou parcialmente legado, a que titulo e em que circunstancias foi doado e, assim se apurando, como deve integrar a herança a partilhar», tendo em conta que as considerações restantes são genéricas. R.- ORA, tendo em conta que o Tribunal A Quo deu como provado/assente que «Os inventariados, em vida, efectuaram, aos herdeiros legitimários, BB E EE, as doações, por conta da legitima, identificadas em II da relação de bens apresentada.», e bem andou quanto à motivação e fundamentação desenvolvida; S.- Já se encontra devidamente apurado o capital doado, a determinação de legado total, por conta da legitima e nas circunstâncias descritas na Relação de Bens, item II – Verbas 1 a 9, inclusive, e consequentemente, determinado como deve integrar a herança a partilhar, sujeitando tais doações à colação. T.- MAIS entendemos que no âmbito das doações nada mais há a determinar, apurar, esclarecer, provar, ou o que quer que seja, pelo que não vislumbramos qualquer interesse na remissão para os meios comuns: as partes já alegaram tudo o que havia a dizer, estes assuntos apenas são do conhecimento das partes envolvidas, os Inventariados já não estão cá e os herdeiros legitimários. U.- Na fundamentação de direito, o Tribunal A Quo procedeu a um errado enquadramento legal dos factos dados como provados. V.- Verifica-se contradição entre a matéria de facto dada como provada (e como não provada) e a fundamentação de direito e consequentemente o sentido da decisão. X.- Senão vejamos, os Recorridos aceitam, reconhecem que receberam as doações descritas na Relação de Bens, item II – Verbas 1 a 9, mas alegam que foram efectuadas a título remuneratório, e empréstimos e que já foram acertadas as contas. Z.- MAS a Douta Decisão deu como não provados estes factos alegados nas respectivas Reclamações. BEM COMO deu como provado que foram efectuadas todas essas doações por conta da legitima dos herdeiros legitimários, os Interessados BB e EE. Recurso Subordinado. A – A parte final do facto provado 4) constitui um lapso de escrita, pois que ali se escreve que a inventariada sofreu o segundo (AVC) “em outubro correu termos neste douto tribunal,”. Resultando tal facto assente por acordo das partes, expresso nos seus articulados, e esclarecendo-se aí que a inventariada sofreu o segundo AVC em 29/10/2017 (o que é confirmado também pelas perícias médico-legais juntas aos autos), deverá ser corrigido o lapso de escrito ali patente, passando o quesito 4) a ter a seguinte redacção: 4) A inventariada sofreu dois AVC’s, o primeiro em dezembro de 2014 e o segundo em outubro de 2017. --- B - No facto provado 11) encontra-se também um lapso, pois que a conta bancária ali descrita não era titulada pelo inventariado, mas ao invés pela inventariada e pelo cabeça de casal, tendo sido aberta a 30/05/2018, após o óbito do inventariado (Vide documento nº ... da reclamação). C - Das posições assumidas pelas partes nos seus articulados (artigo 20º e 50º da reclamação do recorrente; artigos 27º e 45º da resposta à reclamação pelo cabeça de casal) conjugados com o documento nº ... da reclamação do recorrente e os documentos nº ... e ... apresentados pelo cabeça de casal no requerimento datado de 12/10/2020 (referência Citius ...38), resulta o seguinte facto provado, pelo que deverá ser corrigido em conformidade: 11) Após o óbito do inventariado, a inventariada abriu uma conta bancária à ordem, no Banco 1..., com o IBAN: ...98, figurando como cotitular o cabeça de casal, e que podia ser movimentada por ambos os cotitulares, na qual, à data do óbito da inventariada, se encontravam depositados € 4.172,68. --- D - Na sequência dos documentos e peças processuais analisadas para o facto anterior, verifica-se que a transferência de 4.000,00€ efectuada a 30/05/2018 da conta referida em 12), teve como destino a conta bancária titulada pela inventariada DD e pelo cabeça-de-casal, pelo que o artigo 16) deve ser corrigido em conformidade, passando a constar dele: 16) A 30 de maio, foi efetuada uma transferência de € 4.000,00 da conta referida em 12) para uma conta identificada em 11), titulada pela inventariada DD e pelo cabeça de casal. --- E – Por outro lado, o facto elencado sob o número 27 deverá passar para o elenco de factos não provados, porquanto nenhuma prova foi feita que o permitisse corroborar. A motivação da sentença recorrida incorre em erro ou lapso quando invoca que tal facto resultou assente “por acordo das partes, expresso nos seus articulados.” Não existiu qualquer acordo das partes quanto à existência de doações, por conta da legítima, e tão pouco quanto à existência das concretas doações identificadas em II da relação de bens apresentada. Pelo contrário, o recorrente BB expressamente negou que a verba nº2 (do capítulo II – Doações) correspondesse a qualquer doação ou entrega de dinheiro ou bens pelos inventariados. Já quanto às verbas 1, 3 e 4 do capítulo II – Doações, o recorrente declarou sempre que as quantias de dinheiro que os inventariados lhe entregaram (e que entregaram também aos outros irmãos) tiveram um carácter remuneratório. F – Ao invés, o cabeça de casal prestou declarações de parte em que assumiu que as quantias entregues aos irmãos pelo pai se destinavam a “acertar contas”, pois que estes haviam “prestado serviços aos inventariados” no âmbito da actividade profissional destes (minuto 05:13 a 05:19, minuto 05:25 a 05:41, minuto 05:48 a 06:12, minuto 32:38 a 33:08, minuto 34:14 a 34:18, minuto 35.05 a 35:45, minuto 36:03 a 36:20 e minuto 37:00 a 37:09). Pelo que, em face da posição assumida nas reclamações, conjugadas com as declarações prestadas em audiência pelo cabeça de casal, deverá ao invés julgar-se provado que: 27) Os reclamantes prestaram serviços aos inventariados ao longo de grande parte da sua vida, colaborando intensivamente na actividade profissional destes, trabalho este, assumido por todos os elementos da família como tal, cuja remuneração estaria prometida para mais tarde, quando fossem adultos. 28) As verbas descritas nos nºs 1, 3 e 4 são doações efectuadas para remunerar o trabalho prestado pelo reclamante BB, nos termos do descrito em 27). II – DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA: G - O Mmo. Tribunal a quo deu como provado, sob o facto nº5, que a inventariada, em 14/02/2019, tendo sido submetida a perícia médico-legal, apresentava “sequelas neurológicas e mentais” decorrentes de AVC’s sofridos em 2017 e 2014. E que, assim, “De acordo com o previsto no artigo 147.º do código civil a examinanda encontra-se impossibilitada para a administração parcial dos seus bens (…)”. Foi também considerado provado, sob o facto nº7, que, em 24/10/2019, a inventariada mantinha essas “sequelas neurológicas e mentais.” O inventariado faleceu a .../.../2018, tal como consta do facto provado 1), posteriormente aos AVC’s descritos. Pelo que deverá alterar-se a decisão quanto ao facto não provado a), passando a julgar-se provado que: 29) À data do óbito do inventariado, isto é, a .../.../2018, a inventariada não estava na posse de todas as suas capacidades, físicas e mentais, incapacidade esta que se mantinha ainda à data das perícias médico-legais realizadas a 14/02/2019 e a 24/10/2019. --- H - Na resposta à reclamação do recorrente, o cabeça de casal admite que movimentou as contas que integram a herança, por conta da administração dos inventariados (Vide artigo 23º da resposta). Resulta provado nos autos que a inventariada DD não estava capaz de, por si, decidir gerir os seus bens de natureza patrimonial, nem de tomar decisões em situações que envolvam vendas, compras de bens de valor ou empréstimos (Vide factos provados 5 e 7). Pelo que, após o óbito do inventariado, o cabeça de casal passou a tratar de toda a gestão da vida corrente, bem como patrimonial e financeira, da inventariada. O que aliás foi esclarecido pela inventariada na sua contestação ao processo de acompanhamento de maior, e admitido pelo cabeça de casal nos autos (vide declarações prestadas: minuto 10:00 a 11:42, minuto 13:16 a 13:34, minuto 41:22 a 41:40, minuto 42:43 a 42:54 e minuto 43:25 a 45:01). Assim, requer-se a Vªs. Exªs. a eliminação do facto não provado c), e a sua passagem para o rol de factos provados, com a seguinte redacção: 30) O cabeça de casal, por conta da administração da herança dos inventariados, procedeu à movimentação das contas que integram agora a herança, orientando nesse sentido a inventariada; --- I - O levantamento e a mobilização antecipada descritos nos factos não provados d) e e) estão comprovados documentalmente nos autos por cópia do extracto bancário junto aos autos como documento nº... da reclamação, existindo, todavia, um lapso na indicação do número de conta na reclamação (que é ...20). Acresce que, no artigo 24º da sua resposta à reclamação, e em sede de declarações (minuto 49:30 a 50:13) o cabeça de casal assume que a quantia de 4.005,20€ foi levantada para fazer face a despesas da herança, alegando que a fez incluir na prestação de contas (artigo 25º). Pelo que, em face da prova elencada, e considerando tudo quanto se escreveu para o facto anterior, nomeadamente no respeitante à incapacidade da inventariada para a administração dos seus bens, deve alterar-se a resposta aos factos não provados d) e e), passando a julgar-se provado que: 31) O cabeça de casal e a inventariada (por indicação daquele), em 18/05/2018, procederam ao levantamento em numerário de 4.005,20€ da conta à ordem nº ...20, de que os inventariados eram titulares no Banco 1..., para que o cabeça de casal pudesse fazer face a despesas da herança, designadamente o pagamento do funeral. e 32) Na mesma data, o cabeça de casal e a inventariada (por orientação daquele), procederam à mobilização do depósito a prazo, no valor de 10.355,43€, que existia no Banco 1..., colocando-o à ordem na conta à ordem nº ...20, de que os inventariados eram titulares no Banco 1.... J - Pela análise das contas prestadas pelo cabeça de casal, e feitas juntar aos autos pelo requerimento datado de 26/04/2022 (com a referência Citius ...99), verifica-se que o cabeça de casal, ao contrário da posição que defendeu, não incluiu na prestação de contas (como crédito do ano de 2018) este valor de 4.000,00€ (Vide documento nº..., pgs. 2 e 3, do requerimento do cabeça de casal datado de 26/04/2022). Pelo que devem Vªs. Exªs. julgar provado que: 33) O cabeça de casal não relacionou este crédito de 4.00o,00€ nas contas prestadas, apropriando-se dele. --- K – Na sua resposta à reclamação, o cabeça de casal assumiu que foram transferidos 4.000,00€ da conta à ordem nº ...20 para a conta cotitulada com a inventariada (Vide artigo 27º da resposta à reclamação, e ainda documentos nº ... e ... da reclamação). Em sede de declarações prestadas em juízo, o cabeça de casal esclareceu que, após o óbito do pai, disse à inventariada que era necessário dinheiro para fazer face às despesas da própria e da herança, sugerindo a abertura de uma conta da própria, e a transferência de metade do saldo de uma outra conta no Banco 1... (Vide declarações supra transcritas em 58., minuto 10:00 a 11:42, e 13:16 a 13:34), confirmando ainda a movimentação de 4.000,00 entre contas bancárias (minuto 50:13 a 50:37). Em virtude da incapacidade da inventariada, necessário é considerar que as operações bancárias que foram realizadas pela inventariada, sempre acompanhada pelo cabeça de casal, o foram por orientação deste. Pelo que deverá ter-se por provado que: 34) Em 30/05/2018, a inventariada, orientada pelo cabeça de casal, transferiu para a conta identificada em 11), a quantia de 4.000,00€, proveniente da conta de depósito titulada pelos inventariados no banco Banco 1... com o número ...20. --- L - Na sua reclamação, e quanto a movimentações de contas pelo cabeça de casal, o recorrente alegou ainda a retirada de 13.186,62€ da conta que os inventariados detinham na Banco 2.... A acrescer aos documentos oportunamente indicados pelo reclamante, veio o cabeça de casal, por requerimento datado de 26/04/2022 (referência Citius ...99) confirmar a transferência desta quantia de 13.000,00€, juntando cópia (pouco legível da caderneta), e esclarecendo: “18.- Que a D. DD em 10.10.2019 procedeu á transferência de Eur. 13.076,56 (correspondendo á sua meação no saldo referido no item anterior).” Nas declarações que prestou em sede de audiência prévia, o cabeça de casal declarou que esta quantia foi transferida para a conta titulada por ambos no banco Banco 1..., com a intenção de que o cabeça de casal se pudesse apropriar dela. Assumiu ainda ter posteriormente retirado da conta que cotitulava com a mãe, previamente ao óbito desta, uma quantia que esta lhe queria destinar. Não concretizou o montante, mas constata-se que seria pelo menos de valor igual a 13.076,56€ (vide declarações de parte, gravadas no dia 09/02/2022, minuto 56:16 a 57:53, minuto 1:01:57 a 1:02:23, minuto 1:03:10 a 1:03:40, e minuto 1:04:07 a 1:04:25). Pelo que, não obstante a ausência de pronúncia quanto a esta matéria pelo Mmo. Tribunal a quo, deverão Vªs. Exªs. julgar provado que: 35) Da conta que os inventariados detinham na Banco 2... foram transferidos 13.076,56€ para a conta titulada pela inventariada e pelo cabeça de casal, identificada em 11), na data de 10/10/2019. e 36) O cabeça de casal retirou esta quantia da conta que titulava com a inventariada, ainda antes do óbito desta, em data não apurada. --- M – Não obstante a posição que defendeu na sua resposta à reclamação, em sede de audiência prévia o cabeça de casal explicou que os inventariados apenas concordaram conceder um empréstimo à sua companheira porquanto tinham uma intenção de realizar lucro, como em qualquer outro investimento (Vide declarações do cabeça de casal, minuto 1:04:30 a 1:05:26). O cabeça de casal reconheceu ainda, em sede de audiência, o documento ...5 da reclamação, fls. 190 dos autos, como representando a cópia do cheque que deu causa ao mútuo, com uma anotação manuscrita pelo inventariado, com a indicação de 2,6%, 160.000,00€ e 4.160,00€ (Vide acta datada de 09/02/2022). Ora, 4.160,00€, ali anotados correspondem aos juros anuais calculados sobre o montante de 160.000,00€, à taxa de 2,6%. Apesar de negar a existência de juros sobre o mútuo em questão, o cabeça de casal indicou na relação de bens que a mutuária havia já liquidado a quantia de 8.160,00€, apresentando posteriormente na prestação de contas a indicação de que a mutuária teria feito quatro pagamentos, no valor de 1.000,00€ cada, para a inventariada, entre Agosto de 2018 e Janeiro de 2019 (Vide páginas 4 e 8 do documento junto aos autos pelo cabeça de casal com o requerimento datado de 26/04/2022). Os 4.160,00€ restantes, corresponderiam aos juros anuais que teriam, eventualmente sido pagos em vida do inventariado. A conjugação de todos estes elementos probatórios permitem caracterizar o mútuo em questão como oneroso, nos termos do artigo 1145, nº1, do CC, pelo que deverá eliminar-se o facto não provado l), e ao invés julgar-se provado que: 37) Foi acordado entre mutuários e mutuantes que o empréstimo concedido ao cabeça de casal e companheira vencia juros sobre a quantia mutuada à taxa anual de 2,6%.” --- N – Pela simples comparação entre a relação de bens inicial, a reclamação, e relação de bens corrigida apresentada a 08/06/2022, verifica-se que o cabeça de casal omitiu o relacionamento de diversos bens propriedade da herança na relação de bens inicialmente apresentada. Não fora o conhecimento e memória dos reclamantes sobre a existência de todos os bens reclamados, os mesmos ficariam por relacionar e partilhar, apropriando-se o cabeça de casal, de forma ilegítima, de bens com um valor total de 17.927.93€. É, aliás, flagrante a apropriação dos saldos dos depósitos bancários da conta cotitulada com a inventariada DD e da aplicação financeira associada, com o saldo de 4.172,68€ e 500,00€ respectivamente, que não foram relacionados, e à data da apresentação da relação de bens encontravam-se a 0€, tendo a conta a prazo sido mobilizada antecipadamente 4 dias após o óbito da inventariada (Vide extracto apresentado nos autos pelo cabeça de casal por requerimento datado de 26/02/2022, com a referência Citius ...44). O cabeça de casal recusou sempre a sua relacionação, e só assumiu efectuar a mesma já em sede de inquirição de testemunhas, na data de 27/04/2022 (Vide acta referência Citius ...18). E mesmo assim, não obstante ter ficado em acta que seria relacionado o valor de 4.672,68€, o cabeça de casal acabou por relacionar apenas a quantia de 4.172,68€ (Vide relação de bens apresentada a 08/06/2022, referência Citius ...54). Pelo que deverá eliminar-se o facto não provado n) e julgar-se provado que: 38) O cabeça de casal omitiu o relacionamento de vários bens pertença da herança, nomeadamente dinheiros, direitos de crédito e bens móveis, no valor total de 17.927.93€, com o intuito de se apropriar deles, prejudicando ilegitimamente os restantes interessados. --- O – Não obstante estar na posse de todos os bens da herança, ter acesso garantido a toda a documentação relacionada com a mesma, e exercer o cargo de cabeça de casal desde .../.../2018, este omitiu várias informações devidas aos interessados, e, quando prestou informação nos autos, fê-lo de forma não espontânea, sempre após requerimentos nesse sentido pelos reclamantes, com o objectivo de ocultar bens e simultaneamente atrasar o normal desenvolvimento do processo. O cabeça de casal postergou a entrega de informação relevante para a prestação de contas, que sempre foi prometendo, mas que acabou por realizar apenas em vésperas da inquirição de testemunhas. Omitiu o relacionamento de vários bens da herança, que estavam no seu domínio. Pediu sucessivamente prorrogações de prazo e adiamentos, apresentando justificações que viriam a não se comprovar. E recusou entregar nos autos informação bancária relevante. Estando na posse de quantias avultadas de dinheiro (frutos da herança, rendas, dinheiro retirado da conta cotitulada no banco Banco 1...), que terá que repor à herança, o cabeça de casal tem todo o interesse em protelar o andamento do processo, o que faz em prejuízo dos interessados, que se limitam a pagar impostos sobre valores que nunca receberam (nomeadamente as rendas). Deverão, assim, Vªs. Exªs. considerar-se provado que: 39) O cabeça de casal omitiu informação relevante para a decisão nos presentes autos com intuito de se apropriar de bens que pertencem à herança. e 40) O cabeça de casal protelou o regular tramitamento do processo sem fundamento sério. III – DAS DOAÇÕES REMUNERATÓRIAS E CONSEQUENTE ELIMINAÇÃO DA RELAÇÃO DE BENS:
P - A natureza remuneratória das doações efectuadas pelos inventariados aos interessados está devidamente comprovada nos autos. Na verdade, é o próprio cabeça de casal que o assume, embora indirectamente na sua resposta à reclamação, sendo certo que nas declarações prestadas em juízo afirmou que os inventariados pretendiam acertar as contas com os filhos, e que haviam entregue já alguns valores aos reclamantes com esse objectivo: o de acertar as contas. De acordo com o prescrito no artigo 941º do Código Civil, as doações realizadas aos interessados devem caracterizar-se como remuneratórias. Presumindo-se sempre dispensada a colação nas doações remuneratórias, nos termos do nº3 do artigo 2113º do Código Civil. “Em caso de dispensa de colação, conclui-se que o autor da sucessão quis avantajar o descendente e então a imputação não é feita na sua legítima subjectiva, mas pelo contrário na quota disponível e só se a extravasar será feita na quota indisponível.” - Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, volume II, 2017, Almedina, pág. 1019. Termos em que, julgando-se provado o carácter remuneratório das doações elencadas nas verbas 1, 3 e 4, e inexistindo qualquer prova da existência de uma doação nos termos descritos na verba nº2, deverão Vªs. Exªs. determinar a eliminação destas verbas da relação de bens. IV – DOS MONTANTES MOVIMENTADOS E/OU RECEBIDOS PELO CABEÇA DE CASAL:
O cabeça de casal apropriou-se de quantias pertença da herança, tendo recebido valores por parte da inventariada numa altura da sua vida em que esta estava incapacitada para tomar tais decisões (em virtude dos AVC’s sofridos em 2014 e 2017). Admitindo-se que a inventariada tivesse conhecimento ou até autorizado tais movimentos na sua conta bancária, tal autorização não pode considerar-se validamente prestada, aplicando-se a tais actos o regime da incapacidade acidental, previsto no artigo 257º do Código Civil. O cabeça de casal acompanhava a inventariada diariamente e geria todo o seu património, reconhecendo que a mesma não estava capaz de o fazer. Do mesmo modo, acompanhou a inventariada a todas as consultas médicas, e às perícias médico-legais, realizadas no INML, tendo tomado conhecimento do relatório produzido na sequência da perícia realizada a 14/02/2019 (facto provado 5), pois que era o acompanhante provisório designado no processo de acompanhamento (Vide Doc. ... da reclamação, pg.5). Não podia, portanto, desconhecer a incapacidade da inventariada para gerir o seu património. As doações feitas pela inventariada ao cabeça de casal, após o AVC sofrido em 2017, e até ao final da sua vida, são anuláveis, requerendo-se a Vªs. Exªs. a declaração da sua anulação. Em conformidade, deverá o cabeça de casal relacionar como crédito sobre si os montantes em causa e que corresponderão, pelo menos, à quantia de 13.076,56€, que havia sido transferido da conta da Banco 2... na data de 10/10/2019, com a intenção de ser doada ao cabeça de casal, e que por este foi retirada da conta cotitulada com a inventariada (Vide declarações prestadas pelo cabeça de casal: minuto 56:16 a 57:53; minuto 1:01:57 a 1:02:23; minuto 1:03:10 a 1:03:40; e minuto 1:04:07 a 1:04:25). V – DO RELACIONAMENTO DE JUROS SOBRE A QUANTIA MUTUADA:
R – Apesar de os inventariados não o terem feito verter na escritura pública, o mútuo que concederam à companheira do cabeça de casal não foi gratuito, existindo um objectivo claro e assumido entre as partes de dele obter rendimento. Assim é que o inventariado anotou junto à cópia do cheque que entregou à mutuária a indicação de 2,6%, SI, 160.000,00, 4.160,00 (Vide documento ...5 da reclamação, fls. 190 dos autos). Isto é, 2,6% de juros sobre 160.000,00€, o que totaliza o montante anual de 4.160,00€. Dispõe o nº1 do artigo 1145º do Código Civil que, em caso de dúvida, o mútuo se presume oneroso. Pelo que, existindo elementos concretos que permitem concluir não só que o empréstimo concedido estava sujeito a juros, mas também e mais especificamente ainda qual a taxa de juros convencionada, requer-se a Vªs. Exªs. que se dignem ordenar o relacionamento dos montantes correspondentes aos juros anuais vencidos, à taxa convencionada de 2,6%, sobre a quantia mutuada, desde o óbito do inventariado. VI – DA SONEGAÇÃO DE BENS:
S – Resulta provado dos autos que o cabeça de casal omitiu o relacionamento de diversos bens, descritos supra no artigo 103º, nomeadamente bens móveis, direitos de crédito e saldos bancários, no valor total de 17.927.93€. Do mesmo modo, resulta do acervo documental dos autos que o cabeça de casal se apropriou de 4.000,00€ que recebeu da inventariada para fazer face a despesas da herança, designadamente do funeral, omitindo esse crédito na prestação de contas. Do conjunto da prova produzida e das declarações prestadas pelo cabeça de casal, conclui-se que o mesmo recebeu pelo menos uma doação da inventariada, após a data de 10/10/2019, correspondente à quantia transferida da conta que os inventariados possuíam na Banco 2..., no montante de 13.076,56€. Doação esta que não relacionou, e que recebeu mesmo sabendo que a donatária não se encontrava capaz de administrar os seus bens. Tais acções e omissões foram praticadas pelo cabeça de casal com o intuito de se apropriar destes bens e prejudicar os restantes herdeiros, esbulhando-os no seu direito a herdá-los. Fê-lo dolosamente (porquanto não podia desconhecer a sua existência), e usou de artifícios com a intenção de enganar os co-herdeiros (o que fez limitando o acesso aos bens da herança pelos interessados, e ocultando a informação bancária). Dispõe o artigo 2096º, nº 1 do Código Civil que o herdeiro que sonegar bens da herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça de casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas mais sanções que forem aplicáveis. Pelo que, em conformidade, deverão Vªs. Exªs. declarar que o cabeça de casal sonegou da herança dos inventariados os seguintes bens, excluindo-o da herança quanto a eles:
· bens móveis, direitos de crédito e saldos bancários descritos no artigo 103º, no valor total de 17.927.93€;
· doação de 4.000,00€ por parte da inventariada para fazer face a despesas da herança, designadamente do funeral, omitida na prestação de contas;
· doação de 13.076,56€ por parte da inventariada, que constitui um crédito da herança sobre si. VII – DA LITIGÃNCIA DE MÁ-FÉ:
T - O cabeça de casal omitiu informação relevante para a decisão da causa, quer recusando apresentar o extracto da conta cotitulada com a inventariada desde a sua abertura (30/05/2018) até ao óbito da inventariada, quer não apresentando o extracto da conta da Banco 2... desde o óbito do inventariado, apresentando apenas na véspera da audiência uma cópia da caderneta praticamente ilegível. Acresce que o cabeça de casal introduziu nos autos sucessivos mecanismos para o atraso dos mesmos, ora pedindo a prorrogação de prazos, ora o adiamento de diligências, ora comprometendo-se a colaborar na obtenção de documentos, que a final se recusou a apresentar. Tais comportamentos são reveladores de má-fé processual, e merecem ser, como tal, censurados. Pelo que se requer a Vªs. Exªs. que se dignem condenar o cabeça de casal como litigante de má-fé, em multa e indemnização ao recorrente a fixar equitativamente por Vªs. Exªs.
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O Apelado apresentou contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – Delimitação do objecto do recurso.
Sendo certo que, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, pode ser enunciada a seguinte questão a decidir:
- Analisar da existência de doações remuneratórias. E das suas decorrências para a partilha. - Analisar da impugnação da matéria de facto, e se, em caso afirmativo, a decisão PRFERIDA DEVE SER ALTERADA. - Analisar se existem montantes movimentados e/ou recebidos pelo cabeça de casal - Analisar do vencimento de juros sobre a quantia mutuada - Analisar da existência de sonegação de bens - Analisar da existência de litigância de má-fé
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III- FUNDAMENTAÇÃO.
Fundamentação de facto.
A- A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida é a seguinte:
Factos provados: Com relevância para a discussão da causa, resultaram assentes os seguintes factos:
1) CC, faleceu em .../.../2018, no estado de casado, em primeiras e únicas núpcias, no regime da comunhão geral de bens, DD;
2) DD faleceu em .../.../2019, no estado de viúva de CC;
3) Sucederam-lhe, como seus únicos e universais herdeiros, seus filhos, o ora cabeça de casal, e os dois interessados BB E EE.
4) A inventariada sofreu dois AVC’s, o primeiro em dezembro de 2014 e o segundo em outubro correu termos neste douto tribunal,
5) Em 14/02/2019, a inventaria foi sujeita a uma perícia médico-legal, na qual, e entre o mais, se concluiu que “A Examinanda DD na sequência de AVC, que ocorreu em 2017, apresenta sequelas neurológicas e mentais. Essas sequelas repercutem-se sobretudo nas funções cognitivas, no raciocínio, nas funções executivas e na linguagem. Face ao exposto, ainda que estejam presentes alguns deficits razoáveis ou significativos em algumas áreas, não pode ser afirmado existir completa e absoluta incapacidade irreversível. Tem havido algumas melhorias na funcionalidade da examinanda. De acordo com o previsto no artigo 147.º do código civil a examinanda encontra-se impossibilitada para a administração parcial dos seus bens pois em função dos défices existentes é evidente que a examinanda apresente uma incapacidade parcial para poder gerir os seus bens. Em relação aos seus direitos pessoais a examinanda mantém a sua capacidade de discernimento da realidade, a sua capacidade de avaliação, a nível da vontade e também da sua capacidade de decisão. Em relação à sua pessoa e vontade, a examinanda apresenta preservada a sua capacidade de decisão.”
6) Correu termos, sob nº115/19...., processo de acompanhamento de maior referente à inventariada DD,
7) No âmbito do qual, foi a inventariada, em 24/10/2019, objecto de perícia médico-legal, a qual concluiu que “A Examinanda DD na sequência de AVC, que ocorreu em 2017, apresenta sequelas neurológicas e mentais. Essas sequelas repercutem-se sobretudo na linguagem e raciocínio. Na avaliação constata-se que estes défices podem ser acentuados em situações de maior tensão e exigência. Foi evidente na avaliação realizada a melhoria em relação à avaliação anterior. De acordo com o previsto no artigo 145.º do código civil poderá ter algumas dificuldades em conseguir gerir bens de natureza patrimonial, situações que envolvam vendas ou compras de bens de valor ou situações de empréstimos. Há alguns processos de facilitismo e alguma desvalorização que podem dificultar a sua execução nesta área. Dando resposta ao artigo 147.º CC em relação aos seus direitos pessoais a examinanda mantém a sua capacidade de discernimento da realidade, a sua capacidade de avaliação, a nível da vontade e também da sua capacidade de decisão, pelo que não existe qualquer limitação à sua capacidade para poder exercer os seus direitos pessoais. A examinanda tem noção da necessidade de ajuda pelo que pode recorrer a pessoas de confiança para poder ultrapassar as suas dificuldades. “
8) O cabeça de casal da herança dos inventariados assumiu essas funções desde a data do óbito do inventariado CC, a .../.../2018;
9) Desde então, o cabeça de casal passou a receber, e assim continua, todas as rendas referentes a vários imóveis pertencentes à herança
10) E procedeu à venda de vários artigos do stock das lojas que integram a herança;
11) À data do óbito do inventariado, o mesmo era cotitular, juntamente com a inventariada, da conta bancária à ordem com o IBAN: ...98, sedeada na agência de V... do Banco 1..., SA., e que podia ser movimentada por ambos os cotitulares, na qual, a 29-06-2018, se encontravam depositados € 3.597,23;
12) À data do óbito do inventariado, o mesmo era cotitular, juntamente com a inventariada, da conta bancária à ordem com o IBAN: ...52, sedeada na agência de V... do Banco 1..., SA., e que podia ser movimentada por ambos os cotitulares, na qual, a 30-05-2018, se encontravam depositados € 8.106,62.;
13) À data do óbito do inventariado, o mesmo era cotitular, juntamente com a inventariada, da conta bancária à ordem com o IBAN: ...13, sedeada na agência de V... da Banco 2..., SA., na qual se encontravam depositados € 26.153,12, e que podia ser movimentada por ambos os cotitulares.
14) Em 19-06-2018, o saldo da conta bancária identificada em 13) era de € 28.030,02.
15) O cabeça de casal era cotitular, com a inventariada DD, de uma conta bancária à ordem, sedeada na agência de V... do Banco 1..., SA.,
16) A 30 de maio, foi efetuada uma transferência de € 4.000,00 da conta referida em 12) para uma conta titulada pela inventariada DD. 17) No dia 18-05-2018 a CGA procedeu ao pagamento, por depósito na conta bancária referida em 13) da quantia de € 1.319,05, referente à pensão do inventariado;
18) No dia 19-06-2018 a CGA procedeu ao pagamento, por depósito na conta bancária referida em 13) da quantia de € 560,45, referente à pensão do inventariado;
19) No dia 19-07-2018, a CGA remeteu à inventaria comunicação escrita informando que lhe foi fixada a pensão mensal de € 840,67;
20) No dia 08-05-2018, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social procedeu ao depósito da quantia de € 320,10 na conta bancária à ordem com o IBAN: ...54, sedeada na agência de ... do Banco 3..., de que a inventariada era titular;
21) Em data não concretamente apurada, o inventariado fez um empréstimo no valor de 1.500,00€ ao Sr. FF;
22) Os inventariados eram proprietários de duas alianças em ouro, respeitantes ao seu casamento;
23) Ao longo das suas vidas os inventariados sempre pautaram a sua actuação para com os filhos pelos valores da justiça e equidade;
24) Desde bem cedo que os inventariados procuraram incutir nos filhos o gosto pelo trabalho, e a ideia de que deveriam trabalhar todos com o mesmo objectivo, que era o de enriquecer o património familiar, e que um dia mais tarde este também lhes pertenceria;
25) No dia 16/05/2014, no cartório notarial, sito na Rua cidade ..., em V..., perante o respectivo Notário GG, compareceram como primeiros outorgantes os inventariados CC e DD; como segundo outorgantes HH e AA e como terceiro outorgante II, tendo os segundos outorgantes declarado que se confessam, solidariamente, devedores aos primeiros outorgantes da quantia de cento e sessenta mil euros que lhes foi emprestada pelo prazo de 10 anos, a contar dessa data, sem vencer quaisquer juros, para pagamento de tornas no processo de divórcio entre a segunda outorgante mulher e o seu ex-cônjuge, que corre os seus termos no tribunal judicial ...;
26) Declarou o ali terceiro outorgante que para garantia e liquidação da quantia mutuada constituiu em favor dos primeiros outorgantes, hipoteca sobre o prédio urbano, composto por dois pavimentos, destinado a habitação, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...87 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...10. 27) Os inventariados, em vida, efectuaram, aos herdeiros legitimários, BB E EE, as doações, por conta da legitima, identificadas em II da relação de bens apresentada.
Factos Não Provados
a) À data do óbito do inventariado, a inventariada não estava na posse de todas as suas capacidades, físicas e mentais;
b) O cabeça de casal, por conta da administração da herança dos inventariados, recebeu o reembolso de IRS dos anos de 2018 e 2019.
c) O cabeça de casal, por conta da administração da herança dos inventariados, procedeu à movimentação das contas que integram agora a herança, tendo gerido as mesmas como bem lhe aprouve;
d) O cabeça de casal, em 18/05/2018, procedeu ao levantamento em numerário de 4.005,20€ da conta à ordem nº ...20, de que os inventariados eram titulares no Banco 1...;
e) E mobilizou o depósito a prazo que existia nessa instituição financeira, no valor de 10.355,43€, colocando-o à ordem;
f) Em 30/05/2018, o cabeça de casal transferiu desse depósito a quantia de 4.000,00€ para uma conta que abriu nesse mesmo dia e banco com a inventariada DD, e na qual o cabeça de casal figura como cotitular;
g) Os inventariados possuíam, entre outros, um anel e uma aliança de ouro, quatro pares de brincos de ouro e pedras preciosas e um colar de ouro, uma medalha oval, e um relógio.
h) Por altura do divórcio do cabeça de casal (em 2010/2011), os inventariados doaram ao cabeça de casal a quantia de cerca de 50.000,00€, para que este pudesse adquirir a parte da sua ex-cônjuge no apartamento que era de ambos e ainda liquidar diversos créditos ao consumo
i) O inventariado CC fazia registos de todas as movimentações financeiras que efetuava, estando estes registos na posse do cabeça de casal.
j) Ao longo dos anos várias trocas de dinheiro entre os inventariados e os reclamantes, consoante as necessidades de liquidez de uns e outros.
k) Estas trocas configuravam empréstimos, e não doações, e como tal foram sempre liquidadas,
l) Foi acordado entre mutuários e mutuantes que o empréstimo concedido ao cabeça de casal e companheira vencia juros sobre a quantia mutuada à taxa anual de 2,6%.
m) Por conta do empréstimo referido em 25) a devedora liquidou o valor de 8.160,00;
n) O cabeça de casal omitiu o relacionamento de vários bens pertença da herança e afastou o reclamante e interessado EE das dinâmicas e contas da herança, apropriando-se da documentação, dinheiros e bens supra indicados, com o intuito de se apropriar deles e prejudicar os restantes herdeiros;
o) o cabeça de casal omitiu informação relevante para a decisão nos presentes autos com intuito de se apropriar de bens que pertencem à herança.
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Não se provaram quaisquer outros factos que não se encontrem descritos como provados ou não provados ou que se mostrem em oposição a estes ou por eles prejudicados, sendo os demais considerados inócuos para a presente decisão, conclusivos ou de direito.
Fundamentação de direito.
RECURSO PRINCIPAL.
Como fundamento da sua pretensão recursória alega o Recorrente que o presente recurso versa sobre a apreciação e decisão quanto à alínea a) das questões a decidir, ou seja: «Se as doações realizadas pelos inventariados aos interessados o foram a título remuneratório». O Despacho objecto do presente recurso, no âmbito das DOAÇÕES, faz uma errada aplicação do direito à matéria dada como provada, verificando-se contradição e consequentemente decisão não consentânea com a matéria dada como provada.
O Cabeça de Casal/Recorrente apresentou a Relação de Bens, sob a referência ...38, fazendo constar a item II, Verbas 1 a 9 inclusive diversas Doações dos Inventariados aos Interessados BB e EE.
Os restantes Herdeiros/Interessados apresentaram Reclamação de Bens, alegando, no essencial que receberam tais doações, mas que se consideravam remuneratórias. Foi proferido Despacho que decidiu:
3) julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a reclamação à relação de bens apresentada pelo interessado BB e, em consequência: i. Remeter os interessados para os meios comuns quanto à natureza e termos das doações efectuadas pelos inventariados, identificadas no item II da relação de bens (referência ...38); E, na parte final o tribunal A Quo ordenou que: «Notifique, e sendo a cabeça de casal para, em 10 dias, apresentar nova relação de bens rectificada de acordo com o aqui decidido e o acordado na acta com a referência ...18, excluindo, ainda, o item II da relação de bens por via da remissão, nesta parte, dos interessados para os meios comuns» A Decisão, no âmbito do recurso, deu como provados os factos seguintes: «23).- Ao longo das suas vidas os inventariados sempre pautaram a sua actuação para com os filhos pelos valores da justiça e equidade; Desde bem cedo que os inventariados procuraram incutir nos filhos o gosto pelo trabalho, e a ideia de que deveriam trabalhar todos com o mesmo objectivo, que era o de enriquecer o património familiar, e que um dia mais tarde este também lhes pertenceria; e Os inventariados, em vida, efectuaram, aos herdeiros legitimários, BB E EE, as doações, por conta da legitima, identificadas em II da relação de bens apresentada.» A Decisão em causa, no âmbito do recurso, deu como não provados os factos seguintes: h) Por altura do divórcio do cabeça de casal (em 2010/2011), os inventariados doaram ao cabeça de casal a quantia de cerca de 50.000,00€, para que este pudesse adquirir a parte da sua ex-cônjuge no apartamento que era de ambos e ainda liquidar diversos créditos ao consumo; j) Ao longo dos anos várias trocas de dinheiro entre os inventariados e os reclamantes, consoante as necessidades de liquidez de uns e outros; e k) Estas trocas configuravam empréstimos, e não doações, e como tal foram sempre liquidadas.» Quanto à motivação, resulta do Douto Despacho que os factos contantes dos itens 23º; 24º e 27º resultaram assentes por acordo das partes, expresso nos seus articulados.» «Por sua vez, quanto aos factos julgados não provados, assim resultaram de nenhuma prova ter sido efectuada quanto aos mesmos ou de estarem em contradição com os factos dados por provados […]. O Tribunal A Quo deu como provado/assente que «Os inventariados, em vida, efectuaram, aos herdeiros legitimários, BB E EE, as doações, por conta da legitima, identificadas em II da relação de bens apresentada», e na motivação bem andou o Tribunal a Quo na fundamentação desenvolvida. E ASSIM, o Despacho recorrido, no âmbito das doações já definiu os concretos termos e natureza das doações efectuadas, pelo que, nada mais há a apurar e consequentemente, não há qualquer necessidade de remeter para os meios comuns. Concretamente definiu os Doadores (Inventariados), os Donatários (Interessados BB e EE), os valores, as circunstâncias e termos em que foram efectuadas as doações e que foram realizadas por conta da legitima de cada herdeiro legitimário, e, como tal, sujeitas à colação. Sem necessidade de mais considerações, entendemos que, chegados aqui, deveria o Tribunal a Quo proferir Despacho que julgasse improcedente, por não provada, a reclamação à Relação de Bens apresentada pelo Interessado BB e consequentemente ordenar a manutenção na Relação de Bens das Doações efectuadas pelos Inventariados no item II da Relação de Bens (referencia ...38). Descendo ao caso sub judice o Tribunal a Quo, no essencial e em concreto, assenta a sua Decisão na fundamentação de direito ao seguinte argumento: «apurar se determinado capital foi doado, se foi total ou parcialmente legado, a que titulo e em que circunstancias foi doado e, assim se apurando, como deve integrar a herança a partilhar», tendo em conta que as considerações restantes são genéricas”. Já se encontra devidamente apurado o capital doado, a determinação de legado total, por conta da legitima e nas circunstâncias descritas na Relação de Bens, item II – Verbas 1 a 9, inclusive, e consequentemente, determinado como deve integrar a herança a partilhar, sujeitando tais doações à colação. Na fundamentação de direito, o Tribunal A Quo procedeu a um errado enquadramento legal dos factos dados como provados. Verifica-se contradição entre a matéria de facto dada como provada (e como não provada) e a fundamentação de direito e consequentemente o sentido da decisão. Senão vejamos, os Recorridos aceitam, reconhecem que receberam as doações descritas na Relação de Bens, item II – Verbas 1 a 9, mas alegam que foram efectuadas a título remuneratório e empréstimos e que já foram acertadas as contas. MAS a Decisão deu como não provados estes factos alegados nas respectivas Reclamações, BEM COMO deu como provado que foram efectuadas todas essas doações por conta da legitima dos herdeiros legitimários, os Interessados BB e EE”. Colocados os termos da controvérsia, cumpre agora apreciar e decidir. Como é consabido, a doação configura“uma atribuição patrimonial, que, consoante tem, ou não, por detrás um correlativo sacrifício suportado pelo beneficiário é onerosa ou gratuita. De entre estas ressaltam as liberalidades “inter vivos”, sendo que o artigo 940.º n.º 1 do Código Civil destaca a doação como “o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.” Mas, e como nota o Prof. I. Galvão Teles, “as doações, sendo normalmente contratos, apresentam, todavia, estrutura unilateral em determinada hipótese: quando se trate de doações puras feitas a incapazes, porque então produzem efeitos independentemente de aceitação em tudo o que aproveite aos donatários (art. 951.º, n.º 2)” – “Manual dos Contratos em Geral” – Refundido e Actualizado, 481. Só podem considerar-se doações as que têm origem no património do doador tendo, em consequência, natureza patrimonial, já que aumentam o património do donatário sob o ponto de vista económico. Ocorre um enriquecimento de uma parte operada por outra. Porém, as dádivas não obrigatórias, resultante dos usos sociais, como, v.g., a esmola e a gorjeta, não são verdadeiras doações, mas estas ainda se distinguem das doações remuneratórias (artigo 941.º do Código de Processo Civil) que, nas palavras do § 4.º do artigo 1454.º do Código de Seabra eram feitas “em atenção a serviços recebidos pelo doador que não tenham a natureza de dívida exigível”. Na vigência deste diploma, o Doutor Dias Ferreira (apud “Código Civil Anotado”, 3.ª, 432) escrevia: “a doação remuneratória refere-se a actos de gratidão que não produzem em direito efeitos civis. As doações em tese são quase sempre remuneratórias porque quase todas significam o reconhecimento de serviços; mas só têm em direito esta natureza quando o devedor declara positivamente que a doação é feita em remuneração de certos serviços”. A definição está agora no citado artigo 941.º (“… a liberdade remuneratória de serviços recebidos pelo doador, que não tenham a natureza de divida exigível.”) Refere a Dr.ª Rute Teixeira Pedro, in “Código Civil Anotado” 2017, I, 1161; “A consagração, a um tempo, como liberalidade e como obrigação civil da doação remuneratória suscita muitas dúvidas. A natureza remuneratória é dificilmente compatível com o espírito de liberalidade. Havendo um dever de reconhecimento de serviços prestados, está-se, pelo menos, muito próximo, de um «dever de ordem moral ou social» a que se refere o artigo 402.º. A inexigibilidade da «dívida» é outro elemento que aproxima esta figura da obrigação natural. Se a ideia da lei era a de consagrar aqui as prestações feitas «para além da remuneração dos serviços» melhor fora que o tivesse exprimido mais claramente.” Na perspectiva dos Profs. Pires de Lima e A. Varela, para que haja doação há que estar subjacente liberdade de espontaneidade. “Por isso se não pode considerar como doação, por falta daquele requisito, nem o cumprimento da obrigação natural nem o donativo conforme os usos sociais, mesmo que haja remuneração, como no caso da gorjeta. Não havendo, porém, nem o dever jurídico nem o dever moral ou social de remunerar o serviço, a liberalidade não representa uma «solutio», nem uma dação em cumprimento: é uma doação. É esta a solução a que conduz este artigo 941.º” (in “Código Civil Anotado”, 4.ª ed, II, 242). No fundo, as doações remuneratórias são actos de gratidão que, divergindo, embora, da liberalidade pura, por terem ínsitos um propósito de generosidade e uma espontaneidade, arredados de espírito interesseiro, como seja a expectativa de qualquer tipo de retribuição já que, na sua génese, nunca se encontra um dever jurídico de pagar. Por isso é que, a sua dogmática se afasta, de algum modo, da doação “normal”, já que, e v.g., não é revogável por ingratidão do donatário (artigo 975.º, alínea b) c) e beneficiam de um regime especial de redução das disposições testamentárias (n.º 3 do artigo 2172.º e n.º 2 do artigo 2173.º CC). Mau grado, e como acabámos de expor, as doações remuneratórias acabam por, nuclearmente, ficar sujeitas ao regime das doações com marca de exclusivo de liberalidade.[1] (…)” No sumário deste acórdão refere-se o seguinte: “A doação é uma atribuição patrimonial, que, consoante tem, ou não, por detrás um correlativo sacrifício suportado pelo beneficiário é onerosa ou gratuita. 2) Sendo normalmente contrato, apresenta, todavia, estrutura unilateral em determinada hipótese: quando se trate de doações puras feitas a incapazes, porque então produzem efeitos independentemente de aceitação em tudo o que aproveite aos donatários. 3) Só podem considerar-se doações as transferências que têm origem no património do doador tendo, em consequência, natureza patrimonial, já que aumentam o património do donatário sob o ponto de vista económico. 4) As doações são quase sempre remuneratórias porque quase todas significam o reconhecimento de serviços; mas só têm em direito esta natureza quando o devedor declara positivamente que a doação é feita em remuneração de certos serviços. 5) As doações remuneratórias são actos de gratidão que, divergindo, embora, da liberalidade pura, por terem ínsito um propósito de generosidade e uma espontaneidade, arredado de espírito interesseiro, como seja a expectativa de qualquer tipo de retribuição já que, na sua génese, nunca se encontra um dever jurídico de pagar”. Assim e concluindo, entende, em síntese, o Recorrente, que já se encontra como os bens doados devem ser determinados, como devem integrar a herança a partilhar, devendo tais doações serem sujeitas à colação. Ora, conforme se dispõe no nº 1), do artº 1204, do C.C., “os descendentes que pretendam entrar na sucessão do ascendente devem restituir à massa da herança, para igualação da partilha, os bens ou valores que lhes foram doados por este; esta restituição tem o nome de colação”. Conclui-se, assim, que este é um instituto destinado a proteger os herdeiros legitimários do donatário, a quem se procura garantir certa igualação na partilha, de acordo com a vontade presumida do de cuius, em ordem à concretização daquilo que se considera ser uma vontade presumida do autor da sucessão, pois que, será de presumir que quando o de cuius faz uma doação a descendentes legitimários ou despesas com estes que, de acordo com a lei, lhe são equiparáveis, não quer beneficiá-los. Mas, da aludida presunção logo resulta que este artº 2104º CC não deve ser visto como norma imperativa, mas apenas e só como norma supletiva, como tal, passível de ser afastada pela vontade do autor da sucessão. Na verdade, como refere Dias Ferreira, Cód. Civil, vol. IV, em anotação ao artº 2098º do CC de Seabra, a que corresponde o actual artº 2104º, “o fim principal da colação é a igualdade da partilha”. Está, assim, na base da colação a presunção de que o doador não quis beneficiar o seu presuntivo herdeiro legitimário “em detrimento dos outros, mas antecipar apenas a transferência da parte do seu património que há-de vir a competir-lhe” - Pires de Lima e Antunes Varela, na vigência do mesmo Código de Seabra, II, a pág. 405, do 2º volume das Noções Fundamentais de Direito Civil. Como é consabido e resulta do exposto, para se verificar a existência da nulidade de negócio celebrado contra disposição legal de carácter imperativo pressupõe-se ou exige-se, por um lado, que haja a violação de uma norma imperativa e, por outro, mesmo verificando-se este pressuposto, que, no próprio acto de celebração do negócio, os outorgantes estejam a atentar contra disposição legal imperativa. Tudo considerado, temos que, da aludida presunção logo resulta que este artº 2104º CC, como se disse, não deve ser visto como norma imperativa, mas apenas e só como norma supletiva, como tal, passível de ser afastada pela vontade do autor da sucessão. Assim, já Dias Ferreira, Cód. Civil, vol. IV, em anotação ao artº 2098º do CC de Seabra, a que corresponde o actual artº 2104º, escreveu que «o fim principal da colação é a igualdade da partilha». Está, assim, na base da colação a presunção de que o doador não quis beneficiar o seu presuntivo herdeiro legitimário «em detrimento dos outros, mas antecipar apenas a transferência da parte do seu património que há-de vir a competir-lhe» (Pires de lima e Antunes Varela, na vigência do mesmo Código de Seabra, II, a pág. 405, do 2º volume das Noções Fundamentais de Direito Civil). Procura-se, assim, que no momento da partilha dos bens todos os herdeiros legitimários recebam o mesmo. Sobre quais os descendentes a que se refere o artº 1204º CC, há que dizer que são apenas os que, quando tiveram lugar as liberalidades, eram presuntivos herdeiros legitimários do doador (artº 1205º CC). Efectivamente, como dissemos supra, sendo o fim principal da colação a igualdade da partilha, presumindo-se, por isso, que na base da colação está a presunção iuris tantum de que o doador não quis beneficiar o seu presuntivo herdeiro legitimário em detrimento dos outros, mas apenas antecipar a transferência da parte do seu património que há-de vir a competir-lhe (cfr. Lições de Direito das Sucessões, Rabindranath Capelo de Sousa, 1980/82, vol. II, a pág. 263, nota 1000), e tendo ficado provado que o que os doadores do imóvel em questão nos autos visaram foi beneficiar o seu descendente/donatário“com evidente intuito de prejudicar a legítima da autora”, logo seríamos tentados a concluir - como concluiu o apelante - que afastada ficou tal presunção, pelo que não haveria lugar à colação (ver Oliveira Ascensão, Direito Civil, Sucessões, Coimbra Editora, a pág. 359/360). Não é assim, porém - salvo sempre o devido respeito por diferente opinião. Efectivamente, esquece-se outro aspecto da questão.
É que, para os descendentes que eram presumíveis herdeiros legitimários do autor da sucessão, no momento em que foi feita a doação - ou despesas a ela equiparadas (ver artº 2104º, nº2 CC) - pelo ascendente/doador, ficarem obrigados à colação é, ainda, necessário considerar, designadamente, que, se é certo que pode o doador dispensar expressa ou tacitamente (artsº 2113º, nº2 e 217º, nºs 1 e 2 CC) a colação, quer no momento da doação, quer em momento posterior (ver Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, pág. 270, nota 398) -, o certo é, também, que se a doação tiver obedecido a alguma formalidade externa, a dispensa de colação tem necessariamente de revestir a mesma forma ou de ser feita por testamento, em conformidade com o disposto no artº 2113º, nºs 1 e 2 do CC. De facto, em matéria de forma, o acto de dispensa voluntária de doações da colação, segue o princípio da equivalência face à forma efectivamente usada [Repare-se que as partes podem inclusivamente, conforme resulta dos arts. 223º e 364º do CC, utilizar nas doações uma forma mais exigente do que a eventualmente exigida para as doações (artº 947º CC), caso em que também a cláusula ou o negócio jurídico da dispensa da colação têm de ser realizados no mesmo instrumento formal utilizado ou, posteriormente, em instrumento de igual rigor formal ou em testamento (nº2 do artº 2113º do CC)] para o acto da doação (artº 947º CC), pois o nº 2 do artº 2113º dispõe que «se a doação tiver sido acompanhada de alguma formalidade externa, só pela mesma forma, ou por testamento, pode ser dispensada a colação”. Quanto à declaração tácita, há que anotar que a mesma não só tem de resultar de factos inequívocos (isto é, que com toda a probabilidade revelem a vontade de dispensa (ver Ac. STJ de 13.02.1959, Bol. 84º, pág. 507), como ainda que, revestindo a dispensa carácter formal, tem esta forma de ser observada também quanto aos aludidos factos reveladores. Neste sentido, cfr. Laborinho Lúcio, Do fundamento e da dispensa da colação, 1967, págs. 130 segs. e Baptista Lopes, ob. cit., a pág. 206. Assim sendo, não pode entender-se ter havido dispensa válida de colação pelo doador e, como tal, não tendo o descendente/donatário repudiado a herança, a doação não pode deixar de ser imputada na quota indisponível do de cuius, ou seja, é imputada na legítima do descendente, constituindo apenas uma antecipação do preenchimento do respectivo quinhão hereditário (artº 2108º CC). No entanto, se visavam os doadores fazer tal dispensa expressa, não é menos certo que a mesma não consta de qualquer instrumento formal (da altura ou posterior) ou de testamento. E nem, sequer, tácita, pois também se não demonstra que os factos reveladores dessa (inequívoca) vontade de dispensa tenham sido submetidos à mesma exigência formal. Efectivamente, para haver colação é necessário que se tenha aberto uma sucessão hereditária em que concorram vários descendentes. A colação, apesar de ter por objecto liberalidades em vida, só é passível de realização após a abertura da sucessão, aquando da partilha hereditária e uma vez definidos quais os herdeiros descendentes capazes e aceitantes. “O que se compreende, para além de mais, pela mutabilidade do património do de cuius e do seu círculo de herdeiros; sendo certo que a vocação, a aceitação e a partilha hereditárias se fazem ou retroagem, como vimos, ao momento da abertura da sucessão. Por isso mesmo, para efeitos de colação, o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão” (nº 1 do artº 2109º do Cciv).” (Rabindranath Capelo de Sousa, ob. cit., pág. 274). A propósito da doação e da colação refere a decisão recorrida o seguinte: (…) “E o nº2, do artigo 947º, estatui, quanto à doação de coisas móveis, que “não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada de tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito”. - cfr Acórdãos da Relação Lisboa de 28/5/2015, processo 207/11.5TBVFC-B.L1-8 e de 15/11/12, processo 1241/10.8TJLSB-B.L1-2, ambos acessíveis in dgsi.net, onde se decidiu que a doação de coisas móveis não depende de qualquer formalidade externa quando acompanhada da tradição da coisa doada; não sendo, só pode ser feita por escrito. Deste modo, “a doação é, em princípio, um negócio formal, podendo, em certas situações, em alternativa, ser um contrato real quoad constitutionem. Assim, a regra é a de que as declarações negociais do doador e do donatário devem revestir forma especial, escapando à aplicação da regra geral do art. 219º. (…). Se a doação tiver por objecto uma coisa móvel, deve, em princípio, ser celebrada por escrito, nos termos da parte final do art. 947º, nº2. Ressalva-se apenas, quanto aos móveis, a situação de, concomitantemente à aceitação, se verificar tradição da coisa para o donatário. Nesse caso, a tradição, sendo considerada um elemento constitutivo do contrato, torna dispensável a forma exigida. Estas doações de móveis – denominadas doações manuais – constituem contratos reais quoad constituionem. (…) A razão da exigência de forma ou de tradição da coisa servem o propósito idêntico de garantir a devida ponderação do doador, quanto ao ato que vai celebrar. A falta de observância do disposto no art. 947º dita a nulidade do contrato de doação (art. 220º)” - Ana Prata (Coord.), idem, págs. 1171 e seg. e Acórdão do STJ de 16/6/2016, processo 865/13.6TBDL.L1.S1, in dgsi.net, cujo relator foi o Senhor Juiz Conselheiro Tomé Gomes onde se refere que “A validade de doação verbal de coisa móvel depende da prova de que essa doação foi acompanhada da entrega da coisa doada, nos termos do artigo 947º,nº2, 1ª parte do CC.”. A doação tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a assunção da obrigação, quando for esse o objecto do contrato (art.º 954º). Na doação ocorre, por isso, sempre, uma atribuição patrimonial geradora de um enriquecimento que advém de uma transferência do doador para o donatário, esta transferência pode ser de um direito de propriedade, de um direito real, ou mesmo de um direito de crédito e pode a transferência resultar do pagamento ou assunção de dívida do donatário. Estatui o nº1, do art. 2104º que “Os descendentes que pretendam entrar na sucessão do ascendente devem restituir à massa da herança para igualação da partilha, os bens ou valores que lhes foram doados por este: esta restituição tem o nome de colação”. Tudo isto considerado, “pretendem os interessados que se considere que a doação que lhe foi efectuada pelos pais se encontram dispensadas de colação. Como se refere na decisão recorrida, como fundamento dessa decisão, o “instituto da colação visa a igualação dos descendentes na partilha do de cujus, mediante a restituição fictícia à herança dos bens que foram doados em vida por este a um deles. - Ac. da Relação de Lisboa de 2/7/2009, processo 11687/06.0TBOER-A.L1-8, acessível in dgsi.net E reveste carácter facultativo, porque pode ser afastada pelo de cujus ou pode ser evitada pelo descendente, não entrando na sucessão (cfr. Oliveira Ascensão in “Direito Civil Sucessões” 1987, pág. 493) (20). Em caso de dispensa de colação, conclui-se que o autor da sucessão quis avantajar o descendente e então a imputação não é feita na sua legítima subjectiva, mas pelo contrário na quota disponível e só se a extravasar será feita na quota indisponível. - Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, volume II, 2017, Almedina, pág. 1019 De outro passo, a dispensa de colação não se presume: a sua dispensa pelo doador há-de resultar de uma declaração positiva do mesmo – expressa ou tácita (mas concludente) – e feita pela mesma forma que assumiu a doação”. – cfr. neste sentido Ac. da Relação do Porto de 3/7/2008, processo 0832820. Já assim não será nas doações manuais e nas remuneratórias, nas quais a colação se presume sempre dispensada. Ora, doação manual são as doações verbais de coisas móveis acompanhadas da sua tradição manual, isto é, da transmissão da sua posse, da entrega pelo doador ao donatário da(s) coisa(s), entrega essa que nada obriga que seja contemporânea da própria declaração verbal do doador, e que não necessitam de ser provadas por documento. – V. Abílio Neto, Direito das Sucessões r Processo de Inventário Anotado, Outubro de 2017, Ediforum, pág 266-267. Tendo em conta este quadro normativo, os factos alegados para o efeito, na reclamação e resposta e a prova que, nestes autos, se produziu, constata-se que o processo de inventário se revela, nesta parte, inadequado e insuficiente para a resolução desta concreta questão, quer atenta a natureza da questão e a definição da situação factual subjacente - apurar se determinado capital foi doado, se foi total ou parcialmente legado, a que titulo e em que circunstancias foi doado e, assim se apurando, como deve integrar a herança a partilhar -quer em atenção à prova a produzir com esse objectivo, uma vez que aquela complexidade da matéria de facto, pode eventualmente envolver uma averiguação aturada e circunstanciada com longa duração de prova, que não se compadece com a instrução sumária feita no inventário. Pese embora, devam ser resolvidas no inventário todas as questões que possam influir na partilha, situações há que em que a natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, aconselham a que não devam ser incidentalmente decididas, i. é, quando a sua solução no processo de inventário, observando os termos de um incidente, se torna inconveniente face à redução das garantias das partes. Ora, no caso dos autos, do simples enunciado da factualidade atinente às questões suscitadas resulta que a decisão das mesmas implica um esforço probatório que não pode ser sumário, sendo certo que, a prova indicada, foi extremamente sumária e ligeira. E por ser assim, tendo, sobretudo, em conta considerações de ordem de justiça material, de que efectivamente só deverão ser relacionados bens pertencentes ao inventariado e que devam ser partilhados, tomando ainda em linha de conta o princípio do respeito pelas garantias do contraditório, determino a remessa dos interessados para os meios comuns, onde, com superiores garantias para os intervenientes, se apure dos concretos termos e natureza das doações efectuadas, posto que se encontra assente que as mesmas ocorreram”. (…) Ora de tudo resulta que a prova produzida, sendo, como se disse, extremamente sumária e ligeira, dada a natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, quando a sua solução no processo de inventário, observando os termos de um incidente, se torna inconveniente face à redução das garantias das partes, sendo certo que os meios comuns conferem superiores garantias para os intervenientes, no apuramento dos concretos termos e natureza das doações efectuadas. Na verdade as conclusões que podem ser extraídas dos autos não revelam a consistência suficiente, pois que, se os Recorridos aceitam, reconhecem que receberam as doações descritas na Relação de Bens, item II – Verbas 1 a 9, mas alegam que foram efectuadas a titulo remuneratório e empréstimos e que já foram acertadas as contas, a Decisão deu como provado que foram efectuadas todas essas doações por conta da legitima dos herdeiros legitimários, os Interessados BB e EE, ou seja, na da esclarecem sobre tal factualidade. Destarte, e por decorrência, improcede, na íntegra, a presente apelação, mantendo-se a decisão recorrida. RECURSO SUBORDINADO.
Cumpre antes de mais proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto pretendida pela Apelante/Ré pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito. Ora, como resulta do disposto nos artigos 640 e 662º do C.P.C., o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados. A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância. Contudo, nesta actividade, como se refere no acórdão da Relação de Guimarães, de 26/09/2018[2], os poderes do Tribunal da Relação não podem ser restritivamente circunscritos à simples apreciação do juízo valorativo efectuado pelo julgador a quo, ou seja, ao apuramento da razoabilidade da convicção formada pelo juiz da primeira instância face aos elementos probatórios disponíveis no processo, devendo antes a Relação, fazendo jus aos poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, efectuar uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de formar uma convicção autónoma), alterando a decisão caso adquira, face a essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder, uma diversa convicção[3]. A análise crítica dos elementos probatórios (em ordem à justificação racional da decisão – elemento verdadeiramente estruturante e legitimador desta, que lhe confere a natureza de decisão, afastando-a do que seria uma simples imposição judicial) consiste na sua apreciação e valorização, tanto individual como conjugada (na sua relacionação reversiva – na sujeição dos elementos probatórios a mútuos testes de compatibilidade), à luz das regras da normalidade, da verosimilhança, do bom senso e experiência da vida (das leis da ciência, quando for o caso). Os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência. Mas, como é óbvio, e convirá realçar, a liberdade na apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária das provas produzidas, uma vez que o inerente dever de fundamentação do resultado alcançado impedirá a possibilidade de julgamentos despóticos. À luz de tudo o exposto importa agora sindicar a decisão da matéria de facto, averiguando se as respostas impugnadas foram ou não proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório aplicáveis. Ora, como resulta do supra exposto, os Recorrentes impugnam a materialidade fixada na decisão recorrida alegando como fundamento que o Tribunal recorrido considerou como provados e não provados, respectivamente, os factos a seguir referidos, os quais, contudo, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida nos autos, deveriam ter obtido uma resposta de sentido diverso. Ora, como resulta do supra exposto, o Recorrente impugna a materialidade fixada na decisão recorrida alegando como fundamento que o Tribunal recorrido considerou como provados e não provados, respectivamente, os factos a seguir referidos, os quais, contudo, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida nos autos, deveriam ter obtido uma resposta de sentido diverso, nos termos a seguir referidos. Assim, em seu entender, os factos a seguir referidos tidos como demonstrados, devem ser alterados e considerados como não provados e provados, respectivamente, e que são os seguintes: Factos provados:
4) A inventariada sofreu dois AVC’s, o primeiro em dezembro de 2014 e o segundo em outubro correu termos neste douto tribunal, 11) À data do óbito do inventariado, o mesmo era cotitular, juntamente com a inventariada, da conta bancária à ordem com o IBAN: ...98, sedeada na agência de V... do Banco 1..., SA., e que podia ser movimentada por ambos os cotitulares, na qual, a 29-06-2018, se encontravam depositados € 3.597,23; 16) A 30 de maio, foi efectuada uma transferência de € 4.000,00 da conta referida em 12) para uma conta titulada pela inventariada DD. 27) Os inventariados, em vida, efectuaram, aos herdeiros legitimários, BB E EE, as doações, por conta da legitima, identificadas em II da relação de bens apresentada. Factos Não Provados:
a) À data do óbito do inventariado, a inventariada não estava na posse de todas as suas capacidades, físicas e mentais; c) O cabeça de casal, por conta da administração da herança dos inventariados, procedeu à movimentação das contas que integram agora a herança, tendo gerido as mesmas como bem lhe aprouve; d) O cabeça de casal, em 18/05/2018, procedeu ao levantamento em numerário de 4.005,20€ da conta à ordem nº ...20, de que os inventariados eram titulares no Banco 1...; e) E mobilizou o depósito a prazo que existia nessa instituição financeira, no valor de 10.355,43€, colocando-o à ordem; f) Em 30/05/2018, o cabeça de casal transferiu desse depósito a quantia de 4.000,00€ para uma conta que abriu nesse mesmo dia e banco com a inventariada DD, e na qual o cabeça de casal figura como cotitular; l) Foi acordado entre mutuários e mutuantes que o empréstimo concedido ao cabeça de casal e companheira vencia juros sobre a quantia mutuada à taxa anual de 2,6%. n) O cabeça de casal omitiu o relacionamento de vários bens pertença da herança e afastou o reclamante e interessado EE das dinâmicas e contas da herança, apropriando-se da documentação, dinheiros e bens supra indicados, com o intuito de se apropriar deles e prejudicar os restantes herdeiros; o) o cabeça de casal omitiu informação relevante para a decisão nos presentes autos com intuito de se apropriar de bens que pertencem à herança. Sendo estes os factos impugnados, cumpre então analisar se o modo como foram valorados meios de prova produzidos respeitou as regras e princípios do direito probatório. Ora, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância[4]. Importa, porém, não esquecer que se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. O legislador ao determinar e afirmar que a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto, designadamente, se a prova produzida ou documento superveniente impuseram decisão diversa – artigo 662, nº1, do C.P.C. -, pretendeu que o tribunal de 2.ª instância fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto. O Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição[5], está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade. Este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. Impõe-se-lhe, assim, que se “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a- formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”[6]. Como é consabido, para que se possa considerar sustentada a análise ou explanação crítica da prova produzida em que se fundamenta a impugnação, deve deixar de modo claro, linear e consistente, explicitadas as razões da sua discordância com a decisão recorrida, de molde a que se entenda, por um lado, por que razões se considera que, com fundamento nos meios probatórios produzidos e de que o tribunal também se serviu e valorou deveriam ser extraídas conclusões diversas das retiradas na decisão recorrida, justificando, desse modo, as pretendidas alterações dos factos impugnados no sentido de se considerarem provados ou não provados, respectivamente, e, por outro, esclarecer por que razões errou o tribunal na interpretação que fez desses meios de prova. Ou seja, e dito de outro modo, “na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção. (…) Para desencadear a reapreciação pelo Tribunal da Relação, a parte tem de colocar uma questão a este tribunal. Ora, só coloca uma questão se elaborar uma argumentação que se oponha à argumentação produzida pelo juiz em 1.ª instância, colocando então o tribunal de recurso perante uma questão a resolver. (…) “Os depoimentos das testemunhas, que a ora apelante pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pelo tribunal recorrido, de molde a levarem à alteração da matéria de facto, são, consabidamente, como acima se deu nota elementos de prova a apreciar livremente pelo tribunal (cfr. artigos 396.º do Cód. Civil e 607.º, nº 5 do CP Civil). Portanto, se o tribunal recorrido entendeu valorar diferentemente da ora recorrente tais depoimentos, não pode esta Relação pôr em causa, sem mais, a convicção daquele, livremente formada, tanto mais que dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este tribunal ad quem não detém aqui, pois que, se a Relação deve formar a sua própria e autónoma convicção, a verdade é que, como acima se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta”.[7] Incumbe, assim, ao juiz o dever de indicar os “fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade aquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, sendo certo que tal exigência de motivação não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão”, já que através “dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente”[8]. Ora, como decorre do exposto, na motivação da matéria facto tribunal recorrido formou a sua convicção com fundamento nos elementos de prova, que identificou, e fez a valoração de tudo ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, dando mais relevância a uns elementos de prova em detrimento de outros que, fundadamente, entendeu não possuírem idêntica credibilidade. Isto considerado, passando á análise dessa prova produzida, e depois de integralmente ouvida a prova gravada, concluímos que, desde logo, e em primeiro lugar, que a motivação da decisão recorrida (para a qual se remete) reproduz com integridade o seu conteúdo, nada havendo a apontar, e, por outro lado, que, efectivamente, ela não enferma de relevantes fragilidades ou inconsistências intrínsecas ou desconformidades, havendo, por isso, muito pouco, ou mesmo nada, a acrescentar ou a corrigir ao que consta dessa motivação. Passemos então à análise da impugnação que é feita de modo individualizado para cada facto.
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Facto 4), dos provados.
Ora alega o Recorrente que a parte final do facto provado 4) constitui um lapso de escrita, pois que ali se escreve que a inventariada sofreu o segundo (AVC) “em outubro correu termos neste douto tribunal”. Resultando tal facto assente por acordo das partes, expresso nos seus articulados, e esclarecendo-se aí que a inventariada sofreu o segundo AVC em 29/10/2017 (o que é confirmado também pelas perícias médico-legais juntas aos autos), deverá ser corrigido o lapso de escrito ali patente, passando o quesito 4) a ter a seguinte redacção: 4) A inventariada sofreu dois AVC’s, o primeiro em dezembro de 2014 e o segundo em outubro de 2017. No que concerne a este facto assiste ao Recorrente inteira razão, pelo que se determina a efectuação da aludida rectificação.
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Facto 11, dos provados.
Com relação ao facto provado 11), alega o Recorrente que se encontra também um lapso, pois que a conta bancária ali descrita não era titulada pelo inventariado, mas ao invés pela inventariada e pelo cabeça de casal, tendo sido aberta a 30/05/2018, após o óbito do inventariado (Vide documento nº ... da reclamação). Das posições assumidas pelas partes nos seus articulados (artigo 20º e 50º da reclamação do recorrente; artigos 27º e 45º da resposta à reclamação pelo cabeça de casal) conjugados com o documento nº ... da reclamação do recorrente e os documentos nº ... e ... apresentados pelo cabeça de casal no requerimento datado de 12/10/2020 (referência Citius ...38), resulta o seguinte facto provado, pelo que deverá ser corrigido em conformidade: 11) À data do óbito do inventariado, o mesmo era cotitular, juntamente com a inventariada, da conta bancária à ordem com o IBAN: ...98, sedeada na agência de V... do Banco 1..., SA., e que podia ser movimentada por ambos os cotitulares, na qual, a 29-06-2018, se encontravam depositados € 3.597,23; Relativamente a este facto assiste igualmente inteira razão ao Recorrente, razão pela qual igualmente se determina a sua rectificação.
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Facto 16, dos provados.
Na sequência dos documentos e peças processuais analisadas para o facto anterior, verifica-se que a transferência de 4.000,00€ efectuada a 30/05/2018 da conta referida em 12), teve como destino a conta bancária titulada pela inventariada DD e pelo cabeça-de-casal, pelo que o artigo 16) deve ser corrigido em conformidade, passando a constar dele: 16) A 30 de maio, foi efectuada uma transferência de € 4.000,00 da conta referida em 12) para uma conta identificada em 11), titulada pela inventariada DD e pelo cabeça de casal. Com relação a este facto assiste também inteira razão ao Recorrente, razão pela qual igualmente se determina a sua rectificação.
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Facto 27, dos provados.
Alega o Recorrente que “o facto elencado sob o número 27 deverá passar para o elenco de factos não provados, porquanto nenhuma prova foi feita que o permitisse corroborar. A motivação da sentença recorrida incorre em erro ou lapso quando invoca que tal facto resultou assente “por acordo das partes, expresso nos seus articulados.” Não existiu qualquer acordo das partes quanto à existência de doações, por conta da legítima, e tão pouco quanto à existência das concretas doações identificadas em II da relação de bens apresentada. Pelo contrário, o recorrente BB expressamente negou que a verba nº2 (do capítulo II – Doações) correspondesse a qualquer doação ou entrega de dinheiro ou bens pelos inventariados. Já quanto às verbas 1, 3 e 4 do capítulo II – Doações, o recorrente declarou sempre que as quantias de dinheiro que os inventariados lhe entregaram (e que entregaram também aos outros irmãos) tiveram um carácter remuneratório. Ao invés, o cabeça de casal prestou declarações de parte em que assumiu que as quantias entregues aos irmãos pelo pai se destinavam a “acertar contas”, pois que estes haviam “prestado serviços aos inventariados” no âmbito da actividade profissional destes (minuto 05:13 a 05:19, minuto 05:25 a 05:41, minuto 05:48 a 06:12, minuto 32:38 a 33:08, minuto 34:14 a 34:18, minuto 35.05 a 35:45, minuto 36:03 a 36:20 e minuto 37:00 a 37:09). Pelo que, em face da posição assumida nas reclamações, conjugadas com as declarações prestadas em audiência pelo cabeça de casal, deverá ao invés julgar-se provado que: Os reclamantes prestaram serviços aos inventariados ao longo de grande parte da sua vida, colaborando intensivamente na actividade profissional destes, trabalho este, assumido por todos os elementos da família como tal, cuja remuneração estaria prometida para mais tarde, quando fossem adultos. As verbas descritas nos nºs 1, 3 e 4 são doações efectuadas para remunerar o trabalho prestado pelo reclamante BB, nos termos do descrito em 27). No que concerne a este facto, como refere o Recorrido, o próprio Recorrente confessou que recebeu as doações em causa, na sua reclamação à relação de bens. – veja-se artigos 119 a 131, da Douta Reclamação e artigo 18 do Douto Recurso. Admite ter recebido doações, todas as doações enunciadas pelo Cabeça de Casal, apenas pretende dar-lhe outra “roupagem”: não quer considerar doações legitimas, porque não quer que sejam sujeitas à colação, quer ser beneficiado injustamente à custa do correlativo prejuízo dos irmãos. No essencial, o Recorrente defende que tais doações são remuneratórias pelos serviços recebidos pelos doadores, ou manuais, e, por isso, não sujeitas à colação, sendo que, neste âmbito apenas foram tomadas as declarações dos herdeiros, sendo que cada um contou a longa historia da sua vida, e, afinal todos trabalharam e ajudaram os Pais para obterem o património que faz parte da herança. Assim, não foi realizada mais qualquer prova que corroborasse a tese do Recorrente. Improcede, assim, nesta parte a presente reclamação.
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Facto da alínea a), dos factos não provados. “a) À data do óbito do inventariado, a inventariada não estava na posse de todas as suas capacidades, físicas e mentais;” Alega o Recorrente que “o inventariado faleceu a .../.../2018, e a inventariada DD sofreu um primeiro AVC em Dezembro de 2014 e um segundo AVC em Outubro de 2017. Na perícia médico-legal realizada a 14/02/2019, ou seja, após o óbito do inventariado, a inventariada apresentava “sequelas neurológicas e mentais” e “encontra-se impossibilitada para a administração parcial dos seus bens”, concluindo o Sr. Perito que ”a examinanda apresente uma incapacidade parcial para poder gerir os seus bens.” Aliás, resulta comprovado nos autos que, mesmo em 24/10/2019, isto é, cerca de uma semana antes da sua morte, a inventariada ainda apresentava sequelas neurológicas e mentais, que se repercutiam no seu raciocínio, podendo apresentar dificuldades em conseguir gerir os seus bens de natureza patrimonial e situações que envolvam vendas, compras de bens de valor ou empréstimos, evidenciando-se na perícia processos de facilitismo e desvalorização”. Por sua vez, alega o Recorrido que “quanto ao ponto do facto constante da alínea a): o Recorrente não pode ter a pretensão de considerar como provado este facto, porquanto este não é o processo apropriado para o efeito. Nesse sentido correu termos o processo de acompanhamento de maior que, infelizmente, não chegou a final, não tendo sido proferida sentença, ou seja, não foi declarada qualquer tipo de incapacidade ou limitação da Inventariada DD. É certo que foram juntas aos autos duas perícias médico legais realizadas em 14.02.2019 e 24.10.2019, sendo certo que ficou devidamente demonstrado que entre a primeira e a segunda perícia houve uma grande melhoria do estado de saúde da Inventariada, tendo em conta as diversas e frequentes terapias a que foi sujeita e sempre acompanhada pelo Cabeça de Casal, pelo que, neste âmbito não é possível avaliar/determinar o grau de incapacidade desta. Com este facto, o Recorrente pretende incluir na relação de bens os valores movimentados pela Inventariada, sendo certo que resulta de forma bem claro da Douta Sentença e da Lei, sem necessidades de mais considerações, que apenas é relacionado o saldo bancário existente à data do óbito, o que se verificou”. Das conclusões da segunda perícia consta o seguinte: (…) 1° - A Examinanda DD na sequência de AVC que ocorreu em 2017, apresenta sequelas neurológicas e mentais. Essas sequelas repercutem-se sobretudo na linguagem e raciocino. Na avaliação constata-se que estes défices podem ser acentuados em situações de maior tensão e exigência. 2° - Foi evidente na avaliação realizada a melhoria em relação à avaliação anterior. 3° - De acordo com o previsto no artigo 145° do Código Civil a Examinanda poderá ter algumas dificuldades em conseguir gerir bens de natureza patrimonial, situações que envolvam vendas ou compras de bens de valor ou situações de empréstimos. Há alguns processos de facilitismo e alguma desvalorização que podem dificultar a sua execução nesta área. 4° - Dando resposta ao artigo 147° do CC em relação aos seus direitos pessoais a Examinanda mantém a sua capacidade de discernimento da realidade, a sua capacidade de avaliação, a nível da vontade e também da sua capacidade de decisão, pelo que não existe qualquer limitação á sua capacidade para poder exercer os seus direitos pessoais. A Examinanda tem noção da necessidade de ajuda pelo que pode recorrer a pessoas de confiança para poder ultrapassar as suas dificuldades.
De tudo resulta que o facto em apreço não logrou adesão de prova, ou seja,de que na “data do óbito do inventariado”, a inventariada não estivesse “na posse de todas as suas capacidades, físicas e mentais” razão pela qual, improcede, neste aspecto, a presente apelação.
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Facto da alínea c), d), e) e f), dos factos não provados.
“c) O cabeça de casal, por conta da administração da herança dos inventariados, procedeu à movimentação das contas que integram agora a herança, tendo gerido as mesmas como bem lhe aprouve;” d) O cabeça de casal, em 18/05/2018, procedeu ao levantamento em numerário de 4.005,20€ da conta à ordem nº ...20, de que os inventariados eram titulares no Banco 1...; e) E mobilizou o depósito a prazo que existia nessa instituição financeira, no valor de 10.355,43€, colocando-o à ordem; f) Em 30/05/2018, o cabeça de casal transferiu desse depósito a quantia de 4.000,00€ para uma conta que abriu nesse mesmo dia e banco com a inventariada DD, e na qual o cabeça de casal figura como cotitular. Alega o Recorrente que na resposta à sua reclamação, o cabeça de casal declarou que “A movimentação das contas alegada no artigo 17º da Reclamação foi realizada pela Inventariada DD referente à parte que lhe pertencia e pelo Cabeça de Casal ao abrigo dos poderes de administração. (Vide artigo 23º da resposta, sublinhado nosso). Pelo que admite o cabeça de casal que movimentou as contas que integram a herança, por conta da administração dos inventariados, sendo assim forçoso considerar este facto assente por acordo das partes, expresso nos articulados. Quanto à ressalva que o cabeça de casal faz de que a inventariada DD procedeu ao levantamento de diversas quantias no banco, procedeu a mobilizações de depósitos a prazo, cumpre notar o seguinte. Resultou provado nos autos que a inventariada DD não estava capaz de, por si, decidir gerir os seus bens de natureza patrimonial, nem de tomar decisões em situações que envolvam vendas, compras de bens de valor ou empréstimos (Vide factos provados 5 e 7). Da contestação apresentada pela inventariada no processo de acompanhamento de maior, esta reconhecia que “A gestão corrente, como seja, pagamento de água, luz, telefone, televisão, impostos, realização de vistoria dos veículos automóveis, efectivação de compras de produtos alimentares, de higiene pessoal e do lar, etc, é assegurada pelo Filho AA.” (Vide artigo 34º da contestação, pgs. 56 e 57 do Doc. nº... da reclamação). A verdade é que, não obstante a inventariada acompanhasse o cabeça de casal às instituições bancárias e aí desse indicações no sentido de abrir uma conta ou movimentar as contas existentes, as suas decisões não eram formadas de modo autónomo e são. Pois que, após o óbito do inventariado, e pelo menos até 14/02/2019, data da primeira perícia a que foi submetida, a inventariada, apesar de identificar o valor facial do dinheiro, não tinha uma real noção do seu valor, nem sabia operar com ele, não conseguia dizer o valor da sua pensão, ou dos custos que tinha no seu trabalho ou em casa, e muito menos tinha noção do custo dos bens essenciais (Cfr. Doc.... da reclamação, pg.49). Do mesmo modo, apresentava “dificuldades de compreensão de questões, nomeadamente situações que envolvessem o recurso a funções executivas.” Encontrando-se a sua “capacidade de organização e planeamento (…) fragilizada pelos seus défices”. (Cfr. Doc.... da reclamação, pg.49). Foi o cabeça de casal quem orientou todas as decisões financeiras da inventariada após o óbito do inventariado, indicando-lhe o que era necessário fazer, e tomando conta de toda a gestão do património. Mesmo as pequenas tarefas relacionadas com pagamentos, que a inventariada só começou a fazer muito mais tarde, já próximo da data do seu decesso, eram supervisionadas e orientadas pelo cabeça de casal. Pelo que as decisões relacionadas com a movimentação das contas bancárias foram todas tomadas pelo cabeça de casal, ainda que se admita que este pudesse consultar a inventariada. Até porque era necessária a colaboração desta para a movimentação das contas. Ponto assente é o de que a inventariada não estava capaz de tomar tais decisões por si, espontânea e autonomamente. E por isso a gestão foi sempre realizada pelo cabeça de casal”. Na verdade, como se refere na decisão recorrida, “atendeu ainda o Tribunal às declarações de parte dos interessados, as quais, no essencial, reproduziram as respectivas peças processuais, e que, por isso, mereceram alguma reserva do tribunal quanto à credibilidade a conferir às mesmas, até pelo evidente clima de crispação e conflito que ressumou das mesmas. Ponderou igualmente o depoimento das testemunhas arroladas – JJ, KK, LL, MM, NN e OO – as quais, prestaram um depoimento credível e genuíno quanto aos factos de que tiveram conhecimento directo, contribuindo assim, e também, para a formação da convicção do tribunal nos termos exarados”, tendo aquela KK, funcionária bancária, “referido que conhecia bem a D. DD, no exercício das sua funções de funcionaria bancaria, que atendia varias vezes a Senhora, primeiro sozinha, depois acompanhada do Filho AA, que acompanhou a evolução positiva do seu estado de saúde e assegurou que a mesma tinha a vontade esclarecida, não influenciada, que era pessoa determinada e não deixava que mandassem nela”. E isto também nos tempos em que era acompanhada pelo filho que nunca de modo objectivo, consistente e claro afirmou que ela estivesse completamente incapaz. E, efectivamente, em nosso entender, a prova produzida permite consolidar tal factualidade como demonstrada, razão pela qual se considera provada a seguinte factualidade considerada como indemonstrada: “c) O cabeça de casal, por conta da administração da herança dos inventariados, procedeu à movimentação das contas que integram agora a herança, tendo gerido as mesmas como bem lhe aprouve;” d) O cabeça de casal, em 18/05/2018, procedeu ao levantamento em numerário de 4.005,20€ da conta à ordem nº ...20, de que os inventariados eram titulares no Banco 1...; e) E mobilizou o depósito a prazo que existia nessa instituição financeira, no valor de 10.355,43€, colocando-o à ordem; f) Em 30/05/2018, o cabeça de casal transferiu desse depósito a quantia de 4.000,00€ para uma conta que abriu nesse mesmo dia e banco com a inventariada DD, e na qual o cabeça de casal figura como cotitular. Procede, assim, nesta parte a presente apelação.
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Facto da alínea l, dos factos não provados.
“l) Foi acordado entre mutuários e mutuantes que o empréstimo concedido ao cabeça de casal e companheira vencia juros sobre a quantia mutuada à taxa anual de 2,6%.” No que respeita a este facto as declarações do cabeça de casal revestem-se de um caracter conjectural e, consequentemente, nada consistente, sendo que, e por outro lado, como refere o Recorrido, está-se perante um documento autêntico celebrado entre os Inventariados e uma terceira pessoa, não podendo os herdeiros fazer acordos ou tecer considerações acerca do assunto que em nada vincula a mutuaria. Improcede, assim, também nesta parte a apelação.
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Facto da alínea n), dos não provados. Com relação a este facto, como salienta o Recorrido, entendeu não haver crédito e, por isso não o relacionou, dando para o facto uma explicação, e, tendo o Recorrente reclamado, o CC fez a vontade e relacionou, não tendo o Cabeça de Casal não consegue fazer qualquer prova desse facto. Improcede, assim, quanto a este facto a presente apelação.
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Facto da alínea o), dos não provados. “o) o cabeça de casal omitiu informação relevante para a decisão nos presentes autos com intuito de se apropriar de bens que pertencem à herança.” Relativamente ao argumentário do Recorrente (constante das alegações) relativamente a tal facto. e até sem cuidar da questão de esclarecer da sua consistência e veracidade, entende que ele não se reveste da amplitude, profundidade e consistência para suportar a demonstração do aludido facto. Na verdade, se, como alega o Recorrente, o cabeça de casal se encontra no domínio de todos os bens da herança, nomeadamente, dos frutos da herança, sendo que nunca repartiu os seus dividendos com os interessados, nada permite concluir que pretenda ficar com eles que os não reponha à herança. Improcede, assim nesta parte a apelação.
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DAS DOAÇÕES REMUNERATÓRIAS E CONSEQUENTE ELIMINAÇÃO DA RELAÇÃO DE BENS. Alega o Recorrente, em síntese, que o Tribunal a quo considerou não estar em condições de avaliar os concretos termos e natureza das doações relacionadas face à instrução sumária que é característica do processo de inventário. Todavia em seu entender, considerando tudo quanto já se escreveu supra a respeito do facto provado 27), e que aqui se dá por reproduzido (vide supra artigos 15º a 33º), a natureza remuneratória das doações efectuadas está devidamente comprovada nos autos. A propósito desta temática remete-se para o que já se disse no recurso principal interposto nestes autos, e que é o seguinte: (…) Assim, já Dias Ferreira, Cód. Civil, vol. IV, em anotação ao artº 2098º do CC de Seabra, a que corresponde o actual artº 2104º, escreveu que «o fim principal da colação é a igualdade da partilha». Está, assim, na base da colação a presunção de que o doador não quis beneficiar o seu presuntivo herdeiro legitimário «em detrimento dos outros, mas antecipar apenas a transferência da parte do seu património que há-de vir a competir-lhe» (Pires de lima e Antunes Varela, na vigência do mesmo Código de Seabra, II, a pág. 405, do 2º volume das Noções Fundamentais de Direito Civil). Procura-se, assim, que no momento da partilha dos bens todos os herdeiros legitimários recebam o mesmo. Sobre quais os descendentes a que se refere o artº 1204º CC, há que dizer que são apenas os que, quando tiveram lugar as liberalidades, eram presuntivos herdeiros legitimários do doador (artº 1205º CC). Efectivamente, como dissemos supra, sendo o fim principal da colação a igualdade da partilha, presumindo-se, por isso, que na base da colação está a presunção iuris tantum de que o doador não quis beneficiar o seu presuntivo herdeiro legitimário em detrimento dos outros, mas apenas antecipar a transferência da parte do seu património que há-de vir a competir-lhe (cfr. Lições de Direito das Sucessões, Rabindranath Capelo de Sousa, 1980/82, vol. II, a pág. 263, nota 1000), e tendo ficado provado que o que os doadores do imóvel em questão nos autos visaram foi beneficiar o seu descendente/donatário “com evidente intuito de prejudicar a legítima da autora”, logo seríamos tentados a concluir - como concluiu o apelante - que afastada ficou tal presunção, pelo que não haveria lugar à colação (ver Oliveira Ascensão, Direito Civil, Sucessões, Coimbra Editora, a pág. 359/360). Não é assim, porém - salvo sempre o devido respeito por diferente opinião. Efectivamente, esquece-se outro aspecto da questão.
É que, para os descendentes que eram presumíveis herdeiros legitimários do autor da sucessão, no momento em que foi feita a doação - ou despesas a ela equiparadas (ver artº 2104º, nº2 CC) - pelo ascendente/doador, ficarem obrigados à colação é, ainda, necessário considerar, designadamente, que, se é certo que pode o doador dispensar expressa ou tacitamente (artsº 2113º, nº2 e 217º, nºs 1 e 2 CC) a colação, quer no momento da doação, quer em momento posterior (ver Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, pág. 270, nota 398) -, o certo é, também, que se a doação tiver obedecido a alguma formalidade externa, a dispensa de colação tem necessariamente de revestir a mesma forma ou de ser feita por testamento, em conformidade com o disposto no artº 2113º, nºs 1 e 2 do CC. De facto, em matéria de forma, o acto de dispensa voluntária de doações da colação, segue o princípio da equivalência face à forma efectivamente usada [Repare-se que as partes podem inclusivamente, conforme resulta dos arts. 223º e 364º do CC, utilizar nas doações uma forma mais exigente do que a eventualmente exigida para as doações (artº 947º CC), caso em que também a cláusula ou o negócio jurídico da dispensa da colação têm de ser realizados no mesmo instrumento formal utilizado ou, posteriormente, em instrumento de igual rigor formal ou em testamento (nº2 do artº 2113º do CC)] para o acto da doação (artº 947º CC), pois o nº 2 do artº 2113º dispõe que «se a doação tiver sido acompanhada de alguma formalidade externa, só pela mesma forma, ou por testamento, pode ser dispensada a colação”. Quanto à declaração tácita, há que anotar que a mesma não só tem de resultar de factos inequívocos (isto é, que com toda a probabilidade revelem a vontade de dispensa (ver Ac. STJ de 13.02.1959, Bol. 84º, pág. 507), como ainda que, revestindo a dispensa carácter formal, tem esta forma de ser observada também quanto aos aludidos factos reveladores. Neste sentido, cfr. Laborinho Lúcio, Do fundamento e da dispensa da colação, 1967, págs. 130 segs. e Baptista Lopes, ob. cit., a pág. 206. Assim sendo, não pode entender-se ter havido dispensa válida de colação pelo doador e, como tal, não tendo o descendente/donatário repudiado a herança, a doação não pode deixar de ser imputada na quota indisponível do de cuius, ou seja, é imputada na legítima do descendente, constituindo apenas uma antecipação do preenchimento do respectivo quinhão hereditário (artº 2108º CC). No entanto, se visavam os doadores fazer tal dispensa expressa, não é menos certo que a mesma não consta de qualquer instrumento formal (da altura ou posterior) ou de testamento. E nem, sequer, tácita, pois também se não demonstra que os factos reveladores dessa (inequívoca) vontade de dispensa tenham sido submetidos à mesma exigência formal. Efectivamente, para haver colação é necessário que se tenha aberto uma sucessão hereditária em que concorram vários descendentes. A colação, apesar de ter por objecto liberalidades em vida, só é passível de realização após a abertura da sucessão, aquando da partilha hereditária e uma vez definidos quais os herdeiros descendentes capazes e aceitantes. “O que se compreende, para além de mais, pela mutabilidade do património do de cuius e do seu círculo de herdeiros; sendo certo que a vocação, a aceitação e a partilha hereditárias se fazem ou retroagem, como vimos, ao momento da abertura da sucessão. Por isso mesmo, para efeitos de colação, o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão” (nº 1 do artº 2109º do Cciv).” (Rabindranath Capelo de Sousa, ob. cit., pág. 274). A propósito da doação e da colação refere a decisão recorrida o seguinte: (…) “E o nº 2, do artigo 947º, estatui, quanto à doação de coisas móveis, que “não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada de tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito”. - cfr Acórdãos da Relação Lisboa de 28/5/2015, processo 207/11.5TBVFC-B.L1-8 e de 15/11/12, processo 1241/10.8TJLSB-B.L1-2, ambos acessíveis in dgsi.net, onde se decidiu que a doação de coisas móveis não depende de qualquer formalidade externa quando acompanhada da tradição da coisa doada; não sendo, só pode ser feita por escrito. Deste modo, “a doação é, em princípio, um negócio formal, podendo, em certas situações, em alternativa, ser um contrato real quoad constitutionem. Assim, a regra é a de que as declarações negociais do doador e do donatário devem revestir forma especial, escapando à aplicação da regra geral do art. 219º. (…). Se a doação tiver por objecto uma coisa móvel, deve, em princípio, ser celebrada por escrito, nos termos da parte final do art. 947º, nº2. Ressalva-se apenas, quanto aos móveis, a situação de, concomitantemente à aceitação, se verificar tradição da coisa para o donatário. Nesse caso, a tradição, sendo considerada um elemento constitutivo do contrato, torna dispensável a forma exigida. Estas doações de móveis – denominadas doações manuais – constituem contratos reais quoad constituionem. (…) A razão da exigência de forma ou de tradição da coisa servem o propósito idêntico de garantir a devida ponderação do doador, quanto ao ato que vai celebrar. A falta de observância do disposto no art. 947º dita a nulidade do contrato de doação (art. 220º)” - Ana Prata (Coord.), idem, págs 1171 e seg. e Acórdão do STJ de 16/6/2016, processo 865/13.6TBDL.L1.S1, in dgsi.net, cujo relator foi o Senhor Juiz Conselheiro Tomé Gomes onde se refere que “A validade de doação verbal de coisa móvel depende da prova de que essa doação foi acompanhada da entrega da coisa doada, nos termos do artigo 947º,nº2, 1ª parte do CC.”. A doação tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a assunção da obrigação, quando for esse o objecto do contrato (art.º 954º). Na doação ocorre, por isso, sempre, uma atribuição patrimonial geradora de um enriquecimento que advém de uma transferência do doador para o donatário, esta transferência pode ser de um direito de propriedade, de um direito real, ou mesmo de um direito de crédito e pode a transferência resultar do pagamento ou assunção de dívida do donatário. Estatui o nº1, do art. 2104º que “Os descendentes que pretendam entrar na sucessão do ascendente devem restituir à massa da herança para igualação da partilha, os bens ou valores que lhes foram doados por este: esta restituição tem o nome de colação”. Tudo isto considerado, “pretendem os interessados que se considere que a doação que lhe foi efectuada pelos pais se encontram dispensadas de colação. Como se refere na decisão recorrida, como fundamento dessa decisão, o “instituto da colação visa a igualação dos descendentes na partilha do de cujus, mediante a restituição fictícia à herança dos bens que foram doados em vida por este a um deles. - Ac. da Relação de Lisboa de 2/7/2009, processo 11687/06.0TBOER-A.L1-8, acessível in dgsi.net E reveste carácter facultativo, porque pode ser afastada pelo de cujus ou pode ser evitada pelo descendente, não entrando na sucessão (cfr. Oliveira Ascensão in “Direito Civil Sucessões” 1987, pág. 493) (20). Em caso de dispensa de colação, conclui-se que o autor da sucessão quis avantajar o descendente e então a imputação não é feita na sua legítima subjectiva, mas pelo contrário na quota disponível e só se a extravasar será feita na quota indisponível. - Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, volume II, 2017, Almedina, pág. 1019 De outro passo, a dispensa de colação não se presume: a sua dispensa pelo doador há-de resultar de uma declaração positiva do mesmo – expressa ou tácita (mas concludente) – e feita pela mesma forma que assumiu a doação”. – cfr. neste sentido Ac. da Relação do Porto de 3/7/2008, processo 0832820. Já assim não será nas doações manuais e nas remuneratórias, nas quais a colação se presume sempre dispensada. Ora, doação manual são as doações verbais de coisas móveis acompanhadas da sua tradição manual, isto é, da transmissão da sua posse, da entrega pelo doador ao donatário da(s) coisa(s), entrega essa que nada obriga que seja contemporânea da própria declaração verbal do doador, e que não necessitam de ser provadas por documento. – V. Abílio Neto, Direito das Sucessões r Processo de Inventário Anotado, Outubro de 2017, Ediforum, pág 266-267. Tendo em conta este quadro normativo, os factos alegados para o efeito, na reclamação e resposta e a prova que, nestes autos, se produziu, constata-se que o processo de inventário se revela, nesta parte, inadequado e insuficiente para a resolução desta concreta questão, quer atenta a natureza da questão e a definição da situação factual subjacente - apurar se determinado capital foi doado, se foi total ou parcialmente legado, a que titulo e em que circunstancias foi doado e, assim se apurando, como deve integrar a herança a partilhar - quer em atenção à prova a produzir com esse objectivo, uma vez que aquela complexidade da matéria de facto, pode eventualmente envolver uma averiguação aturada e circunstanciada com longa duração de prova, que não se compadece com a instrução sumária feita no inventário. Pese embora, devam ser resolvidas no inventário todas as questões que possam influir na partilha, situações há que em que a natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, aconselham a que não devam ser incidentalmente decididas, i. é, quando a sua solução no processo de inventário, observando os termos de um incidente, se torna inconveniente face à redução das garantias das partes. Ora, no caso dos autos, do simples enunciado da factualidade atinente às questões suscitadas resulta que a decisão das mesmas implica um esforço probatório que não pode ser sumário, sendo certo que, a prova indicada, foi extremamente sumária e ligeira. E por ser assim, tendo, sobretudo, em conta considerações de ordem de justiça material, de que efectivamente só deverão ser relacionados bens pertencentes ao inventariado e que devam ser partilhados, tomando ainda em linha de conta o princípio do respeito pelas garantias do contraditório, determino a remessa dos interessados para os meios comuns, onde, com superiores garantias para os intervenientes, se apure dos concretos termos e natureza das doações efectuadas, posto que se encontra assente que as mesmas ocorreram”. (…) Ora de tudo resulta que a prova produzida, sendo, como se disse, extremamente sumária e ligeira, dada a natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, quando a sua solução no processo de inventário, observando os termos de um incidente, se torna inconveniente face à redução das garantias das partes, sendo certo que os meios comuns conferem superiores garantias para os intervenientes, no apuramento dos concretos termos e natureza das doações efectuadas. Na verdade as conclusões que podem ser extraídas dos autos não revela a consistência suficiente, pois que, se os Recorridos aceitam, reconhecem que receberam as doações descritas na Relação de Bens, item II – Verbas 1 a 9, mas alegam que foram efectuadas a titulo remuneratório e empréstimos e que já foram acertadas as contas, a Decisão deu como provado que foram efectuadas todas essas doações por conta da legitima dos herdeiros legitimários, os Interessados BB e EE, ou seja, na da esclarecem sobre tal factualidade”. (…) Destarte, e por decorrência, improcede também, nesta parte, a presente apelação.
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DOS MONTANTES MOVIMENTADOS E/OU RECEBIDOS PELO CABEÇA DE CASAL. Alega o Recorrente que o cabeça de casal se apropriou de diversas quantias pertença da herança, tendo recebido valores por parte da inventariada numa altura da sua vida em que esta estava incapacitada para tomar tais decisões em virtude dos AVC’s sofridos em 2014 e 2017”, sendo que, “em conformidade, requereu que os mesmos constituíssem um crédito sobre o cabeça de casal, e que como tal fossem relacionados”. A este respeito, Tribunal a quo expendeu o seguinte na sentença proferida: “Acresce que, entendemos nós, para que tais quantias pudessem ser relacionadas como um crédito sobre o cabeça de casal competia, ademais, ao reclamante alegar e provar, não apenas que os valores retirados das contas pelo cabeça-de-casal pertenciam (eventualmente em parte) à inventariada, mas também que o cabeça-de-casal tinha procedido àqueles movimentos à revelia da inventariada, sem o seu conhecimento ou autorização, apropriando-se ilicitamente de valores que não lhe pertenciam. Ora tal matéria não se acha alegada, nem provada, pelo que carece de sentido a pretensão de qua tais quantias sejam arroladas como créditos sobre o cabeça de casal.” Mais alega que mesmo admitindo-se que a inventariada tivesse conhecimento ou até autorizado tais movimentos, tal autorização não pode considerar-se validamente prestada, pois que, a inventariada se encontrava em situação de incapacidade, estado este perfeitamente conhecido pelo cabeça de casal, tanto mais que corria termos o processo de acompanhamento e a inventariada havia já sido sujeita a perícia médico-legal. Resulta do facto provado 5 que, “A Examinanda DD na sequência de AVC, que ocorreu em 2017, apresenta sequelas neurológicas e mentais. Essas sequelas repercutem-se sobretudo nas funções cognitivas, no raciocínio, nas funções executivas e na linguagem. Face ao exposto, ainda que estejam presentes alguns deficits razoáveis ou significativos em algumas áreas, não pode ser afirmado existir completa e absoluta incapacidade irreversível. Tem havido algumas melhorias na funcionalidade da examinanda. De acordo com o previsto no artigo 147.º do código civil a examinanda encontra-se impossibilitada para a administração parcial dos seus bens pois em função dos défices existentes é evidente que a examinanda apresente uma incapacidade parcial para poder gerir os seus bens.” Realizada nova perícia escassos dias antes do óbito da inventariada, pela mesma foi concluído que “A Examinanda DD na sequência de AVC, que ocorreu em 2017, apresenta sequelas neurológicas e mentais. Essas sequelas repercutem-se sobretudo na linguagem e raciocínio. Na avaliação constata-se que estes défices podem ser acentuados em situações de maior tensão e exigência. Foi evidente na avaliação realizada a melhoria em relação à avaliação anterior. De acordo com o previsto no artigo 145.º do código civil poderá ter algumas dificuldades em conseguir gerir bens de natureza patrimonial, situações que envolvam vendas ou compras de bens de valor ou situações de empréstimos. Há alguns processos de facilitismo e alguma desvalorização que podem dificultar a sua execução nesta área.” Aos actos da inventariada praticados após a ocorrência do AVC de 2017 se aplicará o regime da incapacidade acidental, previsto no artigo 257º do Código Civil, que determina que: “1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário. 2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar. “ Ora, o cabeça de casal acompanhava a sua mãe diariamente, após o óbito do seu pai, geria todo o seu património, cuidava de que esta fizesse as terapias necessárias, e acompanhava-a às consultas de neurologia e psiquiatria. Acompanhou a inventariada ao INML, para que esta fosse submetida às perícias médico-legais, e tomou conhecimento do relatório produzido na sequência da perícia realizada a 14/02/2019 (facto provado 5), pois que era o acompanhante provisório designado no processo de acompanhamento (Vide Doc. ... da reclamação, pg.5). Relativamente ao alegado estado de incapacidade remete-se para tudo quanto acima se expôs, nomeadamente, com relação ao conteúdo das perícias realizadas. Além disso, nada mais haverá a acrescentar ao que a propósito consta da decisão recorrida quando refere o seguinte: (…) O artigo 2024º CC define sucessão como o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das situações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que, a esta, pertenciam. De acordo com o nº 1 do artigo 2025º CC constituem objeto de sucessão as relações jurídicas que não devam extinguir-se por morte do respetivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei, acrescentando o nº 2 que podem, porém, extinguir-se por morte do titular e por vontade deste os direitos disponíveis. Nas palavras de Lopes Cardoso, Partilha Judiciais, Almedina, vol. I, pgs. 426-7, «no acervo hereditário compreendem-se todos os bens, direitos e obrigações que não sejam considerados intransmissíveis por sua natureza, por força da lei ou por vontade do autor da sucessão». E o momento a atender é o da abertura da sucessão, ou seja, da morte do seu autor (artigo 2031º CC). Na situação sub judicio resulta documentalmente provado que a inventariada, após o decesso do marido efectuou, movimentação de dinheiros das contas que com aquele titulava e que, em 30-05-2018 abriu uma conta bancária, co titulada com o cabeça de casal.
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Ora, tratando-se de contas solidárias assistia à viúva legitimidade para as movimentar após o decesso do marido, para que mais não fosse acudir a despesas hospitalares, médicas, saldar despesas ou outros débitos de economia doméstica. Os gastos ou o uso que a inventariada deu ao dinheiro, em vida, é, assim, matéria subtraída ao processo de inventário. De outro passo, e para que as quantias que, à data do óbito, não estavam depositadas em contas da inventariada, mas que, em momento anterior, tinham sido suas, fossem integradas, sem mais, no acervo hereditário, teria sido necessária a alegação e prova de que as mesmas quantias tinham sido ilicitamente subtraídas à sua dona. Acresce que, entendemos nós, para que tais quantias pudessem ser relacionadas como um crédito sobre o cabeça de casal competia, ademais, ao reclamante alegar e provar, não apenas que os valores retirados das contas pelo cabeça-de-casal pertenciam (eventualmente em parte) à inventariada, mas também que o cabeça-de-casal tinha procedido àqueles movimentos à revelia da inventariada, sem o seu conhecimento ou autorização, apropriando-se ilicitamente de valores que não lhe pertenciam. Ora tal matéria não se acha alegada, nem provada, pelo que carece de sentido a pretensão de qua tais quantias sejam arroladas como créditos sobre o cabeça de casal. Coisa diferente já será no que respeita a quantias e/ou saldos que existiam, em contas tituladas, ou co tituladas, pela inventariada, à data da sua morte. Com efeito, o acervo hereditário é o existente na titularidade do autor da herança no momento do óbito, ou seja, apenas inclui posições jurídicas que, nesse fulcral momento, estivessem na esfera jurídica do autor - com as exclusões, bem entendido, delineadas no artigo 2025.º do CC - pois ninguém pode transmitir por herança aquilo que não tem. E assim, integrando o acervo patrimonial dos inventariados, os referidos saldos e quantias só não seriam levados à relação de bens, para entrarem em partilha, se os mencionados Inventariados tivessem validamente disposto deles em vida - v.g. por doação (cfr. artigos 940.º, n.º 1 e 947.º, n.º 2 do C.C.) ou por disposição testamentária, ou ainda se o dinheiro respetivo fosse utilizado para satisfazer uma dívida contraída em vida dos Inventariados. Ora, visando a partilha atribuir a cada um dos herdeiros o que lhe cabe do património deixado pelo autor da herança na parte em que este, enquanto vivo, não dispôs válida e eficazmente, todos eles estão obrigados a partilhar com os demais os seus conhecimentos sobre a existência dos bens que compõem a herança, à data do óbito e de tudo quanto possa concorrer para o apuramento da sua situação, não lhe sendo lícito ocultá-los. Ora, resultando documentado nos autos, que, em 30-05-2018, a inventariada abriu uma outra conta bancária, em regime de solidariedade com o cabeça de casal, para onde, ademais, transferiu dinheiros que lhe pertenciam, é legitimo equacionar a possibilidade de nessa conta existir dinheiro, eventualmente pertença da herança, tanto mais que o cabeça de casal, acusado de o ter na sua posse, nada veio esclarecer referentemente aos movimentos efectuados nessa conta, escudando-se no entendimento ligeiro e estreito, de que apenas relevaria o saldo à data do óbito da inventariada, se tivesse que o fazer. Este entendimento conduz, quanto a nós, a uma visão redutora das responsabilidades de quem é cabeça de casal ou das potencialidades do inventário, que através dos incidentes de reclamação contra a relação de bens, tal como se acham previstos no CPC, pode chegar a garantir a conclusão da própria sonegação de bens. Assim sendo, como e bem determinou a decisão proferida, “deve o cabeça de casal apresentar nova relação de bens, da qual conste, e entre o mais, o devido relacionamento dos saldos bancários, existentes à data do óbito da inventariada DD, em contas abertas, por aquela tituladas, ou co tituladas, concretamente com o cabeça de casal, em quaisquer Instituições Bancárias, e designadamente, no Banco 1..., juntando para o efeito os respectivos extractos bancários e saldos existentes à data do óbito”. (…) E assim sendo, improcede, nesta parte, a presente apelação.
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DO RELACIONAMENTO DE JUROS SOBRE A QUANTIA MUTUADA. Alaga o Recorrente que ”(…) em sede da impugnação da resposta à matéria de facto julgada não provada, supra se analisou o contexto em que os inventariados mutuaram a quantia de 160.000,00€ ao cabeça de casal e à sua companheiras, sendo que, como conta doa artigos 85º a 97º, que aqui se dão por reproduzidos, se concluiu que, embora o cabeça de casal relacione aquele empréstimo como um simples mútuo, concedido pelo período de 10 anos, sem qualquer contrapartida, o próprio assumiu em tribunal que nunca foi essa a intenção dos inventariados, e que não foi esse o negócio assumido. Não obstante não o tenham feito verter na escritura pública, a verdade é que os inventariados fizeram este empréstimo como o objectivo claro e assumido entre as partes de dele obter rendimento, e tanto assim é que que o inventariado anotou junto à cópia do cheque que entregou à mutuária a indicação de 2,6%, SI, 160.000,00, 4.160,00 (Vide documento ...5 da reclamação, fls. 190 dos autos). Não tendo sido produzida nos autos a prova de qualquer amortização por conta da dívida, este é o valor que deve ser considerado em dívida por cada ano desde a data do mútuo, isto é, 2014, ou caso assim não se entenda, desde o óbito do inventariado, .../.../2018. Dispõe o nº1 do artigo 1145º do Código Civil, que em caso de dúvida, o mútuo se presume oneroso. Determinando o nº 2 daquele artigo que, relativamente a juros, observar-se-á o disposto no artigo 559º. Ora, a taxa de juro convencionada entre as partes é inferior à taxa de juros legalmente convencionada, pelo que se requer a Vªs. Exªs. que se dignem ordenar o relacionamento dos montantes correspondentes aos juros anuais vencidos, à taxa convencionada de 2,6%, sobre a quantia mutuada”. De tudo resulta que, contrariamente ao anteriormente afirmado, alega agora o Recorrente não ter sido produzida nos autos a prova de qualquer amortização por conta da dívida, devendo assim os juros incidir sobre o montante global mutuado. Todavia, como se refere na decisão recorrida, “quanto ao vencimento de juros, não resultou provado que tivessem os outorgantes acordado um pagamento de juros em termos diferentes do que se acha estipulado em sede de escritura pública, carecendo, assim, de base legal o peticionado pelos reclamantes a este título”. E assim sendo, improcede, nesta parte, a presente apelação.
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DA SONEGAÇÃO DE BENS. Mais alega o Recorrente que “resulta provado dos autos que o cabeça de casal omitiu o relacionamento de diversos bens, nomeadamente bens móveis, um direito de crédito, um seguro de vida, dois depósitos bancários que cotitulava com a inventariada, no valor total de 17.927.93€. Do mesmo modo, resulta do acervo documental dos autos que o cabeça de casal se apropriou de 4.000,00€ que recebeu da inventariada para fazer face a despesas da herança, designadamente do funeral, omitindo esse crédito na prestação de contas. Do conjunto da prova produzida e das declarações prestadas pelo cabeça de casal, conclui-se que o mesmo recebeu pelo menos uma doação da inventariada, após a data de 10/10/2019, correspondente à quantia transferida da conta que os inventariados possuíam na Banco 2..., no montante de 13.076,56€. Doação esta que não foi relacionada pelo cabeça de casal, e que foi realizada em data em que a donatária não se encontrava capaz de administrar os seus bens. Tais omissões foram praticadas pelo cabeça de casal com o intuito de se apropriar destes e prejudicar os restantes herdeiros, esbulhando-os no seu direito a herdá-los. Dispõe o artigo 2096º, nº 1 do Código Civil que o herdeiro que sonegar bens da herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça de casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas mais sanções que forem aplicáveis”. Pelo que, em conformidade, deverá ser declarado que o cabeça de casal sonegou da herança dos inventariados os bens que identifica, excluindo-o da herança quanto a eles. Ora, salvo o muito e devido respeito, não se nos afigura que isto assim seja, merecendo a nossa total anuência a fundamentação da decisão recorrida, dada a sua assertividade, quando refere o seguinte: (…) “O facto ilícito nele previsto (artigo 2096) tanto pode provir do cabeça de casal, como de qualquer herdeiro que não exerça semelhante função. O que se pretende punir é a ocultação pelo herdeiro (exerça ou não o cabeçalato) da existência de bens com o específico desígnio de os subtrair à sua partilha com os demais interessados. Ora, dada a gravidade da sanção civil aí contemplada (perda a favor dos demais co-herdeiros do direito que “possa ter a qualquer parte dos bens sonegados”), exige-se um particular rigor na identificação e preenchimento dos pressupostos normativos necessários para que a mesma possa operar. Desde logo, torna-se mister demonstrar a ocorrência de um fenómeno de ocultação de bens, o que pressupõe um facto negativo (uma omissão), cumulado com um facto jurídico de carácter positivo (o dever de declarar a existência do bem). De igual modo, exige-se que a referida omissão proceda de ocultação dolosa da existência do bem hereditário. A este propósito, a jurisprudência tem decidido sentido de que o dolo se revela na existência de uma atuação tendo em vista o apossamento ilícito ou fraudulento de bens em detrimento dos demais herdeiros; que aquele requisito se preenche quando fica evidenciado o desígnio fraudulento de apropriação dos bens, de os fazer exclusivamente seus; e só existir sonegação de bens quando a sua ocultação é intencional, sendo inequívoca a obrigação de os relacionar. - Cfr., inter alia, acórdão da Relação de Coimbra de 15.05.2018 (processo nº 719/12.3TBFND-A.C1), acórdão desta Relação de 16.04.2013 (processo nº 133/08.5TBMGD-C.P1) e acórdão da Relação de Lisboa de 12.11.2009 (processo nº 3158/07-2), acessíveis em www.dgsi.pt. Como se refere neste último acórdão ”o nosso ordenamento jurídico adoptou, nos seus traços essenciais, o conceito de sonegação dado no Anteprojecto de Galvão Telles, e o tratamento jurídico nele proposto reage fortemente, com pesadas sanções de natureza criminal, fiscal e civil, contra a sonegação de bens pelos herdeiros, sendo a sonegação um acto doloso de ocultação de bens da herança, seja o sonegador cabeça-de-casal ou simples herdeiro - O. Ascensão, ob. cit., p. 506, Rodrigues Bastos, Notas ao CC, vol. VII, p. 312 e P. Lima e A. Varela, C. C. Anotado, vol. VI, p. 158.. Requerendo-se, desde logo, para a procedência da declaração de sonegação – podendo esta existir no caso de haver processo de inventário ou não (Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. P. 85 e seg. e Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. I, p. 555); caso exista inventário haverá que observar, desde logo, o disposto no art.º 1349º, nº 4 do CPC, já não sendo necessário, como antes da reforma de 1961, a prévia acusação da falta de bens relacionados (Simões Pereira, Processo de Inventário e Partilhas, p. 239) - que se faça a prova que os bens sonegados pertenciam à herança e que o sonegador tenha ou deva ter disso consciência. Reunindo-se nela elementos de facto com algumas componentes de direito. Em primeiro lugar, trata-se de um fenómeno de ocultação de bens – que pressupõe, obviamente, um facto negativo (uma omissão), cumulado com um facto jurídico de carácter positivo (o dever de declarar), podendo o acto provir quer do cabeça-de-casal ou de qualquer herdeiro, como a própria lei refere, devendo a omissão, ou mesmo a ocultação, ser dolosa (cfr. Ac.s do STJ de 4/4/95, proc.º 086856 e de 13/11/07, proc.º n.º 07A3826, relatados respetivamente por Cura Mariano e Urbano Dias, in www.dgsi.pt.). Referindo a este propósito P. Lima e A. Varela, Ob. cit., p. 156 e ss.: ‘Observe-se, no entanto, que sob o invólucro civilístico do dolo (art. 253.º) cabem tanto as manobras activas (sugestões ou artifícios) tendentes a induzir ou a manter em erro os destinatários da relação de bens, quanto à existência de certos bens hereditários (…). Por outro lado, interessa ter presente que, de acordo com a escala valorativa das condutas humanas próprias do direito, à figura do dolo directo (violação directa, consciente ou intencional da norma) se equiparam as situações afins do dolo indirecto e do chamado dolo eventual. (…)”. Sendo necessário para a procedência da sonegação que esta tenha sido praticada com dolo e não com mera negligência. Sendo mister que se tenha em vista o apossamento ilícito ou fraudulento de bens em detrimento dos demais herdeiros (cfr. Lopes Cardoso, ob. cit., p. 572) ou, como refere o Prof. Alberto dos Reis, in C.P.C. Anotado, 2ª ed., p. 884: “Para que se possa falar de sonegação é mister: em primeiro lugar, que o herdeiro (no caso, o cabeça de casal) não relacione o bem quando chegar o momento de o fazer; em segundo lugar, que essa sua omissão proceda de ocultação dolosa da existência do bem hereditário. A ocultação dolosa pelo cabeça de casal está preenchida quando fica evidenciado que integre o seu desígnio fraudulento de apropriação dos bens, de os fazer exclusivamente seus, desígnio fraudulento que deve depreender-se ou deduzir-se da conduta circunstancial anterior à não declaração do bem”. A respeito desta matéria escreve-se no Ac. da Rel. de Coimbra de 5/6/, proc.º n.º 97-B/2002.C1, relatado por Freitas Neto: “ Ora o sinal praticamente inequívoco do desígnio fraudulento do cabeça-de-casal foi o levantamento do dinheiro – integrante do depósito - alguns dias após o decesso do inventariado. Sinal, de resto, posteriormente corroborado pela sua conduta neste processo, omitindo a relacionação do depósito e, a seguir, tentando obstar ao conhecimento da conta e dos titulares para onde o dinheiro havia sido transferido. Se quisesse comprovar o seu hipotético direito bastar-lhe-ia ter aguardado pelo inventário. Tanto basta para que, face aos elementos já recolhidos no processo, ex vi do art.º 1349, nº 4 do CPC, se considerem verificados os requisitos da sonegação e, na aplicação da sanção civil cominada, se declare perdido pelo cabeça-de-casal, em benefício dos co-herdeiros, o direito que pudesse ter a qualquer parte dos bens sonegados” Nesse desígnio fraudulento é ainda reconhecida, por alguns autores, a necessidade de uma actuação do sonegador representada por artifícios, dissimulações ou sugestões com intenção ou consciência de enganar os co-herdeiros, bem como sugestões, artifícios ou dissimulações empregues que resultem numa ocultação de bens da herança. – v., por todos, CAPELO DE SOUSA, in Lições de Direito das Sucessões, vol. II, Coimbra Editora, 2013, pág. 59 e PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, 1998, pág. 157. Assim sendo, neste contexto, parece evidente que a mera existência de divergências entre os interessados acerca da integração ou não de determinados bens na herança indivisa, não pode implicar automaticamente a aplicação dos efeitos gravosos que a lei prescreve para os casos de sonegação de bens da herança. Para que tal aconteça, é necessário que da matéria de facto apurada se possa confirmar que o herdeiro atuou, por ação ou omissão, de modo a, na expressão legal, “ocultar dolosamente a existência” de determinados bens da herança que deveriam ser relacionados ou identificados para efeitos de partilha. Ora, a matéria de facto apurada não permite suportar a conclusão no sentido de que tenha existido da parte do cabeça de casal uma atuação dolosa no sentido de se apropriar de bens da herança ou de quantias existentes em contas solidárias em que era titular juntamente com a inventariada. Ademais, negar (como o fizeram os reclamantes) a necessidade de relacionar no inventário as ajuizadas contas bancárias não corresponde necessária e automaticamente à ocultação da existência das mesmas e dos respetivos saldos monetários, constituindo simplesmente um ponto de discórdia que pode e deve ser sanado através dos mecanismos apropriados, como, in casu, veio a ocorrer com o presente incidente. Enfim, constituindo pressuposto essencial da sonegação de bens a sua ocultação dolosa por parte do herdeiro, a actuação do cabeça de casa que os autos documentam não permite tal qualificação”. Assim, como se conclui na decisão recorrida, “(…) neste contexto, parece evidente que a mera existência de divergências entre os interessados acerca da integração ou não de determinados bens na herança indivisa, não pode implicar automaticamente a aplicação dos efeitos gravosos que a lei prescreve para os casos de sonegação de bens da herança. Para que tal aconteça, é necessário que da matéria de facto apurada se possa confirmar que o herdeiro actuou, por acção ou omissão, de modo a, na expressão legal, “ocultar dolosamente a existência” de determinados bens da herança que deveriam ser relacionados ou identificados para efeitos de partilha. Ora, a matéria de facto apurada não permite suportar a conclusão no sentido de que tenha existido da parte do cabeça de casal uma atuação dolosa no sentido de se apropriar de bens da herança ou de quantias existentes em contas solidárias em que era titular juntamente com a inventariada. Ademais, negar (como o fizeram os reclamantes) a necessidade de relacionar no inventário as ajuizadas contas bancárias não corresponde necessária e automaticamente à ocultação da existência das mesmas e dos respectivos saldos monetários, constituindo simplesmente um ponto de discórdia que pode e deve ser sanado através dos mecanismos apropriados, como, in casu, veio a ocorrer com o presente incidente. Enfim, constituindo pressuposto essencial da sonegação de bens a sua ocultação dolosa por parte do herdeiro, a actuação do cabeça de casa que os autos documentam não permite tal qualificação”.
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DA LITIGÃNCIA DE MÁ-FÉ. Por último alega o Recorrente que o cabeça de casal omitiu informação relevante para a decisão da causa, quer recusando apresentar o extracto da conta cotitulada com a inventariada desde a sua abertura (30/05/2018) até ao óbito da inventariada, quer não apresentando o extracto da conta da Banco 2... desde o óbito do inventariado, apresentando apenas na véspera da audiência uma cópia da caderneta praticamente ilegível. Acresce que o cabeça de casal introduziu nos autos sucessivos mecanismos para o atraso dos mesmos, ora pedindo a prorrogação de prazos, ora o adiamento de diligências, ora comprometendo-se a colaborar na obtenção de documentos, que a final se recusou a apresentar. Tais comportamentos são reveladores de má-fé processual, e merecem ser, como tal, censurados”. Pelo que se requer se dignem condenar o cabeça de casal como litigante de má-fé, em multa e indemnização ao Recorrente a fixar equitativamente. Ora, conforme se refe na decisão recorrida, “Dispõe, assim, o artigo 542.º/1 CPC que: “1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2. Diz-se litigante de má fé quem, como dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. 3. (...).” O dever de litigar de boa-fé, com respeito pela verdade, é corolário do princípio da cooperação a que se reportam o artigo 7.º, 8.º e 9.º do Código de Processo Civil. Neste contexto, premeia-se boa-fé processual, que deverá sempre nortear a actividade das partes de modo a que estas, conscientemente, não formulem pedidos injustos, não articulem factos contrários à verdade, não requeiram diligências meramente dilatórias, tudo em violação do princípio de cooperação das partes e dos deveres que lhe são inerentes. A condenação de uma parte como litigante de má fé consubstancia, assim, um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, face ao uso que possa ter feito dos mecanismos legais postos ao seu dispor. De todo o modo, para se concluir por uma atuação processual censurável de uma parte, exige-se não só que tenha a parte, objetivamente, “preenchido” uma qualquer das condutas previstas nas diversas alíneas do nº 2, do artº 542º do CPC, mas também que, ao fazê-lo, tenha atuado com dolo ou negligência grave, sendo que a negligência grave deve ser entendida como «imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um» - cfr. AC. STJ de 6.12.2001, Afonso de Melo, 01A3692. Como ensina Menezes Cordeiro “(…) alargou-se a litigância de má-fé à hipótese de negligência grave, equiparada, para o efeito, ao dolo.” (in “Da Boa Fé no Direito Civil “, Coleção Teses, Almedina). De outro passo, a litigância de má fé tanto pode ser substancial – consubstanciada na dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ser ignorada, alteração da verdade dos factos e/ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa - como instrumental – quando se pratica grave omissão do dever de cooperação ou se faz do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável. A primeira tem a ver com o mérito da causa, a segunda com a conduta processual. Na primeira, a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má-fé instrumental, podendo, portanto, o vencedor da ação ser condenado como litigante de má-fé. – v. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, 3ª Edição, Almedina, pág 457 No entanto, apesar de todas as “modalidades” de litigância de má-fé tipificadas nas diversas alíneas do nº2, do artigo 542º, do CPC, pressuporem a existência de um comportamento abusivo do litigante, a alínea d), como refere Vaz Serra in Em Abuso do Direito (em matéria de responsabilidade civil), in BMJ, nº 85, Abril, 1959, págs. 268 e segs., refere-se a um exercício abusivo do direito de estar em juízo. Quer isto dizer que a alínea d), consubstancia uma verdadeira cláusula geral do abuso de processo, obstando a que seja o mesmo usado de forma reprovável, para fins diferentes dos preordenados. Por assim ser, para que se justifique a subsunção da conduta do litigante à previsão da referida alínea d), exigível é que a parte tenha abusado do processo com o propósito específico e/ou intenção de alcançar um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade ou protelar injustificadamente o andamento do processo e o trânsito em julgado da decisão, já não bastando aqui a mera negligência grosseira ou grave. – Cfr. Paula Costa e Silva, in A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008”. Ora, à luz de tudo o exposto, e bem assim, que, nada foi alegado que integre este instituto e, compulsada a factualidade adquirida, da mesma não resulta que o cabeça de casal tenha agido com dolo ou sequer com negligência grave, que sustente a condenação como litigante de má fé, improcede também a presente apelação quanto a este aspecto., assim, e por consequência, o peticionado a este título. Destarte, e por tudo o acabado de expender, resultando completamente inócua a alteração da matéria de facto, para poder fundamentar qualquer alteração da decisão, a presente apelação não poderá deixar, senão, de, e na íntegra, improceder, com a consequente manutenção da decisão recorrida. Sumário – Artigo 663, nº 7, do C.P.C. I- “A doação é uma atribuição patrimonial, que, consoante tem, ou não, por detrás um correlativo sacrifício suportado pelo beneficiário é onerosa ou gratuita. II- Sendo normalmente contrato, apresenta, todavia, estrutura unilateral em determinada hipótese: quando se trate de doações puras feitas a incapazes, porque então produzem efeitos independentemente de aceitação em tudo o que aproveite aos donatários. III- Só podem considerar-se doações as transferências que têm origem no património do doador tendo, em consequência, natureza patrimonial, já que aumentam o património do donatário sob o ponto de vista económico. IV- As doações são quase sempre remuneratórias porque quase todas significam o reconhecimento de serviços; mas só têm em direito esta natureza quando o devedor declara positivamente que a doação é feita em remuneração de certos serviços. V- Está na base da colação a presunção de que o doador não quis beneficiar o seu presuntivo herdeiro legitimário “em detrimento dos outros, mas antecipar apenas a transferência da parte do seu património que há-de vir a competir-lhe”. VI- Em caso de dispensa de colação, conclui-se que o autor da sucessão quis avantajar o descendente e então a imputação não é feita na sua legítima subjectiva, mas pelo contrário na quota disponível e só se a extravasar será feita na quota indisponível. VII- Em caso de dispensa de colação, conclui-se que o autor da sucessão quis avantajar o descendente e então a imputação não é feita na sua legítima subjectiva, mas pelo contrário na quota disponível e só se a extravasar será feita na quota indisponível. VIII- A dispensa de colação não se presume: a sua dispensa pelo doador há-de resultar de uma declaração positiva do mesmo – expressa ou tácita (mas concludente) – e feita pela mesma forma que assumiu a doação. IX- O nosso ordenamento jurídico adoptou, nos seus traços essenciais, o conceito de sonegação dado no Anteprojecto de Galvão Telles, e o tratamento jurídico nele proposto reage fortemente, com pesadas sanções de natureza criminal, fiscal e civil, contra a sonegação de bens pelos herdeiros, sendo a sonegação um acto doloso de ocultação de bens da herança, seja o sonegador cabeça-de-casal ou simples herdeiro. X - Trata-se de um fenómeno de ocultação de bens – que pressupõe, obviamente, um facto negativo (uma omissão), cumulado com um facto jurídico de carácter positivo (o dever de declarar), podendo o acto provir quer do cabeça-de-casal ou de qualquer herdeiro, como a própria lei refere, devendo a omissão, ou mesmo a ocultação, ser dolosa. IV- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedentes a apelações e, em consequência, decide-se: - Determinar as alterações à matéria de facto supra-referidas na fundamentação da decisão; - Julgar improcedentes todos os restantes pedidos.
Custas do recurso principal pelo Recorrente e do subordinado, pelo Recorrentes e Recorrido, na proporção dos respectivos decaimentos.
Guimarães, 22/ 06/ 2023.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
[1] Cfr. Acórdão do S.T.J., de 26/09/2017, proferido no processo nº 5226/14.7T2SNT.L1.S1, in www.dgsi.pt. [2] Cfr. Acórdão da Rel. De Guimarães, proferido no processo nº 702/18.5 T8BRG.G1. in www.dgsi.pt. [3] Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt/jstj.
Posição que doutrina e jurisprudência vêem mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 298 a 303 (máxime 302 e 303) e na jurisprudência (por mais recente) o Acórdão do STJ de 8/01/2019, no sítio www.dgsi.pt/jstj. [4] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt. [5] Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “; [6] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt. [7] Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 22/05/2019, proferido no processo nº 467/17.8T8SJM.P1, in www.dgsi.pt. [8] Cfr. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348.