I. Os caminhos da história evidenciam a incompatibilidade do sistema da «prova legal» e do seu sucessor sistema da livre apreciação da prova, emergido da revolução francesa (maio de 1789 a novembro de 1799) – apesar de Beccaria (Dos delitos e das penas), em 1764, já aludir ao «bom senso» na apreciação da prova.
II. Antes da revolução francesa já se desenvolvia na Inglaterra um movimento de ideias, com John Locke, William Blackstone e o discípulo deste, Jeremy Bentham, [Apesar de a obra de Bentham relativa à prova (A Treatise on Judicial Evidence) ser posterior à Revolução francesa, é admitido que os ideólogos franceses a ela, ou às ideias ali expressas, tiveram acesso antes da sua publicação]. Portanto os ideólogos da ilustração francesa não deixaram de ser influenciados por tais ideias, que apontavam para o abandono do sistema da prova legal ou tarifada, em termos muito mais densos e impressivos, naturalmente com o suporte de todo um diverso sistema de apreciação da prova permitido pela existência dos jurados.
III. Simultaneamente, na Alemanha, desenvolvia-se a discussão sobre a Freie Beweiswürdigung (livre apreciação da prova) e a separação conceptual entre «verdade material» e «verdade formal», com Mittermaier e Savigny a assumirem papel de relevo.
IV. O sistema da «intime conviction», mais tarde também apelidado de «conviction personnelle» ou «intime et profonde conviction», assumia o significado de liberdade de julgar a prova segundo a sua consciência e não com sujeição a prova tarifada.
V. O sistema da livre convicção consagrado no ordenamento jurídico português (artigo 127.º CPP) não é um sistema irracionalista, subjetivo, de apreciação probatória, antes um sistema racionalista, assente na razão, nas regras de experiência social comprovada e em presunções probatórias racionalmente fundadas. Querendo-se a fundamentação assente na razão e não numa apreciação subjetiva insindicável. Sendo a liberdade do juiz na apreciação da prova, uma «liberdade para a objetividade – não aquela que permita uma intime conviction meramente intuitiva, mas aquela que se concede e assume em ordem a fazer triunfar a verdade objetiva, uma verdade que se comunique e imponha aos outros».
A - Relatório:
No Tribunal da Comarca ... - Juízo Local Criminal ..., J... - correu termos o processo comum singular supra numerado no qual o M.º P.º deduziu acusação requerendo o julgamento em processo penal comum, por tribunal singular da Arguida
AA casada, assistente operacional no ..., de baixa médica nos últimos 3 anos, filha de BB e de CC, natural de ..., nascida a .../.../1964, residente na Rua ..., em ...,
Imputando-lhe factos susceptíveis de integrarem a prática, como autora material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º. 143º/1 do C.Penal.
- a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º do C.Penal.
- a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º do C.Penal.
a) absolver a arguida AA da prática, como autora material, de um crime de ofensa à integridade física simples, de que vinha acusada;
b) absolver a arguida AA da prática, como autora material, do crime de injuria, que lhe estava imputado;
c) absolver a demandada AA dos pedidos de indemnização civil contra a mesma formulados pelo assistente/demandante DD;
d) condenar o assistente/demandante DD nas custas crime (art. 515º/1 a) do C.P.Penal) e cível (art. 527º nºs 1 e 2 do N.C.P.Civil, ex-vi art. 523º do C.P.Penal).
A)- O presente recurso é interposto da, aliás, douta Sentença proferida nos autos à margem identificados, que absolveu a arguida AA:
- da prática, como autora material, de um crime de ofensa à integridade física simples, de que vinha acusada;
- da prática, como autora material, do crime de injuria, que lhe estava imputado;
- dos pedidos de indemnização civil contra a mesma formulados pelo assistente/demandante DD; e
condenou o assistente/demandante DD nas custas crime (Art. 515º/1 a) do C.P.P.) e cível (Art. 527º nºs 1 e 2 do N.C.P.Civil, ex-vi Art. 523º do C.P.P.).
B)- O Recorrente interpõe o presente recurso da totalidade da Sentença proferida nos autos, nos termos supra, pois considera, por um lado,
- a matéria de facto foi incorrectamente julgada, pois existem concretas provas que não foram valoradas e/ou tidas em consideração, as quais impõem decisão diversa da recorrida, na parte em que o é, como infra se explanará, e por outro lado,
- que foram violadas várias normas jurídicas e, que o sentido em o Tribunal a quo interpretou as normas jurídicas em causa não é o correcto e, devia tê-lo sido noutro sentido, como infra se explanará.
C)- O Recorrente discorda da absolvição da arguida AA relativamente à prática dos crimes de que vinha acusada, em autoria material e, na forma consumada, na medida em que a prova documental, testemunhal e pericial constante dos autos é esmagadora no sentido de demonstrar a prática dos crimes em causa, pela mesma.
D)- O Recorrente discorda da absolvição da arguida EE de Indemnização por si deduzidos, pelo motivo vertido no ponto anterior.
E)- O Recorrente, deixar de discordar da sua condenação em custas crime e cível, o que se se correlaciona com a sua discordância relativamente à absolvição da arguida quanto aos crimes de cuja prática vinha acusada.
F)- Nos presentes autos, o Ministério Público acusou a arguida FF da prática, como autora material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo Art. 143° n.º 1 do C.P.
G)- O Recorrente, assistente nos presentes autos, deduziu acusação particular contra a arguida, imputando-lhe a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo Art. 181° do C.P e, ainda a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo Art. 143° n.º 1 do referido diploma legal.
H)- O Recorrente deduziu pedidos de indemnização civil contra a arguida pela prática dos dois ilícitos, pedindo a sua condenação nas importâncias de€ 7.500,00, € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais e, de € 1.800,00 a título de danos patrimoniais.
I)- Da acusação pública consta a imputação à arguida dos factos mencionados supra no ponto 9, cujo teor aqui se dá por reproduzido, nos termos e para os devidos efeitos legais.
J)- Da acusação particular, pela prática do crime de injúria, p. e p. pelo Art. 181° do C.P, consta a imputação à arguida dos factos mencionados supra, no ponto 10 e, foi deduzido pedido de indemnização cível nos termos mencionados supra, no ponto 11, cujo teor aqui se dá por reproduzido, nos termos e para os devidos efeitos legais.
K)- Da acusação particular, pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo Art. 143° n.º 1 do C.P, consta a imputação à arguida dos factos mencionados supra, no ponto 12 e, foi deduzido pedido de indemnização cível nos termos mencionados supra, no ponto 13, cujo teor aqui se dá por reproduzido, nos termos e para os devidos efeitos legais.
L)- A arguida contestou, oferecendo o merecimento dos autos e indicou prova testemunhal.
M)- Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo considerou que se provaram os factos supra mencionados, no ponto 15, cujo teor aqui se dá por reproduzido, nos termos e para os devidos efeitos legais.
N)- O Tribunal a quo considerou que não se provaram os factos supra mencionados, no ponto 16, cujo teor aqui se dá por reproduzido, nos termos e para os devidos efeitos legais.
O)- Quanto à Motivação da decisão de facto, o Tribunal a quo refere que formou a sua convicção com base na análise critica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, apreciada a luz das regras da experiência comum e segundo juízos de juízos de normalidade e, beneficiando da imediação, considerando ser dispensável a descrição pormenorizada dos depoimentos prestados uma vez que os mesmos estão gravados.
P)- O Tribunal a quo começa por fundamentar a sua decisão com as declarações da arguida, o que fez nos termos mencionados supra, no ponto 27 e 28, cujo teor aqui se dá por reproduzido, nos termos e para os devidos efeitos legais.
Q)- Indica ainda como fundamento para a sua decisão, as declarações do assistente, que apreciou nos termos supra mencionados, no ponto 29, cujo teor aqui se dá por reproduzido, nos termos e para os devidos efeitos legais.
R)- Baseou-se também nas declarações da testemunha GG, que apreciou nos termos mencionados supra, no ponto 30, cujo teor aqui se dá por reproduzido, nos termos e para os devidos efeitos legais.
S)- Por fim, atendeu às declarações da testemunha HH, de cujo depoimento salientou o mencionado supra, no ponto 31, cujo teor aqui se dá por reproduzido, nos termos e para os devidos efeitos legais.
T)- O Tribunal a quo chegou assim, à conclusão de que existem duas versões contraditórias relativamente aos factos ocorridos em 19.05.2021, dando total credibilidade ao depoimento da arguida e, nenhuma credibilidade quer as declarações do assistente, quer ao depoimento da testemunha GG, claramente por a mesma ser esposa daquele e, quer ainda relativamente a prova documental e pericial junta aos autos, da qual fez, alias, total tabua rasa, mal em nosso entender.
U)- A decisão do Tribunal a quo revela uma clara e total falta de imparcialidade e de objectividade na apreciação e valoração da prova produzida, que moldou a sua convicção, que consubstancia uma errada valoração da prova e, consequentemente uma errada apreciação dos factos e, uma errada subsunção dos mesmos ao direito.
V)-Atenta a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e, constante dos autos, o Recorrente considera, quanto à concreta matéria de facto considerada não provada que se ... infra, que mal andou o Tribunal a quo na decisão proferida, por ter julgado incorrectamente tais pontos da matéria de facto.
W)- Seria de esperar que a arguida negasse a prática dos factos, como fez; o que não se compreende e não se pode aceitar, é que seja sequer plausível que, tendo admitido que, no dia e hora em causa, de deslocou do seu apartamento, sito no ... ao apartamento do assistente, o que clara e limpidamente recorda, a arguida já não se lembre de nada mais, desde logo do que fez uma vez aí chegada e, que o Tribunal pactue com essa postura, absolvendo-a.
X)- Mesmo perante a livre confissão da arguida de que, no dia e hora em causa se dirigiu à casa do assistente, munida de uma vassoura, com a qual bateu violentamente na porta da casa deste, partindo o cabo em dois, tal a violência utilizada, o Tribunal a quo convenceu-se que a arguida nada mais fez, porque esta diz que não se lembra do que se passou a seguir.
Y)-Não foi valorado o depoimento da testemunha GG, que afirmou que no dia e hora em causa, estando em casa, ouviu bater violentamente na porta, que foi a arguida que o fez, que injuriou o seu marido e, que o agrediu pois ele ficou com lesões que até esse preciso momento não tinha e, mais: que nesse mesmo dia ouviu a arguida gabar-se ao telefone de ter agredido o assistente, com um cabo de vassoura, pois o Tribunal a quo considerou que a mesma estava “combinada” com o assistente, seu marido, para sustentar a acusação e, incriminar a arguida.
Z)- O além de não fazer sentido, desde logo pela forma como ambos relataram os factos: o assistente refere que ninguém assistiu/viu a agressão, embora a sua esposa e, uma das filhas estivessem em casa e, por seu lado, GG confirmou isso mesmo; a estarem combinados para incriminar a arguida, não teria sido mais eficaz que ambos dissessem que GG viu a arguida a entrar em sua casa, que a viu a agredir o seu marido com a vassoura?! Não estava mais ninguém presente, o que a própria arguida confirmou! Teria sido muito fácil faltar à verdade.
AA)- Ambos relataram com verdade os factos ocorridos, mas o Tribunal a quo preferiu valorar as declarações da arguida e, ignorar a prova testemunhal em causa, mal em nosso entender.
AB)- Nos termos legais, as declarações da arguida, não fazem prova, embora neste caso, para o Tribunal a quo, tenham sido a principal prova utilizada para a absolver, o que viola os mais elementares princípios basilares do direito processual penal.
AC)- O Tribunal a quo optou, claramente, por a ignorar as provas legalmente admissíveis, como a prova testemunhal, no caso da testemunha, GG, o que fez igualmente com a prova documental e pericial constante dos autos, pelo que se discorda da apreciação crítica da prova que foi efectuada.
AD)- O Recorrente considera que a matéria de facto constante dos pontos 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25 e 26 dos “Factos Não Provados”, devia ter sido considerada provada, como o impõem as provas que infra se indicam.
AE)- Assim, considera o Recorrente que o Tribunal a quo devia ter considerado provado que:
24. A arguida AA dirigiu-se ao assistente empunhando o cabo de vassoura, entretanto partido em dois pedaços.
25. Munida de tal objecto, desferiu pancadas no corpo de DD, atingindo-o no rosto, do lado esquerdo, junto ao olho e no antebraço direito, junto ao pulso.
26. Enquanto isso, dirigiu ao assistente as seguintes expressões "rei de merda" , "militar frustrado" , "merdoso" , acusando-o de não ter "vida social' .
27. Como consequência directa e necessária da conduta da arguida, DD sofreu lesões no membro superior direito, mais concretamente, edema e dor à palpação no terço distal da face posterior do antebraço.
28. Lesões que lhe determinaram um período de sete dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e da capacidade de trabalho profissional.
29. A arguida AA agiu com o propósito, que logrou alcançar, de molestar o corpo e a saúde do assistente.
30. As expressões enunciadas supra foram proferidas pela arguida em tom de voz elevado e agressivo, sendo audíveis no interior da habitação do assistente.
31. Ao proferir as expressões "rei de merda" e "merdoso", agiu a arguida com o intuito, alcançado, de humilhar e ofender a honra, consideração e dignidade do assistente.
24.A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação.
25.O assistente ficou com dores e inchaço na zona do antebraço nos dias que se seguiram aos factos.
26.O assistente sentiu-se ofendido e humilhado com as expressões que lhe foram dirigidas.
27.Na sequência dos factos praticados pela arguida, o assistente ficou perturbado, enervado e com o padrão de sono alterado.
AF)-A impugnação supra tecida à matéria de facto não provada, sustenta-se nas concretas provas que infra se indicam, as quais impunham que os factos supra fossem dados como provados:
- Depoimento da testemunha GG, prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 17.11.2022, gravado através do sistema integrado de gravação digital, iniciado pelas 00.00.01 h e findo pelas 00.20.48h, a qual foi confrontada com fls, 32, 33 e 125 dos autos transcrevendo-se as passagens em se funda a impugnação em causa:
“1.58 Testemunha: Tudo aconteceu num final de tarde…lembro no dia 19, foi muito perto do meu aniversário que foi no dia 18, por isso recordo-me…de Maio de 2021…estávamos em casa quando de repente ouvimos um estrondo na porta, a bater na porta, o meu marido foi abrir a porta, foi ver e só me apercebi de ouvir falar alto, gritar, aproximei-me para a sala para estar mais perto e ouvir melhor e foi quando ouvi o meu marido a ser insultado pela Sr.ª AA, insistentemente, vários nomes…a casa é grande nãos ei muito bem onde é que ele estava.
MP: Mas percebeu de onde vinham os gritos?
Testemunha: Vinham do hall de entrada. Isso sim.
MP: E a Sr.ª viu quem é que estava a proferir esses gritos?
Testemunha: Pela voz eu percebi que era a Sr.ªAna. Eu não vi, mas assisti. Simplesmente ouvi…fiquei a ouvir.
MP: O que é que ouviu?
Testemunha: Bem…”rei da merda, frustrado, não tem onde cair morto, não tem vida social, qualquer dia é encontrado morto…”, coisas assim do género, umas atrás das outras. Sei que o meu marido ligou para a PSP… e foi bastante demorado, acho que ele insistiu uma segunda vez. Como a PSP ainda não aparecia eu também liguei para reforçar o pedido que viessem com urgência e durante todo esse tempo todo, não sei mais de meia hora, 45 minutos, não sei mas foi imenso tempo, a Sr.ª AA na parava de falar e de injuriar.
MP: Durante esse tempo permaneceu sempre na sala?
Testemunha: Sim.
MP: Conseguia ver o hall da sua casa?
Testemunha: Não. Eu poderia avançar para ver mas fiquei sempre a ouvir.
MP: Viu alguém a entrar na sua casa?
Testemunha: Não como já referi eu não assisti a isso.
MP: Desse comportamento que atribui à Sr.ª AA, foram apenas as injurias ou aconteceu mais alguma coisa?
Testemunha: Vim a perceber mais tarde, já depois de a PSP ter lá chegado, que o meu marido foi agredido por um cabo de vassoura.
MP: E como é que percebeu isso?
Testemunha: Tinha o antebraço todo vermelho e aqui em baixo do olho, era uma lesão que não tinha antes. Apercebi-me e referi aos agentes da PSO e percebi que tinha sido atacado com o cabo de uma vassoura. 07.00”
“07.28 Mandatária do Assistente: Seria admissível que ela tivesse entrado em sua casa? É provável?
Testemunha: Sim, é provável. 08.00”
“08.23 Mandatária do Assistente: Antes dos acontecimentos o seu marido apresentava essas lesões?
Testemunha: Não 08.40”
“08.45 Testemunha: Tem a ver com o cago de Administrador que o meu marido exercia na altura… cobrar a dívida que a Sr.ª AA tinha ao condomínio…houve um telefonema da filha da Sr.ª AA para tentar resolver.
Mandatária do Assistente: Presenciou?
Testemunha: Sim, foi antes da agressão, ouvi a conversa ao telefone e o meu marido enviou um email à filha… e acho que foi isso que motivou a visita da Sr.ª AA.
Mandatária do Assistente: O seu marido tinha algum problema pessoa com a Sr.ª?
Testemunha: Não.
Mandatária do Assistente: E com mais alguém do prédio?
Testemunha: Não 10.38”
“ 11.51 Mandatária do Assistente: O seu marido tem problemas de saúde? Quais são? Agravaram-se com esta situação? Como se reflectiu nele e se se reflectiu também na família? E em que termos?
Testemunha: o meu marido não demonstra se fica perturbado ou não, mas tem tensão arterial alta, teve …um avc, teve sequelas na visão e algumas situações terão agravado, de certo modo, o estado de saúde do meu marido…daí ele já não querer interferir nos assuntos do condomínio.
Mandatária do Assistente: E já não exerce essa função?
Testemunha: Não 13.00”
“13.50 Mandatária do Assistente: O que vê nessas fotografias?
Testemunha: o braço do meu marido.
Mandatária do Assistente: E foi o que viu no dia da agressão?
Testemunha: Sim. (…) é a nossa casa, terraço posterior da casa… depois da PSP ir embora a Sr.ª AA parece não ter ficado muito satisfeita com a visita e atirou um balde de água para o nosso terraço. Na janela da casa, do lado do terraço, ouvi a Sr.ª AA a dizer que partiu o cabo da vassoura no meu marido …nesse dia, depois da agressão e da PSP ir embora… não sei cm quem estava ao telefone…disse “acabei de partir o cabo da vassoura em cima dele!” (…) com sentimento de orgulho. Não tenho dúvidas nenhumas, até pensei que fosse com a filha … 18.00”
“18:29 Testemunha: Tivemos uma acção contra uma Igreja (…)
Mandatária do Assistente: Estava em curso essa acção?
Testemunha: Sim.
Mandatária do Assistente: Nessa altura estava agendada alguma diligência?
Testemunha: Sim. Para o dia seguinte.
Mandatária do Assistente: E a D. AA tinha alguma intervenção?
Testemunha: Sim. Era testemunha da parte contrária.
Mandatária do Assistente: E que era a parte contrária?
Testemunha: Uma Igreja que estava no rés-de-chão. 19:38”
- Depoimento do Recorrente, prestado na audiência de discussão e julgamento do dia 17.11.2022, gravado através do sistema integrado de gravação digital, iniciado pelas 00.00.01 h e findo pelas 00.42.39h, transcrevendo-se as passagens em se funda a impugnação em causa:
“03:54 Assistente: Na altura da agressão, eu encontrava-se em casa quando ouvi bater na porta ruidosamente. Quando abri a porta a sr.ª veio na minha direcção com doi pedaços do cabo da vassoura que tinha partido, em riste, agredindo-me várias vezes … veio em direcção a mim com os dois cabos de vassoura e, naturalmente que eu fui recuando dentro do pequeno vestíbulo que tenho lá em casa e procurei levantar o braço para não ser atingido na face, como fui, no lado esquerdo do rosto e também no peito, portanto e, à medida que ia recuando… fui atingido no lado da vista esquerda, uma vez e fui atingido no peito…mantive sempre uma postura de defesa com o meu antebraço esquerdo estendido e recuando sempre à medida, portanto que ia sendo agredido … foram várias e sucessivas… 05:56.”
“06:08 Assistente: Nunca passei do umbral da minha porta para o exterior, quer na fase da investida e fui recuando até chagar junto da secretária e, à medida que ia sendo agredido ia sendo injuriado.. a sr.ª normalmente utiliza este tipo de linguagem, que era “um rei da merda”, que era um “militar frustrado da merda”, que era advogado sem estar registado, sendo que eu nunca disse a ninguém que era advogado, que voltasse para ..., que estrou convencido que mando em todos no prédio menos nela, que não tinha medo algum, que tivesse muito cuidado porque tinha conhecimentos quer a nível da policia, quer a nível dos médicos para a isentar de responsabilidades. (…) Presencialmente não houve ninguém que estivesse a assistir, …apesar de ter sido em voz extremamente alta …, muito alto. Foi em Maio do ano passado. 08:38”
“09:00 Assistente: Nesse momento, quando eu sai do hall para ir buscar o telemóvel que estava na sala a sr.ª saiu do hall e foi-se prostrar a 1 metro, no canto, na curva do primeiro lance de escadas …aproveitou para dizer que eu era um merdas, que a policia já sabia que eu era famoso por ser um merdas, que não ia aparecer. 09:36”
“10:32 Assistente: Durante esses minutos a sr.ª nunca esteve calada, continuou a fazer uso do mesmo tipo de linguagem… começou a perguntar-me porque é que eu estava calado e não reagia …. Continuava a usar os mesmos termos de insulto que tinha feito anteriormente e disse que era muito natural que a policia não aparecesse dado eu ser um merdas…. 11:10”
“12:00 Juiz: Porque é que continuou ali naquele local a ser enxovalhado pela D.AA?
Assistente: Muito simples: se eu fechasse a porta ia ter, se calhar, o mesmo tipo de reacção, ia-me bater à porta novamente, ruidosamente, ia-me camar nomes… eu fiquei ali, sendo uma forma de controlar a situação. 12:31”
“12: 50 Juiz: A D. AA pareceu-lhe normal? Estava descompensada, estava alterada? Como a descreve?
Assistente: Normalíssima, como era habitual sempre que tinha algum tipo de intervenção… não foi só naquele caso, já tinha antecedentes. Normalíssima, nem embriagada, nem com aparência de consumo de estupefaciente. 13: 35”
“14:15 Assistente: (…) “agora dirija-se ao hospital” e, foi assim que eu fiz isto foi uma ocorrência que aconteceu por volta das 20h00 e cheguei a casa era quase meia noite. 14:33”
“14:50 Assistente: Sai dali e fui directamente para o hospital, tinha o braço esquerdo dorido e com inchaço … teria que ir a uma consulta de uma médica forense. 15: 30”
“15:35 Assistente: Fiquei com o antebraço esquerdo completamente dorido e inchado durante bastante tempo … mês e meio à vontade, em termos de dor, o inchaço talvez menos tempo … a médica …entendeu que o que eu tinha tido na vista não era muito relevante para a situação… no peito fiquei dorido. 16:45”
“17:10 Assistente: Uma coisa é ser ofendido fora de casa outra dentro de casa, uma coisa é ser ofendido pro um desconhecido, outra pela vizinhança com quem temos que lidar todos os dias…
Juiz: À data era administrador?
Assistente: Exacto.
Juiz: E continua a ser?
Assistente: Não. 17:48”
“18:20 Juiz: Sentiu-se vexado, injuriado, é isso?
Assistente: sim. 18:25”
“18:40 Assistente: Esta situação decorreu, para mim, do exercício de ser administrador do prédio. A sr.ª AA apareceu numa ou duas assembleias e comprometeu-se a liquidar essa dívida … oque foi aceite…passado um ano ou dois não fazendo isso, a filha resolveu entrar em contacto presencial e por telefone …a pedir qual era o montante da divida àquela data e eu disse “vou fazer as contas e depois envio-lhe isso por sms” e assim foi…enviei a sms e passado algum tempo veio a agressão.
Juiz: Mas foi no próprio dia?
Assistente: Sim. No próprio dia da mensagem, apareceu tendo dito que a filha estaria no seu apartamento e, que vinha cá a baixo resolver as coisas. 21:40”
“24:21 Juiz: Estava sozinho em casa?
Assistente: Não. Estava com a minha mulher e com uma das miúdas.
Juiz: Mas ninguém presenciou os factos?
Assistente: Visualmente não, mas terão ouvido o vozear que a sr.ª fez. 24:37”
“25:30 Juiz: Considera que esta situação está relacionada com a dívida, esta agressão?
Assistente: Sim. Eu considero que sim. É a única explicação que eu encontro. 25:40”
“25: 50 Assistente: No dia em que fui ao hospital, a minha mulher, quando eu cheguei do hospital, disse-me que depois da agressão ela foi para a varanda de trás telefonar e vangloriar-se de me ter agredido.(…)26: 30”
“27:30 Juiz: O Sr. reagiu?
Assistente: Nem abri a boca tão pouco … sempre calado. Foi essa a minha postura. 28:00”
AG)- Para conferir total credibilidade à versão da arguida, o Tribunal a quo, considerou que a testemunha GG depôs de forma parcial e, que foi notória a ascendência psicológica que o marido, o assistente tem sobre si e, por isso corroborou a versão dele, independentemente de ser verdadeira ou não, sendo que não pode deixar de causar total perplexidade tal convicção tida pelo Tribunal a quo, pois por mais esforço que façamos, ouvindo e, voltando a ouvir a prova testemunhal gravada, não encontramos qualquer fundamento para tal convicção, sendo certo que foi o Tribunal a quo o único a ter tal convicção, uma vez que o Ministério Público considerou e, bem, que se provaram os factos de cuja prática a arguida vinha acusada (sendo certo que acusou quanto ao crime de ofensa à integridade física simples e, acompanhou a acusação particular quanto ao crime de injúrias).
AH)- Como pode o Tribunal a quo considerar “estranho” o facto de o assistente ter declarado que ninguém presenciou os factos nem dentro, nem fora de casa, atento o depoimento da sua esposa?! Quando o que o mesmo declarou foi que ninguém presenciou ”visualmente”, foram essas as suas palavras! Mas disse que a sua esposa estava em casa e, ouviu os gritos e injúrias da arguida e, foi exactamente isso que testemunhou GG! Teria o Tribunal a quo preferido que ambos faltassem à verdade e, que se tivessem posto de acordo para condenar a arguida sem fundamento?!!
É que, de facto, podiam tê-lo feito! Bastava a testemunha GG declarar que do local onde estava via o hall de entrada da casa e, que como tal viu a arguida a entrar em sua casa munida de dois pedaços do abo da vassoura, com os quais agrediu fisicamente o seu marido, enquanto o injuriava!!
AI)- A testemunha falou com verdade, objectividade e imparcialidade e, limitou-se a depor sobre o que, de facto, ouviu e, viu. Nada mais.
AJ)- Diz o Tribunal a quo que o depoimento da testemunha GG foi “extremamente parcial, interessado e comprometido” e que revelou ascendência psicológica do assistente sobre si, que a levou a corroborar a versão deste!! Mas não explica em que se traduzem, em concreto, tais adjectivos que imputou ao depoimento de GG: parcial em que termos? Em que se traduz a sua linguagem corporal? Depoimento interessado em que termos? comprometido em que termos? Em que se manifestou a ascendência psicológica do marido no seu depoimento?! É que, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, a testemunha não corroborou as declarações daquela, desde logo porque foi clara a dizer que não viu a agressão e, não viu a arguida no hall.
AK)- É que, na verdade, o Tribunal a quo não tem como traduzir/explicar tais adjectivos e, como supra se demonstrou, pela transcrição das passagens que se considera serem relevantes, mal andou o Tribunal a quo a analisar a prova testemunhal em causa, desvalorizando-a e desqualificando-a de forma incorrecta e, sem qualquer fundamento.
AL)- O Tribunal a quo não lançou mão nem conhecimento profissional, nem vivência, ou alguma informação adicional proveniente de relatórios elaborados por técnicos nessas áreas (psicologia, relacionamento, psiquiatria, etc.), para fundamentar a alegada subjugação ou anulação da personalidade/caráter da testemunha GG, pessoa que não conhece, com quem não convive, com a qual nunca frequentou qualquer tipo de convívio, festividade ou cerimonial privado ou público, nem com o casal em causa, sendo certo que não conhece o agregado familiar do casal.
AM)- A apreciação que o Tribunal a quo efectuou do depoimento da testemunha GG não consubstancia qualquer análise crítica e, muito menos se traduz numa análise à luz de regras de experiência comum e de normalidade; o que o Tribunal a quo fez, quanto ao depoimento em causa, foi uma errada interpretação e, valoração do mesmo, inquinada por uma forte vertente parcial, traduzida na posição cega e de total “compaixão” para com a arguida, que muito bem ensaiou a sua participação neste julgamento.
AN)- A arguida juntou aos autos um atestado médico que, alegadamente serviria para justificar a sua não comparência, mas pasme-se: compareceu e, quis, com muita convicção prestar declarações, sendo que, embora se tenha queixado de problemas psicológicos, todos atendidos pelo Tribunal a quo, sem qualquer suporte credível, em momento algum deixou transparecer qualquer perturbação; o seu objectivo foi o de atingir o assistente e, fê-lo de forma intencional, consciente e, lançando mão de alegados factos que nem sequer constam dos autos, mas a que o Tribunal a quo deu total crédito (a questão do alegado felino), compadecendo-se como seu “teatro” e, com a junção do atestado médico em causa (ao qua nenhuma credibilidade deve ser assacada, desde logo porque tão pouco se sabe desde quando é que a arguida é alegadamente acompanhada pelo seu subscritor), pretendeu apenas o de justificar a sua amnésia quanto à agressão, justificada por uma alegada e conveniente “descompensação”.
AO)- Mal andou o Tribunal a quo ao ficar convencido que a arguida, que comprovadamente tinha uma relação tensa com o assistente, que tinha uma dívida ao condomínio do prédio onde ambos residem e, de que este era administrador à data dos factos e, que no dia em causa tinha sido informada por este, através da sua filha, do valor em dívida, após o que decidiu descer ao primeiro andar, à casa do assistente, para resolver o assunto, fê-lo de vassoura em mão, chegou à porta, bateu com tanta violência que partiu o cabo da vassoura em dois e, como que por milagre, depois já não se lembra de nada mais.
AP)- As declarações do assistente, foram prestadas de forma clara e objectiva, relatando com rigor os factos ocorridos, sendo que tal como quanto à testemunha GG, também quanto ao assistente o Tribunal a quo não justifica em que se traduz a alegada superioridade e, animosidade do assistente para com a arguida.
AQ)- O assistente declarou que, na sua perspectiva, o que terá despoletado a agressão terá sido a questão da dívida da arguida ao condomínio e, que não tem qualquer problema/questão pessoal com a mesma e, que perante a agressão, optou por não reagir e, explicou porquê, como supra se demonstra pela transcrição do seu depoimento, nas partes que se consideram mais relevantes.
AR)-O assistente ao assumir uma atitude pautada pelo civismo, educação e formação profissional, em não querer ofender física e verbalmente a agressora, pessoa do género feminino e com provas de incivilidade, foi interpretado de forma incorrecta, com base numa opinião infundamentada, com factos subjetivos e de total parcialidade, com o objectivo claro de absolver a arguida, a qual pareceu ao Tribunal “uma pessoa bastante sensível, sincera e integra”, por oposição ao arguido e à testemunha GG, casal que, na perspectiva do Tribunal a quo, decidiu conspirar com vista à condenação da arguida!!
AS)- As declarações do assistente, supra transcritas, nos termos e para os devidos efeitos legais, impunham que a matéria de facto dada como não provada, fosse considerada provada.
AT)- O facto de o Auto de Notícia não fazer referência às agressões sofridas pelo assistente não retira credibilidade ao que este declarou, nem à prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento.
AU)- A PSP deslocou-se ao local, tomou conta da ocorrência, fez referência a que o assistente recusou assistência no local, mas o próprio referiu que o agente da PSP o aconselhou a ir ao Hospital e, a formalizar a queixa posteriormente, o que fez, conforme consta do Auto de Denúncia de fls. dos autos, datado de 21.05.2021, com a descrição pormenorizada dos factos e, documentos, ao qual o Tribunal a quo não faz qualquer referencia, mal em nosso entender.
AV)- Mal andou o Tribunal a quo ao analisar e valorar a Participação, constante de fls, 2 dos autos, nos termos em que o fez.
AW)- O Tribunal a quo não valorou correctamente, nem teve em conta a prova documental consubstanciada no Relatório de Episódio de Urgência, fls. 10, datado de 19.05.2021, pelas 20h38m , ou seja logo após a presença da PSP no local, onde é feita referencia à agressão no braço direito, bem como a realização de RX ao punho (duas incidências) cujo resultado foi: traumatismo e, que teve alta com recomendação de repouso.
AX)- O Tribunal a quo não valorou correctamente, nem teve em conta a prova documental consubstanciada no Relatório de Exame Médico Legal, fls. 17, datado de 24.05.2021, cinco dias após a agressão, o qual constam as queixas que apresentava na altura, designadamente dor no antebraço, mais acentuado no punho, edema e dor à palpação no terço distal da face posterior do antebraço - membro superior direito – e mobilidade equivalente à contralateral e, do qual consta a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e agressão relatada, a qual implica sete dias de cura.
AY)- É falso que o referido elemento de prova “…não faz alusão a inchaço, edema, equimose ou ferimento em qualquer outra parte do corpo do assistente…”, o que, como supra se demostrou e, consta de fls. 10 dos autos, uma vez que fala claramente em edema e dor à palpação e, admite o nexo causal entre a agressão relatada e, a lesão apresentada; que outros vestígios físicos seriam necessários para o Tribunal a quo perceber que a arguida, embora possa parecer “uma pessoa bastante sensível, sincera e integra” também está provado que pode ser, e é uma pessoa bastante agressiva, mentirosa e, desonesta, a pinto de sair da sua casa, dirigir-se à casa do assistente, munida de uma vassoura e, bater-lhe na porta de forma tão violenta que até partiu o cabo da vassoura em dois?!!! Mas será que o Tribunal a quo considera que a arguida se muniu de uma vassoura para r fazer limpezas na casa do assistente?!!!
AZ)- Quanto à agressão no peito e, no olho, o assistente foi bastante claro ao referir que apresentou tais queixas, mas que a médica que o observou considerou que não eram relevantes para fazer constar do relatório, o que é bem diferente de não apresentar tais queixas.
AAA)- Ao contrário do que refere o Tribunal a quo, o edema em causa está, de facto assinalada no episódio de urgência designadamente no local onde se refere “Queixa” e, insiste notícia de qualquer outra agressão sofrida pelo arguido entre dia 19 e 24.05.2021, sendo certo que o assistente é alheio ao hiato temporal entre um exame e outro e, não pode, de modo algum, pode ser prejudicado pelo mesmo e, muito menos quando o Exame de 24.05.2021, atesta o nexo de causalidade entre a lesão e a agressão, elemento de prova que o Tribunal a quo não valorou correctamente, nem teve em conta a prova documental/pericial em causa.
AAB)- Quanto às fotografias constantes de fls. 32 e 33: a testemunha GG, como supra se demonstrou, confrontada com tais fotografias, identificou claramente o braço do seu marido, o que foi totalmente ignorado pelo Tribunal a quo, mal em nosso entender.
AAC)- Quanto ao braço lesionado: o assistente referiu na sua acusação particular que sofreu lesões no membro superior esquerdo e, no membro superior direito (Vide ponto 12), sendo certo que no episódio de urgência é feita referência ao braço direito e, no relatório do exame médico-legal é feita referência o antebraço direito e, ao antebraço e punho, não se dizendo qual.
AAD)- O assistente nas suas declarações referiu que, sendo dextro, a sua reação foi a de se proteger, ao nível do rosto, com o braço esquerdo e, que tentou afastar a agressão, o que naturalmente terá feito também com o braço direito, o que consubstancia uma reação involuntária ou mecânica na defesa do nosso corpo, derivado do instinto de sobrevivência, sendo certo que as fotos tiradas e existente nos autos, são do braço esquerdo, pelo que, acaso tenha existido lapso na identificação do braço e/ou antebraço, o assistente é alheio a tal facto, o que não elimina a existência das lesões.
AAE)- Não há qualquer contradição entre as declarações do assistente, o depoimento da testemunha GG e, os documentos em causa, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao analisar e, valorar tais elementos de prova.
AAF)- Inexplicavelmente, para o Tribunal a quo não é credível que o assistente tenha optado por não reagir às agressões físicas e injurias da arguida, o que fez nos termos supra já alegados e demonstrados, mas já seja credível que a mesma não se lembre de o ter agredido, física e verbalmente, quando se dirigiu a sua casa com uma vassoura que partir na porta, tal a fúria que levava!! Isso sim, já é credível!!
AAG)- Inexplicavelmente, para o Tribunal a quo, as regras da experiência comum e, os juízos de normalidade ditam que o assistente deveria ter retribuído na mesma moeda! Isso sim, seria normal e expectável!
AAH)- Como bem refere o Tribunal a quo, a personalidade do assistente está relacionada com a sua educação, o seu percurso profissional, de carácter militar e, é exactamente por isso, que, perante situações como a que vivenciou com a arguida e, em causa nos autos, é que consegue ter a postura que teve: de auto domínio e controlo, sob pena de ao invés de ter aqui a posição de assistente, ter também a posição de arguido.
AAI)- A questão do alegado felídeo e, o alegado racismo e xenofobismo do assistente, foi uma não questão e, serviu, mais uma vez, para o Tribunal a quo justificar a absolvição da arguida que em nada se relaciona e/ou justifica a agressão, a não ser para, uma vez mais, justificar a sua análise subjetiva e inconsistente, para absolver a arguida, que declarou sofrer de surtos psicóticos e assim não se lembrar da agressão com o cabo da vassoura partida na porta do apartamento, sinal de raiva incontida, e as suas injúrias não foram além do “parvo” e “estúpido”.
AAJ)- Atento o supra exposto resulta que os elementos de prova indicados, quer testemunhal, quer documental, quer pericial, impunham que o Tribuna a quo tivesse considerado provados os factos da acusação pública e, das acusações particulares e, respectivos pedido de indemnização cível, como supra se demonstrou.
AAK)- Tais elementos de prova não permitem a subsistência de quaisquer dúvidas quanto à prática dos factos em causa pela arguida, nem quanto às lesões sofridas pelo assistente, em consequência directa e necessária dos mesmos.
AAL)- A matéria de facto em causa foi incorrectamente julgada, pois as concretas provas supra indicadas não foram valoradas e/ou tidas em consideração, as quais impõem decisão diversa da recorrida.
AAM)- Atento o referido supra, considera o assistente que foram violadas as normas jurídicas infra e, que o sentido em o Tribunal a quo as interpretou não é o correcto.
AAN)- A matéria de facto sustentada pelos elementos de prova supra referidos, permite dar como provada a prática, pela arguida, do crime de injúrias, previsto e punido pelo Art. 181º do Código Penal, estando demonstrado o preenchido quer do elemento subjectivo, quer do elemento objectivo do tipo legal de crime em causa.
AAO)- Ao absolver a arguida da prática do crime em causa, o Tribunal a quo violou o disposto no Art. 181º n.º 1 do CP, fazendo uma incorrecta subsunção dos factos ao direito.
AAP)- A matéria de facto sustentada pelos elementos de prova supra referido, permite dar como provada a prática, pela arguida, do crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo Art. 143º n.º 1 do CP, estando demonstrado o preenchido quer do elemento subjectivo, quer do elemento objectivo do tipo legal de crime em causa.
AAQ)- Ao absolver a arguida da prática do crime em causa, o Tribunal a quo violou o disposto no Art. 143º n.º 1 do CP, fazendo uma incorrecta subsunção dos factos ao direito.
AAR)- Deve a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto não provada, que se impugna no presente recurso, ser modificada nos termos supra concretamente indicados, o que se requer a Vs. Exs.ª, por se encontrarem reunidos os requisitos legais do Art. 431º do CPP.
AAS)- O Recorrente discorda das ilações retiradas pelo Tribunal a quo, em sede de Exame Crítico das provas, considerando que os factos não provados foram incorrectamente julgados, porque as concretas provas indicadas impõem que os mesmos sejam considerados provados.
AAT)- Atento o supra exposto, deve igualmente a arguida ser condenada nos pedidos de indemnização contra si deduzidos pelo Recorrente.
AAU)- Atento o supra exposto, deve o Recorrente ser absolvido da condenação nas custas crime e cíveis.
Termos em que e, nos demais de direito que Vs. Exs.ª doutamente suprirão, deve o presente recurso ser recebido, julgado procedente por provado, e, em consequência ser revogada a sentença recorrida e, substituída por outra que condene a arguida pela prática, como autora material e, na forma consumada, do crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo Art. 143º n.º do PC e, do crime de injúrias p. e p. pelo Art. 181º do CP de que vinha acusada e, que condene a arguida/demandada nos pedidos de indenização contra si deduzidos pelo Recorrente e, que a condene em custas criminais e cíveis e, que absolva o Recorrente das custas criminais e cíveis, com as legais consequências,
Cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do CPP, respondeu a arguida afirmando que deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, ser confirmada a Douta sentença recorrida.
B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1. No dia 19.05.2021, cerca das 19:00, AA, residente no ... andar do prédio urbano sito na Urbanização ..., nesta cidade ..., dirigiu-se ao apartamento ... do mesmo edifício, munida de um cabo de vassoura.
2. Aí chegada, bateu violentamente com o cabo de vassoura na porta de entrada do apartamento do assistente, que entretanto se partiu em dois, até que este a abriu, a fim de se inteirar do sucedido.
16. A arguida AA dirigiu-se ao assistente empunhando o cabo de vassoura, entretanto partido em dois pedaços.
17. Munida de tal objecto, desferiu pancadas no corpo de DD, atingindo-o no rosto, do lado esquerdo, junto ao olho e no antebraço direito, junto ao pulso.
18. Enquanto isso, dirigiu ao assistente as seguintes expressões “rei de merda”, “militar frustrado”, “merdoso”, acusando-o de não ter “vida social”.
19. Como consequência directa e necessária da conduta da arguida, DD sofreu lesões no membro superior direito, mais concretamente, edema e dor à palpação no terço distal da face posterior do antebraço.
20. Lesões que lhe determinaram um período de sete dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e da capacidade de trabalho profissional.
21. A arguida AA agiu com o propósito, que logrou alcançar, de molestar o corpo e a saúde do assistente.
22. As expressões enunciadas supra foram proferidas pela arguida em tom de voz elevado e agressivo, sendo audíveis no interior da habitação do assistente.
23. Ao proferir as expressões “rei de merda” e “merdoso”, agiu a arguida com o intuito, alcançado, de humilhar e ofender a honra, consideração e dignidade do assistente.
24. A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação.
25. O assistente ficou com dores e inchaço na zona do antebraço nos dias que se seguiram aos factos.
26. O assistente sentiu-se ofendido e humilhado com as expressões que lhe foram dirigidas.
27. Na sequência dos factos praticados pela arguida, o assistente ficou perturbado, enervado e com o padrão de sono alterado.
«O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base na análise critica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, apreciada à luz das regras de experiência comum e segundo juízos de normalidade, beneficiando da imediação, dispensando-se a descrição pormenorizada dos depoimentos prestados uma vez que a prova se encontra devidamente registada em suporte magnético.
Começou por atender às declarações prestadas pela arguida AA, que assegurou “na sua maioria os factos não corresponderem à verdade”. Apresentou-se calma, consciente, equilibrada, embora revelando que o relacionamento com o aqui assistente é bastante tenso e lhe causa grande perturbação, sendo evidente a mágoa sentida – imputou-lhe, inclusivamente, a morte de um felídeo seu, pouco tempo antes dos factos objecto dos presentes autos e atitudes racistas e discriminatórias para com outros habitantes do prédio.
Referiu que o assistente reside no mesmo prédio que a própria habita há 35 anos, tendo sido nomeado administrador do condomínio. “Por problemas anteriores” e por se encontrar doente, disse ser a filha quem trata de todos os assuntos relacionados com o condomínio, confessando ser devedora de importância que não soube precisar.
No que aos factos que lhe estão imputados concerne, reconheceu ter partido uma vassoura na porta da residência de DD, negando, todavia, tê-lo agredido ou proferido as expressões mencionadas na acusação, dado não ser seu hábito “dizer asneiras”, apenas admitindo que o possa ter apelidado de “estúpido” e “parvo”.
Questionada sob os motivos que estiveram subjacentes a uma tal conduta, referiu que “não sabe porque o fez”, “não sabe o que lhe passou na cabeça”, admitindo “ter descompensado”, dado que sofre de stress pós-traumático e de síndrome do ninho vazio, após o abandono do lar dos filhos, já criados.
Questionada em que consistiam esses episódios de descompensação, esclareceu que às vezes “não tomava banho, não comia, só dormia, não atendia os telefonemas e ficava mais agressiva”, tendo comportamentos que posteriormente não se recordava.
Nessa data afirmou ter aguardado a presença da PSP no local, de forma a que atestassem que o assistente não se encontrava magoado.
Deu a entender que o assistente teria algum ressentimento relativamente à sua pessoa, por ter testemunhado contra o mesmo num processo judicial relacionado com a igreja que esteve durante anos localizada na loja situada no R/C do prédio.
Por seu turno, o assistente DD, residente no prédio identificado nos autos e vizinho da arguida desde 2018, de forma bastante contida, mencionou que, em Maio de 2021, cerca das 19:30, ouviu bater ruidosamente na sua porta, abrindo-a e constatando que AA caminhava na sua direcção empunhando dois pedaços de um cabo de vassoura. Perante tal investida, disse ter recuado para o interior do hall da sua habitação, altura em que levantou o braço esquerdo de forma a não ser atingido. Ainda assim, referiu que a arguida lhe desferiu pelo menos 3 pancadas, no olho e braço esquerdos, assim como no peito.
Quanto à postura assumida, garantiu não ter reagido e não ter respondido.
Mais adiantou que, em simultâneo, a arguida o ia injuriando, em tom de voz bastante elevado, com expressões como “rei de merda”, “militar frustrado”, “advogado não registado”, que pensa que manda em todos os habitantes do prédio, mandando-o regressar a ..., de onde é natural, alegando não ter medo de si. E, também nestes momentos, assegurou não ter respondido.
Questionado, disse que ninguém presenciou os factos, nem dentro, nem fora da sua casa, muito embora a esposa e a filha estivessem no interior da habitação.
Afirmou ter-se mantido à porta da sua residência, “a controlar a arguida”, que prosseguia com os mesmos impropérios, até à chegada da PSP. Questionado por que motivo não se retirou para o interior da habitação, fechando a porta, assim pondo termo à situação, explicou que se o fizesse “perderia o controlo da situação”, arriscando novas investidas por parte da arguida.
Afirmou que a arguida estava no seu estado normal, refutando que pudesse encontrar-se embriagada, alterada ou sob o efeito de estupefacientes.
Quanto aos motivos que poderiam estar subjacentes a uma tal conduta da arguida, explicou estar convicto que estariam relacionados com o cargo de administrador do condomínio que ocupava e à existência de dividas de AA, cujo montante a filha desta tentou apurar e negociar.
Referiu que nessa mesma data se deslocou ao ..., onde foi assistido, tendo ficado com o braço esquerdo dorido e inchado durante mais de 1 mês e o olho esquerdo igualmente dorido, “embora a médica o tenha desvalorizado”. Adiantou ter-se sentido vexado e injuriado, ter ficado enervado, perdido peso e passado noites sem dormir, ausentando-se alguns períodos para ....
GG, esposa do assistente, mencionou que no dia seguinte ao seu aniversário, ao final da tarde de 19.05.2021, estando em casa, ouviu um grande estrondo na porta. Disse ter sido o marido quem se deslocou à porta, mantendo-se a testemunha afastada, na sala e sem visibilidade para a entrada do apartamento. Esclareceu que não se quis aproximar. Ouviu, então, gritos, reconhecendo a voz da arguida e apercebendo-se que injuriava o marido com expressões como “rei de merda” e “frustrado”, acusando-o de não ter vida social.
Sabe que o assistente contactou a PSP, solicitando a sua comparência no local, sendo que nesse hiato temporal, a arguida manteve os insultos. Na presença da PSP ouviu o marido dizer que havia sido agredido com o cabo de uma vassoura, verificando que, efectivamente, apresentava uma lesão no olho e no antebraço, apontando para o lado esquerdo do corpo, que antes não exibia.
Salientou que nessa mesma data ouviu a arguida, da sua varanda, ao telefone, gabar-se, orgulhosamente, de ter agredido o marido.
Alegou que a situação estará relacionada com o cargo de administrador que o marido assumia à data e com o facto de ter sido deliberado em Assembleia cobrar a divida da arguida AA. Sabe que à data corria termos uma acção cível contra a igreja que se encontrava instalada no prédio, no âmbito da qual a arguida foi testemunha.
Relativamente a eventuais consequências dos factos, salientou que o marido tem problemas de saúde, reportando-se a tensão alta, afirmando que o stress o afecta.
Por último, HH, proprietário de uma fracção comercial no prédio habitado por arguida e assistente – onde esteve instalada durante 13 anos uma igreja evangélica, que abandonou o locado na sequência de diferendos com o assistente –, não tendo conhecimento directo e pessoal dos factos, limitou-se a fazer alusão a várias situações pontuais ou diferendos ocorridos entre as partes envolvidas nos presentes autos, devido a uma interpretação de DD, enquanto administrador do condomínio, relativamente às contas e divida de AA, que se sentia “perseguida” por aquele e psicologicamente afectada com tal situação.
Mencionou que a inicial boa impressão que teve do assistente, quando este assumiu a administração do condomínio, se dissipou na sequência de algumas tomadas de posição deste, referindo que o mesmo arranjou litígios com outros condóminos do edifício, ficando patente que tal sucedeu, designadamente, com o arrendatário da fracção de que é proprietário.
Instado, disse desconhecer, em absoluto, que a arguida estivesse envolvida em problemas com quem quer que fosse, descrevendo-a como uma pessoa modesta e não conflituosa.
Ora,
Aqui chegados, descritos o teor das declarações e depoimentos prestados em audiência, impõem-se algumas considerações relativamente à prova produzida.
Desde logo assistimos a duas versões contraditórias relativamente aos factos ocorridos em 19.05.2021.
De uma banda DD, que acusa AA de agressões e injurias com o cabo de uma vassoura e, de outra, a arguida, que refuta, em absoluto, os factos que lhe estão imputados, à excepção da efectiva utilização de um pau de vassoura, que assumiu ter partido na porta do assistente.
Vejamos, então, com maior detalhe, os elementos apurados nos autos e que poderão conferir maior ou menor credibilidade a uma ou a outra versão.
Antes de mais, foi para a signatária evidente, no decurso das suas declarações, que o assistente sente bastante animosidade para com a arguida, posicionando-se com uma aparente superioridade relativamente a esta. Também foi perceptível que AA sente uma mágoa imensa por alegados factos por este praticados num passado recente. E, diga-se, pareceu-nos uma pessoa bastante sensível, sincera e íntegra.
Por outro lado,
É o próprio assistente a afirmar, quando questionado, que ninguém presenciou os factos “nem dentro, nem fora de casa”, o que não deixa de nos causar alguma estranheza em função do depoimento prestado pela sua esposa.
Todavia, cumpre realçar que foi nossa sincera convicção, em face da postura de GG, da forma como depôs e da sua linguagem corporal, que o seu depoimento se revelou extremamente parcial, interessado e comprometido, sento para nós notória a ascendência psicológica que o marido tem sobre si. Não poderia a testemunha deixar de corroborar o declarado por aquele, independentemente da sua veracidade ou ausência dela.
No que diz respeito às alegadas agressões sofridas por DD, é possível constatar, pela análise do auto de noticia de fls. 2 que, na deslocação ao local, os agentes da PSP não deixaram consignada a existência de qualquer tipo de lesão na pessoa do assistente. Apenas fizeram menção ao facto de o assistente ter argumentado ter sido agredido e de a arguida ter negado qualquer tipo de agressão.
De salientar que nenhuma referência é feita a alegadas injurias dirigidas por esta à pessoa daquele. Circunstância que não nos passou, naturalmente, despercebida.
Acresce que também o episódio de urgência de fls. 10 não faz alusão a qualquer inchaço, edema, equimose, contusão ou ferimento em qualquer parte do corpo do assistente diversamente do que sucede sempre que os profissionais de saúde se confrontam com uma situação de alegadas agressões e constatam a existência de lesões.
Note-se que, a fls. 10 verso, consta apenas que “utente recorre por história de agressão por terceiros com cabo de vassoura a nível do braço direito”. Não que existam vestígios físicos de tal se ter, efectivamente, verificado. Do teor de tal documento igualmente decorre que na deslocação à unidade hospitalar, não terá o assistente mencionado quaisquer agressões no peito e no olho. Facto que mais uma vez sinalizamos.
Neste concreto ponto, será bem assim, de assinalar que o exame pericial junto a fls. 17 a 18 foi realizado 5 dias após os factos, pelo que, de modo algum, é susceptível de atestar as eventuais lesões que o assistente poderia ter sofrido em 19.02.2021. É que o edema a que se reporta, no membro superior direito, não assinalado no episódio de urgência, reitere-se, poderia ter tido qualquer outra causa nesse hiato temporal. Também aqui se verifica que nenhuma menção é feita ao peito ou ao olho esquerdo.
Atente-se, ainda, ao teor das fotografias de fls. 12 e 33.
Para além de não ser possível confirmar que as mesmas dizem respeito a um dos braços do assistente, porquanto apenas é retratada a parte do antebraço e não a própria pessoa fotografada, também não é perceptível, pela sua análise, a existência de qualquer tipo de lesão, edema, inchaço ou equimose.
Uma última constatação se prende com o facto de, em julgamento, o assistente ter feito sucessivas referências ao braço esquerdos, o que contraria claramente quer a queixa apresentada, como o exame pericial, em que a menção é sempre feita ao braço direito.
Não poderemos deixar de concluir que, se os factos tivessem efectivamente ocorrido conforme declarou e se tivessem constituído um evento tão marcante e com tanto impacto na sua vida, como quis fazer crer, seguramente se recordaria DD de qual o braço atingido pela arguida.
As contradições mantiveram-se, aliás, durante o depoimento de GG pois, também ela aponta para o braço e olho esquerdos, o que claramente sugere uma prévia concertação entre as declarações de ambos em momento anterior ao julgamento e corrobora aquela que foi, desde o inicio, a percepção do Tribunal relativamente à sua parcialidade e falta de isenção.
Dir-se-á, por outro lado,
Que as declarações do assistente também não nos mereceram qualquer credibilidade na parte em que se reporta à absoluta inacção perante as injurias e as agressões alegadamente perpetradas pela arguida.
Recordamos que o assistente garantiu não ter reagido de forma alguma à atitude da arguida e nada ter replicado perante as injurias proferidas. Aliás, ter-se-á mantido, impávido e sereno até à chegada das autoridades.
Ora, não é de todo crível, que tal tenha sucedido. Uma tal postura contraria, desde logo, as regras da experiência comum e os juízos de normalidade.
Por outro lado, entendemos que uma tal conduta absolutamente passiva não se mostra, de todo, compatível com o tipo de postura que DD assumiu em audiência e com os traços da personalidade, bastante forte e dominante que foram para nós evidentes em julgamento e que, em parte, se relacionarão com a educação e percurso profissional militar que invoca.
Ora,
Em face das considerações expendidas, fica claro que as duas versões apresentadas se mostram desacompanhadas de qualquer outro elemento de prova que, seriamente, as corrobore. Logo, em nosso entender, nada foi possível apurar em audiência que nos permita conferir efectivamente maior credibilidade a uma em detrimento da outra.
Subsistem, por conseguinte, dúvidas, sendo certo que não existem quaisquer outras diligências a realizar tendo em vista o cabal esclarecimento dos factos porquanto não foi identificada qualquer outra pessoa que se encontrasse presente no local, no contexto a que se reportam os factos e que, de forma isenta e desinteressada, os tenha presenciado.
Existindo dúvidas no espirito do julgador relativamente à factualidade imputada à arguida, com relevância criminal – que se desconhece se efectivamente se verificou –, deverão as mesmas, como é sabido ser resolvidas a favor desta, em obediência ao princípio constitucionalmente consagrado do “in dubio pro reo”, o que no caso dos autos se impõe.
Por último, de referir que o arguido não apresentou queixa quanto às alegadas injurias proferidas pela arguida no dia seguinte aos factos, apenas as invocando na acusação apresentada decorridos mais de 6 meses, pelo que relativamente a este alegado episódio está o Tribunal impedido de se pronunciar.
Convém recordar que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Face às conclusões do seu recurso, o arguido pretende suscitar o conhecimento das seguintes questões:
a) - a impugnação de matéria de facto pontos 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25 e 26 dos “Factos Não Provados”, que devia ter sido considerada provada – conclusões Bª a AAL;
b) – a absolvição da arguida da prática dos crimes de injúrias e ofensas corporais simples – conclusões AAM a AAQ;
c) – a absolvição cível – conclusão AAT.
Antes disso, no entanto, convém que fique consignado que os autos em papel a fls. 206-207 revelam a falta de fls 5 da sentença recorrida que, verificado o Citius, se mostra completa com inclusão da página em falta na cópia-papel. Assim, incorpore na cópia-papel da sentença a folha 5 que consta do Citius, paginada como fls. 206-B.
Regressando ao essencial, impõe-se, portanto, apurar e aclarar para que serve um recurso penal em matéria de facto, já que essa é a pretensão do recorrente. Para tal desiderato três artigos do Código de Processo Penal são essenciais para esclarecer a matéria.
O primeiro é o artigo 431.º sobre a “Modificabilidade da decisão recorrida” que afirma expressis verbis que:
«sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º; ou
c) Se tiver havido renovação da prova.»
E o recorrente invoca erro na apreciação da prova por via da impugnação prevista no art. 412º, nº 3 do CPP. Para tanto indica as suas declarações e o depoimento de sua esposa, que transcreve.
Cumpriu, pois, os requisitos processuais indicados no referido preceito, pelo que falta saber se, em substância, a prova por si indicada é suficiente para alterar a matéria de facto.
Relativamente à prova apresentada pelo recorrente – e respectivos considerandos – ressalta a crítica frontal às apreciações subjectivas do tribunal recorrido quanto às declarações da arguida, do assistente e depoimento da testemunha GG.
E, de facto, quanto à fundamentação factual do tribunal recorrido cumpre confirmar que a mesma está prenhe de apreciações subjectivas, adjectivando partes de depoimentos e declarações com razões incontroláveis, na sua justeza, pelo tribunal de recurso. É recurso probatório desaconselhável quer pelo subjectivismo incontrolável pelas partes e pelo tribunal de recurso, quer porque o nosso sistema de apreciação probatória não tem a natureza de um sistema de intime conviction,
Como já afirmámos no acórdão desta Relação de Évora de 21-06-2011 (processo nº 1.273/08.6PCSTB-A.E1), no ponto B.4, que se usa por facilidade de exposição:
«Antes do mais convém esclarecer que nos sistemas de base continental, conhecidos como sistemas da civil law, não é a íntima convicção o conceito que exprime a certeza judicial, sendo aquela apenas a designação francesa do princípio da livre apreciação das provas tal como ficou conhecido no sistema cultural e legal francês, designadamente no Code d´ instruction Criminelle de 1808, sendo a primeira referência à intime conviction a que constava da Lei 16-21 de Setembro de 1791.
E que hoje consta do artigo 353º do Code de Procédure Penale e das “chambre des déliberations” das “cours d´asisses”: « … elle (a lei) leur prescript de s'interroger eux-mêmes, dans le silence et le recueillement et de chercher, dans la sincérité de leur conscience, quelle impression ont faite, sur leur raison, les preuves rapports contre l' accusé et les moyens de sa défense. La loi ne leur fait que cette seule question, qui renferme toute la mesure de leurs devoirs: «avez-vous une intime conviction?»
De facto, tem razão o despacho recorrido quando centra a passagem do sistema da prova legal ou tarifada para o sistema da livre apreciação da prova na revolução francesa (Maio de 1789 a Novembro de 1799), sendo certo que já Beccaria (Dos delitos e das penas) falava em “bom senso” na apreciação da prova (1764).
Mas já se desenvolvia na Inglaterra um movimento de ideias designadamente com John Locke, William Blackstone e o discípulo deste, Jeremy Bentham, [Apesar de a obra de Bentham relativa à prova (“A Treatise on Judicial Evidence”) ser posterior à Revolução francesa, é admitido que os ideólogos franceses a ela, ou às ideias ali expressas, tiveram acesso antes da sua publicação] – que também influenciou os ideólogos da ilustração francesa – apontando o caminho de abandono do sistema da prova legal ou tarifada, em termos muito mais densos e impressivos, naturalmente com o suporte de todo um diverso sistema de apreciação da prova permitido pela existência dos jurados (Ver, de forma útil sobre o tema, Jordi Nieva Fenol, in “La valoración de la prueba”, Marcial Pons, 2010, pags. 70-78) e pela necessidade – já muito antes sentida - de os juízes ingleses encontrarem forma de advertir os jurados quanto ao peso da prova produzida em julgamento.
Simultâneamente, na Alemanha, desenvolvia-se a discussão sobre a Freie Beweiswürdigung (livre apreciação da prova) e a separação conceptual entre “verdade material” e “verdade formal”, com Mittermaier e Savigny a assumirem papel de relevo.
O sistema da “intime conviction”, mais tarde também apelidado de “conviction personnelle” ou “intime et profonde conviction”, assumia o significado de liberdade de julgar a prova segundo a sua consciência e não com sujeição a prova tarifada.
Essencial, então, é reconhecer que dois sistemas incompatíveis se confrontaram nos caminhos da História, o sistema da “prova legal” e o sistema da “prova livre”, com a vitória (quase) incontestada deste último.
Se hoje podemos afirmar que o actual processo civil se consubstancia num sistema misto (vide a força probatória da confissão e da prova documental), no processo penal o sistema da “prova livre” impera inquestionado (mesmo no caso da prova pericial).
No entanto, a prática judiciária cedo abriu a porta a um entendimento corrupto do conceito de “intime conviction” no sentido de apreciação subjectiva e arbitrária da prova, entendimento mais tarde conceptualmente corrigido com o apelo à lógica e à necessidade de motivação.
Assim, o sistema da “livre convicção” deu origem a dois sub-sistemas de convicção - um subjectivo, outro objectivo - surgindo o sistema da íntima convicção (“intime conviction”) associada à livre convicção, no qual o juiz estava “desligado não só das regras de prova legal, mas também de qualquer critério racional de valoração” (“Simplemente la Verdad – El juez y la construccion de los hechos” – Michele Taruffo, Filosofía y Derecho, Marcial Pons, 2010, pags. 179-180).
Desta forma o sistema, que inicialmente se apresentava como um “sistema metodológico negativo” com a recusa de decidir através da aplicação de provas legalmente taxadas e, assim, uma forma de garantir a liberdade, passou a ter um significado “positivo” de permitir a valoração desprezando a prova, uma valoração da prova livre e descontrolada centrada na pessoa do juiz, uma forma de arbítrio judicial (Ver “Los hechos en el derecho - Bases argumentales de la prueba”, Gáscon Abellán, Filosofía y Derecho, Marcial Pons, 2010, pag. 142).
Este sistema, de irracionalidade motivadora, de cariz marcadamente subjectivo, abre a porta à arbitrariedade na apreciação probatória, com base numa imperscrutável actividade individual do juiz e constitui – em si – uma negação de um puro conceito de livre apreciação e do recurso em matéria de facto (Uma concepção subjectiva coerente apela à íntima convicção do juiz como único critério de apreciação probatória, forte pendor da imediação e do papel do juiz de 1ª instância na apreciação da prova, débeis exigências de motivação e um sistema de recursos que dificulta o recurso em matéria de facto. V. g Jordi Ferrer Beltrán, in “La valoracion racional de la prueba”, Filosofía y Derecho, Marcial Pons, 2007, pag. 62).
Hoje é indubitável que o segundo sistema, o sistema racionalista, objectivo, assume maior preponderância doutrinal e jurisprudencial.
Face a isto como interpretar o comando contido no artigo 127º do Código de Processo Penal que determina que o juiz deve apreciar a prova “segundo as regras da experiência e a livre convicção”?
Esta “livre convicção” corresponde a uma livre discricionariedade na apreciação da prova? Assenta numa convicção subjectivada, como num exacerbado ou pouco consciente entendimento podemos surpreender no impreciso conceito de “íntima convicção”?
Entendemos, com a jurisprudência maioritária, que o princípio da prova livre ou prova moral deve ser associado a uma discricionariedade do juiz na apreciação probatória mas apenas no sentido de o não vincular – como regra geral e como princípio metodológico – a uma valoração probatória pré-definida, porque apenas nisso é livre.
Mas não exime o juiz da busca da verdade através dos métodos epistemológicos aceites. E o método epistemológico, por excelência, aceite na busca da verdade dos factos é a razão.
Ou seja, a livre convicção é, hoje, uma concepção racional de livre convicção na busca da verdade factual, com dois corolários:
1 – Regra geral o juiz aprecia livremente – não sujeito a valoração tabelada – toda a prova produzida;
2 – Através do uso da razão para demonstrar a verdade dos factos.
Deste modo haverá que afirmar, de forma absoluta, que a motivação não é o seguimento do “iter lógico-psicológico que o juiz seguiu para chegar à formulação final da sua decisão”, sendo irrelevantes “as sinapsis que se produziram nos neurónios do juiz, os seus humores, os seus sentimentos e qualquer outra coisa que tenha sucedido in interiore homine (“Simplemente la Verdad – El juez y la construccion de los hechos” – Michele Taruffo, Filosofía y Derecho, Marcial Pons, 2010, pag. 267).
Ou seja, o sistema da livre convicção consagrado no ordenamento jurídico português não é um sistema irracionalista, subjectivo, de apreciação probatória (“Concepção persuasiva” na terminologia de Jordi Ferrer Beltrán, in “La valoracion racional de la prueba”, Folosofía y Derecho, Marcial Pons, 2007, pag. 62), sim um sistema racionalista, assente na razão, nas regras de experiência social comprovada e em presunções probatórias racionalmente fundadas (Ou “concepção cognoscitivista”, que se apresenta coerente com o método de corroboração e refutação de hipóteses como forma de valoração da prova, versão limitada do princípio da imediação, forte exigência de motivação factual e recurso amplo em matéria de facto. V.g. Jordi Ferrer Beltrán, ob. cit. pag. 64 e nota 6).
Este é ponto essencial – a fundamentação quer-se assente na razão e não numa apreciação subjectiva insindicável.
A liberdade do juiz na apreciação da prova é uma "liberdade para a objectividade – não aquela que permita uma “intime conviction” meramente intuitiva, mas aquela que se concede e assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, uma verdade que se comunique e imponha aos outros" (Castanheira Neves, “Sumários de Processo Criminal”, 1967-68, p. 50).»
Desta forma, as expressões fundamentadoras utilizadas, como:
«Apresentou-se calma, consciente, equilibrada, embora revelando que o relacionamento com o aqui assistente é bastante tenso e lhe causa grande perturbação, sendo evidente a mágoa sentida.
Deu a entender que o assistente teria algum ressentimento relativamente à sua pessoa, por ter testemunhado contra o mesmo num processo judicial relacionado com a igreja que esteve durante anos localizada na loja situada no ... do prédio».
«(…) foi para a signatária evidente, no decurso das suas declarações, que o assistente sente bastante animosidade para com a arguida, posicionando-se com uma aparente superioridade relativamente a esta».
«Também foi perceptível que AA sente uma mágoa imensa por alegados factos por este praticados num passado recente. E, diga-se, pareceu-nos uma pessoa bastante sensível, sincera e íntegra».
«(…) cumpre realçar que foi nossa sincera convicção, em face da postura de GG, da forma como depôs e da sua linguagem corporal, que o seu depoimento se revelou extremamente parcial, interessado e comprometido, sendo para nós notória a ascendência psicológica que o marido tem sobre si».
não fundamentam objectivamente a prova produzida, não convencem as partes e não permitem ao tribunal de recurso apreciar o acerto de tal fundamentação factual. É uma fundamentação que anda próxima da referida “livre discricionariedade na apreciação da prova”.
Mas temos que concordar que a mera contraposição de prova pessoal (declarações e depoimento) no caso presente deixam muitas dúvidas a qualquer juiz, pelo que este, para poder dar como provados factos conducentes a uma possível condenação, se terá que socorrer de elementos probatórios objectivos (eventualmente adjuvados por elementos de prova pessoal).
E aqui temos que concluir, com o tribunal recorrido, que as provas pessoais (declarações e depoimentos) das ofensas corporais não é absolutamente convincente.
E isto na medida em que a notificação efectuada pela GNR ao assistente para se apresentar a exame a fls. 7 (de 21-05-2021) apenas refere lesões no “Antebraço Direito”, a ficha médica de fls. 10 vº (de 19-05-2021) apenas refere lesões no braço direito, e a perícia de clínica médico-legal de fls 17 e 18 (a 24-05-2023) apenas foi realizado ao braço direito (fls. 18 e verso).
Naturalmente que nos socorremos das declarações que o assistente prestou em audiência de julgamento – que foram por nós ouvidas – e este é claro na afirmação de que as pancadas por si sofridas o foram no braço e vista esquerdas e que foi ao Hospital “com o braço esquerdo inchado”.
Logo o cerne da acusação e da prova produzida oralmente centraram-se no braço esquerdo do assistente e essas têm que resultar não provadas!
Resta saber se as lesões no braço esquerdo eram o único “objecto do processo”, tal como definidas nas acusações deduzidas.
Claramente não são, pois que o assistente deduziu duas acusações (?) uma por ofensas corporais simples (em 23-05-2022, a fls. 143-146), outra por injúrias (em 05-04-2022, a fls. 108-116), ambas com pedido cível.
Na acusação por ofensas corporais o assistente é claro quando acusa por agressões em ambos os membros superiores, da seguinte forma:
6- No dia 19 de Maio de 2021, cerca das 19h10-25, a arguida, dirigiu-se à porta do apartamento do Assistente, munida de um cabo de vassoura.
7- Aí chegada, bateu violentamente na porta de entrada do apartamento do Assistente com a referida vassoura.
8- O Assistente, que estava em casa, abriu a porta e, deparou-se com a arguida a gritar e a gesticular, com a vassoura que tinha nas mãos e, cujo cabo estava partido em dois pedaços.
9- Acto contínuo, a arguida começou a desferir pancadas, com os cabos de vassoura, na cabeça e, no corpo do Assistente, enquanto este recuava para dentro do apartamento, sendo seguido por aquela, que continuava a agredi-lo com os cabos da vassoura, tendo-o atingindo-o no rosto, do lado esquerdo, junto ao pulso e no antebraço direito, junto ao pulso.
10- O Assistente tentou proteger-se, levantado o braço esquerdo, tentado suster e impedir as agressões, sem sucesso.
11. O Assistente pediu, por diversas vezes á arguida que parasse com as agressões, sem SUCESSO
12. Como consequência directa e necessária da conduta da arguida, o Assistente sofreu lesões no membro superior esquerdo e no membro superior direito, - edema e dor à palpação no terço distal da face posterior do antebraço; mobilidade equivalente à contra lateral, conforme consta dos autos.
13- Em consequência directa e necessária da conduta da arguida, o Assistente ficou ainda com um inchaço entre o punho e cotovelo esquerdos, durante um mês e meio, sentido fortes dores,
14. Tais lesões determinaram um período de set dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e da capacidade de trabalho profissional
ii)- DIREITO
15. O comportamento da arguida e punível e consubstancia a prática de um crime de ofensa à integridade física simples p.e p. no artigo 143º nº 1 do Código Penal, nos termos do qual: "1- Quem ofender o corp1 ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com Pena de multa,"
16- A arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, com o intuito de causar ofender ao corpo e a saúde do Assistente, o que logrou uma vez que a sua Conduta foi obiectivamente adequada a alcançar tal resultado.
(…).
Portanto, quer as lesões no braço esquerdo, quer no braço direito, eram (e são) objecto do processo, incumbindo ao tribunal apurar se ambas ocorreram ou não.
O tribunal incluiu no rol dos factos não provados, os seguintes, no que às ofensas corporais diz respeito:
17. Munida de tal objecto, desferiu pancadas no corpo de DD, atingindo-o no rosto, do lado esquerdo, junto ao olho e no antebraço direito, junto ao pulso.
(…)
19. Como consequência directa e necessária da conduta da arguida, DD sofreu lesões no membro superior direito, mais concretamente, edema e dor à palpação no terço distal da face posterior do antebraço.
20. Lesões que lhe determinaram um período de sete dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e da capacidade de trabalho profissional.
21. A arguida AA agiu com o propósito, que logrou alcançar, de molestar o corpo e a saúde do assistente. (…)
25. O assistente ficou com dores e inchaço na zona do antebraço nos dias que se seguiram aos factos.
Ora, isto coloca-nos um problema prévio relevante: a notificação efectuada pela GNR ao assistente para se apresentar a exame a fls. 7 (de 21-05-2021) refere a existência de lesões no “...”, a ficha médica de fls. 10 vº (de 19-05-2021) refere a presença de lesões no braço direito, e a perícia de clínica médico-legal de fls 17 e 18 (a 24-05-2023), compreensivelmente realizado apenas nessa data (nunca é possível realizá-la na data de apresentação às urgências), foi realizado ao braço direito (fls. 18 e verso) e atesta a existência de lesões nesse braço direito, como segue:
2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento
O(A) examinando(a) apresenta as seguintes lesões:
Membro superior direito: edema e dor à distal da face posterior do antebraço; mobilidade equivalente à contralateral. ..
C. EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNOSTICO
Não se efectuaram exames complementares de diagnóstico.
Tratando-se de uma perícia médico-legal, sujeita ao espartano regime do artigo 163º do CPP, como justificou o tribunal recorrido – na área científica respectiva, a medicina – o ter dado como não provado o que, face a tal perícia, está provado, quer as lesões no braço direito, quer os dias de incapacidade temporária e, sequentemente, o dolo de ofensas corporais? Não justifica!
E essa é uma patente nulidade que, no caso, teve reflexo directo na apreciação probatória.
Daqui resulta que tais factos dados como não provados têm que ser dados como não escritos, revelando assim a sentença recorrida uma notória insuficiência factual, a integrar na al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP.
Mas não só!
Ora, se é bem certo que o auto de denúncia de fls. 4 da GNR não refere as injúrias, mais certo é que faz expressa referência ao documento - nesse acto entregue à GNR – em que o assistente refere as agressões e as injúrias de que entendeu ter sido alvo.
Ou seja, o documento de fls. 8 e 9 em que o assistente refere as injúrias e agressões foi incorporado no auto de denúncia, corporizando uma queixa, pelo que não foi acertado o tribunal recorrido ter-se limitado aos dois parágrafos formais do auto de denúncia de fls 4, onde é referido que “O Lesado juntou ao processo o resumo escrito e devidamente assinado da agressão de que foi vítima…”, para concluir que não houve queixa pelas injúrias.
Assim, o que é determinante é saber se os factos relativos às injúrias e corporizados na posterior acusação e estejam em falta na sentença recorrida fazem parte do objecto do processo. A resposta é claramente positiva!
Haverá que ter presente que o “objecto do processo” se cristaliza deduzida que seja a acusação, com as variáveis que podem ser introduzidas pela defesa e pelo poder de investigação do tribunal, balizado pelos arts. 358º e 359º do Código de Processo Penal.
Mas se o juiz está limitado pelo thema decidendum, está igualmente sujeito à obrigação de o esgotar, quer na contribuição dada pelo Ministério Público, quer pelo assistente, quer pela defesa, na definição desse objecto.
Neste ponto não conhecemos texto que de forma tão certeira e sucinta dê uma panorâmica completa sobre o tema como o do nosso colega Cruz Bucho, nos seguintes termos:
“Como o Tribunal Constitucional já por diversas vezes teve oportunidade de salientar, os factos descritos na acusação (normativamente entendidos, isto é, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática e também obrigatoriamente indicadas na peça acusatória), definem e fixam o objecto do processo que, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal e o âmbito do caso julgado.
Segundo Figueiredo Dias é a este efeito que se chama vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade (segundo o qual o objecto do processo, os factos devem manter-se os mesmos, da acusação ao trânsito em julgado da sentença), da unidade ou indivisibilidade (os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente) e da consunção do objecto do processo penal (mesmo quando o objecto não tenha sido conhecido na sua totalidade deve considerar-se irrepetivelmente decidido, e, portanto, não pode renascer noutro processo).
Com efeito, um processo penal de estrutura acusatória exige, para assegurar a plenitude das garantias de defesa do arguido, uma necessária correlação entre a acusação e a sentença que, em princípio, implicaria a desconsideração no processo de quaisquer outros factos ou circunstâncias que não constassem do objecto do processo, uma vez definido este pela acusação.
Um processo penal como o nosso, de estrutura basicamente acusatória integrado por um princípio de investigação, admite, porém, que sendo a descrição dos factos da acusação uma narração sintética, nem todos os factos ou circunstâncias factuais relativas ao crime acusado possam constar desde logo dessa peça, podendo surgir durante a discussão factos novos que traduzam alteração dos anteriormente descritos" [1]
Há, pois, uma inultrapassável identidade entre os conceitos de “objecto do processo” e “factos”, assim como há outra intransponível imbricação entre os conceitos de “crime” e de “factos”. Sem factos não há crime nem objecto do processo. Os factos são a base indispensável de um processo mas, naturalmente, têm que ser normativamente relevantes. Sendo normativamente relevantes têm que ser esgotantemente apreciados. E não foram!
Cristalizando-se o objecto do processo com os factos que constam da acusação – e nessa medida se entendem como normativamente relevantes, o que quer significar que, constando da acusação têm um significado enquanto conduta humana subsumível ao ordenamento penal – o princípio da unidade ou indivisibilidade (os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente), impõe que os factos que constavam da acusação tenham um destino. Ou provados ou não provados!
Tais factos – os constantes da “queixa” e da acusação deduzida pelo assistente - são importantes desde que sejam normativamente relevantes, ou seja, desde que invoquem uma causa que inclua a ilicitude, a culpa ou a punibilidade, dizendo de forma abrangente, qualquer facto que seja relevante para subsunção ao tipo penal imputado na acusação ou para o juízo da sua exclusão.
Ora, no caso, o que se constata é a circunstância de o thema decidendum se não ter esgotado.
Assim, não se trata de dar como não provado o que não existe, trata-se de dar como provado ou não provado o que tem relevante – e substancialmente relevante - existência processual.
O que, no caso, para além de se consubstanciar uma nulidade da sentença nos termos do artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, arrasta como resultado inegável o não esgotamento do objecto do processo.
E porque assim é, prejudicados ficam os restantes fundamentos do recurso, pois que conhecer dos vícios de julgamento pressupõe a existência de decisão válida.
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em, oficiosamente, conceder provimento ao recurso interposto, determinando-se o reenvio total dos autos para novo julgamento.
Sem tributação.
Notifique.
(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).
Évora, 28-06-2023.
(processado e revisto pelo relator).
João Gomes de Sousa
Carlos Campos Lobo
Fernando Pina
_____________________________
[1] - “Alteração substancial dos factos em processo penal”, José Manuel Saporiti Machado da Cruz Bucho - Comunicações apresentadas no Colóquio “Questões Práticas na Reforma do Código Penal”, organizado pelo Centro de Estudos Judiciários e realizado em Lisboa no dia 13 de Março de 2009 no Fórum Lisboa, e no Tribunal da Relação de Guimarães, no dia 2 de Abril de 2009, no 7º aniversário deste Tribunal. Disponível in “http://www.trg.pt/info/estudos.html”.