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ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
ARTº 127.º Nº1
DO CPT
Sumário
I.–Sendo solidária a responsabilidade das diversas entidades elencadas no artigo 18.º da LAT, inexiste preterição de litisconsórcio necessário se o sinistrado, ou os seus beneficiários legais, em caso de morte, demandam na acção o empregador e a sua seguradora e, não, a entidade a quem o empregador prestava serviços de reparação de sistemas de frio, que, nas suas instalações, procedeu à elevação do trabalhador para o local em que o mesmo procedia à indicada reparação, usando um empilhador a que se encontrava acoplado um cesto que não era adequado à elevação de pessoas.
II.–Resultando dos autos que o cliente do empregador em cujas instalações o sinistrado prestava a sua actividade laboral procedeu à elevação do sinistrado para o local em que este desenvolvia o seu trabalho no indicado equipamento, do que resultou a queda do trabalhador e consequente morte, deveria o juiz determinar a intervenção na acção deste cliente do empregador, nos termos do artigo 127.º, n.º1, do CPT, enquanto entidade eventualmente responsável pela reparação do sinistro por ter violado regras de segurança no trabalho, observando-se, após, o contraditório e procedendo-se à instrução e julgamento da causa com a sua nova configuração subjectiva.
(Elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório
1.1. AAA por si e, em representação legal de seu filho menor, BBB e CCC, menor, representado pela sua mãe DDD, intentaram com petições iniciais autónomas a presente acção declarativa de condenação, com processo especial, emergente de Acidente de Trabalho contra:
BESTFRIGER-Sistemas de Refrigeração Comercial e Industrial, Lda. e AGEAS Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A.
Os dois primeiros AA. pediram a condenação das RR. no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a título de: a. dano morte, na quantia de 90.000,00€; b. sofrimento da vítima, na quantia de 30.000,00€; c. danos morais à 1.ª A na quantia de 40.000,00€; d. danos morais ao 2.º A na quantia de 20.000,00€, e. danos futuros, a quantia de 162.089,40 € a cada um dos AA; e f. a condenação das RR a pagar aos AA pensão por morte do sinistrado, e à 1.ª A. subsídios de morte e por despesas do funeral.
Por seu turno, o terceiro A. pediu na sua petição inicial a condenação: a. das RR. seguradora e empregadora (esta no montante da retribuição já assumida por ela e não transferida para a entidade seguradora) a pagar-lhe uma pensão por morte do seu pai; b. da R. empregadora no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da morte de seu pai na quantia de 90.000,00 €, por se considerar que o acidente resultou da falta de observação, por esta, das regras sobre segurança e saúde no trabalho; tudo acrescido de juros.
Para tanto alegaram, em síntese: que o marido da primeira A. e pai dos segundo e terceiro AA. foi vítima de um acidente de trabalho no dia 9 de Maio de 2019 quando se encontrava a trabalhar para a primeira Ré empregadora nas instalações da Trazcarnes, cliente da empregadora, do qual lhe resultaram lesões que lhe causaram a morte; que o acidente aconteceu quando o sinistrado era elevado num cesto acoplado a um empilhador conduzido pelo gerente da Trazcarnes e o cesto tombou, provocando a queda do sinistrado; que o acidente se deveu, ou a uma falta, por parte da Ré empregadora, da formação necessária em prevenção de acidentes de trabalho em altura, ou a uma falta dos meios de proteção para a realização dos trabalhos em altura, individuais e coletivos, necessários a evitar o acidente; que tal leva à responsabilização da empregadora ou à condenação da Ré seguradora por ter a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a sua esfera jurídica pela Ré empregadora.
A R. empregadora apresentou contestação a cada uma das petições iniciais alegando, em suma: que observou todos os procedimentos em ordem a, não só ter disponíveis os meios necessários de proteção coletiva e individual, como a informar e dar formação, nessa área, ao sinistrado; que o acidente ocorreu por exclusiva culpa do sinistrado; que já antes havia ocorrido um episódio no qual o sinistrado, em contradição com as regras da empresa, não tinha observado o cumprimento das regras de segurança; que antes do acidente optou por usar os meios de elevação da Trazcarnes nos trabalhos que ali realizou, por os considerar adequados à elevação de pessoas (cesto com sistema de encaixe nos garfos da empilhadora), mas no dia do acidente o gerente da Trazcarnes exigiu o acesso à zona de trabalho num cesto sem estrutura de encaixe e apenas colocado em cima das forquilhas, ao que o sinistrado acedeu, sem que a R. fosse informada, quer de que o sinistrado não usava o arnês que lhe forneceu, quer de que nesse dia os meios de acesso eram diferentes.
A Ré AGEAS Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A. também apresentou contestações, pugnando pela sua ilegitimidade porquanto apenas se dedica aos seguros do ramo vida, segundo o seu objecto social, e não havia celebrado qualquer contrato de seguro de acidentes de trabalho com a Ré empregadora.
Notificados das contestações apresentadas vieram os AA. invocar ter havido erro/lapso na indicação da denominação da R. seguradora, requerendo o chamamento e citação da AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A.
Ouvidas as partes para se pronunciarem, com referência ao artigo 318.º, n.º 2 do CPC, foi determinada por despacho judicial a citação da AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A., o que foi feito (vide fls. 332 e 338).
Após citada, a R. AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A. deduziu contestações a cada uma das petições iniciais apresentadas alegando nas mesmas, em suma: que o acidente de trabalho em causa nos presentes autos foi consequência do incumprimento, por parte da 1.ª R. empregadora, de regras de segurança no trabalho e, consequentemente, deve a 2.ª Ré ser integralmente absolvida de todos os pedidos contra si formulados; que, caso venha a ser a 2.ª Ré condenada no pagamento de uma pensão provisória, deve a 1.ª Ré ser condenada na restituição da quantia que vier a ser paga a esse título, acrescida dos respetivos juros de mora; que deve ainda a 1.ª Ré ser condenada a restituir à 2.ª Ré os valores que esta venha, eventualmente, a despender por força do acidente em discussão nos presentes autos, acrescidos dos respetivos juros de mora, e que, caso se venha a concluir que o acidente ocorreu por força do incumprimento, por parte do trabalhador, de regras de segurança no trabalho, deve a 2.ª Ré ser absolvida de todos os pedidos formulados nos autos.
Proferiu-se despacho de saneamento do processo e foi fixada uma pensão provisória a favor de cada um dos AA. e a cargo do FAT (fls. 357 e ss.).
Foi fixado o objecto do litígio e enunciados os factos assentes e os temas da prova.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo: «[…] Pelo exposto, ao abrigo dos arts. 33º e 278º, nº 1, alª d) do CPC, aplicáveis por força do art. 1º, nº 2, alª a) do CPT e 18º da LAT o Tribunal, decide absolver da instância as Rés BESTFRIGER-Sistemas de Refrigeração Comercial e Industrial, Lda. e AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A. Custas pelos Autores, sem prejuízo dos pedidos de apoio judiciário concedidos. Valor da ação: fixo à ação o valor de €30.001,00.
[…]»
1.2.–O Digno Magistrado do Ministério Público, invocando que actua em nome próprio, na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei, intervindo como parte acessória, interpôs recurso desta sentença e apresentou as competentes alegações, culminando as mesmas com as seguintes conclusões:
(...)
1.4.–Também a 1.ª R. empregadora Bestfriger, Sistemas de Refrigeração, Comercial e Industrial, Lda. apresentou recurso da sentença concluindo que:
(...)
1.2.–Apenas a R. AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A. apresentou as competentes contra-alegações ao recurso dos AA., defendendo a sua improcedência.
1.4.–Mostra-se lavrado despacho que admitiu os recursos interpostos.
1.5.–A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer no sentido de aderir ao recurso apresentado pelo Ministério Público.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir. 2. Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim, vistas as conclusões do recurso, verificamos que a este tribunal se colocam, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes questões:
1)-da excepção de ilegitimidade das RR. empregadora e seguradora por preterição de litisconsórcio necessário passivo;
2)-se no tribunal da 1.ª instância deveria ter sido determinada a intervenção na acção da sociedade Trazcarnes – Transporte, Comércio de Carnes Frescas, Lda. nos termos do artigo 127.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho;
3)-da impugnação da matéria de facto, o que suscita a questão prévia do cumprimentos dos ónus legais para o efeito;
4)-da descaracterização do acidente por violação de regras de segurança por parte do sinistrado;
5)-da responsabilidade agravada da empregadora por violação de regras de segurança no trabalho;
6)-das prestações devidas para reparação do acidente.
*
Antes de prosseguir, há que precisar um aspecto.
O Mmo. Juiz a quo não conheceu expressamente do erro material na identificação da R. seguradora invocado pelos AA. (seria AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A., e não AGEAS Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A., como ficou a constar da petição inicial), nem da ilegitimidade da AGEAS Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A. arguida por esta contestação que apresentou após citada, sendo ainda certo que o acima referido despacho em que determinou a citação da AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A. não se mostra fundamentado, nem nele é invocado qualquer preceito legal.
Nada foi arguido, contudo, a tal propósito por qualquer uma das partes, nem quanto à eventual falta de fundamentação do despacho de citação da AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A., nem quanto a uma eventual omissão de pronúncia relativamente à suscitada ilegitimidade da AGEAS Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A.
Simplesmente os autos prosseguiram passando a figurar na posição de R., a par da R. empregadora, a AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A., a qual apresentou a sua defesa em articulado de contestação, sendo neste momento pacífico que a mesma é a seguradora com quem a R. empregadora celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho que abrange o sinistro sub judice.
É certo que a notificação inicialmente efectuada para as partes se pronunciarem sobre o pedido de citação da R. AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A. o foi nos termos do artigo 318.º do CPC, preceito aplicável à intervenção provocada, mas é igualmente certo que nenhuma intervenção foi judicialmente conhecida e determinada, apenas se ordenando a simples citação da seguradora de acidente de trabalho, eventualmente por se ter considerado verificado um simples lapso na identificação da R. seguradora por parte dos AA., tal como por estes alegado (o que se revela justificado pela estreita similitude das designações sociais e pela errada identificação da seguradora de acidente de trabalho no auto de não conciliação de fls. 206 e ss. como AGEAS Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A.,, que pode ter induzido em erro os AA. ao procederem à identificação da seguradora no cabeçalho das petições iniciais, incluindo na respectiva designação a expressão “de Vida”).
Acresce que, no concreto dos autos, a AGEAS Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A. não teve mais qualquer intervenção, passando a actuar como segunda R. a AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A. a partir do momento em que foi citada.
Assim, e tendo ainda em consideração que as indicadas nulidades decisórias que eventualmente possam ter-se verificado não são de conhecimento oficioso, nada há mais a ordenar no que respeita à questão do erro na identificação da R. seguradora de acidente de trabalho nas petições iniciais considerando-se que, com a citação da AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A. e a sua ulterior intervenção nos autos em substituição da inicialmente demandada, se mostra sanada a questão suscitada a este propósito, figurando nos autos como segunda R. a AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A. e não a AGEAS Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A..
* 3. Fundamentação de facto
A 1.ª instância considerou provados nos autos os seguintes factos: II.1.a.- Já constantes do despacho saneador A.- No dia 9 de Maio de 2019, em Palmela, pelas 12:00 horas, … foi vítima de acidente de trabalho. B.- O acidente ocorreu quando o sinistrado exercia funções de técnico de frio, sob as ordens, direção e fiscalização de Bestfriger, Sistemas de Refrigeração, Comercial e Industrial, Ldª nas instalações da TRAZCARNES – Transporte, Comércio de Carnes Frescas, Lda. C.- E consistiu em, quando o sinistrado se encontrava no exercício das suas funções de técnico de frio, sofreu uma queda em altura da qual resultou a sua morte que veio a ocorrer no hospital de São José em Lisboa. D.- À data do acidente, o sinistrado auferia a remuneração anual de € 16.869,66 (dezasseis mil, oitocentos e sessenta e nove euros e vinte e seis cêntimos): a. € 1.080,00 x 14 meses; b. €7,23 x 22 dias x 11 meses. E.-A responsabilidade emergente de acidentes de trabalho encontrava-se transferida para a entidade seguradora pela retribuição de € 1.080,00 x 14 meses, a que corresponde o salário anual de € 15.120,00 através de contrato de seguro de acidentes de trabalho por conta de outrem, na modalidade de prémio variável, titulado pela apólice n.º 001010182261. F.- A retribuição correspondente ao subsídio de alimentação no montante de € 1.749,66 (€7,23 x 22 dias x 11 meses) não se encontrava transferida para a responsável seguradora. G.- BBB era, à data do óbito do sinistrado …, casada com este. H.- CCC nasceu a 26/09/2007 e é filho do sinistrado … e de CCC. I.-DDD nasceu a 16/11/2013 e é filho do sinistrado (…) e de AAA. II.1.b.- Dos temas de prova I.- Dos autores a.- Na sequência de uma avaria numa câmara frigorífica da empresa TRAZCARNES – Transporte, Comércio de Carnes Frescas, Lda. em Palmela, o gerente desta empresa, …, contatou a aqui empregadora Bestfriger para proceder à respetiva reparação. b.- A manutenção e reparação dos aparelhos de frio dessa empresa, eram realizados pela 1ª Ré. c.- A Ré empregadora determinou que o seu trabalhador …, técnico de frio, se deslocasse às instalações da empresa TRAZCARNES, a fim de proceder à necessária reparação da câmara frigorífica. d.- O trabalhador sinistrado começou a realizar trabalhos para a reparação da avaria nas instalações do cliente desde o dia 6 de Maio de 2019. e.- A partir do dia 8 de Maio, devido à complexidade do trabalho que era necessário realizar, o trabalhador …, por ordens superiores da Bestfriger, começou a fazer equipa com o trabalhador sinistrado. f.-No dia 9 de Maio de 2019, cerca das 10h30 ambos os trabalhadores chegaram às instalações da cliente da empregadora. g.- Os trabalhos que iam ser realizados nesse dia, seriam a colocação dos tubos de cobre e válvulas na zona técnica (entenda-se zona técnica o local onde se encontrava instalada toda a central de produção de frio que alimentava as diversas câmaras frigoríficas), por forma a repararem a avaria da câmara frigorifica. h.- Para aceder à zona técnica existem duas formas: através de uma porta/abertura a cerca de 6 metros de altura e através de um acesso que tem de ser percorrido rastejando mas que é absolutamente seguro. i.-Para além do referido na alínea anterior, não existe qualquer escada ou elevador, que permita o acesso à referida porta/abertura. j.-Para aceder à zona técnica, foi utilizado um equipamento de elevação de carga (empilhador) com um cesto metálico em cima dos respetivos garfos, ambos propriedade da empresa TRAZCARNES tendo tal equipamento sido manobrado pelo gerente …. k.- O cesto não estava fixado aos garfos/ganchos do empilhador e este sofre um pequeno solavanco na passagem aproximadamente dos 3 metros de elevação. l.-O empilhador utilizado destina-se exclusivamente ao transporte e elevação de cargas (não de pessoas), sendo a montagem de equipamento adicional apenas permitida mediante autorização por escrito do fabricante e mediante, eventual autorização das autoridades locais. m.-O cesto metálico utilizado com cerca de 124 cm de comprimento por 90 cm de altura não faz parte do equipamento de elevação, nem é um equipamento de elevação autorizado e é apenas usado para transporte e elevação de materiais. n.- Durante a manobra de elevação do cesto, cerca das 12h, com o trabalhador sinistrado no seu interior para aceder à zona técnica, e a uma altura de cerca de 3/4 metros, o cesto tombou para o lado esquerdo e provocou a queda do trabalhador … para o chão. o.- O sinistrado demonstrava uma grande alegria de viver, tinha família constituída, designadamente dois filhos menores. p.- O acidente ocorreu por voltas 12h30 e o sinistrado faleceu às 15h35. q.- Durante este hiato temporal o sinistrado sofreu angústia e sofrimento. r.- Imediatamente antes da queda o sinistrado apercebeu-se do grave acidente que iria sofrer quando o cesto tombou, o que lhe provocou angústia e temor. s.- O sinistrado era saudável, feliz, alegre, comunicativo, e com grande apego ao seu núcleo familiar. t.- O sinistrado adorava conviver com os seus amigos e família, tinha uma relação muito próxima com a Autora, sua viúva, e adorava os seus filhos. u.-O Autor CCC mantinha uma ligação muito estreita com o falecido. v.-O Autor CCC sentiu uma grande dor pela perda do sinistrado e tal perda far-lhe-á muita falta na sua vida futura. w.-A Autora, viúva do sinistrado, com a morte do seu marido, sofre imenso desgosto, pois perdeu o companheiro que escolheu para a sua vida e para pai de seu filho. x.-A Autora, viúva do sinistrado, sentiu-se triste, perdedora na vida, ansiosa e deprimida, sentimentos que perduram até ao dia de hoje. y.-O DDD, Autor (filho da Autora, viúva do sinistrado, e deste) sentiu grande desgosto pela perda do pai, deixando de ver o pai de um dia para o outro, sentido a árdua falta do seu herói e companheiro das alegrias com quem partilhou desde que nasceu. z.-A Autora, viúva do sinistrado, e seu filho passam sérias dificuldades financeiras, desde a morte do sinistrado, pois era este que contribuía em maior escala para as despesas familiares. aa.-Vivem do apoio de familiares, sem o qual já teriam perdido o teto onde habitam, bem como o sustento de ambos.
II.–Das Rés a.-Desde 2015 que o sócio gerente da R. – … – impôs internamente a seguinte regra no que concerne à realização de trabalhos em altura por parte dos seus funcionários: Para fazer trabalhos acima da altura de um andaime, não podem montar mais corpos de andaime, nem usar escadas, e, para além do uso obrigatório de arnês, devem contactar a empresa para serem enviados os meios adequados, nomeadamente plataformas em tesoura. b.-Tal ordem surgiu por iniciativa da gerência da R. e na sequência do contrato celebrado com Gliese – Work Solutions, Ldª em 14 de Abril de 2015, nos termos do qual a R. passou a contar com a prestação dos serviços de assessoria daquela empresa em matéria de Saúde, Higiene e Segurança no Trabalho. c.- Em respeito pelo cumprimento de regras de segurança no trabalho, a Ré empregadora, nos primeiros 4 meses de 2019, despendeu € 5.490,72 em aluguer de plataformas em tesoura certificadas à empresa Transgrua para a realização de trabalhos em altura em condições ideais de segurança. d.- Tal regra é transmitida a todos os funcionários da empresa com funções técnicas no início da sua laboração por parte do sócio gerente da empresa, e é reiterada regularmente sempre que há trabalhos em altura. e.- A regra supra referida está, desde Abril de 2015, transcrita para papel e afixada na entrada da empresa e em mais dois locais bem visíveis no interior das instalações da R.. f.-Uma das atribuições da responsável administrativa da empresa … – e do coordenador dos técnicos – … –, é reiterar a todos os funcionários da empresa, antes da realização de qualquer serviço, a necessidade de darem cumprimento a essa diretriz da respetiva empregadora, bem como ao dever de usarem os arneses que a Ré empregadora dispõe para a realização de trabalhos em altura. g.-Tal cuidado por parte da Ré empregadora era especialmente acrescido nos serviços prestados pelo sinistrado. h.-Já anteriormente, o sinistrado tinha incorrido numa situação de incumprimento das diretrizes da Ré empregadora no que respeita aos cuidados a ter quanto aos trabalhos a realizar em altura: i.-Por ocasião do um serviço prestado a um cliente em Albarraque, e havendo necessidade de efetuar um trabalho em altura, o sinistrado foi informado pela funcionária … que deveria aguardar pelos meios adequados de elevação para concluir esse serviço, para o qual havia sido destacado. j.-Sem dar cumprimento às orientações da Ré empregadora e das indicações da …, o sinistrado não aguardou pela chegada dos meios adequados para a realização do trabalho em altura em segurança e conclui-o com recurso a um andaime que improvisou para o efeito. k.-Confrontado com tal situação, o sinistrado informou a referida … que não estava para estar à espera da plataforma, ao que esta se sentiu na obrigação de advertir o sinistrado para o incumprimento das ordens da Ré empregadora nessa matéria e para os graves riscos que correu ao ter concluído o serviço dessa forma. l.-Face a esse antecedente, o sinistrado passou a ser alvo de particular atenção por parte da Ré empregadora no que concerne às recomendações dos cuidados a ter no que respeita à execução de trabalhos em altura, nomeadamente em relação à utilização do arnês e da existência de meios de elevação adequados. m.-Tal cuidado por parte da Ré empregadora aconteceu igualmente por ocasião do trabalho em que ocorreu o sinistro objeto dos presentes autos. n.-A TRAZCARNES dispunha de uma empilhadora e de um cesto adequado para a elevação de pessoas para a realização de trabalhos em altura, e que o respetivo gerente, …, estava habilitado a operar essa máquina, a Ré empregadora optou por utilizar sempre os meios de elevação daquela empresa em todos os trabalhos que ali realizou, por os considerar adequados. o.-A adequação do cesto em causa para a realização do trabalho foi verificada pelo sócio gerente da Ré empregadora, pelo coordenador dos técnicos da empresa, … e pela própria empresa que assessorava a Ré empregadora em matéria de Saúde e Segurança no trabalho a quem foi exibida a fotografia do cesto disponibilizado pela TRAZCARNES para a elevação de trabalhadores. p.-O cesto habitualmente disponibilizado pela TRAZCARNES, Ldª., era de cor preta e dispõe de um sistema de encaixe nos garfos/forquilhas da empilhadora na sua base que assegura que o cesto fica devidamente encaixado nas forquilhas, evitando assim riscos da sua queda por desprendimento ou até a sua oscilação, sendo portanto um elemento adicional à empilhadora adequado à elevação de pessoas. q.-Tal cesto foi utilizado pelos funcionários da Ré empregadora nas diversas ocasiões em que anteriormente prestaram outros serviços na TRAZCARNES, sem que houvesse qualquer anomalia que pusesse em risco a integridade de quem subia no mesmo. r.-No dia 09 de Maio de 2019, o serviço solicitado pela TRAZCARNES à Ré empregadora impunha a realização de um trabalho em altura, mais concretamente a recolocação dos vaporizadores já reparados no interior do armazém frigorifico. s.-Para a realização do serviço em causa, os funcionários da Ré empregadora contavam com os meios de elevação habitualmente fornecidos pela TRAZCARNES e com os arneses fornecidos pela Ré empregadora cujo uso era expressamente imposto aos seus funcionários. t.-Nesse dia os arneses foram entregues ao sinistrado pelo …, o qual reiterou àquele a necessidade de o usar e de não facilitar no que respeita à execução do trabalho de forma segura. u.- No dia do acidente foi utilizado equipamento para elevação que nunca havia sido utilizado nos serviços prestados anteriormente pela Ré empregadora à TRAZCARNES e que consistia num cesto de cor amarela, sem estrutura de encaixe nos garfos da empilhadora que estava simplesmente colocado acoplado a uma das forquilhas. v.- Ao subirem para o cesto metálico, o sinistrado e o seu Colega de trabalho sentiram uma falsa sensação de segurança, que lhes permitiu serem elevados em altura. w.- O sinistrado, à semelhança do que já ocorrera noutro serviço, não contactou a Ré empregadora, arriscando assim a sua integridade física e a do colega, desobedecendo às ordens da sua empregadora no que respeita à forma de execução desse serviço, seja quanto à obrigatoriedade de utilização do arnês, seja quanto ao meio de elevação utilizado. x.- A Ré empregadora não foi informada que o cesto usado para elevar os seus funcionários não era o mesmo cesto que tinha sido usado nos serviços prestados anteriormente e que era adequado a tal fim, e que os arneses disponibilizados não estavam a ser usados. y.-O sinistrado era um técnico especializado que liderava equipas de trabalho em obra. z.- O sinistrado tinha habilitação técnica e bastante experiência na execução de trabalhos em altura para saber que o equipamento disponibilizado pela TRAZCARNES para a realização daquele serviço não era adequado ao mesmo e que não oferecia condições de segurança.
4.–Fundamentação de direito
4.1.- A primeira questão
Tendo em consideração que todos os recorrentes se rebelam contra a solução da sentença de absolver da instância as RR. por preterição de litisconsórcio necessário passivo, a primeira questão que se coloca consiste em saber se se prefigura in casu uma situação de litisconsórcio necessário.
A sentença sob recurso considerou que o sinistrado não observou as regras de segurança que haviam sido impostas pela Ré empregadora e que se mostram estabelecidas no Decreto-Lei n.° 50/2005, de 25/02, nomeadamente no seu artigo 29.º e na Secção II, mas não afirmou a descaracterização do acidente nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (LAT), concluindo das considerações referentes ao comportamento inadimplente do sinistrado ser “de excluir a responsabilidade exclusiva da Ré empregadora”.
Prosseguindo a fundamentação da sua decisão, a sentença ponderou, logo após, o seguinte:
«[…] aqui chegados,resulta abundantemente provado que a TRAZCARNES não utilizou os meios necessários em ordem a prevenir o acidente, tendo utilizado uma empilhadora munida de dois garfos que não asseguravam a estabilidade de encaixe do cesto onde o sinistrado se colocou. Ou seja, a TRAZCARNES é igualmente responsável do sinistro verificado por não ter disponibilizado os meios necessários para, em segurança, proceder à elevação do sinistrado: o meio utilizado é absolutamente desadequado tanto mais que o tripulante da máquina elevatória tinha conhecimentos nessa área sendo certo que, estranhamente, o cesto que caiu e levou à morte do sinistrado, foi destruído pela, ao que tudo indica, TRAZCARNES não se sabendo com que intuito houve lugar a tal destruição (diga-se, aliás, que todo o depoimento do legal representante da TRAZCARNES foi no sentido de alijar a sua responsabilidade na produção do evento): devido ao facto do equipamento anteriormente utilizado pela TRAZCARNES para elevação em altura dos trabalhadores ser seguro e corretamente manobrado pelo …, o sinistrado sentiu-se seguro e, em consequência de tal, instalou-se no cesto, levando a que ocorresse o acidente, da forma descrita. Coloca-se, então, a questão de saber se, independentemente da conduta do sinistrado, o acidente ocorreria se a TRAZCARNES tivesse utilizado o cesto que, geralmente usava para, em segurança, elevar trabalhadores? Não é demais sublinhar que o cesto geralmente utilizado foi substituído por um outro, o qual não obedecia aos requisitos de segurança e que, estranhamente, foi destruído. Tal, levaria, indubitavelmente, a que o infeliz falecido … não fosse o responsável pelo sinistro e à responsabilização de qualquer uma das Rés e/ou da TRAZCARNES. Dispõe o art. 18º da LAT que: (…). Em suma, resulta claro da norma que a TRAZCARNES deveria ter intervindo nos autos, como Ré co-responsável e co-Ré. Nos termos do art. 33º do CPC, aplicável por força do art. 1º, nº 2, alª a) do CPT (Litisconsórcio necessário): (…) Resulta, pois, da matéria de facto provada, que era necessária a intervenção da TRAZCARNES, uma vez que a lei, concretamente o art. 18º da LAT, exige tal intervenção. Por seu lado, o art. 278º, nº 1, alª d) do CPC, aplicável por força do art. 1º, nº 2, alª a) do CPT (Casos de absolvição da instância) dispõe que: (…) Sendo certo que a TRAZCARNES nunca interveio, na qualidade de Ré, no processo, não tendo tido, pois, a oportunidade de se defender, não é aplicável o disposto nos nºs 2 e 3 do art. 278º do CPC, cumprindo, pois, consequentemente, absolver as Rés da instância.
[…]»
Resulta do raciocínio exposto na sentença que o Mmo. Juiz a quo entende que a sociedade comercial Trazcarnes – Transporte, Comércio de Carnes Frescas, Lda., em cujas instalações o sinistrado estava a prestar trabalho por conta da empregadora recorrente, é igualmente responsável pelo sinistro verificado nos termos do artigo 18.º, n.º 1, da LAT, por não ter disponibilizado os meios necessários para, em segurança, proceder à elevação do sinistrado, antes disponibilizando um empilhador manobrado pelo seu gerente, com dois garfos que não asseguravam a fixação e estabilidade de encaixe do cesto metálico onde o trabalhador entrou.
Dela também se infere que a decisão final de absolvição da instância das RR. seguradora e empregadora, com fundamento no disposto nos artigos 33º e 278º, nº 1, alínea d) do CPC, resulta da afirmação do Mmo. Juiz a quo de que a Trazcarnes – Transporte, Comércio de Carnes Frescas, Lda., deveria ter intervindo como co-R. responsável “uma vez que a lei, concretamente o art. 18.º da LAT, exige tal intervenção”.
Vejamos.
Nos termos do preceituado no artigo 30º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, “[o] autor é parte legítima quando tem interesse em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer”, exprimindo-se “o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha”. O n.º 3 do preceito, consagrando a tese do Professor Barbosa de Magalhães, determina que a legitimidade se afere pela versão dos factos carreada para o processo pelo autor ao dispor que “[n]a falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
O litisconsórcio necessário, que constitui pressuposto essencial da legitimidade para a causa, verifica-se quando a lei, o negócio ou a natureza jurídica da relação material controvertida exigem a intervenção de todos os interessados – cfr. o artigo 33.º do Código de Processo Civil.
Por seu turno o litisconsórcio voluntário, ou seja, o que não é necessário para assegurar a legitimidade das partes, apenas derivando da vontade delas, mostra-se previsto no artigo 32.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual “[s]e a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas, se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade” (n.º 1) e “[s]e a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade”.
No caso vertente, a responsabilidade da Trazcarnes-Transporte, Comércio de Carnes Frescas, Lda., face aos factos alegados nas petições iniciais e, também, nas contestações apresentadas na acção pela R. empregadora e pela R. seguradora – que, na sua essencialidade, vieram a considerar-se provados na sentença – apenas encontra guarida na previsão do artigo 18.º da Lei 98/2009 (LAT).
Este preceito, sob a epígrafe “Actuação culposa do empregador”, dispõe que: “1- Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. 2-O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido. 3- Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele. (…).”.
Na antecedente Lei n.º 100/97, de 13/09, o preceito correspondente (também artigo 18.º) dispunha no seu n.º 1 que “[q]uando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes: (…)”.
A propósito do conceito de “representante” a que se reportava o artigo 18º da Lei n.º 100/97, dizia Carlos Alegre que: “as entidades empregadoras a que se refere o artigo 18º são, apenas, as entidades patronais que não sejam pessoas colectivas. Estas, pessoas colectivas, são referenciadas, no artigo em causa, pela expressão seu representante. Toda a pessoa física, constituinte dos órgãos de direcção da pessoa colectiva – entidade patronal, enquanto age em nome desta, é seu representante, o que pode constituir um conceito de representação mais alargado que o previsto no artigo 163º do Código Civil. Todavia, afigura-se-nos, que o conceito de representante da entidade patronal- seja ela, agora, pessoa individual ou colectiva – pode ser alargado a outras pessoas físicas que, de algum modo, actuem em representação daquela entidade seja porque detém um mandato específico para tanto, seja porque age sob as ordens directas da entidade patronal, como é o caso de qualquer pessoa colocada na escala hierárquico-laboral de uma empresa”[1].
Também segundo Luís Menezes Leitão, o que estava em causa no âmbito da Lei 100/97 não era uma verdadeira representação em sentido jurídico, mas situações em que o empregador admite um terceiro a exercer os poderes de autoridade e direcção a que o trabalhador se sujeita e se obrigou pelo contrato trabalho, abrangendo os casos em que ocorre “delegação dos poderes de direcção noutro membro da empresa por força da normal hierarquia de funções dos seus membros” e em que se verifique “transferência dos poderes de direcção para outro empresário, como no caso de cessão de mão de obra, ou trabalho em comum sob a direcção de outrem”[2].
Também assim vinha entendendo a jurisprudência[3]. Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2012.03.29, o termo “representante” a que alude o art. 18.º, n.º 1, da LAT, refere-se às pessoas que gozam de poderes representativos de uma entidade patronal e actuem nessa qualidade, abrangendo normalmente os administradores e gerentes da sociedade, cujas características preenchem as próprias do mandato mas, também, “quem no local de trabalho exerça o poder directivo, o que significa que os comportamentos da empresa utilizadora se traduzem em actos da própria empresa de trabalho temporário, que a vinculam e responsabilizam pela violação culposa das regras legais de segurança no trabalho que àquela venham a ser imputáveis”[4].
Em uniformização de jurisprudência, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 2013, decidiu o seguinte: “A responsabilidade pela reparação de acidente de trabalho prevista na Base XVII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, e no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, resultante da violação de normas relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho, por parte de empresa utilizadora, e de que seja vítima trabalhador contratado em regime de trabalho temporário, recai sobre a empresa de trabalho temporário, na qualidade de entidade empregadora, sem prejuízo do direito de regresso, nos termos gerais”[5].
O actual artigo 18.º da LAT de 2009 não alterou o entendimento que vinha sendo sufragado quanto ao conceito de “representante”, o qual abrangerá tanto o legal representante da sociedade empregadora, como outras pessoas físicas que, de algum modo, actuem em representação daquela entidade nos termos referidos por Carlos Alegre e Meneses Leitão, em conformidade com a jurisprudência que vinha já sendo emitida a propósito.
Como escreve Luís Azevedo Mendes, o artigo 18.º da LAT de 2009 não trouxe “qualquer agravamento, quando muito uma clarificação interpretativa” ou uma “explicitação legislativa do critério jurisprudencial que vinha sendo adoptado quanto ao conceito de “representante”, pois aquelas entidades – entidade por contratada pelo empregador e empresa utilizadora de mão-de-obra – são também “representantes” do empregador, assumindo ser este um “conceito largo”[6].
O que este preceito trouxe de inovatório foi estender a responsabilidade pela própria reparação infortunística laboral nestes casos de actuação culposa, deixando a mesma de onerar apenas o empregador e a seguradora para quem transmitiu a sua responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho (naturalmente nos limites do contrato de seguro celebrado), e passando a recair também sobre os próprios representantes do empregador, nestes se incluindo o legal representante do empregador que seja pessoa colectiva e as pessoas expressamente incluídas no conceito alargado de representante – a “entidade contratada pelo empregador” e a “empresa utilizadora de mão de obra” – quando o acidente tiver sido por elas provocado ou quando resulte da falta de observação, pelas mesmas, das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Face ao regime anterior, ainda que a violação da norma de segurança causal do acidente fosse imputável a um “representante” do empregador (no conceito mais restrito ou mais alargado do termo), a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho, perante o sinistrado ou, em caso de morte deste, perante os beneficiários legais, sempre recairia sobre o empregador, sendo apenas este que respondia de modo agravado perante os titulares do direito à reparação do acidente de trabalho no âmbito da jurisdição laboral.
Quanto à natureza da responsabilidade prevista no artigo 18.º da LAT de 2009, alude o preceito à responsabilidade individual do empregador se o acidente é apenas provocado por ele e à responsabilidade do empregador solidária com as outras entidades se o acidente é provocado por uma actuação culposa dessas entidades.
A natureza solidária da obrigação de reparar os danos no caso de responsabilidade pela reparação agravada do acidente de trabalho em virtude da actuação culposa de terceiro que actuou como representante do empregador resulta evidente da disposição do n.º 1, do artigo 18.º, da LAT. A solidariedade ocorrerá quando a responsabilidade do empregador concorra com alguma das entidades referidas no artigo 18.º, solução que decorria já do disposto nos artigos 497.º, 499.º, 500.º, n.º 3 ou 507.º, n.º 1, todos do Código Civil [7].
Em tais situações, “cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera” conforme prescreve o artigo 512.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, cada um responde pela integralidade dos danos e a prestação efectuada por um só dos devedores solidários a todos libera.
Assim, pode o sinistrado – ou os seus beneficiários legais – fazer valer perante o empregador ou qualquer das entidades referidas no artigo 18.º da LAT o direito à reparação do acidente de trabalho com a extensão agravada prevista no n.º 1 do preceito, tendo o empregador direito de regresso em caso de culpa do “representante” (entendido este conceito nos termos amplos acima referidos), como previsto no n.º 3 do preceito, em conformidade com o regime prescrito no artigo 524.º do Código Civil.
Deve acrescentar-se que, tratando-se de responsabilização agora especialmente prevista na lei dos acidentes laborais, podem todas as entidades enunciadas no artigo 18.º da LAT ser demandadas nos Juízos do Trabalho para satisfação da obrigação solidária de reparação nele prevista, sendo da competência material destes Juízos, nos termos do artigo 126.º, n.º 1, alínea c), da LOSJ, a apreciação dos pedidos formulados pelo sinistrado ou seus beneficiários legais no sentido da reparação dos danos com a extensão enunciada na lei para os casos de actuação culposa na produção do acidente de trabalho, competência que abarca a apreciação das questões de responsabilidade individual ou solidária, objectiva ou subjectiva, do empregador e das entidades dele representantes a quem seja imputada a indicada actuação culposa[8].
Das considerações que vimos produzindo, retira-se desde já a resposta à questão que nos propusemos analisar.
Pois se a Trazcarnes, Lda., face à alegação dos AA. e da RR. – e em parte face aos factos provados –, estabeleceu relações contratuais com a R. empregadora, sendo no âmbito de tais relações que o sinistrado veio a sofrer o acidente de trabalho, quando desenvolvia a sua actividade laboral no seio da empresa desta sociedade e com os meios que esta lhe disponibilizou para aceder ao local em que deveria executar as tarefas de que se mostrava incumbido, pode considerar-se que a Trazcarnes, Lda. actuou como representante da empregadora, enquanto entidade por ela contratada, tal como se prevê no artigo 18.º, n.º 1, da LAT.
E pode considerar-se também, como aliás a sentença considerou, que a Trazcarnes, Lda. não lançou mão dos meios necessários em ordem a prevenir o acidente, tendo utilizado uma empilhadora munida de dois garfos que não asseguravam a estabilidade de encaixe do cesto onde o sinistrado se colocou, em evidente risco de queda, pelo que é possível afirmar que na base do acidente esteve uma actuação culposa da Trazcarnes, Lda., o que, nos termos do artigo 18.º da LAT, pode implicar a sua responsabilidade solidária pela reparação do sinistro.
Tratando-se de uma responsabilidade solidária, a haver litisconsórcio tem o mesmo natureza voluntária, pelo que o facto de a Trazcarnes, Lda. não ter sido demandada na acção não acarreta a ilegitimidade das RR. demandadas por preterição de litisconsórcio necessário passivo, tal como decidiu a sentença.
Com efeito, nos casos de litisconsóricio voluntário, nada impede que apenas algum, ou alguns, dos interessados estejam em juízo, casos em que o tribunal definirá somente a situação daqueles que estão nos autos, sendo certo que nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do Código de Processo Civil, “[s]e a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade”.
Merece censura a decisão contida na sentença de absolvição das RR. da instância com fundamento em ilegitimidade das mesmas.
Uma nota final deve deixar-se no sentido de que, mesmo no âmbito da lei adjectiva civil, uma vez preterido o litisconsórcio necessário activo ou passivo, se admite a superação desta excepção por iniciativa de qualquer das partes nos termos dos artigos 311.º e ss. do CPC (intervenção principal provocada), ou oficiosamente pelo juiz que deverá formular o respectivo convite nos termos dos artigos 6.º, n.º 2 e 590.º, n.º 2, alínea a) do CPC, só depois se podendo extrair da persistência da situação o efeito da absolvição da instância nos termos do artigo 577.º, alínea e), e sempre sem prejuízo do disposto no n.º 3, do artigo 278.º, ambos do CPC. O legislador mostra ser totalmente avesso a que aquela preterição impeça uma decisão de mérito, admitindo que até ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância seja deduzido o incidente de intervenção principal provocada do sujeito em falta, conforme possibilita o n.º 2 do artigo 261.º do Código de Processo Civil[9].
4.2.–A segunda questão
Aqui chegados, cabe enfrentar a segunda questão colocada, que resulta essencialmente do recurso interposto pelo Magistrado do Ministério Público, mas é igualmente suscitada no recurso dos AA.
Sustenta o Digno recorrente que o Mm.º Juiz a quo violou o disposto nos artigos 127.º, n.º 1, e 27.º, n.º 2, ambos do Código de Processo do Trabalho, ao proferir a decisão recorrida, pelo que deverá aquela decisão ser revogada e substituída por outra em que se determine a intervenção da “TRAZCARNES – Transporte, Comércio de Carnes Frescas, Lda.”.
Alega, para tanto, que na decisão recorrida o Mmo. Juiz a quo entendeu que esta pessoa coletiva deveria ter intervindo como co-Ré, mas não determinou a sua intervenção e assim violou o disposto no art.º 127.º, n.º 1, e o disposto no art.º 27.º, n.º 2, al. a), ambos do Código de Processo do Trabalho, pois contrariamente ao pretendido pelo legislador não pugnou pela descoberta da verdade material, pondo termo ao processo por falta de um pressuposto processual, portanto, por uma decisão formal.
Vejamos.
O artigo 127.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, sob a epígrafe “Pluralidade de entidades responsáveis”, estabelece que “[q]uando estiver em discussão a determinação da entidade responsável, o juiz pode, até ao encerramento da audiência, mandar intervir na ação qualquer entidade que julgue ser eventual responsável, para o que é citada, sendo-lhe entregue cópia dos articulados já oferecidos”.
Assim, se as partes suscitarem, ou se o próprio juiz entender suscitar oficiosamente, a questão da “determinação da entidade responsável”, em face dos termos do processo e da prova junta ou produzida no mesmo, o juiz pode “até ao encerramento da audiência, mandar intervir na ação qualquer entidade que julgue ser eventual responsável” nos termos deste preceito, poder que constitui um dever se perspectivarmos o seu dever de gestão processual, particularmente o dever no artigo 27º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho de mandar “intervir na acção qualquer pessoa” prescrito.
No âmbito dos acidentes de trabalho, atenta a natureza indisponível e irrenunciável dos inerentes direitos, bem como a preocupação do legislador em que se definam cabalmente as entidades responsáveis pela reparação do acidente e os termos e medida dessa responsabilidade, é permitida com esta grande amplitude temporal a intervenção na acção de qualquer pessoa tida como eventual responsável pelas consequências do acidente. Com o que se dá satisfação aos apelos da justiça, sem sacrificar as conveniências da celeridade pois, como nota Leite Ferreira, não terá o autor, para fazer valer o seu direito, de perseguir em nova acção para tal intentada, a entidade tida como eventual responsável pelas consequências resultantes do acidente[10].
No caso vertente, é a nosso ver patente que, já desde a fase conciliatória, se mostram descritos na autos factos susceptíveis de fazer imputar o acidente a uma conduta violadora de regras de segurança no trabalho por parte da “Trazcarnes – Transporte, Comércio de Carnes Frescas, Lda.”, especificamente do seu sócio gerente que manobrou o empilhador que elevava o sinistrado até ao local onde o mesmo desenvolvia o seu trabalho de reparação do sistema de frio. Basta para o efeito a leitura do relatório da ACT de fls. 88 e ss., que descreve a intervenção do sócio-gerente da “Trazcarnes – Transporte, Comércio de Carnes Frescas, Lda.” no desenrolar dos factos que culminaram com a queda do sinistrado ao solo.
Além disso, e como bem nota o Digno Magistrado do Ministério Público, quer nas petições iniciais apresentadas pelos AA., quer na contestação apresentada pela R. empregadora – que inclusivamente alegou ter optado por usar os meios de elevação da Trazcarnes nos trabalhos que realizou nas instalações desta, por os considerar adequados à elevação de pessoas (cesto com sistema de encaixe nos garfos da empilhadora) e que no dia do acidente o gerente da Trazcarnes exigiu o acesso à zona de trabalho num cesto sem estrutura de encaixe e apenas colocado em cima das forquilhas, ao que o sinistrado acedeu, sem que a R. fosse informada – já constavam os factos relativos à forma como aconteceu o acidente e os seus intervenientes, inclusive a concreta intervenção do gerente da “Trazcarnes – Transporte, Comércio de Carnes Frescas, Lda.”.
Razão por que na enunciação dos temas de prova, se incluiu o tema das concretas circunstâncias em que foi utilizado o empilhador, incluindo a troca dos cestos pelo gerente da “Trazcarnes, Lda.”.
Pelo que desde cedo se revelaram na acção factos susceptíveis de fundar a eventual responsabilidade da “Trazcarnes, Lda.” pela reparação do acidente nos termos do artigo 18.º da LAT, razão por que o Mmo. Juiz a quo podia e devia ter determinado a intervenção da aludida pessoa coletiva, afirmação a que se dá particular ênfase, tendo em consideração a fundamentação da decisão por que veio a optar, na sentença, de absolver da instância as RR. por preterição de litisconsórcio necessário passivo, justamente porque a “Trazcarnes, Lda.” nunca interveio no processo.
O vício invocado pelo recorrente – o não uso pelo Mmo. Juiz a quo do poder dever de determinar a intervenção na acção de uma entidade eventualmente responsável pela reparação – traduz-se na imputação de um desvio ao formalismo processual seguido na tramitação que antecedeu a decisão agora sob censura, que só pode ser encarado na perspectiva de nulidade de processo e não do ponto de vista de nulidade da sentença, cujas causas se encontram taxativamente enunciadas no artigo 615.º do CPC.
Esta distinção é importante, porque o regime de arguição é diferente consoante se trate de nulidade de processo ou de nulidade da sentença.
As nulidades da sentença (com excepção da originada pela falta de assinatura do juiz), se da decisão for admissível recurso, devem ser arguidas em recurso (artigos 615.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 77.º, do Código de Processo do Trabalho), o que deverá ser feito no prazo de interposição do recurso, ou seja, e em geral, no prazo de 30 dias (artigo 80.º, n.º 1, do CPT).
As outras nulidades, quando o seu conhecimento dependa de arguição da parte interessada e a lei não estabeleça outro limite temporal, só podem ser arguidas no prazo geral de 10 dias, consignado no artigo 149.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, contado do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, neste último caso quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (artigo 199.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). E têm de ser suscitadas, mediante reclamação, perante o tribunal onde foram cometidas.
Pelo que a apreciação, em recurso, de uma alegada nulidade processual prescrita no artigo 195.º do Código de Processo Civil pressupõe, em princípio, que a mesma foi previamente arguida perante o tribunal a quo, e por este decidida. E pressupõe, também, que o foi no prazo de 10 dias consignado no artigo 149.º do CPC, prazo que é peremptório, pelo que o seu decurso faz extinguir o direito de arguir a nulidade (artigo 145.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).
Só assim não será quando a nulidade esteja coberta por uma decisão judicial, caso em que o meio adequado de reacção é o recurso deste despacho.
É o que ocorre se uma nulidade processual não sanada está coberta por uma sentença. Embora não se configure uma das nulidades específicas previstas no n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, não deixa, no entanto, de inquinar a sentença que a assumiu, sendo o modo adequado de reagir contra a mesma o recurso a interpor da sentença[11].
A este propósito refere Manuel de Andrade que “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. É a doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”[12].
Assim, se o Juiz da 1.ª instância profere uma decisão condicionada, além do mais, por uma actuação processual anterior desconforme com a lei adjectiva, verifica-se uma irregularidade susceptível de influir na decisão do mérito da causa, que configura uma nulidade processual, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil. Uma vez que tal decisão sancionou a falta cometida, dando cobertura a esse desvio processual e assumindo-o como seu, passa aquela nulidade processual a inquinar a decisão final como vício próprio desta.
No caso vertente a audiência final encerrou no dia 5 de Setembro de 2022, como resulta da respectiva acta, e na mesma não esteve presente o Digno Magistrado do Ministério Público.
Por seu turno a sentença foi proferida no dia 31 de Dezembro de 2022 e foi notificada ao referido Magistrado no dia 5 de Janeiro de 2023.
Apenas com a notificação da sentença teve o Ministério Público a oportunidade de conhecer que até ao momento do encerramento da audiência o Mmo. Juiz a quo não determinou a intervenção nos autos da “Trazcarnes, Lda.” pelo que, quando interpôs o recurso da sentença no dia 20 de Janeiro de 2023, o referido ilustre Magistrado do Ministério Público encontrava-se em prazo para recorrer da sentença (artigo 80.º do Código de Processo do Trabalho). Deve acrescentar-se que também estaria em tempo para arguir a nulidade processual em que funda o seu recurso (cfr. o artigo 149.º do CPC), ainda que lançando mão da extensão prevista no artigo 139.º, n.º 5 do mesmo diploma (sendo certo que o Ministério Público se mostra isento do pagamento de multa devida nos termos dos nºs 5 e 6 do preceito).
Assim, porque a nulidade processual invocada – que julgamos verificada – se encontra coberta pela decisão recorrida e apenas com a notificação desta o Digno Magistrado do Ministério Público teve conhecimento, agindo com a diligência devida (artigo 199.º, n.º 1), da omissão praticada em momento anterior ao encerramento da audiência, o meio adequado para reagir contra a violação da regra processual do artigo 127.º do Código de Processo do Trabalho é o recurso e não a arguição de nulidade perante o autor da decisão.
Sendo de concluir que o Ministério Público actuou pelo meio próprio (o recurso) e em tempo (no prazo do artigo 80.º do CPT).
A não intervenção da “Trazcarnes, Lda.” é obviamente susceptível de influir no desfecho da lide, como acima se demonstrou, pelo que a omissão praticada integra nulidade processual secundária, prevista no n.º 1, do artigo 195º, do CPC.
Nos termos do n.º 2 do artigo 195.º do Código de Processo Civil, “[q]uando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente”.
Impõe-se, pois, a anulação do processado pelo menos até ao momento que antecedeu o encerramento da audiência, devendo o tribunal de 1ª instância determinar a intervenção na acção da Trazcarnes, Lda. nos termos do artigo 127.º, n.º1, do CPT, enquanto entidade eventualmente responsável pela reparação do sinistro, ficando sem efeito o encerramento da audiência e os actos ulteriormente praticados, incluindo a sentença sob recurso, determinando-se que o Mmo. Juiz a quo desenvolva os actos subsequentes de modo a salvaguardar o pleno exercício do contraditório por parte da interveniente, quer ao nível da alegação factual pertinente, quer ao nível da instrução dos autos – que deverá ser repetida no que concerne às provas constituendas – procedendo ao julgamento da causa com a sua nova configuração subjectiva e proferindo nova sentença.
O provimento da segunda suscitada nas apelações implicará que o processo retroceda ao momento que antecedeu o encerramento da audiência, quedando sem quaisquer efeitos os actos ulteriormente praticados, nos quais se inclui a sentença de que se apelou e que, por isso, deixa de subsistir, ficando prejudicado (por carecer consequencialmente de relevância prática) o conhecimento das demais questões suscitadas nas apelações.
4. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento à apelação do Ministério Público e parcial provimento à apelação dos AA., e julgar verificada a nulidade processual consistente em não ter sido judicialmente ordenada a intervenção na acção da Trazcarnes, Lda., enquanto entidade eventualmente responsável pela reparação do sinistro, ficando consequentemente anulado o encerramento da audiência e os actos ulteriormente praticados, incluindo a sentença sob recurso, determinando-se que o Mmo. Juiz a quo ordene aquela intervenção nos termos do artigo 127.º, n.º1, do CPT e, após observado o contraditório e realizada a instrução e julgamento da causa com a sua nova configuração subjectiva, profira nova sentença.
Anote na capa apenas uma R. seguradora: a AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A.
Custas conforme vencimento final.
Lisboa, 28 de Junho de 2023
(Maria José Costa Pinto) (Manuela Bento Fialho) (Alda Martins)
[1]In Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, Coimbra, 2001, pp. 102-103. [2]No estudo “Reparação dos Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho”, in Temas Laborais, Volume I, Coimbra, 2006, p. 47 [3]Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2004.09.30, processo n.º 03S3775 e de 2005.10.19, processo n.º 05S1918, ambos in www.dgsi.pt. [4]Processo n.º 289/09.0TTSTB.E1.S1, in www.dgsi.pt. Deste aresto repescamos, porque revestidos de interesse os seguintes pontos do seu sumário: “III - A relação tripolar pressuposta pelo contrato de trabalho temporário determina que a posição jurídica de empregador seja titulada pela empresa de trabalho temporário, cabendo à empresa utilizadora, por delegação daquela, a direcção e organização do trabalho, cabendo, doutro passo, ao trabalhador temporário o acatamento das prescrições da empresa utilizadora no que respeita ao modo, lugar, duração de trabalho e suspensão da prestação de trabalho, higiene, segurança e medicina no trabalho. IV - Destarte, entre o trabalhador temporário e a empresa utilizadora não existe qualquer vínculo jurídico e, por maioria de razão, inexiste esse vínculo entre o trabalhador e quem, eventualmente, se assuma como o dono da obra ou quem, no momento, assuma as tarefas da sua coordenação, daí que a reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho recaia, necessariamente, sobre a empresa de trabalho temporário, a entidade empregadora do trabalhador sinistrado, sem prejuízo, naturalmente, do direito de regresso que lhe possa assistir contra os responsáveis referidos nos artigos 18.º, n.º 3, e 31.º, n.º 4, da Lei 100/97, de 13 de Setembro (LAT). V - O termo “representante” a que alude o art. 18.º, n.º 1, da LAT, refere-se às pessoas que gozam de poderes representativos de uma entidade patronal e actuem nessa qualidade, abrangendo normalmente os administradores e gerentes da sociedade, cujas características preenchem as próprias do mandato, e ainda quem no local de trabalho exerça o poder directivo, o que significa que os comportamentos da empresa utilizadora se traduzem em actos da própria empresa de trabalho temporário, que a vinculam e responsabilizam pela violação culposa das regras legais de segurança no trabalho que àquela venham a ser imputáveis. VI - A imputação da violação das regras de segurança a terceiro que com a empresa de trabalho não tenha qualquer vínculo não a liberta da responsabilidade pela reparação, a título agravado, dos danos decorrentes do acidente de trabalho, sem prejuízo do direito de regresso que posteriormente lhe assista, posicionamento que encontra a sua razão de ser nas teorias do “risco económico” ou do “risco profissional” – subjacente ao conceito de acidente de trabalho contido no art. 6.º, n.º 1, da LAT – de acordo com o qual quem beneficia da actividade prestacional do trabalhador e conforma a sua laboração, através de um vínculo – real ou potencial – de autoridade/subordinação jurídica e económica, deve igualmente assumir a responsabilidade pela reparação dos sinistros que com ele ocorram. VII - Não afronta o princípio constante do art. 20.º, da Constituição da República Portuguesa, a presença, na acção emergente de acidente de trabalho, apenas dos responsáveis pela reparação do acidente de trabalho, ainda que o acidente haja sido provocado por terceiro: desde logo, porque ao responsável assiste o direito de regresso contra esse terceiro; depois, porque a lei fundamental prevê, igualmente, no seu art. 59.º, n.º 1, al. f), a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, dos trabalhadores, direito que seguramente apenas surge como eficazmente protegido caso se alcance, o mais rapidamente possível, a justa composição do litígio.” [5]In DR , 1.ª série, de 5 de Março de DR de 2013. [6]No seu estudo “Apontamentos em torno do artigo 18.º da LAT de 2009: entre a clarificação e a inovação na efectividade da reparação dos acidentes de trabalho”, publicado no Prontuário de Direito de Trabalho do CEJ, n.º 88/89, pp. 125 e ss. [7]Vide Luís Azevedo Mendes, in estudo citado, pp. 137-138. [8]Neste sentido também Luís Azevedo Mendes, in estudo citado, p. 143. [9]Vide Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pp. 368-369. [10]In Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª edição, Coimbra, 1996, p. 576. [11]Vide, neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2006, Revista n.º 2069/2006, de 18 de Outubro de 2006, Proc. n.º 1731/06, de 17 de Janeiro de 2007, Recurso n.º 2333/06 e de 13 de Outubro de 2010,Recurso n.º 673/03, todos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt. [12]In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, com a colaboração do Prof. Antunes Varela, nova edição revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, p. 183.