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ACIDENTE DE TRABALHO
ACORDO NA TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
IPATH
INQUÉRITO PROFISSIONAL E ESTUDO DO POSTO DE TRABALHO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA JUNTA MÉDICA
Sumário
I – Numa situação em que só o sinistrado requereu junta médica por não concordar com o grau de IPP atribuído, não é de considerar, unicamente com base no acordo das partes alcançado na tentativa de conciliação (realizada na fase conciliatória do processo), e sem que seja ponderado/valorado qualquer meio de prova, nomeadamente as juntas médicas entretanto realizadas e que se pronunciaram em sentido contrário, que o sinistrado/autor se encontra afectado de IPATH. II – Sendo controvertido se o sinistrado padece ou não de ITAPH, não constando dos autos inquérito profissional bem como a análise do posto de trabalho, e sendo as respostas dos Srs. peritos médicos aos pertinentes quesitos não fundamentadas ou sendo-o deficientemente, impõe-se anular a decisão de fixação da incapacidade e, consequentemente, a sentença final proferida, devendo o Tribunal de 1.ª instância proferir oportunamente novas decisões, considerando na fixação da matéria de facto, quanto à IPATH, a prova já carreada para os autos e aquela que, na sequência das diligências probatórias determinadas, v.g. a junção dos ditos inquérito e análise do posto de trabalho, venha a constar então dos autos
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães
Apelante: L..., C...
Apelado: AA
I – RELATÓRIO
Tiveram os presentes autos emergentes de acidente de trabalho, com processo especial, início com a participação de fls. 2 e ss., por via do qual foi dado notícia de que AA, residente em ..., foi vítima de evento passível de caracterização nos indicados termos, ocorrido na área de ..., aos 04.09.2017, quando desempenhava funções mediante contrato de trabalho para M..., Unipessoal, Ldª., que transferira a responsabilidade pelo correspondente risco para L..., C..., com NIPC ... e sede em ....
Decorrida a fase conciliatória do processo, e realizada que foi a tentativa de conciliação, não logrou obter-se o acordo por o sinistrado e a entidade seguradora, concordando com a atribuição de IPATH, se terem (expressamente) manifestado em desacordo relativamente ao coeficiente de IPP que ao primeiro foi atribuído pelo GML e por a entidade empregadora manifestar não aceitar o pagamento de qualquer prestação, por considerar que a respectiva responsabilidade se encontrava, à data da ocorrência, transferida para a entidade seguradora por referência ao valor total da retribuição paga, valor este inferior ao valor indicado pelo sinistrado.
Através da petição que deu entrada em juízo, aquele AA desencadeou a fase contenciosa do processo contra as entidades seguradora e empregadora acima identificadas, pedindo a condenação destas na satisfação das prestações que identificou no petitório.
Fundamentou as correspondentes pretensões alegando - e seguindo de perto a síntese elaborada pelo Tribunal recorrido - que, na data acima indicada, estando ao serviço da segunda ré, sua entidade empregadora, de quem auferia a retribuição base de € 1.000,00 x 14 meses, sofreu acidente, consistente em queda em altura; que dessa ocorrência advieram para si lesões, determinantes de incapacidade temporária para o trabalho, não se encontrando, a esse título, totalmente indemnizado, em particular pela segunda ré, a legitimar a pretensão que, nos correspondentes termos, contra ela formulou; que, para além disso, as referidas lesões, tendo embora consolidado, deixaram sequelas no seu corpo, determinantes de IPP com IPATH, a justificar a atribuição das prestações correspondentemente peticionadas; que, por efeito da pendência dos autos, suportou, em despesas com deslocação para actos obrigatórios, a quantia que, a esse título, reclamou.
Pediu ainda o autor que, vindo a apurar-se culpa da segunda ré na produção do acidente, deverá o capital de remição da pensão anual e vitalícia ser calculado nos termos previstos pelo art. 18.º da L. n.º 98/2009, de 14.09.
A primeira ré, entidade seguradora, apresentou articulado de contestação, por via do qual manteve, no essencial, a posição manifestada em sede de tentativa de conciliação, mais aduzindo que, desde 28.06.2018, se encontra a liquidar pensão provisória ao sinistrado, a descontar no montante que vier a ser fixado.
Também a segunda ré, entidade empregadora, contestou as pretensões contra si formuladas pelo autor, posicionando-se, a respeito da retribuição auferida pelo mesmo e da integral transferência para a primeira ré da sua responsabilidade, por efeito do contrato de seguro que com esta celebrou, nos mesmos moldes em que o fez em sede de tentativa de conciliação.
Procedeu-se ao saneamento strictu sensu do processo, bem como à selecção da matéria de facto assente, mais se tendo identificado e enunciado o objecto do litígio e os temas de prova, tendo havido reclamação da entidade empregadora, indeferida.
Foi entretanto proferida decisão de fixação da incapacidade, fixando-se a IPP que o autor apresenta no coeficiente de 33,311%, com IPATH.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo (na parte que ora releva):
“Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, termos em que se decide: ---
I.
Condenar a primeira ré, L..., C..., a pagar ao autor AA, ---
a). Pensão anual e vitalícia no valor € 5.041,80 [cinco mil e quarenta e um euros e oitenta cêntimos], devida desde 28.06.2018, e actualizada para os seguintes valores: ---
- A partir de 01.01.2019, € 5.122,47 [cinco mil, cento e vinte e dois euros e quarenta e sete cêntimos]; ---
- A partir de 01.01.2020, € 5.158,33 [cinco mil, cento e cinquenta e oito euros e trinta e três cêntimos]; ---
- A partir de 01.01.2022, € 5.209,91 [cinco mil, duzentos e nove euros e noventa e um cêntimos], deduzindo-se aos montantes devidos o valor da pensão provisória entretanto paga e, ainda, a importância de € 71,04, liquidada em excesso a título de indemnização por IT; ---
b). Subsídio de elevada incapacidade, no valor de € 4.448,77 [quatro mil, quatrocentos e quarenta e oito euros e setenta e sete cêntimos]; ---
c). A quantia de € 20,00 [vinte euros], a título de reembolso de despesas com deslocações para actos obrigatórios; ---
d). Juros de mora, à taxa supletiva legal, a contar quanto: ---
- À pensão anual e vitalícia, tendo por referência o montante devido, depois de deduzida a pensão provisória paga e o valor liquidado em excesso a título de IT, desde 28.06.2018; ---
- Ao subsídio de elevada incapacidade, desde 28.06.2018; ---
- Ao reembolso das despesas de transporte, desde 09.12.2019; ---
II.
Condenar a segunda ré, M... Unipessoal, Ldª., a pagar ao autor AA, ---
a). Pensão anual e vitalícia no valor € 2.332,22 [dois mil, trezentos e trinta e dois euros e vinte e dois cêntimos], devida desde 28.06.2018, e actualizada para os seguintes valores: ---
- A partir de 01.01.2019, € 2.369,54 [dois mil, trezentos e sessenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos]; ---
- A partir de 01.01.2020, € 2.386,13 [dois mil, trezentos e oitenta e seis euros e treze cêntimos]; ---
- A partir de 01.01.2022, € 2.410,00 [dois mil, quatrocentos e dez euros]; ---
b). Indemnização pelo período de IT, no valor de € 2.338,40 [dois mil, trezentos e trinta e oito euros e quarenta cêntimos]; ---
c). Juros de mora, à taxa supletiva legal, sobre as quantias referidas em a) e b), desde 28.06.2018; ---
III.
Absolver a primeira e a segunda rés do mais peticionado – condenação da primeira em valor superior ao arbitrado em I., subalínea c), e da segunda no pagamento do subsídio de elevada incapacidade.”
Inconformada com esta decisão, e com a prévia decisão de fixação da incapacidade, delas veio a ré “L...” interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“1. O presente recurso tem por objecto a decisão proferida baseada na decisão de fixação de incapacidade, proferida nos autos principais, através da qual considerou o Tribunal a quo que: "Os Srs. peritos médicos deliberaram, por unanimidade, atribuir ao autor um coeficiente de 33,311% de IPP, encontrando-se assente, por acordo das partes alcançado na fase conciliatória do processo, e, por conseguinte, subtraído a qualquer outro meio de prova, incluindo o pericial, ser a mesma determinante de IPATH.--- No que, especificamente concerne ao laudo unânime alcançado por via da junta médica realizada quanto ao grau de IPP, não há motivo atendível, por consideração das lesões sofridas, respectiva natureza e demais elementos disponíveis nos autos, para que o Tribunal se afaste da conclusão alcançada. ---Nesses termos, e ao abrigo do que se dispõe no art. 140., n. 2 do CPT, fixa-se no coeficiente de 33,311% a IPP de que o autor AA ficou a padecer, com IPATH. ---"
2. O Tribunal a quo desconsiderou de forma injustificada o douto parecer unânime dos Senhores Peritos Médicos, das várias especialidades, argumentando que a IPATH se considerava assente, por acordo das partes alcançado na tentativa de conciliação.
3. Em sede de tentativa de conciliação, o Autor e a Ré Seguradora não aceitaram a IPP constante do relatório do exame singular realizado pelo INML, facto que ficou expressamente consignado no respectivo auto.
4. Por iniciativa do Autor, foi iniciada a fase contenciosa, tendo para o efeito, junto a sua petição inicial e requerido a sua sujeição a exame pericial, por Junta Médica.
5. Ora, o simples requerimento de exame pericial, por Junta Médica, é manifestação clara e inequívoca da falta de acordo quanto à incapacidade de que se encontra o Autor afectado.
6. Conforme decidiu e bem o Tribunal da Relação do Porto, no douto Acórdão de
21.05.2007, no âmbito do processo 0740656, disponível em www.dgsi.pt: "essa discordância do exame médico singular implica que a sua situação clínica seja objecto de nova perícia (agora colegial), que quanto à existência da IPATH, quer quanto ao grau da IPP".
7. Daqui resulta que do exame, por Junta Médica, poderá resultar um entendimento distinto do INML, seja fixando IPP diversa, seja atribuindo ou não IPATH ou até IPA.
8. Ou seja, o resultado fixa a incapacidade na sua natureza quantitativa e qualitativa.
9. Aliás, uma vez que a perícia médica singular é feita em momento divergente relativamente à data da junta médica, o Sinistrado poderá ter melhorias ou agravamentos das lesões, resultando em sequelas divergentes.
10. Ao requerer o exame, por Junta Médica, pretendeu o Autor que a sua incapacidade fosse sindicada nessa sede, e que o seu resultado fosse ele qual fosse, prevalecesse sobre aquela perícia médico-legal.
11. Nem o Autor, nem o Tribunal, poderão limitar a apreciação, em sede de Junta Médica, apenas e só ao grau de incapacidade.
12. Foi igualmente assim que decidiu o douto acórdão acima mencionado: “Com efeito, argumenta esta que a junta médica não poderia ter como objecto a questão da IPATH por, nos termos do art. 112º e 131º, n.º 1, al. c) do CPT, ter quanto a ela existido acordo e, bem assim, que, se está na disponibilidade do discordante não requerer junta médica e, assim, provocar imediata decisão de mérito, por identidade de razão poderão circunscrever a matéria que considera controvertida. A tal argumentação responde, pelas razões nele referidas, o citado acórdão (de 27.04.2006, in CJ, Acórdãos do STJ, 2006, TII, pág. 251 e segs, sublinhado nosso) considerando que, uma vez requerido exame por junta médica, todas as questões relativas à incapacidade (seja quanto à sua natureza, seja quanto ao grau de desvalorização) passam a controvertidas."
13. E nesta conformidade, em 12.05.2020, o Tribunal a quo proferiu douto despacho saneador que limitou a matéria de facto assente aos factos que na tentativa de conciliação foram objecto de acordo, sendo que da leitura dos mesmos, não consta que o Sinistrado esteja afectado de IPATH.
14. Situação que o Tribunal a quo clarificou ao indeferir a reclamação ao despacho saneador apresentada pela Ré Entidade Empregadora, com o fundamento de que: "o que consta da alínea d) não corresponde a uma confirmação da natureza e valor da incapacidade e data da alta. Aí apenas se reproduz o que consta do relatório do exame médico do GML. Por algum motivo, foi ordenada a realização de junta médica. Tal exame foi requerido precisamente por falta de acordo quanto à IPP atribuída." (sublinhado e negrito nosso)
15. Por outro lado, cumpre referir que é ao Tribunal que compete delimitar e fixar o objecto das perícias, o que fez, e presidir às mesmas.
16. Assim, as respostas dos Senhores Peritos foram realizadas dentro limites do objecto da perícia que o próprio Meritíssimo Juiz determinou.
17. Por tudo isto, patente fica que o Tribunal a quo, não poderia ter afastado o parecer unânime dos Senhores Peritos, com o fundamento de que tal facto se encontrava a assente, por acordo das partes na fase conciliatória, quando o mesmo não se mostra incluído na matéria assente indicada no douto despacho saneador, já transitado em julgado. Sendo que, o mesmo não foi incluído, porquanto, conforme acima já referido, não houve acordo das partes quanto à incapacidade.
18. Ao decidir como decidiu, o Tribunal extravasou manifestamente o seu poder jurisdicional, quanto à delimitação dos factos assentes, por acordo das partes obtido na tentativa de conciliação, que se esgotou no momento em que foi proferido despacho saneador, nos termos do artigo 613.º do Código de Processo Civil.
19. Pelo que não podia dar como assente, por acordo das partes na fase conciliatória, factos que não foram qualificados como tal no momento próprio.
20. O Tribunal a quo pretendeu substituir decisão anteriormente proferida, ainda que de forma enviesada, através da decisão de fixação de incapacidade, em manifesta contradição com os elementos constantes dos autos, os preceitos legais aplicáveis e as regras do processo.
21. Em consequência, a referida decisão violou o disposto no n.º 1 do artigo 613.º do CPC, e padece de vício de NULIDADE, por excesso de pronúncia, à luz do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e de acordo com a sua interpretação extensiva, o que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
22. Concluindo-se, salvo o devido respeito por opinião contrária, que nem a Junta Médica estava impedida de se pronunciar sobre a IPATH, nem ao Tribunal se impunha que a considerasse como matéria de facto assente.
23. Deste modo, e nesta parte, deverá ser revogada a decisão de fixação de incapacidade.
Sem prescindir,
24. Os elementos probatórios existentes são insuficientes, ou melhor dizendo, são contrários, à decisão alcançada pelo Tribunal, de que o Autor se encontra afectado de IPATH.
25. O exame médico singular havia considerado que as sequelas melhor descritas no respectivo auto determinavam IPATH, porém, os 9 (nove) Senhores Peritos Médicos que intervieram nas Juntas Médicas, das várias especialidades, designadamente Neurologia, Otorrinolaringologia e peritos que “compuseram a junta médica final”, discordaram, por unanimidade, considerando que o Sinistrado não se encontra afectado de IPATH.
26. Isto posto, a referida decisão de fixação está naturalmente inquinada, porquanto, não se encontra ancorada no laudo unânime dos Senhores Peritos médicos, reunidos em Junta médica, o qual se encontra devidamente fundamentado a nível médico-legal, preconizando a atribuição de uma IPP de 33,311%, e concluindo que o Sinistrado se encontra capaz para o exercício da sua profissão habitual.
27. É consabido que o Juiz não está obrigado à observância rigorosa das conclusões dos Senhores Peritos, podendo afastar-se ou contrariar o resultado das mesmas em casos justificados, que se mostrem fundamentados numa opinião científica ou que decorram de razões processuais relevantes.
28. Sucede que, no caso em apreço, o Tribunal a quo limitou-se a afastar o parecer unânime dos Senhores Peritos, sem fundamentar a sua decisão.
29. Desconhece-se qual a prova "clara e suficiente" em que se baseou para alcançar tal conclusão, nomeadamente de que forma as sequelas decorrentes do acidente influem na execução das tarefas inerentes ao seu trabalho habitual.
30. O que significa dizer que o Tribunal a quo extrapolou, para além do mais, as regras do princípio da livre apreciação da prova.
31. Em suma, o Tribunal a quo, desta forma, violou os mais basilares estruturantes princípios do Direito e do Processo, designadamente o princípio geral de direito adjectivo, segundo o qual, proferida a sentença/despacho fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz, bem como o princípio da livre apreciação da prova.
32. Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que tenha em consideração o laudo unânime alcançado por via da Junta Médica, de que o Autor não se encontrava afectado de IPATH, com as demais consequências ao nível da fixação dos montantes indemnizatórios devidos.”
O autor/recorrido apresentou contra-alegações, entendendo que não assiste qualquer razão à ré Seguradora/recorrente, nem quanto à matéria de facto, nem quanto à matéria de direito, pelos motivos que descreve, concluindo pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento. II OBJECTO DO RECURSO Questão prévia:
O recorrido suscita na resposta ao recurso duas questões que se prendem com a admissibilidade do recurso, embora assim não as assinale.
Com efeito, e conforme sintetiza nas conclusões 2- e seguintes:
“2- Compulsada a referida sentença (mormente, a motivação, ponto C).), pode verificar-se que o Tribunal a quo baseou a sua decisão no facto de a questão relativa à “incapacidade permanente” já ter sido dada como assente no respetivo incidente de fixação de incapacidade.
3- No despacho datado de 14/12/2020, o Tribunal a quo determinou que a existência de IPATH é uma questão incontroversa, porque foi aceite por ambas as partes durante a fase conciliatória do processo.
4- Facto este que resulta do auto de tentativa de conciliação, datado de 09/12/2020.
5- Este despacho de 14/12/2020 não foi objeto de recurso ou reclamação e, por conseguinte, transitou em julgado.
6- No auto de tentativa de conciliação de 09/12/2019, ficou disposto que “Pelo representante da seguradora, já identificado foi dito que a sua representada aceita: […] IPATH” – trata-se precisamente do último item identificado no rol de concessões feitas pela ré no auto de tentativa de conciliação.
7- No despacho saneador de 12/05/2020 – o qual, diga-se já, acabou por transitar em julgado nos seus precisos termos -, foi expressamente dado como assente por via da posição assumida pelas partes na tentativa de conciliação que: “d) Submetido a exame médico no GML de ..., foi-lhe atribuída a Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 25,3585%, a partir de 27/06/2018, data da alta, com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH).” – sublinhado nosso.
8- No despacho de dia 14/12/2020 – o qual também transitou em julgado - ficou novamente assente que “[…]o facto de o sinistrado estar afectado de IPATH é uma questão assente que, certamente, será tida em conta na sentença final”.
9- Ou seja, existem nestes autos 3 (três) momentos distintos em que ficou confirmada a existência de IPATH, por aceitação de ambas as partes: primus, em sede de tentativa de conciliação, em que a ré aceitou expressamente a existência de IPATH; secundus, no seguimento do despacho saneador, o qual transitou em julgado; tertius, no âmbito do despacho de dia 14/12/2020, o qual veio reiterar o já disposto anteriormente.”
Ora, não nos parece que as conclusões que o recorrido retira, nos termos supra, do processado, estejam correctas.
Em primeiro lugar, no despacho saneador, proferido em 12.5.2020, e designadamente na al. d) dos factos considerados assentes, não ficou a constar, como facto assente, que o autor se encontra afectado de IPATH – basta ler o que consta de tal alínea, aliás citada pelo recorrido nas conclusões acima reproduzidas, e que ademais, e apesar da inequivocidade do seu sentido, o M.º Juiz a quo veio a «esclarecer» no despacho de 23.6.2020, nos seguintes termos: “Por fim cumpre referir, que o que consta da alínea d) não corresponde a uma confirmação da natureza e valor da incapacidade e data da alta. Aí apenas se reproduz o que consta do relatório do exame médico do GML. Por algum motivo, foi ordenada a realização de junta médica.”.
Por outro lado, no despacho proferido em 14.12.2020 nada foi decidido em matéria de fixação de incapacidade.
O Tribunal recorrido limitou-se aí a expender considerações acerca da necessidade/desnecessidade de prova em face das posições das partes já assumidas no processo.
Tanto assim, e como, aliás, também se alude na parte do referido despacho que o recorrido trouxe à colação, que o despacho em causa terminou nos seguintes termos:
“Em face do exposto, o facto de o sinistrado estar afectado de IPATH é uma questão assente que, certamente, será tida em conta na sentença final.
Por isso, notifique o sinistrado para esclarecer se, mesmo assim, mantém o seu pedido de realização de novas diligências probatórias.” (sublinhamos)
A decisão de fixação da incapacidade (e da qual agora vem, também, interposto recurso) veio a ser proferida em 14.9.2021, e, nos termos do art. 140.º/2, parte final, do CPT, “só pode ser impugnada do recurso a interpor da decisão final.” (o que já veio, aliás, a ser afirmado no processo, conforme despacho proferido em 23.11.2021, que não admitiu o recurso interlocutório interposto).
Assim, e em suma, não se verifica qualquer caso julgado que importe agora acautelar.
Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
a) Nulidade da decisão recorrida; b) Se em sede de sentença se impõe considerar, por força do acordo das partes na tentativa de conciliação (realizada na fase conciliatória do processo), e sem que seja ponderado e valorado qualquer meio de prova, que o sinistrado/autor se encontra afectado de IPATH; c) (em caso de resposta negativa à questão anterior) Se, face à prova carreada para os autos, designadamente os autos das juntas médicas realizadas, deve ser alterada a matéria de facto, dando-se como não provado que o autor padece de IPATH. III – APRECIAÇÃO DO RECURSO Da nulidade da decisão recorrida:
Sintetiza, a propósito, a recorrente:
“18. Ao decidir como decidiu, o Tribunal extravasou manifestamente o seu poder jurisdicional, quanto à delimitação dos factos assentes, por acordo das partes obtido na tentativa de conciliação, que se esgotou no momento em que foi proferido despacho saneador, nos termos do artigo 613.º do Código de Processo Civil. 19. Pelo que não podia dar como assente, por acordo das partes na fase conciliatória, factos que não foram qualificados como tal no momento próprio. 20. O Tribunal a quo pretendeu substituir decisão anteriormente proferida, ainda que de forma enviesada, através da decisão de fixação de incapacidade, em manifesta contradição com os elementos constantes dos autos, os preceitos legais aplicáveis e as regras do processo. 21. Em consequência, a referida decisão violou o disposto no n.º 1 do artigo 613.º do CPC, e padece de vício de NULIDADE, por excesso de pronúncia, à luz do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e de acordo com a sua interpretação extensiva, o que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.”
Não tem, a nosso ver, razão a recorrente.
O artigo 615.º/1 d) do CPC, sob a epígrafe Causas de nulidade da sentença, dispõe:
“1 - É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”
Ora, e em primeiro lugar, face à enumeração «fechada» das causas de nulidade previstas no número 1 do artigo em causa, concordamos com oAc. do TRL de 07-11-2018[1], quando aí se defende que “A enumeração das nulidades referidas no artigo 615º do NCPC tem cariz absolutamente taxativo, sendo que as mesmas não admitem analogia nem interpretação extensiva.”
Depois, o artigo 613.º, n.º 1, do mesmo Código, estabelece:
“Extinção do poder jurisdicional e suas limitações
1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
(…)”
Sucede que, in casu, a peça em que se alega constam os factos que não podiam, posteriormente/em sede de sentença, ser alterados, não é uma sentença (saneador-sentença).
Trata-se, sim, de um despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 131.º, n.º 1 al. c), do CPT – destinado a considerar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados.
Se bem que nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos, note-se que, de qualquer forma, o juiz não está impedido (bem pelo contrário) de tomar em consideração na sentença os “factos que estão admitidos por acordo”, mesmo que não constem do despacho adrede proferido, não se formando caso julgado quanto à matéria de facto tida como assente no mencionado despacho como é, de resto, ínsito aos denominados despachos tabelares – cf. art. 607.º/4, 2.ª parte, do CPC, ex vi do art. 1.º/2 a) do CPT[2].
De todo o modo, a nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, tem a ver com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608.º, n.º 2 do CPC (de onde resulta, nomeadamente, que o juiz “(…) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”).
E, como bem se refere no douto Ac. do STJ de 06-12-2017[3], “Só existe excesso de pronúncia quando os limites processuais forem ultrapassados com o Juiz a pronunciar-se sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se, no âmbito da solução do conflito, nos limites por elas pedido e definido, sendo que a nulidade prevista na 2ª parte, da alínea d), do nº 1, do artigo 615º, do CPC, apenas terá lugar se a sentença conheceu de questões que nenhuma das partes submeteu à apreciação do Juiz, dentro dos referidos limites legais.”
Ora a «questão da incapacidade» estava inequivocamente em aberto, impondo-se à Mm.ª juiz do tribunal a quo que a decidisse, o que implicava também conhecer de estar ou não o autor na situação de IPATH – cf. art. 140.º do CPT.
Assim e concluindo, não se verifica a invocada nulidade.
Se em sede de sentença se impõe considerar, por força do acordo das partes alcançado na tentativa de conciliação (realizada na fase conciliatória do processo), e sem que seja ponderado e valorado qualquer meio de prova, que o sinistrado/autor se encontra afectado de IPATH:
Em síntese conclusiva, diz a apelante que“nem a Junta Médica estava impedida de se pronunciar sobre a IPATH, nem ao Tribunal se impunha que a considerasse como matéria de facto assente.” (v. Conclusão 22.)
Vejamos.
Estabelece o artigo 138.º/1 do CPT, sob a epígrafe, Requerimento de junta médica, que “1 - Quando não se conformar com o resultado da perícia realizada na fase conciliatória do processo, a parte requer, na petição inicial ou na contestação, perícia por junta médica.”
Foi precisamente o que sucedeu no caso em apreço, pois (não tendo havido, na tentativa de conciliação, apenas discordância quanto à questão da incapacidade, mas também, como decorre do relatório supra, quanto ao valor da retribuição auferida pelo autor), o autor apresentou petição inicial, tendo aí requerido a realização de junta médica.
Como assim, a decisão da fixação da incapacidade tem lugar finda a realização das perícias, nos termos do art. 140.º/2 do CPT – no caso presente, essa decisão foi proferida no processo principal e não em processo apenso apenas porque, como decorre da tramitação, não tendo sido oportunamente determinado o desdobramento do processo, foi decidido, conforme despacho de fls 129 (proferido em 14.9.2021), proferir a assinalada decisão no processo principal.
Ora se é, senão inteiramente pacífico, pelo menos largamente dominante o entendimento que no âmbito do processo de acidente de trabalho não é possível a posterior discussão de factos acordados na tentativa de conciliação, nem o conhecimento de questões não suscitadas nessa tentativa[4], no caso em apreço onde bate o ponto é precisamente saber quais as implicações, para a decisão a proferir quanto à natureza da incapacidade, de as partes terem acordado em sede de tentativa de conciliação ocorrida na fase conciliatória que o sinistrado/autor se encontra na situação de IPATH.
Com efeito, a decisão de fixação de incapacidade, também recorrida, tem o seguinte teor:
“Fixação da incapacidade para o trabalho
Na presente acção de acidente de trabalho, com processo especial, em que é autor AA, foi requerida a realização de perícia, por junta médica, nos termos do disposto no artº 138º, nº 1 do CPT. --- Os Srs. peritos médicos deliberaram, por unanimidade, atribuir ao autor um coeficiente de 33,311% de IPP, encontrando-se assente, por acordo das partes alcançado na fase conciliatória do processo, e, por conseguinte, subtraído a qualquer outro meio de prova, incluindo o pericial, ser a mesma determinante de IPATH. ---
No que, especificamente concerne ao laudo unânime alcançado por via da junta médica realizada quanto ao grau de IPP, não há motivo atendível, por consideração das lesões sofridas, respectiva natureza e demais elementos disponíveis nos autos, para que o Tribunal se afaste da conclusão alcançada. ---
Nesses termos, e ao abrigo do que se dispõe no artº 140º, nº 2 do CPT, fixa-se no coeficiente de 33,311% a IPP de que o autor AA ficou a padecer, com IPATH. ---
Notifique” (sublinhado nosso)
Não nos parece que seja correcto o entendimento sufragado pelo Tribunal recorrido de, em razão do acordo das partes alcançado na fase conciliatória do processo, ter de considerar-se o sinistrado afectado de IPATH, estando tal matéria subtraída a qualquer meio de prova, incluindo a pericial.
Aliás, e rigorosamente, intervindo a entidade empregadora na tentativa de conciliação como alegada co-responsável pela reparação do sinistrado (em virtude de não estar coberta pelo contrato de seguro a totalidade da retribuição auferida pelo sinistrado), do respectivo auto não consta, pelo menos de forma expressa – como se impunha (cf. art. 112.º/1 do CPT) – que aceita que o sinistrado ficou a padecer de IPATH, pelo que logo por aí se nos afigura menos correcto falar em “acordo das partes”.
De qualquer forma, e comungando do entendimento expendido no douto Ac. da RP trazido à colação pela recorrente, temos por certo que a razão está do lado da recorrente.
Com efeito, escreveu-se no Ac. RP de 21.5.2007, Proc. 0740656, Paula Leal de Carvalho[5], [arrimando-se por sua vez no Ac. do STJ de 27.04.2006, in CJ, Acórdãos do STJ, 2006, TII, pág. 251 e segs., que cita] “(…) uma vez requerido exame por junta médica, todas as questões relativas à incapacidade (seja quanto à sua natureza, seja quanto ao grau de desvalorização) passam a controvertidas.
Por outro lado, e pese embora o Recorrente, no requerimento de exame por junta médica, haja pretendido circunscrever a questão controvertida à do grau de IPP, mas não já à da IPATH, o certo é que, tendo, na tentativa de conciliação, discordado do resultado do exame médico singular (na qual, aliás, nem circunscreveu a discordância, apenas, em relação ao grau de IPP), determinou que a sua situação clinica, seja quanto à natureza ou grau da incapacidade, fosse objecto de nova perícia (agora colegial) e, consequentemente, de novos meios probatórios.
Por outro lado, e conjugando o referido com a imperatividade das normas legais atinentes a matéria infortunística e com a indisponibilidade dos direitos consequentes, não se nos afigura estar na disponibilidade das partes, designadamente de quem requer exame por junta médica, limitar o conhecimento das questões (médicas) que são, ou hão-de ser, submetidas a novo juízo pericial e, após, judicial (imperatividade essa que tanto vale em favor do sinistrado, como em seu desfavor). Aliás, nesse sentido aponta o artº 139º, nº 6, do CPT, nos termos do qual sempre incumbirá ao juiz formular quesitos, suscitando designadamente questões que tenha por pertinentes que as partes, intencionalmente ou não, não abordaram. Refira-se que em matéria de acidentes de trabalho tem plena aplicação o disposto no artº 74º [5] do CPT, que aliás o Recorrente parece reconhecer ao suscitar, agora e apenas no recurso, a questão do pagamento do subsídio de elevada incapacidade.
Acrescente-se que situações existem em que (sem que tenham sido previamente suscitadas), só no decurso da junta médica se vem a constatar que o sinistrado, afinal, não se encontra definitivamente curado (pese embora se houvesse, como tal e sem discordância, considerado na tentativa de conciliação), que outras sequelas existem que não foram tidas em conta no exame singular, que estas determinam IPATH ou afectam função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho justificativas da aplicação do factor de bonificação de 1,5 previsto no nº 5 das Instruções Gerais da TNI.
Ora, a acolher-se a tese da Recorrente, tal significaria que não poderiam elas ser tidas em conta, seja pela junta médica, seja pela decisão judicial. E, face ao que se deixou dito e aos princípios e normas legais aplicáveis, não parece que seja esta a melhor e mais consentânea solução.
Afigura-se-nos, assim, em conclusão e salvo o devido respeito por opinião contrária, que nem a junta médica estava impedida de se pronunciar sobre a IPATH, nem à Mmª Juiz se impunha que a considerasse como matéria de facto assente.”
Como se escreveu em Ac. do STJ de 22.5.2007[6] (embora a propósito de problemática com contornos algo diversos; no respectivo sumário escreveu-se: “Tendo as partes, na tentativa de conciliação, acordado quanto á natureza das lesões concluía pelo exame médico singular, não havendo acordo quanto ao grau de incapacidade parcial permanente delas decorrente, pode o juiz, na decisão a que alude o art. 140.º, n.º 1 do CPT, atender a um diferente grau de incapacidade concluído pela junta médica realizada devido ao facto de a junta ter alterado a própria natureza das lesões”), “É evidente que, na decisão a proferir nos termos do art. 140.º do Código de Processo do Trabalho, o juiz não pode deixar de atender a outros elementos, designadamente com valor probatório, existente nos autos. E, de entre estes, é figurável que atente naquilo que considere adquirido por acordo.
Simplesmente, se a realização da prova pericial visa a demonstração de uma dada realidade de facto – in casu pretendeu-se, por intermédio do exame singular e do exame colegial, a demonstração de qual tinha sido o grau de incapacidade do sinistrado – torna-se patente que era lícito ao juiz vir a proferir uma decisão sobre aquela realidade que fosse diversa da conclusão que se extraia do primeiro ou do segundo daqueles exames, precisamente dada a liberdade de apreciação que lhe estás cometida.”
A questão da natureza, quanto ao seu âmbito incapacitante, da incapacidade permanente – apenas na medida do grau de incapacidade atribuído, ou também absoluta para o trabalho habitual, ou ainda incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho – não é desgarrada nem autónoma das outras matérias que incumbe aos Sr.s peritos intervenientes na junta médica apreciar e pronunciarem-se, como sejam as sequelas de que ficou o sinistrado a padecer em razão das lesões que lhe foram provocadas pelo acidente em causa e o grau de IPP que, segundo a tabela aplicável, lhe(s) corresponde[7].
Em particular quanto à natureza, da incapacidade, de absoluta para o trabalho habitual, a interconexão com a fixação do grau de incapacidade resulta a todos os títulos evidente, bastando atentarmos na hipótese de, considerando-se a IPATH adquirida por acordo havido na tentativa de conciliação, a prova efectuada no processo, nomeadamente em junta médica, quanto ao grau de IPP, ser no sentido de que o sinistrado não padece de qualquer incapacidade permanente, encontrando-se curado sem incapacidade.
Seria uma situação um tanto absurda estar o sinistrado, concomitantemente, afectado de IPATH sem que lhe seja fixado qualquer grau de IPP.
Decerto uma situação rara, mas figurável em tese e não impossível de acontecer (e sendo, de todo modo, frequente acontecer que após a realização de prova já em sede contenciosa, e v.g. a realização de junta(s) médica(s), vem a proferir-se decisão fixando um grau de IPP inferior ao atribuído em sede de exame - médico singular).
É que, como se crê pacífico na jurisprudência – actualmente, e atendendo à publicada -, posto que seja requerida junta médica, os peritos médicos tanto podem pronunciar-se aumentando o grau de IPP como procedendo à sua diminuição (como, naturalmente, mantendo-o), ainda que só a responsável, ou só o sinistrado, hajam, respectivamente, requerido a realização da junta.
Como se lê em Ac. da RP ainda recente (28-11-2022)[8], “I - Tendo na «tentativa de conciliação» realizada na fase conciliatória do processo de acidente de trabalho, o sinistrado discordado do grau de incapacidade fixado por exame médico (singular), e requerido a realização de junta médica, tal significa que foi relegada para a fase contenciosa a fixação da incapacidade;
II - Nesta, o juiz decide de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e tendo em conta os elementos (periciais e outros) recolhidos, não se encontrando balizado na sua decisão pelo resultado do exame médico realizado na fase conciliatória;
III - Daí que nada impeça que no termo da fase contenciosa o juiz fixe um grau de incapacidade ao sinistrado inferior àquele que havia sido fixado no exame médico realizado na fase conciliatória, e de que apenas ele havia discordado.”
Já em Ac. do STJ de 14.12.2005[9] se havia discorrido:
“No caso, a empresa seguradora aceitou o resultado do exame médico efectuado na fase de conciliação, pelo que não tinha de requerer a junta médica. E só o sinistrado, que discordou desse resultado, é que o poderia ter feito.
Por outro lado, a consequência processual que decorre da apresentação do requerimento de junta médica é a de remeter para a fase contenciosa a fixação da incapacidade. Pelo que a decisão de mérito a proferir quanto à natureza e ao grau de desvalorização haveria de ter em conta, tal como decorre do disposto no artigo 140º do Código de Processo de Trabalho, os novos elementos carreados para os autos nessa fase do processo e, em especial, a prova coligida através do exame feito pela junta médica.
O facto de o sinistrado não ter obtido um resultado mais favorável no exame efectuado na fase contenciosa não implica que se repristine o resultado da perícia realizada na antecedente fase conciliatória. Na verdade, a tentativa de conciliação terminou com um acordo quanto à existência e caracterização do acidente, ao nexo causal entre a lesão e o acidente, à retribuição do sinistrado e à determinação da entidade responsável, mas não quanto ao grau de incapacidade para o trabalho. Não tendo havido acordo sobre este último aspecto, por o sinistrado não ter aceite o grau de desvalorização funcional fixado no exame médico, o que sucede é que o juiz ficou impedido de emitir, na fase conciliatória, uma decisão judicial sobre essa matéria, a qual passou a estar dependente do exame a realizar por junta médica, como fora requerido.
(…) O sinistrado é que suporta o risco de ter preferido remeter a questão da incapacidade para a fase contenciosa, sabendo-se que o exame feito pela junta médica poderia dar um resultado diverso do que fora obtido na fase de conciliação e que um e outro são livremente apreciados pelo tribunal (artigo 591º do Código de Processo Civil).
Como logo se entrevê, não há aqui qualquer violação da proibição da reformatio in pejus. Na tentativa de conciliação não houve acordo das partes quanto à questão da incapacidade, pelo que não foi proferida qualquer decisão homologatória do juiz sobre essa matéria. A apreciação da questão foi, por isso, relegada para a fase contenciosa, pelo que a decisão final que veio a ser emitida, nessa fase processual, não representa um agravamento da posição processual do sinistrado e constitui antes a única decisão de mérito que foi prolatada em primeira instância.”
Tenha-se presente, ainda, que no caso em apreço foi o próprio autor, e só o autor, aliás, que trouxe expressamente à liça, nos quesitos que apresentou, a questão da IPATH (cf. quesito m.), que assim e independentemente do que supra se disse passou a integrar o objecto da junta, pois que o referido quesito não foi por qualquer forma suprimido/restringido, tendo sido (também) presente aos Srs. peritos a fim de ser, como foi, respondido.
Pelo exposto, concluímos que é negativa a resposta à questão acima formulada e, assim, que na sentença não tem de considerar-se, por força do acordo das partes em sede de tentativa de conciliação (realizada na fase conciliatória do processo), e sem que seja ponderado e valorado qualquer meio de prova, que o sinistrado/autor se encontra afectado de IPATH. Se, face à prova carreada para os autos, designadamente os autos das juntas médicas realizadas, deve ser alterada a matéria de facto, dando-se como não provado que o autor padece de IPATH:
Nafundamentação de facto da sentença deram-se como assentes erelevantes para a decisão da causa nomeadamente os seguintes factos:
a). No dia 04.09.2017, pelas 13h30m, em ..., o autor, nascido aos .../.../, encontrava-se a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade M..., Unipessoal, Ldª., desempenhando as funções correspondentes à categoria profissional de Trolha de 1ª, mediante retribuição. ---
b). Nas mencionadas circunstâncias de tempo e de lugar, o autor caiu de um andaime, de uma altura de 4 metros. ---
c). Em decorrência do descrito evento, o autor sofreu lesões, em particular TCE, com perda de consciência prolongada, bem como traumatismo da clavícula esquerda e da grade costal do mesmo lado. ---
e). As lesões que sofreu ficaram clinicamente consolidadas aos 27.06.2018, data da alta, tendo delas resultado sequelas, determinantes de IPP de 33,311%, com IPATH.”
Está em causa, pois, saber se a prova carreada para os autos, e particularmente das respostas aos quesitos dadas pelas juntas médicas, impõe que se considere o autor afectado de IPATH.
Nos termos das Instruções Gerais da TNI (Anexa ao DL 352/2007, de 23.10), ponto n.º 13-:
“13 - A fim de permitir o maior rigor na avaliação das incapacidades resultantes de acidente de trabalho e doença profissional, a garantia dos direitos das vítimas e a apreciação jurisdicional, o processo constituído para esse efeito deve conter obrigatoriamente os seguintes elementos:
a) Inquérito profissional, nomeadamente para efeito de história profissional;
b) Análise do posto de trabalho, com caracterização dos riscos profissionais e sua quantificação, sempre que tecnicamente possível (para concretizar e quantificar o agente causal de AT ou DP);
c) História clínica, com referência obrigatória aos antecedentes médico-cirúrgicos relevantes;
d) Exames complementares de diagnóstico apropriados.” (sublinhado nosso)
Ora, compulsados os autos, não se vê que esta documentação tenha sido junta aos autos.
E ela é, de facto, essencial ao esclarecimento da matéria em questão, pois que os autos não elucidam de forma minimamente aceitável quais as funções/tarefas exercidas pelo sinistrado no âmbito da sua actividade profissional habitual (com referência à data em que ocorreu o acidente), e muitos menos se sabe quais as funções, desse acervo, que se podem reputar de nucleares/essenciais (sob a al. a) da matéria assente apenas consta que aquando do acidente o sinistrado desempenhava as funções correspondentes à sua categoria profissional de trolha de 1ª, não se descortinando qualquer outra informação relevante a esse propósito).
Igualmente não se mostra efectuada a caracterização e quantificação dos riscos profissionais, informação que se revela assaz importante atento o melindre da matéria em averiguação.
Nem sabemos, aliás, com base em que tipo de informação(suposição?) emitiram os Sr.s peritos médicos o seu juízo, particularmente o Sr. perito que subscreveu o relatório do exame médico realizado no Gabinete Médico - Legal e os que integraram a junta médica de neurologia, só podendo congeminar-se que foi na respectiva experiência profissional e/ou no Boletim de Alta, onde se mostra consignado, a propósito da situação de IPATH que aí foi também atribuída, que o sinistrado “não deve trabalhar em alturas” (na junta realizada por último, em 13.5.2021, limitaram-se os Sr.s peritos médicos na resposta ao quesito formulado pelo autor sob a al. m), em que além do mais se pergunta se o sinistrado se encontra com IPATH, e a esta matéria, a dizer “sem IPATH”), conquanto na perícia singular e nas pericías colegais se tenha chegado a conclusões diferentes, perfilhando-se naquela o entendimento que as sequelas de que o sinistrado padece são causa de IPATH e nestas a opinião contrária.
Contudo, em todos os casos e a esta propósito, ou sem a mínima fundamentação ou com fundamentação manifestamente insuficiente, o que redunda afinal na ausência de fundamentação minimamente esclarecedora e convincente.
Sobre a necessidade de constar já do processo, aquando da junta médica, o “Inquérito Profissional e Estudo do Posto de Trabalho”, pode ver-se o Ac. da RP de 27-02-2012, onde se sumariou: “I – No exame por junta médica, estando em causa saber se a incapacidade do sinistrado é uma incapacidade para o trabalho habitual, importa que as respostas aos quesitos se reportem à atividade concreta por ele desempenhada, no exercício da sua profissão.
II – Não se mostrando junto o inquérito profissional e o estudo do posto de trabalho, a que se reportam as alíneas a) e b) do n.º 13 das Instruções gerais da Tabela nacional de incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, não dispunham os Srs. Peritos Médicos dos elementos de cariz profissional.
III – O exame por junta médica é deficiente se a sua fundamentação não contemplar os aspetos profissionais e do posto de trabalho do sinistrado, mas apenas as suas lesões e enquadramento na tabela, quando todos os aspetos da situação do sinistrado devem ser levados em conta, em tal perícia.”[10]
Daí que também não se nos afigure convincente a afirmação constante da decisão de fixação da incapacidade de que “No que, especificamente concerne ao laudo unânime alcançado por via da junta médica realizada quanto ao grau de IPP, não há motivo atendível, por consideração das lesões sofridas, respectiva natureza e demais elementos disponíveis nos autos, para que o Tribunal se afaste da conclusão alcançada.”
Concluindo, deve o Tribunal recorrido diligenciar no sentido de serem elaborados e juntos aos autos o inquérito profissional bem como a análise do posto de trabalho a que alude o ponto 13 das Instruções Gerais da TNI e, bem assim e se o entender pertinente, outros exames/pareceres complementares (art. 139.º, n.º 7, do CPT), e tomar esclarecimentos aos Sr.s peritos médicos que intervieram nas juntas médicas realizadas em 30.10.2020 e 13.5.2021 (ou, sendo isso inviável, proceder a novos exames por junta médica) a fim de os senhores peritos médicos esclarecerem as respostas/responderem aos quesitos que contendem com a averiguação de estar ou não o sinistrado afectado de IPATH (quesitos do autor m) e p) ), esclarecimentos/respostas que devem ser fundamentados.
Destarte, impõe-se anular a decisão de fixação da incapacidade e, consequentemente, a sentença final proferida, devendo o Tribunal de 1.ª instância proferir oportunamente novas decisões, considerando na fixação da matéria de facto, quanto à IPATH, a prova já carreada para os autos e aquela que, na sequência das diligências supra mencionadas, venha a constar então dos autos. IV - DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em anular a decisão de fixação da incapacidade e a sentença recorridas, devendo o Tribunal de 1ª instância ordenar a junção aos autos da documentação, e a tomada de esclarecimentos aos peritos/realização de novas juntas médicas nos termos e para os efeitos supra determinados e, de seguida, proferir decisões em conformidade.
Custas pelo vencido a final.
Notifique.
Guimarães, 22 de Junho de 2023
Francisco Sousa Pereira (relator)
Vera Maria Sottomayor
Maria Leonor Barroso
[1] Proc. 158/16.7T8SRQ.L2-4, Leopoldo Soares, ponto I do Sumário, in www.dgsi.pt [2] Cf. também, a propósito, o recente Ac. RP de 17-04-2023 (Proc. 1143/21.2T8PNF.P1, Nelson Fernandes, www.dgsi.pt), em cujo Sumário se escreveu: “I - Não atendendo o tribunal de 1.ª instância ao regime que resulta da alínea c) do n.º 1 do artigo 131.º do CPT, incluindo nos temas de prova sujeitos a julgamento, em relação a facto que deveria ter sido considerado assente, em violação do que também resulta dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, impõe-se ao tribunal de recurso ter tal facto como provada e eliminar a resposta que veio a ser dada.”; cf. ainda Ac. STJ de, Proc. 3811/13.3TBPRD.P1.S1, Rosa Tching [3] Proc. 434/14.3TTBRR.L1.S2, Ana Luísa Geraldes, Ponto I do Sumário, in www.dgsi.pt [4] Cf., para além do acórdão referido na anotação 2, Ac. de [5] in jurisprudência.pt/acordao/18786/ [6] Proc. 823/07, Bravo Serra, in Acidentes de Trabalho, Jurisprudência 2000-2007, Coordenação Luís Azevedo Mendes e Jorge Manuel Loureiro, Colectânea De Jurisprudência, Edições, pág.s 353 e ss. [7] Cf. por ex. Ac. desta RG de 03-03-2022, Proc.1433/19.4T8TMR.G1, Maria Leonor Barroso, em cujo Sumário se escreveu: “Se na fase conciliatória a seguradora não aceita a IPP, os peritos na junta médica são livres na atribuição de diferentes sequelas e na fixação do grau de incapacidade para o trabalho, operações incindíveis. As sequelas apenas têm de se relacionar com a lesão/dano (traumatismo no punho) e a causalidade e evento (queda de escadote) anteriormente aceites na tentativa de conciliação.”, in www.dgsi.pt, ou Ac. RC de 27-11-2008, Proc. 26/07.3TTLRA.C1 (citado no Ac. RC de 18.12.2020, Proc. 4369/18.2T8LRA.C1, Ramalho Pinto www.dgsi.pt). [8] Proc. 5434/16.6T8VIS.P1, António Luís Carvalhão, Sumário, www.dgsi.pt ; perfilhando também este entendimento, Ac. RP de 14.2.2005, Proc. 0414980, Domingos Morais, João Monteiro, Processo especial emergente de acidente de trabalho, Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 72, CEJ/Coimbra Ed., pág.s 155 e ss, e Maria Adelaide Domingos, A prova pericial no âmbito dos acidentes de trabalho, Separata da Revista do CEJ (2005), número 3, Almedina, nota de rodapé n.º 40, a pág.s 287. [9] Proc. 05S3642, Fernandes Cadilha, www.dgsi.pt ; [10] Proc. 261/10.7TTMAI.P1, Ferreira da Costa, www.dgsi.pt ; cf. também Ac. RP de 23-03-2015, Proc. 120/12.9TTMAI.P1, Paula Maria Roberto, www.dgsi.pt , em cujo sumário se escreveu: “IV - Se o relatório do exame por junta médica não permite ao tribunal concretizar o grau de incapacidade a atribuir, nomeadamente, se a sinistrada se encontra afetada de IPATH, não constam do processo todos os elementos que nos permitam apreciar esta questão, face à insuficiência da matéria de facto, impõe-se a sua ampliação e consequente anulação da decisão recorrida – n.º 4, do artigo 662.º, do C.P.C.”.