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INVENTÁRIO PARA SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
PARTILHA
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
CASO JULGADO MATERIAL
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
APELAÇÃO AUTÓNOMA
Sumário
I – A sentença homologatória da partilha produz, como qualquer sentença de mérito, tanto efeitos substantivos como processuais. II – Assim, transitada, tal sentença define os direitos de cada um dos interessados na partilha, tal como ela se encontra efetuada nos autos, em conformidade com as várias fases do processo de inventário, tornando-a definitiva. III – Após, não é admissível recurso que vise impugnar decisão interlocutória que influa diretamente na partilha que já se encontra homologada, com fundamento no artigo 644.º, n.º 4, do CPC. IV – Este preceito, quando adaptado ao processo de inventário, só pode dar cobertura à interposição de recurso de decisão relativamente «à qual exista um interesse autónomo diferenciado do resultado alcançado através da homologação da partilha», o que manifestamente não é o caso do recurso que vise modificar a decisão proferida sobre a reclamação à relação de bens. V – Este entendimento não viola o preceituado no artigo 20.º da CRP. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 181/11.8TBFZZ-C.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1]
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Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:
I – RELATÓRIO 1. AA, cabeça-de-casal nos autos de Inventário de que esta reclamação constitui apenso, nos quais é requerente BB, tendo sido notificado do despacho proferido em 06.02.2023, que não admitiu o recurso que havia interposto em 23.03.2022, veio tempestivamente RECLAMAR, nos termos do disposto no artigo 643.º, nº 1, do CPC, invocando a violação do disposto no n.º 4 do artigo 644.º do CPC, pedindo que a presente Reclamação seja julgada procedente e, em consequência, o recurso seja recebido.
2. Tendo sido notificado da decisão sumária proferida pela ora Relatora em 28.04.2023, que julgou improcedente a reclamação, confirmando o despacho de indeferimento do recurso, o Reclamante veio reclamar para a conferência, pedindo que seja “julgada procedente a presente reclamação, ordenando-se a admissão do recurso interposto, no mais prosseguindo a instância recursiva os seus normais termos”.
3. Não houve resposta.
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II – Apreciação da reclamação 1. Conforme já havia sido referido na decisão singular, a questão que importa sindicar na presente reclamação é tão só a de saber se deve ou não ser mantido o despacho de indeferimento do recurso apresentado pelo cabeça-de-casal, relativamente ao despacho proferido em 19.12.2021, concretamente no segmento indicado pelo reclamante, com o seguinte teor e destacado de origem: “Da não interposição de recurso da sentença in casu só pode legitimamente considerar-se adquirido para os autos que o recorrente deixou de ter interesse na prossecução do recurso interposto, sem necessidade de dele vir desistir ou de ao mesmo vir renunciar, porquanto o regime legal do recurso em causa isso convoca e o próprio Tribunal da Relação de Évora apontou ostensivamente ao recorrente o modo processual de como poderia o recurso vir a ser passível de ser conhecido em instância recursiva. (…) Por conseguinte, está extinta a instância recursiva iniciada nos autos pelo recorrente, o cabeça de casal, por não interposição de recurso posterior ao momento da prolação da sentença e, assim, impõe-se decidir não remeter os autos ao Tribunal da Relação de Évora. Termos em que o Tribunal decide estar extinta a instância recursiva e não remeter os autos ao Tribunal da Relação de Évora para conhecimento daquele recurso”.
Deste despacho foi interposto recurso pelo ora reclamante em 23.03.2022, nos seguintes termos (igualmente transcritos): “(i) DA IMPUGNAÇÃO DO DESPACHO QUE JULGOU EXTINTA A INSTÂNCIA RECURSIVA 1. Decidiu o tribunal, em 19/12/2021, julgar “extinta a instância recursiva iniciada nos autos pelo recorrente, o cabeça de casal, por não interposição de recurso posterior ao momento da prolação da sentença e, assim, impõe-se decidir não remeter os autos ao Tribunal da Relação de Évora. Tal decisão não se mostra transitada (…) Assim sendo, está o Recorrente em tempo de instaurar o presente recurso, sendo o despacho que declarou o contrário inválido, pois deveria ter atendido à suspensão da instância, decorrente da falta de constituição de Mandatário pela Requerente/Reclamante, ao abrigo do disposto no art. 47.º, n.º 3, al. a).”.
O objeto da reclamação cinge-se, pois, ao acima referido.
2. O iter processual
Cremos relevante iniciar a decisão da presente reclamação pelo desenvolvimento processual em que veio a surgir o requerimento de interposição de recurso que foi indeferido pelo despacho objeto da mesma, confirmado pela decisão sumária da ora relatora, agora impugnada para esta conferência – da qual consta a transcrição (na parte que abaixo figura entre aspas) da tramitação já referida na reclamação constante do apenso B), que novamente importa a esta decisão –, e prosseguindo depois com as incidências processuais relevantes relativamente à reclamação em apreço.
É, então, a seguinte a tramitação processual a considerar:
«1 – Em 29/06/2016, o reclamante recorreu da decisão proferida nos autos quanto à reclamação da relação de bens.
2 – Por decisão singular proferida pelo Tribunal da Relação de Évora de 25/05/2017, seguidamente validada em conferência por acórdão do mesmo Tribunal de 14/09/2017, não foi admitido o recurso, por não se tratar de apelação autónoma e se ter entendido que a decisão da reclamação contra a relação de bens só era recorrível depois de proferida a decisão final.
3 – Posteriormente, em 06/09/2018, na conferência de interessados foi fixado por acordo a correcção do valor das benfeitorias constante da decisão da reclamação da relação de bens.
4 – Tendo então o cabeça de casal declarado que desistia do recurso interposto nessa parte.
5 – Em 15/11/2018, foi proferida decisão sobre a forma de partilha e ordenada a elaboração do respectivo mapa.
6 – Nessa sequência, por requerimento de 29/11/2018, o reclamante manifestou interesse em que o recurso antes apresentado fosse apreciado, tendo apresentado novas alegações e a recorrida juntou aos autos a respectiva resposta.
7 – Sobre o recurso recaiu o seguinte despacho, de 02/07/2020: para as partes “se pronunciarem sobre se entretanto vislumbram real possibilidade de resolução consensual da totalidade da controvérsia juridicamente relevante vertida nos autos ou da parte corporizada na instância recursiva”.
8 – Na sequência da resposta negativa da recorrente, em 31/08/2021 foi proferida sentença, cuja notificação ocorreu em 03/09/2021.
9 – Não foi interposto recurso da sentença final, nem as partes interpuseram recurso autónomo ou após essa data manifestaram a vontade de ser apreciado o recurso anteriormente interposto relativamente à decisão interlocutória em causa, após o trânsito desta».
10 – A sentença proferida em 31.08.2021, tem o seguinte teor: «Nestes autos de inventário para partilha do património comum do casal que foi composto por BB, que propôs a presente ação, e AA, Requerido e cabeça de casal nos autos, ambos com os demais elementos de identificação vertidos nos autos, cujo casamento foi dissolvido por divórcio declarado por sentença proferida em 24 de fevereiro de 2011. O património comum a partilhar é composto pelas verbas relacionadas na relação de bens exarada nos autos a fls. 836 a 838 (cf. documento de 23 de fevereiro de 2018). Inexiste passivo. Em 15 de novembro de 2018 foi proferido despacho determinativo sobre a forma da partilha. Após mapa informativo de 28/1/2019 e notificação subsequente, em 28 de março de 2019 foi elaborado mapa de partilha, corporizado a fls. 884 a 889, o qual se apresentava sem emendas, rasuras ou entrelinhas, que foi objeto de reclamação pelo cabeça de casal, decidida nos termos que ora se reproduzem em itálico: “Pelo exposto, decido que no despacho de forma à partilha, proferido em 15 de novembro de 2018, onde se escreveu “Na conferência de interessados, realizada em 6 de setembro de 2018, houve acordo dos interessados quanto à composição dos quinhões e quanto ao valor das benfeitorias realizadas em prédio que constitui bem próprio exclusivo do cabeça-de-casal”, deve considerar-se escrito, por correção que ora ordeno, “Na conferência de interessados, realizada em 6 de setembro de 2018, houve acordo dos interessados quanto à composição dos quinhões e quanto ao valor das benfeitorias realizadas em prédio que constitui bem próprio exclusivo do cabeça-de-casal, sem prejuízo quanto a este valor do remanescente do objeto da instância recursiva desencadeada pelo cabeça-de-casal” e ordeno que o mapa de partilha, junto no processo em suporte de papel a fls. 884 a 889 seja corrigido em conformidade”. Foi elaborado mapa de partilha retificado em conformidade, em 24 de janeiro de 2020. Assim, ao abrigo do disposto no artº 1382º aplicado ex vi artº 1404º da 37ª versão do anterior Código de Processo Civil, impõe-se homologar o respetivo mapa de partilha. Pelo exposto, homologo por sentença a partilha constante do mapa de partilha exarado nos autos em 24 de janeiro de 2020, preenchendo-se os quinhões dos interessados em conformidade com o acordo e adjudicação expressos na conferência de interessados realizada em 6 de setembro de 2018».
11 – Em 15.09.2021, o Ilustre mandatário da Requerente apresentou renúncia ao mandato, juntando a comunicação expedida para o efeito à sua constituinte.
12 – Nessa mesma data foi enviada à Requerente a notificação da renúncia, nos termos do artigo 47.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, tendo a mesma sido entregue à Requerente no dia 22.09.2021 (cfr. informação dos CTT junta com o ofício de 11.11.2021).
13 – Em 19.12.2021, foi proferido o seguinte despacho:
«Julgo validamente operada a renúncia ao mandato comunicada aos autos em 15/9/2021 pelo Ilustre Senhor Advogado Dr. … e que foi notificada à interessada sua representada nos autos (cf. artº 47º do Código de Processo Civil, aviso de receção junto em 15/11 e declaração da própria representada dirigida aos autos em 16/11/2021)».
No ponto II desse despacho, após elencar em moldes semelhantes aos que acima constam transcritos conforme decisão proferida na reclamação que constitui o apenso B), consta a seguinte fundamentação: «A questão que se coloca é a de apreciar e decidir se o recurso interposto pelo cabeça de casal, que é reportado a decisão interlocutória proferida em fase muito anterior à da sentença, deve agora ser remetido ao tribunal superior para ser julgado. Ora, a resposta à enunciada questão surge-nos como clara e é negativa. (…) Da não interposição de recurso da sentença in casu só pode legitimamente considerar-se adquirido para os autos que o recorrente deixou de ter interesse na prossecução do recurso interposto, sem necessidade de dele vir desistir ou de ao mesmo vir renunciar, porquanto o regime legal do recurso em causa isso convoca e o próprio Tribunal da Relação de Évora apontou ostensivamente ao recorrente o modo processual de como poderia o recurso vir a ser passível de ser conhecido em instância recursiva. Recorde-se que o ora decidido encontra argumento idêntico, e por isso corroborante, na decisão proferida nos autos (rectius, formalmente no apenso A, mas com repercussão material nestes auto) pelo Tribunal da Relação de Évora ao expor como argumento nuclear da respetiva decisão que a decisão recorrida “só pod[e] e dev[e], por isso, ser alvo de impugnação, caso tal se tenha por necessário, no recurso que se venha a interpor da decisão final do processo de inventário em conformidade com o que dispõe o n.º3 do artº 644º do CPC”. Por conseguinte, está extinta a instância recursiva iniciada nos autos pelo recorrente, o cabeça de casal, por não interposição de recurso posterior ao momento da prolação da sentença e, assim, impõe-se decidir não remeter os autos ao Tribunal da Relação de Évora. Termos em que o Tribunal decide estar extinta a instância recursiva e não remeter os autos ao Tribunal da Relação de Évora para conhecimento daquele recurso».
14 – Este despacho foi notificado em 20.12.2021.
15 – Em 11.01.2022, o ora Reclamante veio reclamar do referido despacho de não admissão do recurso e a referida inadmissibilidade foi confirmada por decisão singular do Desembargador relator, proferido no Apenso B).
16 – Mantendo-se inconformado, o ora reclamante suscitou a intervenção da conferência que, por acórdão de 10.03.2022, não admitiu o recurso interposto.
17 – Em 23.03.2022, o requerente apresentou o recurso cujo despacho de não admissão é objeto da presente reclamação.
18 – Em 06.02.2023, foi proferido o despacho reclamado, com o seguinte teor: «O interessado cabeça de casal declarou, em 23 de março pretérito, interpor recurso da sentença proferida nos autos, o que fez nos seguintes termos: “Discordando da sentença proferida no apenso de reclamação contra a relação de bens, o Requerido, ao abrigo do disposto no art. 644º, n.º 4 do CPC, na interpretação feita desta norma por este Tribunal e pelo Tribunal da Relação de Évora, vem interpor o competente recurso, para o que ainda se encontra em prazo, o qual deve ser processado logo que termine a suspensão decorrente da renúncia ao Mandato pelo I. M. da Requerente/Reclamante e falta de constituição de novo”. Porém, salvo o devido respeito por eventual juízo jurídico contrário, a engenhosa construção jurídica do interessado recorrente sobre a tempestividade do recurso está votada ao insucesso jurídico. Vejamos porquê. Desde logo, por ser tema definitivamente decidido o do trânsito em julgado da sentença proferida nos autos, conforme decorre da decisão proferida nos autos por este Tribunal em 19/12/2021 em conjugação com a decisão proferida no apenso B pelo Tribunal da Relação de Évora. O próprio recorrente reconhece expressamente que a sentença transitou em julgado em 6 de outubro de 2021, ou seja, meses antes da interposição do recurso cuja admissibilidade ora apreciamos. Note-se a fundamentação e decisão dessa decisão do Tribunal da Relação de Évora: a) trechos da sua fundamentação: nos factos provados, menciona-se que a sentença transitou em julgado; “Não foi interposto recurso da sentença final, nem as partes interpuseram recurso autónomo ou manifestaram a vontade de ser apreciado o recurso anteriormente interposto relativamente à decisão interlocutória em causa, após o trânsito desta”; “O despacho em discussão mostra-se completo quanto à descrição do historial do processo e ao quadro legal aplicável, posto que, assim sendo, a bem estruturada decisão de não admissão do recurso não merece reparo.”; b) segmento decisório: “Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, mantém-se o despacho reclamado, não se admitindo o recurso interposto”. Não obstante isso, por respeito jurídico ao recorrente – que não por necessidade de fundamentação jurídica (aquela basta!) -, ainda procuraremos explicitar a motivação jurídica que evidencia o naufrágio da sua pretensão recursiva por intempestividade. A sentença foi proferida em 31/8/2021 e a sua notificação aos Ilustres Mandatários foi digitalmente expedida em 3/9/2021, sexta-feira, e então também notificada ao Ministério Público. Em 15/9/2021 o Ilustre Mandatário da interessada e requerente nestes autos apresentou declaração de renúncia ao mandato, cuja notificação se efetuou, tendo essa interessada declarado, em 16/11/2022, ter tido efetivo conhecimento do expediente de notificação da renúncia que lhe foi dirigido, o qual lhe foi efetivamente entregue em 22/9/2021 e de que aquela juntou cópia (cf. doc. juntos em 21/10 e 13/12/2021; o aviso de receção não foi assinado por ser correio entregue no estrangeiro e pelos motivos exclusivamente atinentes aos serviços postais estrangeiros intervenientes). Por despacho de 19/12/2021, foi julgada validamente operada aquela renúncia ao mandato e decidiu-se ainda “estar extinta a instância recursiva e não remeter os autos ao Tribunal da Relação de Évora para conhecimento daquele recurso” [interlocutório interposto pelo cabeça de casal da decisão proferida em 21/7/2016 sobre a reclamação à relação de bens comuns], do que foi apresentada reclamação, que foi julgada improcedente por decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora em 27/1/2022, transitada em julgado (cf. apenso B). Sendo os autos de inventário, a interessada requerente não está sujeita a patrocínio judiciário obrigatório e não o está também por não ter apresentado alegações ou contra-alegações após a renúncia ao mandato (cf. artºs 1090º e 40º do Código de Processo Civil). A declaração de renúncia não contende com o prazo do trânsito em julgado da sentença: por um lado, não estamos perante caso de patrocínio obrigatório e, por outro lado, os efeitos da renúncia apenas se operariam, em caso de patrocínio obrigatório, decorridos 20 dias da declaração de renúncia, pelo que o respetivo mandatário renunciante estava nesses 20 dias vinculado ao cumprimento dos deveres que sobre si decorriam do mandato (cf. artºs 47º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil). Logo, contrariamente ao advogado pelo cabeça de casal/recorrente, nenhuma suspensão da instância se verificou após 12/10/2021. Como o cabeça de casal recorrente advoga, a sentença transitou mesmo em julgado muito antes da apresentação do recurso cuja admissibilidade ora se aprecia: “Entretanto, a sentença final, por não ter sido objeto de recurso por qualquer das partes transitou em julgado em 6/10/2021” (cf. alegações de recurso de 19/1/2022). Note-se que o recurso em causa foi interposto muito para lá de decorridos 30 dias desse trânsito e que, decisivamente, é inaplicável ao caso a advogada norma do artº 644º, n.º 4 do Código de Processo Civil, porquanto a decisão interlocutória que foi (com insucesso procedimental) impugnada pelo cabeça de casal não tem interesse para o mesmo independentemente da sentença proferida, pois que o seu interesse sempre exigia a modificação da sentença, homologando a “tese” advogada pelo recorrente cabeça de casal e não a “tese” que a sentença homologou. Não existe interesse independente no caso entre a decisão interlocutória primitivamente impugnada e a sentença proferida, mas antes de dependência. Note-se ainda que o recorrente pretende fazer entrar pela janela o que não coube pela porta: apesar de no requerimento de interposição de recurso apresentado em 19/1/2022 afirmar que recorre da sentença, nas conclusões do recurso cuja admissibilidade ora se aprecia pretende impugnar o despacho de 19/12/2021, questão que já foi definitivamente encerrada pela decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora no apenso B e supra referida».
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3. A presente reclamação vem interposta do despacho do Mm.º Juiz, do qual o reclamante dissente concretamente quanto aos segmentos que assinalámos a negrito para evitar inútil repetição.
Este despacho de indeferimento foi proferido na sequência de requerimento de interposição de recurso apresentado pelo ora reclamante, do qual, para além do segmento assinalado no início do despacho recorrido correspondente ao respetivo introito, o reclamante concluiu que:
«1. Decidiu o tribunal, em 19/12/2021, julgar “extinta a instância recursiva iniciada nos autos pelo recorrente, o cabeça de casal, por não interposição de recurso posterior ao momento da prolação da sentença e, assim, impõe-se decidir não remeter os autos ao Tribunal da Relação de Évora.
2. Tal decisão, que não transitou, mostra-se violadora do disposto no art. 47.º do CPC, como se passa a demonstrar.
3. Porém, após iniciado o prazo para recurso da sentença final, a 15/9/2021, o I. M. da Requerente renunciou ao mandato forense. Em 22/09/2021 (conforme consta da comunicação dos CTT de 11/12/2021), a Requerente foi notificada da renúncia ao mandato, para os efeitos do disposto no art. 47.º do CPC, não tendo até à presente data constituído novo mandatário.
4. Entretanto, a sentença final, por não ter sido objeto de recurso por qualquer das partes transitou em julgado em 6/10/2021, iniciando-se, assim, a 7/10/2021 o prazo para interposição do recurso da decisão interlocutória, segundo a interpretação decidia em recurso do art. 644.º, n.º 4 do CPC.
5. Por decurso do prazo de 20 dias previsto no art. 47º, n.º 3 alínea a) do CPC, sem constituição de novo mandatário pela Requerente, o referido prazo para interposição de recurso suspendeu-se a partir de 12/10/2021, até ao decurso 6 meses ou constituição de novo mandatário pela Requerente, pelo que apenas decorreram até então 6 dias do prazo para interposição de recurso da decisão interlocutória.
6. Assim sendo, está o Recorrente em tempo de instaurar o presente recurso, sendo o despacho que declarou o contrário inválido, pois deveria ter atendido à suspensão da instância, decorrente da falta de constituição de Mandatário pela Requerente/Reclamante, ao abrigo do disposto no art. 47.º, n.º 3, al. a).».
O Reclamante esgrime com a afirmação expressa no despacho reclamado de que não havia lugar à constituição obrigatória de mandatário para daí pretender retirar conclusão diversa do que aquela que foi extraída pelo tribunal a quo tentando a todo custo extrair de segmentos desgarrados da fundamentação que tem vindo a ser expressa nos sucessivos despachos, e até do acórdão proferido no apenso B), efeitos que manifestamente já não pode conseguir obter por ter precludido o seu direito a ver reapreciada a decisão proferida sobre a reclamação à relação de bens, com o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, que o próprio aceita ter ocorrido em 06.10.2021.
É isso, e apenas isso que está em questão, pelo que não nos enredaremos na invocada nulidade por omissão de pronúncia da decisão singular da ora relatora ou em putativas “questões”, pois que a única verdadeira questão é saber se o Reclamante pode ou não recorrer daquela decisão interlocutória, nos termos do artigo 644.º, n.º 4, do CPC, sendo consequentemente irrelevante discorrer sobre se a instância devia ou não ter sido declarada suspensa após a data em que, pela notificação que lhe foi efetuada, a Requerente devia constituir mandatário (12.10.2021)[3].
Com efeito, a resposta à questão de saber se, transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, o interessado pode ainda recorrer ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º 4, do CPC, da decisão interlocutória oportunamente proferidas sobre a reclamação à relação de bens, apresenta-se-nos como obviamente negativa e, apesar do uso que o Reclamante tem dado aos autos, realmente não consente dúvidas sérias, nem afronta o direito de acesso à justiça tutelado pelo artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, que agora vem convocar.
Na verdade, como o iter processual acima transcrito bem evidencia, o reclamante teve todo o direito de acesso à justiça e ao recurso daquele despacho interlocutório.
De facto, como se referiu na decisão singular, quer no regime de recursos emergente da alteração introduzida ao CPC pelo DL n.º 303/2007, de 24 de agosto, quer na redação ora vigente emergente da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, retificada pela Declaração de Retificação n.º 36/2013, de 12 de agosto, o legislador optou por um regime monista de recursos, que se encontra em vigor desde 1 de janeiro de 2008, tendo introduzido importantes alterações nas modalidades de impugnação das decisões judiciais proferidas pela 1.ª instância perante o tribunal superior.
“Em primeiro lugar, traduz a absorção do anterior recurso de agravo pela apelação. Independentemente de a decisão incidir sobre o mérito ou sobre questões formais, a sua impugnação segue as regras unitárias previstas para a apelação, ainda que com sujeição de determinadas situações a regimes especiais.
Em segundo lugar, foi estabelecido o elenco das decisões intercalares que admitem recurso imediato, relegando a impugnação das demais para momento ulterior”[4].
Portanto, em face do regime recursório introduzido pelo DL 303/2007, e mantido pela Lei n.º 41/2013, o recurso de apelação cabe agora de toda e qualquer decisão do tribunal de 1.ª instância, quer a mesma seja final, quer se trate de decisão interlocutória, e independentemente de ter ou não decidido do mérito da causa. A distinção legal reporta-se apenas quanto ao respetivo momento de subida. In casu, o ora reclamante já viu duas reclamações interpostas de despachos de indeferimento de recurso serem julgadas improcedentes.
Como se salientou em síntese no final do acórdão deste Tribunal da Relação que decidiu indeferir a reclamação que havia sido interposta contra o despacho que não admitira o recurso do despacho de 19.12.2021, «existem condições de admissibilidade para a interposição de recursos que não foram respeitadas e isso ditou a respectiva rejeição da impugnação recursal. Inicialmente o recurso foi interposto num momento anterior ao previsto na lei e isso determinou que o mesmo não fosse conhecido por este Tribunal da Relação de Évora. Posteriormente, após a prolação da sentença final, a parte não interpôs o recurso pretendido nos termos exigidos por lei nem manifestou a intenção de ser conhecido qualquer recurso interlocutório que houvesse interposto. Isto significa que, sponte sua, a parte que pretendia recorrer falhou sucessivamente no momento adequado para propor a impugnação recursal e a decisão em discussão mostra-se assim transitada».
Foi isso mesmo que aconteceu.
Primeiro, o cabeça-de-casal pretendeu recorrer autonomamente da decisão proferida sobre a reclamação contra a relação de bens, decisão essa que no domínio da lei processual então vigente não admitia recurso nesse momento processual, mas sim depois de proferida a decisão final, ou seja, no prazo concedido para interposição de recurso da sentença homologatória da partilha, nos termos do artigo 644.º, n.º 3, do CPC, caminho que este Tribunal da Relação claramente indicou, no acórdão proferido em 14.09.2017. A interpretação veiculada nesse aresto, no sentido de negar a qualidade de incidente autónomo à reclamação da relação de bens, era então comummente entendida como a melhor interpretação do regime recursivo vigente. Tal acórdão que indeferiu o recurso extemporaneamente interposto, nenhum direito ao recurso retirou ao ora Reclamante, indeferindo a sua apresentação por a decisão interlocutória em causa não ter cabimento em qualquer um dos casos previstos no artigo 644.º, n.º 2, do CPC, (correspondente ao anterior artigo 691.º, n.º 2, do CPC vigente à data da instauração do inventário), únicos que consentiam apelação autónoma, já que o legislador privilegiou a impugnação conjunta das decisões interlocutórias com a decisão final que, no caso do inventário, é a sentença homologatória da partilha.
Também a primeira instância, ciente de que o cabeça-de-casal se manifestava inconformado com aquela decisão, no despacho determinativo da forma à partilha ordenou a realização desta, “sem prejuízo quanto a este valor do remanescente do objeto da instância recursiva desencadeada pelo cabeça-de-casal”, conferindo ao interessado a possibilidade, como não podia deixar de ser, de oportunamente impugnar a decisão interlocutória com a qual manifestara não estar conformado.
Porém, para que tal inconformismo redundasse em efetiva reapreciação pelo tribunal superior das razões de divergência do interessado, necessário seria que o mesmo cumprisse o figurino processual aplicável ao recurso da decisão interlocutória em causa, e não o fez.
Efetivamente, situando-nos o caso dos autos no domínio do processo de inventário, para além da aplicação das disposições reguladoras dos recursos em processo declarativo, impõe-se ainda considerar as regras especificamente previstas relativamente ao regime de recurso de apelação neste tipo de processo, «uma vez que, atenta a sua especificidade, se mostraria insuficiente, no que concerne ao regime da apelação, a mera aplicação remissiva das regras gerais»[5].
Considerou-se na decisão singular que tais regras recursivas eram as atualmente previstas no artigo 1123.º do CPC, que estatui:
«1 - Aplicam-se ao processo de inventário as disposições gerais do processo de declaração sobre a admissibilidade, os efeitos, a tramitação e o julgamento dos recursos.
2 - Cabe ainda apelação autónoma:
a) Da decisão sobre a competência, a nomeação ou a remoção do cabeça de casal;
b) Das decisões de saneamento do processo e de determinação dos bens a partilhar e da forma da partilha;
c) Da sentença homologatória da partilha.
3 - O juiz pode atribuir efeito suspensivo do processo ao recurso interposto nos termos da alínea b) do número anterior, se a questão a ser apreciada puder afetar a utilidade prática das diligências que devam ser realizadas na conferência de interessados.
4 - São interpostos conjuntamente com a apelação referida na alínea b) do n.º 2 os recursos em que se pretendam impugnar decisões proferidas até esse momento, subindo todas elas em conjunto ao tribunal superior, em separado dos autos principais.
5 - São interpostos conjuntamente com a apelação referida na alínea c) do n.º 2 os recursos em que se impugnem despachos posteriores à decisão de saneamento do processo».
Este preceito foi aditado pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro[6], que nos termos do respetivo artigo 15.º, entrou em vigor em 1 de janeiro de 2020, tendo adaptado «ao processo de inventário o regime da apelação que, para o processo comum está previsto no art.644º. Fá-lo ante a conveniência de clarificar de imediato dúvidas que poderiam suscitar-se a respeito de algumas decisões interlocutórias ou perante a necessidade de assumir, expressis verbis, a recorribilidade de algumas decisões específicas do processo de inventário que não encontrariam paralelo no processo comum. Surge como mais evidente a necessidade de estabelecer uma delimitação entre as decisões que admitem recurso autónomo e aquelas cuja impugnação é diferida».
É certo que decorre do disposto no n.º 1 do artigo 11.º da referida lei, que regula a respetiva aplicação no tempo do novo Regime Jurídico do Processo de Inventário, que o disposto na presente lei aplica-se aos processos que, na data da sua entrada em vigor, estejam pendentes nos cartórios notariais mas sejam remetidos ao tribunal nos termos do disposto nos artigos 11.º a 13.º. Então, que lei se aplica atualmente, para efeitos de recurso, aos processos que antes da Lei n.º 23/2013, de 05.03, ora revogada, já pendiam em tribunal e ali permaneceram?
Afirmou-se na decisão singular que “por maioria de razão”, o dito artigo 1123.º do CPC na atual redação, aplica-se também aos processos, como o presente, que sempre penderam em tribunal, tanto mais que estes não constam na exceção prevista no n.º 2, aplicável apenas aos processos que pendam nos cartórios notariais e aí prossigam a respetiva tramitação. É o que decorre da regra da aplicação imediata da lei adjetiva, decorrente no artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, naturalmente que ressalvados os efeitos jurídicos já produzidos, conforme comando ínsito no seu n.º 1, uma vez que daquele princípio geral de aplicação da lei no tempo não podem ser retirados à parte direitos que a lei anterior conferia mas também não podem ser concedidos direitos de que a mesma (já) não dispunha. Insurge-se a reclamante, preconizando que ao caso em presença é ainda aplicável o regime dos recursos decorrente do artigo 1396.º, n.º 1, do CPC.
Mas, mesmo aceitando a bondade da posição do reclamante, a verdade é que o resultado final, no caso em presença, é exatamente o mesmo.
Senão, vejamos.
O processo de inventário foi instaurado em 2011.
Entretanto, entrou em vigor em 02.09.2013, a alteração ao regime jurídico do processo de inventário decorrente da Lei n.º 23/2013, de 5 de março, cujo artigo 6.º, n.º 2, revogou, entre outros, os artigos 1326.º a 1392.º, 1395.º e 1396.º, do Código de Processo Civil até então vigente (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28.12.1961, e depois também revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), mas logo anunciou no seu artigo 7.º, que tal revogação não se aplica aos processos de inventário que, tal como este, se encontravam pendentes à data da sua entrada em vigor.
Consequentemente, mesmo não se considerando que o regime recursivo aplicável ao presente inventário seja o previsto no artigo 1123.º do CPC na redação atualmente vigente, então, tal como refere o reclamante, sempre teria de concluir-se que seria o regime de recurso subsequente à revisão da codificação processual civil de 1995, mais concretamente o regime previsto após a reforma operada pelo já mencionado DL n.º 303/2007, de 24 de agosto.
Ora, este diploma alterou o n.º 2, do artigo 1382.º, passando a constar do mesmo que “da sentença homologatória da partilha cabe recurso”, alterando ainda o disposto no artigo 1396.º a respeito do concreto regime dos recursos, nos seguintes termos:
«1 - Nos processos referidos nos artigos anteriores cabe recurso da sentença homologatória da partilha.
2 - Salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º, as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos mesmos processos devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha».
Não tendo este diploma alterado o artigo 1349.º, que regia sobre a decisão das reclamações apresentadas sem especificar o momento de interposição do recurso, não cabendo este no elenco do n.º 2 do artigo 691.º que admitia apelação autónoma, então caía no regime regra da impugnação com a sentença homologatória da partilha, tal como aliás constava expressamente previsto o n.º 3, do artigo 1373.º, onde constava que “o despacho determinativo da forma da partilha só pode ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha”.
Sumariando o entendimento preconizado, tal como esta mesma conferência decidiu em acórdão proferido em 15.12.2016[7] relativamente a inventário instaurado em 2009:
«I – Atenta a data da respetiva instauração (2009), ao presente processo de inventário é aplicável o regime emergente do Código de Processo Civil na redação introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, mormente o respetivo artigo 1396.º, quanto ao regime dos recursos.
II – A regra neste tipo de processos é a de que cabe recurso da sentença homologatória da partilha, devendo as decisões interlocutórias proferidas no âmbito do mesmo ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha.
III – A lei estabelece, porém, uma ressalva: tal regime de impugnação a final não se aplica nos casos previstos no n.º 2 do artigo 691.º, remissão que no caso dos autos, tem que considerar-se agora efetuada para o correspondentemente preceituado no artigo 644.º do CPC.
IV – Sendo pacífico que a reclamação contra a relação de bens configura um incidente do processo de inventário, existiam diferentes interpretações relativamente à questão de saber se a alínea j) do n.º 2 do artigo 691.º do anterior CPC se referia a quaisquer incidentes processuais, e, como tal, incluía a decisão daquele incidente, ou se reportava apenas aos incidentes da instância.
V – Ora, sob a epígrafe «Apelações autónomas», na alínea a) do n.º 1 do atual artigo 644.º o legislador referiu-se expressamente ao recurso da decisão que ponha termo a incidente processado autonomamente, afastando claramente a interpretação de que a alínea j) do n.º 2 se referia a qualquer incidente do processado e consagrando o entendimento daqueles que sufragavam que o recurso apenas era admissível para os incidentes autónomos.
VI – A nova lei veio claramente consagrar um regime que a própria jurisprudência já tinha considerado como sendo possível e adequado em face da lei antiga, pelo que devemos entender que a nova lei é interpretativa por acolher uma das soluções objeto da querela jurisprudencial, pelo que, o recurso interposto da decisão sobre a reclamação de bens também não pode ser admitido a subir imediatamente com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC.
VII – Tal decisão interlocutória também não pode ser enquadrada na atual alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º, (correspondente à anterior alínea m) do n.º 2 do artigo 691.º), por não configurar decisão cuja impugnação com a decisão final seja absolutamente inútil, nos termos limitados que o uso do advérbio absolutamente impõe».
Portanto, também no regime convocado pelo Reclamente o momento próprio para recorrer daquela decisão era por via da interposição de recurso da sentença homologatória da partilha, com os fundamentos que julgasse pertinentes para impugnar a decisão proferida sobre a relação de bens.
Não o tendo feito, e consequentemente tendo transitado em julgado a decisão final do processo de inventário que, de acordo com os seus próprios termos, homologou «por sentença a partilha constante do mapa de partilha exarado nos autos em 24 de janeiro de 2020, preenchendo-se os quinhões dos interessados em conformidade com o acordo e adjudicação expressos na conferência de interessados realizada em 6 de setembro de 2018», não pode agora o reclamante interpor recurso com este fundamento ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º 4, do CPC.
É certo que no aresto deste Tribunal de 10.03.2022, se consignou no sumário que «as decisões intercalares que, sendo em abstracto impugnáveis, não admitam recurso intercalar, podem (e só podem) ser impugnadas no âmbito do recurso que eventualmente seja interposto do despacho saneador ou da decisão final do processo, de acordo com o disposto no nº3, ou nas condições referidas no nº4 do artigo 644º do Código de Processo Civil».
Trata-se, porém, de afirmação genérica que não tem cabimento no caso concreto em que, como ocorre com a decisão sobre a reclamação de bens ou sobre a forma à partilha, pela evidente razão de que a decisão impugnável contende com a partilha que a sentença homologou.
Basta pensar que «a sentença homologatória da partilha constitui título executivo para a imposição coerciva dos direitos que nela são reconhecidos (art. 703º, nº 1, al. a)). É certo que, em relação a muito do que nela é decidido, não se verifica a condenação expressa de um interessado, mas isso não impede que se possa considerar que a sentença homologatória, ao reconhecer certos direitos contém uma condenação implícita na sua satisfação»[8]. Por isso, ainda em Acórdão proferido no passado dia 11.05.2023[9], a respeito de saber se determinada sentença homologatória de partilha era título executivo, esta mesma conferência respaldada no ensinamento da mais autorizada doutrina, afirmou que “não constando na sentença homologatória da partilha uma condenação expressa dos interessados a qualquer pagamento, ela há de ser necessariamente complementada com o mapa da partilha, porque é este que corporiza a repartição do acervo hereditário pelos interessados, que será submetida à subsequente homologação, por sentença, pelo juiz.
Na verdade, «o mapa da partilha constitui um documento-síntese que se desdobra em três elementos: enunciação do ativo e do passivo da herança; indicação da quota de cada interessado, tendo por base a forma à partilha anteriormente fixada nos termos do art. 1110º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a); preenchimento dos quinhões de cada interessado com bens ou lotes de bens. Concretiza o que tiver sido decidido ou acordado relativamente aos direitos de cada interessado, com integração não apenas dos ativos patrimoniais, mas também do passivo; corporiza, através de verbas ou de lotes, os bens que a cada um serão atribuídos, de acordo com as avaliações e licitações efetuadas, das dívidas, legados e encargos a considerar e da proporção das quotas de cada interessado»[[10]]. Assim, subsequentemente, «a sentença homologatória da partilha transforma os direitos de cada um dos herdeiros sobre o património indiviso em direitos individualizados sobre bens determinados»[[11]], daí a complementaridade entre ambos”.
Esta ideia, se bem virmos, encontra-se expressa no despacho reclamado quando o julgador refere que a sentença homologou «tese» diversa da advogada pelo Reclamante, e assim foi.
Na verdade, ao deixar transitar a sentença, por entender que nada tinha para recorrer da mesma porque dissentia não do ali vertido mas da decisão anteriormente proferida, o Reclamante incorreu no erro de considerar que essa decisão, da qual divergia, não ficava abrangida, como fica, pela imodificabilidade da partilha daí decorrente, salvo se ocorrer uma das situações previstas nos artigos 1126.º e ss. do CPC.
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, CARLOS LOPES DO REGO, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES e PEDRO PINHEIRO TORRES[12] não podem ser mais claros: «Do decurso do prazo de interposição de recurso (…) depende o trânsito em julgado da sentença que, com o valor de qualquer outra decisão judicial, traduz a composição definitiva do conflito de interesses regulado através do processo de inventário».
E por isso mesmo já afirmámos que neste caso o recurso não encontra arrimo no n.º 4 do artigo 644.º do CPC. É que, pelas razões que vimos enunciando, este preceito, quando adaptado ao processo de inventário, só pode dar cobertura à interposição de recurso de decisão relativamente «à qual exista um interesse autónomo diferenciado do resultado alcançado através da homologação da partilha»[13], o que manifestamente não é o caso do recurso que vise modificar a decisão proferida sobre a reclamação à relação de bens.
Portanto, ao contrário do que a dado momento o reclamante parece dar a entender, a sentença homologatória da partilha produz, como qualquer sentença de mérito, tanto efeitos substantivos como processuais. Assim, transitada, define os direitos de cada um dos interessados no processo de inventário, tal como decorram da partilha efetuada do acervo hereditário nos moldes definidos no respetivo mapa. Por isso que, não possa ser interposto recurso com base no disposto no artigo 644.º, n.º 4, que vise modificar o mesmo, por via de preconizada alteração à relação de bens.
Consequentemente, de acordo com o regime recursório especialmente aplicável ao processo de inventário, a sentença homologatória da partilha constitui o momento limite para que sejam apreciadas as questões que com a mesma possam contender e que tenham sido anteriormente suscitadas pelas partes. Tal regime é perfeitamente compreensível se tivermos presente que a sentença homologa a partilha tal como ela se encontra definida nos autos, em conformidade com as várias fases do processo de inventário, tornando-a definitiva, nos precisos termos em que foi efetuada.
É certo que o recurso da sentença homologatória da partilha destina-se a impugnar o modo como ela foi organizada, mas em face do regime recursório então aplicável[14], nos termos do qual era entendimento comum o que foi decidido na primeira reclamação acima aludida, no sentido que o recurso do despacho proferido sobre a relação de bens não admitia apelação autónoma e apenas era impugnável com a sentença, pelo que, concordantemente se considerava que os interessados tinham a possibilidade de impugnar em recurso da sentença homologatória da partilha, quer o despacho determinativo da mesma quer qualquer outro pelo qual se considerassem até então prejudicados, sendo esse o fundamento do recurso interposto daquela.
Assim, não colhe o argumentário expendido no sentido de que o recorrente mantém interesse na apreciação do recurso que primeiramente havia interposto extemporaneamente, porque aquele, influindo diretamente na partilha que já se encontra homologada, não pode ser conhecido nos termos do artigo 644.º, n.º 4, do CPC. Teria de sê-lo, no caso, em recurso da sentença homologatória da partilha em que o âmbito fosse alargado às questões e conclusões que então (e agora, novamente) colocou.
Não o tendo feito, tornou-se definitiva a partilha homologada por sentença, precludindo a possibilidade de interposição de recurso em momento temporal posterior, com invocação da previsão do n.º 4 do artigo 644.º do CPC, entendimento que não viola o preceituado no artigo 20.º da CRP.
Termos em que, improcede a presente reclamação, sendo de manter o despacho que indeferiu a interposição de recurso.
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IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta conferência, em julgar improcedente a presente reclamação, confirmando o indeferimento do recurso.
Custas pelo Reclamante.
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Évora, 15 de junho de 2023
Albertina Pedroso [15]
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
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[1] Juízo de Família e Menores de Tomar – Juiz 1.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Francisco Xavier; 2.ª Adjunta: Maria João Sousa e Faro.
[3] Nota-se, no entanto, que o ora Reclamante teve várias intervenções nos autos sem suscitar esta questão, compreendendo-se, por isso, a qualificação efetuada no despacho reclamado de “engenhosa construção jurídica”, esta com que o interessado veio defender a tempestividade do recurso interposto.
[4] Cfr. ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª Edição, ALMEDINA, 2017, pág. 189.
[5] Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Vol. II, 2.ª edição, ALMEDINA 2022, em anotação ao indicado preceito, págs. 650 e ss., de onde se retiram as citações doravante efetuadas sem menção de outra obra.
[6] Que, para além do mais, alterou o Código de Processo Civil, em matéria de processo de inventário, revogando o regime jurídico do processo de inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março (artigo 10.º), e aprovando o regime do inventário notarial.
[7] Processo n.º 301/09.2TBVNO-A.E1, disponível em www.dgsi.pt (ainda recentemente citado no Acórdão da Relação de Lisboa de 11.05.2023, proferido no processo n.º 8325/05.2TBCSC-A.L1-2, que sufragou o mesmo entendimento).
[8] Cfr., MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, CARLOS LOPES DO REGO, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES e PEDRO PINHEIRO TORRES, in “O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil”, ALMEDINA, pág. 133.
[9] Processo n.º 47/20.0T8NIS.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE SOUSA, obra citada, págs. 642 e 643.
[11] Idem, pág. 647. No mesmo sentido, cfr., MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, CARLOS LOPES DO REGO, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES e PEDRO PINHEIRO TORRES, obra citada, pág. 133.
[12] In Obra citada, pág. 132.
[13] Cfr., Autores e obra citada, pág. 138.
[14] O regime recursório previsto no artigo 1123.º ficou mais inequivocamente definido pois que ficou dividido em 2 blocos, em razão da fase processual a que respeitam. Cfr. para maior desenvolvimento, ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE SOUSA, obra citada, pág. 653.
[15] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado eletronicamente pelos três desembargadores desta conferência.