PROVA INDIRECTA
PROVA INDICIÁRIA
REGRAS DA LÓGICA
IN DUBIO PRO REO
Sumário

I. A prova indireta (lógica, por presunção ou por indícios) consiste na ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigos 349.º e 351.º do Código Civil). Isto é, em julgar provado um facto sem que sobre ele exista qualquer meio (direto) de prova, chegando-se ao factum probandum a partir da prova de outros factos que a ele se ligam com segurança, segundo as regras da lógica e da experiência comum.
II. As presunções assumem um essencial papel probatório, chegando a doutrina a qualificar a presunção na jurisdição penal como um meio de prova, ao invés de mero raciocínio judicial de carácter probatório ou a afiançar que «as presunções são o centro de gravidade de todo o sistema probatório».
III. A argumentação lógica a desenvolver numa presunção simples supõe o estabelecimento de um nexo causal entre o facto conhecido e o facto desconhecido, supõe a existência de regras da experiência, de convivência social, observadas empiricamente e que permitem relacionar os dois factos. Ou seja, partindo-se de um facto conhecido e fazendo operar uma máxima da experiência conclui-se logicamente pela existência de um facto desconhecido.
IV. A prova indireta de um facto tem, pois, de fundar-se num facto de partida que está indubitavelmente provado (não podendo fundar-se a inferência noutra inferência); tendo os indícios de ser contemporâneos do facto a provar, serem independentes e estarem interrelacionados; não podendo haver contraindícios (indícios que apontem noutra direção).
V. Quando se aprecia a prova no âmbito do artigo 127.º CPP usa-se a razão, os conhecimentos empíricos, os conhecimentos técnicos e científicos, as regras sociais e de experiência comum. Não há método dubitativo, antes métodos racionais de dedução e indução.
VI. Quando se formula um juízo de convicção tem-se presente a existência de uma presunção de inocência e, por isso, não vale um mero juízo de maior probabilidade de que os factos terão ocorrido de determinada forma, exigindo-se um forte juízo de certeza de que os factos terão ocorrido de determinada forma, não de outra.
VII. No processo de formulação do juízo sobre os factos o juiz pode ver-se confrontado com três situações:
1. O juiz tem dúvidas sobre como ocorreram os factos e usa o princípio in dubio pro reo, dando-os como não provados;
2. O juiz formula um juízo de mera probabilidade de que os factos ocorreram de determinada forma e julgará os factos incriminatórios como não provados;
3. Ou, o juiz alcança a certeza judicial de que os factos ocorreram de determinada forma e, neste caso, julga os factos provados.

Texto Integral






Processo Comum Colectivo n.º 539/21.4GEALR.E1

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

A.1 - No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém - Juízo Central Criminal, J 2 - correu termos o processo comum singular supra numerado em que é arguido:

AA, (…) nascido a 13 de Janeiro de 1977, solteiro, desempregado, residente (…),

pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real efetivo, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, de seis crimes de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal; de um crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 208.º, n.º 1 do Código Penal; e de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), e 204º, n.º 2, alínea f), e n.º 4 do Código Penal.


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Por acórdão de 1 de Março de 2023 foi julgada procedente a acusação e, em consequência:

- Homologar a desistência de queixa apresentada e, em consequência, julgar extinto o procedimento criminal instaurado contra AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal;
- Julgar improcedente a invocada nulidade dos autos de reconhecimento de pessoas;
- Absolver AA da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real e efectivo, de quatro crimes de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal; e de um crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 208.º, n.º 1 do Código Penal; e de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), e 204º, n.º 2, alínea f), e n.º 4 do Código Penal;
- Condenar AA da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real e efectivo, de um crime de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão (NUIPC 688/21.9PAVFX); de um crime de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão (NUIPC 420/21.7PAENT); e de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), e 204º, n.º 2, alínea f), e n.º 4 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (NUIPC 568/21.8GEALR); e, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) anos de prisão;
- Condenar AA a pagar as custas criminais, fixando em 4 UC a taxa de justiça, a cargo de cada um;
- Determinar que AA aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva;
- Declarar perdidos a favor do Estado, nos termos do disposto nos artigos 109.º e 110.º do Código Penal, a arma branca e os demais objectos ainda apreendidos e descritos nos autos;
- Determinar, após trânsito em julgado, a recolha a AA do perfil de ADN (ácido desoxirribonucleico) para fins de investigação, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, 8.º, n.º 2, e 18.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro), caso ainda não tenha sido recolhido;
- No mais que é de lei.


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A.2 - Na parte introdutória o tribunal recorrido expendeu a seguinte fundamentação a propósito do reconhecimento:

«Concomitantemente, o arguido veio arguir a nulidade dos reconhecimentos pessoais do arguido realizados em sede de inquérito e a exclusão das consequências probatórias que dos mesmos elementos de prova se podem extrair.
Duas questões se colocam: uma a nulidade dos reconhecimentos, outra a da sua capacidade probatória.
Uma nulidade processual traz uma consequente nulidade probatória. O que é processualmente nulo não tem valor probatório, a não ser da própria nulidade.
Não há dúvida que, quando o artigo 147º do Código de Processo Penal utiliza a expressão “reconhecimento”, está a pressupor que este ficará consubstanciado num “auto” que o formalize e que constitui um “acto processual” que, como tal, deve ser um acto processual válido.
Não o sendo isso acarreta uma “invalidade processual” em sentido amplo (incluindo nulidades e irregularidades) pois que o auto de reconhecimento não está feito de acordo com as regras processuais, por exemplo, devidamente assinado pela pessoa que terá efectuado o reconhecimento, vício esse que é distinto do vício – probatório - previsto no nº 7 do artigo 147º do Código de Processo Penal.
Não é a capacidade probatória do acto o que está em causa, sim a sanidade processual do mesmo acto.
O reconhecimento não deixa de ser um acto processual e ao acto processual “reconhecimento” são aplicáveis as normas da invalidade dos actos processuais em tudo o que não respeite à sua “substância”, isto é, à sua intrínseca força probatória, à sua capacidade para permitir ao Tribunal fundar uma decisão que, estas sim, são as “nulidades” previstas no artigo 147º do Código de Processo Penal.
Cairão neste âmbito as irregularidades que se verificariam em qualquer acto processual independentemente da sua diferente natureza (como meio de prova ou outro), como a falta de assinatura do auto, a sua assinatura por quem não participou ou não podia participar no mesmo, enfim actos que não dizendo directamente respeito à sua natureza probatória se assemelham a qualquer outro acto processual na sua vertente física ou intelectual, tão passíveis do cometimento de irregularidades como qualquer outro.
Aqui se poderá discutir, em concreto, a possível qualificação do vício como inexistência, nulidade ou irregularidade, bem como a questão do prazo da sua arguição.
A invalidade de cariz processual pode impedir – a casuística o dirá - que o “auto” de reconhecimento tenha capacidade probatória.
De outra banda, a invalidade processual não afecta meios de prova ou outros actos praticados posteriormente, designadamente depoimentos.
De facto, tratando-se de “nulidade processual” que apenas afecta o acto e não de “nulidade probatória” não há que ponderar qualquer “efeito à distância” sobre outros actos processuais, outros meios de prova ou sobre a convicção do Tribunal, por inexistir qualquer efeito de contaminação probatória.
No caso, contudo, os actos de reconhecimento impugnados não sofrem de qualquer invalidade processual por terem sido seguidas todas as formalidades legais pelo que a invocação de nulidade dos reconhecimentos improcede, assim como se não compagina qualquer efeito sobre a capacidade probatória do reconhecimento. As invocadas discrepâncias entre os intervenientes na prova por reconhecimento só poderão ser ponderadas em sede de livre apreciação da prova.
Aliás, mesmo nos casos de dissemelhança manifesta, grave, evidente, entre o arguido e os demais integrantes da linha de identificação, tendemos a considerar que estes casos, não merecendo uma abordagem formal que exclua a sua virtualidade absoluta como meio de prova, deverão ser resguardados para a livre apreciação da prova devidamente motivada.
Em resumo, uma vez que os actos processuais em si não padecem de qualquer nulidade ou irregularidade processual, o cerne da questão consiste em saber se tal acto, processualmente válido, serve como específico meio de prova, se cumpriu as normas atinentes à sua específica função probatória, se serve – enquanto acto processual próprio para obter o reconhecimento dos arguidos – para fundar a convicção do Tribunal ou se, ao invés, por ter violado uma regra de proibição de prova, deve ser afastado da fundamentação factual, se está “privado do seu valor como meio de prova”, matéria naturalmente invocável a todo o tempo (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 1996, proc. nº 788/96 e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1997, proc. Nº 25/97, in ww.dgsi.pt).
Não é o que ocorre no caso sub judice, onde o arguido invocou dissemelhanças físicas na linha de identificação que não passam de ligeiras diferenças que não afectam a validade do acto.
No essencial o arguido invoca a norma que dispõe que um reconhecimento efectuado sem o cumprimento dos requisitos contidos nos artigos 147.º, 148.º e 149.º do Código de Processo Penal “não tem valor como meio de prova”, tal como se estatui nos artigos 147.º, n.º 7, 148.º, n.º 3 e 149.º, n.º 3.
Dispõe o artigo 147.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que “Se a identificação não for cabal, (…) chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. (…)”
A partir destas regras de procedimento cria o arguido a exigência de verificação de semelhança entre as pessoas a intervir. E uma implícita (necessária) exigência de formalização de itens de identificação humana a constar do auto de reconhecimento.
A propósito convém recordar o acórdão do STJ de 15-03-2007 (Cons. Santos Carvalho) onde se afirma precisamente o contrário do por si pretendido:

“I - A semelhança dos indivíduos sujeitos ao acto de identificação não é um requisito essencial da validade do acto, pois o que se pede é que as pessoas (duas, pelo menos) que se chamam ao acto apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive no vestuário, com a pessoa a identificar (art.º 147.º, n.º 2, do CPP).
II - Assim, para além de se poder dizer que a “semelhança” nem sempre é objectivável, também nem sempre são possíveis as condições necessárias para a obter. E, por isso, a alegada ausência de semelhança dos indivíduos sujeitos ao reconhecimento não torna nula a prova obtida, de resto só existente quando se usam os meios proibidos de prova enunciados no art.º 126.º do CPP, antes acarreta uma maior fragilidade na livre apreciação que o julgador deve fazer das provas obtidas, nos termos do art.º 127.º do CPP, a ponto de poder nem ter qualquer valor (art.º 147.º, n.º 4).”

E não podia ser de outra forma. Não se pode exigir a absoluta semelhança documentada nem a formalização de itens de identificação humana a constar do auto de reconhecimento.
Isso seria inviabilizar a realização de um meio de prova e deixar que os arguidos escolham os meios de prova que contra si podem ser apresentados.
Apenas se pode exigir a inexistência de dissemelhança grave, manifesta, entre o arguido e os demais integrantes da linha de identificação que, essa sim, se demonstrada, constitui um caso de patente proibição de prova, equivalente aos casos de “reconhecimentos” físicos realizados sem o número mínimo de integrantes da “linha de identificação” previsto no artigo 147º, nº 2 e na medida em que diminua ou exclua as hipóteses de diferenciação no acto de reconhecimento (“I. O artº 147º, nº 2 do CPP consagra uma garantia mínima concedida ao suspeito de que terá duas em três possibilidades de não ser identificado”). (vide o acórdão da Relação de Évora de 11 de Outubro de 2011, in www.dgsi.pt).
A generalidade dos casos constituirá, no entanto, a regra reconduzível à livre apreciação da prova. Serão casos que, não merecendo uma abordagem formal que exclua a sua virtualidade absoluta como meio de prova, deverão ser resguardados para a livre apreciação da prova devidamente motivada.
E o caso sub judice recai nesta regra geral de apreciação probatória e não contém qualquer proibição de prova. Aqui o arguido invoca dissemelhanças físicas na linha de identificação que não passam de ligeiras diferenças que não afectam a validade do acto nem a sua capacidade probatória. Aliás, em rigor, no caso concreto, estando somente os olhos do agente do crime a descoberto aquando da prática dos actos ilícitos, somente teria de ser assegurada a similitude do olhar dos sujeitos integrantes da linha de reconhecimento, o que se nos afigura que foi assegurado. Em face de todo o exposto, julgo improcedente a invocada nulidade da prova por reconhecimento carreada para os autos».


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A.3 - Inconformado o arguido interpôs recurso com as seguintes conclusões:

1.ª O Arguido não se conforma com os factos 31 a 34, 36 a 38, 52 a 56 e 59 a 61 terem sido dado como provados.
2.ª E, consequentemente, com as condenações respeitantes aos NUIPC´s 688/21.9PAVFX e 420/21.7PAENT.
3.ª De acordo com a posição defendida pelo Arguido o que deveria ter ficado a constar, em virtude do facto n.º 51 dado como provado e do princípio in dubio pro reo, por ausência de provas, seria:
Facto 31: No dia 12 de Novembro de 2021, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar deslocou-se a Vila Franca de Xira com o intuito de subtrair um veículo, se necessário com recurso à força.
Facto 32: Assim, em execução da sua determinação, pelas 14h15m desse dia, esse indivíduo avistou BB junto do seu veículo da marca Peugeot, modelo 308 SW, matrícula XX-XX-XX, que se encontrava estacionado junto à Praça de Touros, sita no Largo 5 de Outubro em Vila Franca de Xira, e logo decidiu apoderar-se do referido veículo.
Facto 33: Nessas circunstâncias, esse indivíduo dirigiu-se a BB, e munido de uma faca de cozinha, encostou-a à zona dorsal desta, ordenando que lhe entregasse as chaves do veículo e a mala que trazia consigo, a que esta acedeu.
Facto 34: Em seguida, esse indivíduo retirou da mão de BB as chaves do carro, na mala pessoal da mesma, dizendo-lhe que não gritasse, após o que entrou no interior do referido veículo e seguiu ao volante do mesmo, abandonando o local de imediato.
Facto 36: Esse indivíduo agiu de forma libre, voluntária e consciente, bem sabendo que ao exibir uma faca à ofendida, designadamente, empunhando-a na direcção da sua zona dorsal, a constrangia a tolerar a subtracção do seu veículo e objectos pessoais, actuando contra a sua integridade física e liberdade pessoal.
Facto 38: Mais sabia esse indivíduo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Facto 52: Após, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar deslocou-se ao estabelecimento comercial Continente Bom dia, sito na Avenida José Eduardo Vítor das Neves, no Entroncamento com o intuito de subtrair um veículo automóvel, se necessário com recurso à força.
Facto 53: Assim, em execução da sua determinação, pelas 20h50m, esse indivíduo avistou CC junto ao seu veículo da marca Hyundai, modelo Atos-Prime, com a matrícula ZZ-ZZ-ZZ, que se encontrava estacionada no parque do Continente e logo decidiu apoderar-se do referido veículo.
Facto 54: Nessas circunstâncias, esse indivíduo dirigiu-se a CC, e por trás, agarrou-lhe o pescoço, puxando a mala que a mesma trazia na mão.
Facto 55: Como esta resistiu, esse indivíduo desferiu vários socos na face da ofendida e uma pancada na mão onde esta tinha as chaves do seu veículo que caíram ao chão de imediato.
Facto 56: Após, esse indivíduo agarrou as chaves, entrou no interior do referido veículo e seguiu ao volante do mesmo, abandonando o local de imediato.
Facto 59: Esse indivíduo agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que ao molestar fisicamente a ofendida da forma acima descrita, a constrangia a tolerar a subtracção do veículo da sua propriedade, actuando contra a sua integridade física.
Facto 61: Mais sabia esse indivíduo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
4.ª Pois entende o Arguido que não foi carreada prova suficiente para os autos que permitisse concluir, sem uma margem de dúvida razoável, de que foi o Arguido quem cometeu tais actos ilícitos.
5.ª No que respeita aos factos 31 a 34 e, consequentemente, 36 a 38, pode ler-se nas págs. 35 e 36 do Acórdão recorrido, que o douto Tribunal “a quo” justificou a sua decisão com base em terem sido recolhidos vestígios biológicos do Arguido no habitáculo da viatura com matrícula (…).
6.ª Assim como derivado ao facto da viatura ter sido interveniente em acidente de viação na localidade da Chamusca, tendo a Testemunha DD dado boleia ao Arguido nessas circunstâncias, após o mesmo ter ficado apeado.
7.ª Isto apesar do veículo ter sido roubado na localidade de Vila Franca de Xira e da Ofendida BB não ter conseguido identificar o (a) autor (a) do crime em virtude dessa pessoa ter o rosto totalmente coberto poR uma máscara cirúrgica e um capuz.
8.ª O Arguido não coloca em causa de que se provou que o mesmo esteve dentro do veículo e que após o acidente na Chamusca, a Testemunha DD lhe terá dado boleia.
9.ª Aquilo com que o Arguido não se conforma é que seja possível retirar desse facto que, então, terá sido o mesmo quem roubou o veículo anteriormente na localidade de Vila Franca de Xira.
10.ª Trata-se de uma presunção que perde diversas etapas cronológicas e que apenas permite saber que o Arguido esteve dentro do veículo.
11.ª Sendo que já permite concluir como tal ocorreu e, consequentemente, não permite afirmar, com uma margem de dúvida razoável, que foi o Arguido quem o roubou.
12.ª Até porque ficou provado no facto 51 do Acórdão recorrido de que a Testemunha DD não deu só boleia ao arguido mas também “a demais passageiros”.
13.ª O que não só aumenta as dúvidas de que foi o Arguido quem cometeu tais ilícitos.
14.ª Como resulta daqui a existência dos vícios plasmados no artigo 410.º, n.º 2, als. b) e c), do Cód. de Proc. Penal.
15.ª Pelo que, com o devido respeito, que, creia-se, é muito, deveria o Arguido ter sido absolvido da prática de este crime respeitante ao NUIPC 688/21.9PAVFX.
16.ª Já no que toca aos factos nºs 52 a 56 e 59 a 61, o douto Tribunal “a quo” referiu nas págs. 37 e 38 da decisão ora recorrida que também não existe dúvida razoável de que foi o Arguido a cometer tais ilícitos.
17.ª O que resulta do facto de ter sido encontrada uma máscara cirúrgica com vestígios biológicos no interior do veículo com matrícula (…).
18.ª E o modus operandi ser semelhante aos factos constantes no NUIPC 688/21.9PAVFX, havendo parecenças quanto a características físicas e de vestuário do “autor” do crime descritas pela vítima.
19.ª Isto apesar da Ofendida CC não ter conseguido reconhecer o “autor” dos factos contra si cometidos pelo facto dessa pessoa ter a cara tapada.
20.ª Desde já importa afirmar que tendo ocorrido os factos no dia 12 de Novembro de 2021 era corrente que qualquer pessoa usasse uma máscara.
21.ª Nomeadamente a cirúrgica, na medida em que para frequentar diversos espaços públicos o seu uso, como é do conhecimento geral, era obrigatório.
22.ª Pelo que se identificando o mesmo “modos operandi” e características semelhantes com base essencialmente de se ter a cara tapada com uma máscara cirúrgica, com o devido respeito por opinião contrária, à data, era tudo menos identificar alguma particularidade específica.
23.ª Entende a defesa do Arguido que a presença de uma máscara no interior do veículo não só não é suficiente para concluir que foi o Arguido quem praticou tais factos.
24.ª Como nem é possível afirmar, sem dúvida razoável, que o Arguido chegou a estar definitivamente dentro do seu habitáculo.
25.ª Tratando-se, assim, também de uma presunção que perde diversas etapas cronológicas e que apenas permite saber que efectivamente uma máscara do Arguido estava no seu interior.
26.ª Já não sendo suficiente para descortinar como a mesma ali foi parar.
27.ª E, muito menos, para concluir que foi o Arguido quem roubou a viatura.
28.ª Razões pelas quais, e face ao supra exposto, deverão V. as Ex.as revogar a decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que absolva o Arguido dos factos respeitantes aos NUIPC´s 688/21.9PAVFX e 420/21.7PAENT, mantendo apenas a condenação de 2 anos pelos factos constantes no NUIPC 568/21.8GEALR.

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Respondeu a Digna Procuradora da República com as seguintes conclusões:

1. AA não observou o disposto no artigo 412.º, n.º 3 do CPPenal quanto à necessidade de especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) as provas que devem ser renovadas.
2. Não pode haver-se como especificação das provas que põem em crise a decisão da matéria de facto, a atabalhoada referência – que não transcrição – aos depoimentos de três testemunhas.
3. Não tendo o recorrente indicado qualquer prova, documental, pericial, por reconhecimento, ou, como determina o artigo 412.º, n.º 4 do CPPenal, passagem da prova testemunhal gravada em julgamento, para fundar a sua impugnação, o presente recurso deverá ser rejeitado em matéria de facto.
4. No que concerne à crítica do arguido ao impugnado acórdão quanto à decisão de dar como assente a factualidade descrita nos Pontos 31) a 34), 36) a 38), 52) a 56) e 59) a 61) dos FACTOS PROVADOS, o mesmo mais não pretende do que, ao arrepio do princípio da livre apreciação da prova, fazer prevalecer aquilo que entende que deveria ter sido dado como não provado, a partir de uma sua muito pessoal interpretação dos factos trazidos à apreciação do tribunal.
5. Uma modalidade de ponderação discricionária da prova é a utilizada pelo recorrente, ao fazer uma leitura sincopada dos testemunhos de DD, BB e CC e ao menosprezar a prova emergente dos depoimentos das testemunhas EE, FF, GG, HH, II e JJ e de elementos periciais, documentais e por reconhecimento idóneos, em lugar de proceder a uma análise objectiva e a uma crítica imparcial e contextualizada desses depoimentos e elementos, análise que, pelas razões aduzidas na fundamentação, à luz das regras da experiência comum, foi decisiva para formar a convicção do tribunal.
6. A decisão da matéria de facto está bem fundamentada e a prova produzida em julgamento não é geradora de dúvida, inexistindo qualquer violação do princípio in dubio pro reo.
7. O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste tanto na contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, como também entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou até mesmo entre a fundamentação e a decisão. Ou seja, corresponde a uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados são incoadunáveis entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão.
8. Existe erro notório, emergente do próprio texto da decisão recorrida ou deste, visto à luz das regras de um normal acontecer, quando se dão como provados factos que, face às normas da experiência comum e à lógica do homem médio, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena não arguidos de falsos.
9. Perscrutada toda a matéria factual e a respectiva motivação, não se divisa, nem o recorrente a esclarece minimamente, a verificação de qualquer um dos alegados vícios.
10. O acórdão recorrido não violou quaisquer normas, nem está ferido de qualquer nulidade.
Termos em que, rejeitando o recurso, de harmonia com o disposto no artigo 420.º, n.º 1, alíneas a) e b), esta por referência ao artigo 414.º, n.º 2, do CPPenal, farão Vossas Excelências, como sempre, JUSTIÇA.

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O Exmº. Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer defendendo a improcedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal, apresentando o arguido resposta a remeter para o recurso interposto.

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B - Fundamentação:

B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:


NUIPC 819/21.9PBSTR
1) No dia 10 de Novembro de 2021, pelas 18h31m, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, munido de uma faca, dirigiu-se à “Farmácia Mendonça”, propriedade de (…), sita na Rua António Eloy Godinho, n.º 43ª, na Várzea, Santarém.
2) Aí chegado, entrou na referida farmácia, dirigiu-se à funcionária KK que se encontrava junto à caixa registadora, e, apontou-lhe a faca à zona abdominal, ao mesmo tempo que a empurrava para se afastar da caixa registadora e lhe dizia “para trás, para trás”.
3) De seguida, mantendo a faca empunhada na direção da ofendida, retirou a totalidade da quantia monetária que se encontrava no interior da caixa registadora, no valor de €190, em notas do banco central europeu.
4) Após, retirou de cima do balcão uma nota de dez euros que aí se encontrava, apoderando-se da mesma.
5) Já na posse da quantia monetária supra referida, saiu do estabelecimento, pondo-se em fuga.
6) Tal indivíduo agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que ao exibir uma faca, designadamente, empunhando-a na direção da zona abdominal desta, a constrangia a tolerar a subtração do dinheiro que se encontrava no interior da caixa registadora do estabelecimento comercial onde trabalhava, atuando contra a sua integridade física.
7) Sabia que a quantia com que se locupletou, não lhe pertencia e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário.
8) Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
NUIPC 539/21.4GEALR-B (263/21.8GACTX)
9) No dia 10 de Novembro de 2021, pelas 18h 59m, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, munido de uma faca, dirigiu-se à “Farmácia São João”, sita na Rua Manuel Sequeira Nobre, n.º 7, 2040-460 São João da Ribeira, em Rio Maior.
10) Aí chegado, entrou na referida farmácia, dirigiu-se à funcionária LL, que se encontrava junto a uma das caixas registadoras, e, encostou-lhe a faca à zona abdominal, ao mesmo tempo que a empurrava para se afastar da caixa registadora.
11) De seguida, retirou a totalidade da quantia monetária que se encontrava no seu interior, no valor de €133,53, em notas e moedas do banco central europeu.
12) Tentando impedir que tal indivíduo retirasse o dinheiro da registadora, LL aproximou-se do mesmo e, ato contínuo, este desferiu-lhe um soco na face.
13) Após ter esvaziado a caixa registadora, dirigiu-se a uma cliente que se encontrava na farmácia, agarrou-a e dirigiu-se com esta para a parte de trás da farmácia, onde se encontrava a outra caixa registadora.
14) Todavia, ao ver que se encontravam mais pessoas no local, abandonou a farmácia.
15) E na posse da quantia monetária supra referida saiu do estabelecimento, pondo-se em fuga.
16) Tal indivíduo agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que ao exibir uma faca à ofendida, designadamente, empunhando-a na direção da zona abdominal desta, a constrangia a tolerar a subtração do dinheiro que se encontrava no interior da caixa registadora do estabelecimento comercial onde trabalhava, atuando contra a sua integridade física.
17) Sabia que a quantia com que se locupletou, não lhe pertencia e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário.
18) Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
NUIPC 539/21.4GEALR-A (262/21.0GACTX)
19) No dia 10 de Novembro de 2021, pelas 19h05m, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, munido de uma faca, dirigiu-se ao estabelecimento comercial “Mini-Mercado Alecrim”, sito na Rua 25 de Abril, n.º 14-A, em São João da Ribeira, Rio Maior.
20) Aí chegado, abeirou-se do proprietário do estabelecimento, MM, que se encontrava sentado ao balcão, desferiu um murro no balcão, e ato contínuo apontou a faca na direcção do pescoço do ofendido, ao mesmo tempo que dizia para ele lhe dar todo o dinheiro que tinha na caixa registadora.
21) De imediato, MM acatou o que lhe foi ordenado pelo tal indivíduo, entregando-lhe a quantia monetária de €150,00, em notas e moedas emitidas pelo banco central europeu, que se encontrava no interior da caixa registadora.
22) Já na posse da quantia monetária supra referida saiu do estabelecimento, pondo-se em fuga.
23) Tal indivíduo agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que ao exibir uma faca ao ofendido, designadamente, empunhando-a na direção da zona do pescoço deste, o constrangia a tolerar a subtração do dinheiro que se encontrava no interior da caixa registadora do estabelecimento comercial, atuando contra a sua integridade física.
24) Sabia que a quantia com que se locupletou, não lhe pertencia e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário.
25) Mais sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
26) No dia 10 de Novembro de 2021, nas situações acima descritas, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca HYUNDAI, modelo GETZ, cinzento, com a matrícula (…) pela cidade de Santarém e de Rio Maior.
27) Nessas circunstâncias, utilizava o veículo sem autorização e contra a vontade do respetivo proprietário.
28) Porquanto o referido veículo foi subtraído ao seu proprietário NN, quando estava estacionada na EN 10 em Vila Franca de Xira no dia 2 de Novembro de 2021, pelas 15h 20m.
29) Após, abandonou o veículo no Largo Comendador Paulino da Cunha e Silva, em Santarém.
30) O veículo com a matrícula 30-78-VI foi recuperado neste local no dia 12 de Novembro de 2021, pelas 10h 21m.
NUIPC 539/21.4GEALR-O (688/21.9PAVFX)
31) No dia 12 de Novembro de 2021, AA deslocou-se a Vila Franca de Xira, com o intuito de subtrair um veículo, se necessário com recurso à força.
32) Assim, em execução da sua determinação, pelas 14h 15m desse dia, AAavistou BB junto do seu veículo da marca Peugeot, modelo 308 SW, matrícula (…), que se encontrava estacionada junto à Praça de Touros, sita no Largo 5 de Outubro em Vila Franca de Xira, e logo decidiu apoderar-se do referido automóvel.
33) Nessas circunstâncias, AA dirigiu-se a BB, e munido de uma faca de cozinha, encostou-a à zona dorsal desta, ordenando que lhe entregasse as chaves do veículo e a mala que trazia consigo, ao que esta acedeu.
34) Em seguida, AA retirou da mão de BB as chaves do carro, na mala pessoal da mesma, dizendo-lhe que não gritasse, após o que entrou o interior do referido veículo e seguiu ao volante do mesmo, abandonando o local de imediato.
35) O veículo tinha o valor de cerca de €12 000,00.
36) AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que ao exibir uma faca à ofendida, designadamente, empunhando-a na direção da sua zona dorsal, a constrangia a tolerar a subtração do seu veículo e objetos pessoais, atuando contra a sua integridade física e liberdade pessoal.
37) Sabia que o veículo e demais objetos com que se locupletou, não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário.
38) Mais sabia AA que a sua conduta era proibida e punida por lei.
NUIPC 539/21.4GEALR-N (378/21.2GBCTX)
39) Nesse mesmo dia 12 de Novembro de 2021, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar deslocou-se até Aveiras de Cima com o propósito de aí perpetrar roubo em estabelecimento comercial.
40) Na execução de tal propósito, tal indivíduo dirigiu-se à Farmácia Miranda, sita na Rua Doutor Francisco Maria de Almeida Grandela, n.º 101 em Aveiras de Cima.
41) Aí chegado, munido de uma faca de cozinha vermelha e branca entrou no interior do estabelecimento e de imediato se dirigiu ao interior do balcão de atendimento onde se encontrava a funcionária EE.
42) Em seguida, apontando a referida faca à ofendida ordenou-lhe que abrisse as caixas de dinheiro, tendo a mesma aberto uma das caixas, cuja quantia o primeiro retirou.
43) Após, e continuando a apontar a faca na direção da ofendida, ordenou-lhe que abrisse a outra caixa registadora, o que este fez, tendo o mesmo retirado o dinheiro que se encontrava no seu interior.
44) Tal indivíduo subtraiu a quantia total de €500 (quinhentos euros), abandonando o local apeado.
45) AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que ao exibir uma faca à ofendida, designadamente, empunhando-a na direcção desta, a constrangia a tolerar a subtração do dinheiro e demais objetos que se encontravam no interior do estabelecimento comercial onde trabalhava, atuando contra a sua integridade física.
46) Sabia que os objetos com que se locupletou, não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário.
47) Mais AA que a sua conduta era proibida e punida por lei.
48) No dia 12 de Novembro de 2021, pelas 19h40m, AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Peugeot, modelo 308 SW, matrícula (…), circulava na Estrada Nacional 118, ao Km 94,800, na Chamusca quando foi interveniente em acidente de viação por despiste.
49) AA abandonou o veículo no local do acidente, onde foi recuperado pelas 20h00m desse mesmo dia.
50) No dia 12 de Novembro de 2021, foram apreendidos no interior do referido veículo os seguintes objetos:
- Uma faca de cozinha de cor vermelha e branca de 20 cm de lâmina;
- Uma navalha de cor castanha com 8 cm de lâmina; e
- Um telemóvel de marca Samsung de cor preta.
51) Após abandonar o veículo, AA e demais passageiros ausentaram-se do local à boleia de DD, que os transportou no interior do seu veículo (…), até junto da Estação Ferroviária do Entroncamento, local onde os deixou apeados.
NUIPC 538/21.4GEALR-H (420/21.7PAENT)
52) Após, AA deslocou-se ao estabelecimento comercial Continente Bom Dia, sito na Avenida José Eduardo Vítor das Neves, no Entroncamento com o intuito de subtrair um veículo automóvel, se necessário com recurso à força.
53) Assim, em execução da sua determinação, pelas 20h 50m, AA avistou CC junto do seu veículo da marca Hyundai, modelo Atos-Prime, com a matrícula (...), que se encontrava estacionada no parque do Continente e logo decidiu apoderar-se do referido automóvel.
54) Nessas circunstâncias, AA dirigiu-se a CC, e por trás, agarrou-lhe o pescoço, puxando a mala que a mesma trazia na mão.
55) Como esta resistiu, AA desferiu vários socos na face da ofendida e uma pancada na mão onde esta tinha as chaves do seu veículo que caíram ao chão de imediato.
56) Após, AA agarrou as chaves, entrou o interior do referido veículo e seguiu ao volante do mesmo, abandonando o local de imediato.
57) O veículo tinha o valor de €1000,00.
58) A atuação acima descrita causou hematomas e dores na face de CC e na mão esquerda.
59) AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que ao molestar fisicamente a ofendida da forma acima descrita, a constrangia a tolerar a subtração do veículo sua propriedade, atuando contra a sua integridade física.
60) Sabia que o veículo com que se locupletou, não lhe pertencia e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário.
61) Mais sabia AA que a sua conduta era proibida e punida por lei.
NUIPC 568/21.8GEALR
62) No dia 15 de Novembro de 2021, pelas 18h45m, AA, munido de uma faca, dirigiu-se à “Farmácia Correia de Oliveira”, sita na Rua Condessa da Junqueira, n.º 48, 2080-069 Almeirim.
63) Aí chegado, AA entrou, de rompante, na referida farmácia, ostentando a faca na sua mão direita, dirigiu-se ao funcionário, GG, que se encontrava no balcão de atendimento, junto a uma das caixas registadoras, e, apontando a referida faca na sua direção, disse: “Isto é um assalto, dá-me o dinheiro” ao que o funcionário respondeu que não tinha acesso ao gaveteiro.
64) Todavia, AA insistia, em tom exaltado, enquanto encostava a faca à zona lombar de GG: “Isto é um assalto! Abre o caixeiro!”, e de seguida agarrou-o por um braço, enquanto repetia aquelas expressões.
65) Um dos clientes ainda tentou sair da farmácia, todavia, foi impedido por AA que de faca na mão, empunhando-a na sua direcção, disse que ninguém saia dali.
66) De seguida, voltou-se para os clientes que se encontravam no interior da farmácia, dois adultos e uma criança, e disse-lhes que queria as suas carteiras.
67) Sucede que, ao ver que as carteiras dos clientes não continham dinheiro, e que a funcionária da farmácia II se encontrava com uma nota do banco central europeu, no valor facial de €10,00, na mão, abeirou-se da mesma e retirou-lhe a nota da mão, apoderando-se de tal quantia monetária.
68) Já na posse da quantia monetária supra referida AA saiu da farmácia, dirigiu-se ao veículo de matrícula (…), colocando-se em fuga.
69) AA abandonou o veículo de matricula (…), na localidade da Raposa, junto da Ecoleziria, seguindo apeado; tendo a Guarda Nacional Republicana seguido no encalço do mesmo e intercetando-o na Estrada Nacional 114, no Convento da Serra, em Almeirim.
70) AA agiu na execução de um plano que previamente delineou com o propósito concretizado de se apoderar pela força, do dinheiro existente na Farmácia Correia de Oliveira, bem sabendo que os mesmo lhe não pertencia e que agia contra a vontade do seu proprietário.
71) Para tal, AA utilizou uma faca, bem sabendo que ao exibir tal objeto constrangia o ofendido e as pessoas presentes no referido estabelecimento a tolerar a subtração dos bens que aí se encontravam, e que atuava contra a integridade física e liberdade pessoal dos ofendidos.
72) AA sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, todavia, não se absteve de a prosseguir.
73) AA é o único filho de um casal de condição social mediana, oriundo do concelho de Marvão, que se mudou para Rio Maior quando aquele tinha sete anos de idade e, posteriormente, fixou residência em Santarém.
74) O pai, entretanto falecido, era funcionário das Finanças em Santarém e a mãe desempenhava a atividade de cozinheira.
75) O seu processo de socialização decorreu numa estrutura familiar que valorizava práticas educativas assentes na afetividade, espírito de entreajuda, sentimentos de respeito mútuo e transmissão de valores e regras para o exercício responsável da cidadania.
76) AA iniciou a frequência escolar em idade própria e apresentou um percurso regular até ao 10.º ano de escolaridade.
77) AA tinha cerca de 17 anos de idade quando iniciou o consumo de estupefacientes, comportamento que afetou o seu percurso escolar, motivo pelo qual não concluiu o ensino secundário.
78) Durante as privações de liberdade que sofreu, AA habilitou-se com o 12.º ano de escolaridade.
79) O seu percurso laboral e a aquisição de rotinas laborais foram influenciados pela problemática de toxicodependência, sendo pouco expressivos.
80) Com o apoio dos pais, AA efetuou diversas tentativas de desintoxicação em casa e em comunidade terapêutica; contudo, não logrou a desvinculação de estupefacientes.
81) Aos 23 anos de idade encetou uma relação amorosa com uma jovem também toxicodependente, que conheceu durante um internamento numa comunidade terapêutica, terminada pouco tempo depois.
82) O par retomou a relação afetiva alguns anos mais tarde, numa fase de abstinência vivenciada por ambos, o que possibilitou o desempenho regular de uma atividade laboral por parte de AA como angariador de clientes para uma operadora de telecomunicações.
83) Desta união, AA tem um filho, nascido em setembro de 2006, que se encontra aos cuidados dos avós paternos desde os primeiros anos de vida.
84) Apesar de o nascimento do filho ter constituído fator de estabilidade entre o casal e a nível aditivo, AA recaiu no consumo de substâncias estupefacientes em dezembro de 2006, comportamento que justifica com as responsabilidades parentais e problemas de saúde da sua companheira.
85) Na sequência da manutenção dos consumos de drogas, quer da parte do arguido quer da companheira, deixaram a cidade de Santarém e mudaram-se para localidade de Porto da Espada – Marvão.
86) Deslocavam-se com regularidade a Badajoz para obter estupefacientes, vindo a ser presos em Espanha em 2017.
87) A relação marital terminou no decurso dessa reclusão.
88) Depois do cumprimento dessa pena de prisão em Espanha, AA foi entregue às autoridades judiciárias portuguesas para cumprir uma pena privativa de liberdade.
89) À data dos factos, AA encontrava-se em liberdade condicional e integrava o agregado familiar da sua namorada, OO.
90) AA encontrava-se desempregado desde final de outubro de 2021, pois o seu contrato de trabalho foi renovado.
91) Este despedimento potenciou uma nova recaída no consumo de produtos estupefacientes (heroína e cocaína), pese embora se encontrasse a ser acompanhado pelo Centro de Respostas Integradas de Santarém e integrado em programa de substituição opiácea com metadona.
92) Antes da reclusão atual, AA encontrava-se desde 23 de Março de 2022 em obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica à ordem do presente processo, inicialmente na Comunidade Terapêutica Ares do Pinhal em Aldeia das Eiras, da qual foi expulso em 2 de Junho de 2022, por não cumprimento de regras, e depois na casa da mãe, a partir de 7 de Junho de 2022.
93) Contudo, na sequência de novos incumprimentos foi alterada a medida de coação para prisão preventiva.
94) AA revela fragilidades emocionais, imaturidade e baixa capacidade de responsabilização, bem como tendência para ceder a pressões externas e agir em função da satisfação imediata de interesses ou necessidades, com comprometimento da adaptabilidade social.
95) Ao nível pessoal, surge-nos como um individuo que evidencia capacidade para estabelecer relações interpessoais cordiais.
96) Apresenta, no entanto, indícios de imaturidade, com dificuldades em reorganizar-se de forma responsável, baixa resiliência perante acontecimentos indutores de sofrimento/tristeza e denota vulnerabilidades a fatores externos, características pessoais que o remetem para a necessidade de supervisão externa.
97) Ao nível familiar continua a dispor de suporte afetivo e habitacional avaliado como significativo para o seu equilíbrio emocional por parte da mãe, filho e namorada. A mãe e o filho continuam a residir em
98) AA é portador de anomalia psíquica compatível com os diagnósticos psiquiátricos de Perturbação Relacionada com o Consumo de Substâncias (CID-10: F 19), Perturbação Relacionada com o Consumo de Álcool (CID-10: F 10), bem como Perturbação da Personalidade não especificada (CID-10: F 69), sendo que todas eram prévias à data dos factos.
99) Os sintomas deste quadro patológico são variados, podendo incluir alterações do humor, impulsividade, baixa tolerância à frustração, etc., mas não tendo sido apurados, quer no passado, quer na data dos factos, a presença de sintomatologia abnorme, nomeadamente alterações da percepção (i.e., alucinações) em qualquer modalidade, nem alterações do pensamento (ideias delirantes) que, por sua vez, interferissem na capacidade de avaliação da ilicitude dos factos descritos e/ou de determinação perante a avaliação feita.
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100) Por acórdão, transitado em julgado em 3 de Julho de 2003, proferido no âmbito do processo n.º 130/02.4PBSTR, do 2.º juízo criminal de Santarém, AA foi condenado pela prática de um crime de furto, em 1 de Fevereiro de 2002, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos; a qual foi declarada extinta em 20 de Novembro de 2006.
101) Por sentença, transitada em julgado em 1 de Outubro de 2004, no âmbito do processo n.º 129/04.6PTSTR, do 1.º Juízo criminal de Santarém, AA foi condenado pela prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez, praticado em 21 de Agosto de 2004, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de €4,00, e pena acessória de 100 dias de proibição de conduzir; a qual foi declarada extinta em 10 de Maio de 2005.
102) Por sentença, transitada em julgado em 23 de Novembro de 2006, no âmbito do processo n.º 655/04.7TASTR, 1.º juízo criminal de Santarém, AA foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, praticado em 25 de Junho de 2004, na pena de 12 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de dois anos, subordinada a deveres; a qual foi declarada extinta em 21 de Maio de 2007.
103) Por sentença, transitada em julgado 29 de Maio de 2007, no âmbito do processo n.º 157/05.4GBBNV, 2.º juízo, Benavente, AA foi condenado pela prática pela prática em 27 de Junho de 2005, de dois crimes de furto qualificado, em cúmulo jurídico, numa pena única de três anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, mediante sujeição a regime de prova
104) Por acórdão, transitado em julgado em 24 de Fevereiro de 2000, Processo n.º 309/99.4PBPTG, 2.º Juízo de Portalegre, decisão AA foi condenado pela prática de um crime de burla simples, falsificação e furto qualificado, na pena de dois anos e oito meses de prisão, suspensa por três anos; a qual foi declarada extinta em 9 de Fevereiro de 2000.
105) Por sentença, transitada em julgado em 2 de Março de 2004, no âmbito do processo n.º 133/02.9GARMR, 1.º Juízo de Rio Maior, AA foi condenado pela prática, em 11 de Março de 2002, de um crime de furto qualificado, na pena de dois anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, sujeita a deveres; suspensão que foi revogada, tendo o mesmo cumprido prisão efetiva.
106) Por sentença, transitada em julgado em 14 de Maio de 2004, no âmbito do processo n.º 302/01.9TATNV, 1.º Juízo de Torres Novas, AA foi condenado pela prática, em 24 de Julho de 2001, de um crime de desobediência qualificada, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dezoito meses; suspensão que foi revogada, tendo o mesmo cumprido prisão efetiva.
107) Por sentença, transitada em julgado em 1 de Setembro de 2009, no âmbito do processo n.º 728/05.9SMPRT, 3.º Juízo Criminal do Porto, AA foi condenado pela prática em 1 de Setembro de 2005, de um crime de roubo na pena de um ano e seis meses de prisão efetiva; a qual foi declarada extinta em 10 de Dezembro de 2012.
108) Por acórdão, transitado em julgado em 1 de Fevereiro de 2011 e proferido no âmbito do processo n.º 663/07.6PHLSB, 4.ª Vara Criminal de Lisboa, AA foi condenado pela prática, em 8 de Setembro de 2007, um crime de roubo na forma tentada e de um crime de roubo, na pena única, em cúmulo jurídico, de dois anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova.
109) Por sentença, transitada em julgado em 12 de Dezembro de 2011 e proferida no âmbito do processo n.º 195/07.2PACTX, 1.º Juízo do Cartaxo, AA foi condenado pela prática, em 22 de Julho de 2007, de um crime de furto qualificado, na pena de três anos de prisão efetiva.
110) No âmbito do processo n.º 195/07.2PACTX, por decisão transitada em julgado em 3 de Setembro de 2012, foi realizado cúmulo jurídico, englobando as penas aplicadas nos processos n.ºs 728/05.9SMPRT e 663/07.6PHLSB, tendo AA sido condenado numa pena única de cinco anos de prisão efetiva.
111) Por acórdão, transitado em julgado em 4 de Agosto de 2017 e proferido no âmbito do processo n.º 372/05.0GEALR, Juízo Central Criminal – J1, Santarém, AA foi condenado pela prática, em 2005, de três crimes de furto qualificado, dois crimes de roubo e um crime de roubo na forma tentada, foi condenado, nas seguintes penas:
- operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nestes autos e no processo nº157/05.4GBBNV, na pena única de cinco anos de prisão;
- operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos processos nº 728/05.9SMPRT, 663/07.6PHLSB e 195/07.2PACTX, na pena única de quatro anos e quatro meses de prisão.
112) Por decisão de 21 de Abril de 2021, foi concedida a AA liberdade condicional, a partir da referida data e até 1 de Junho de 2021.
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B.1.2 – Com relevância para a boa decisão da causa não se provou que:

I) AA actuou da forma descrita em 1) a 30).

II) AA quis utilizar o veículo de matrícula 30-78-VI, nas circunstâncias descritas, bem sabendo que o fazia sem autorização e contra a vontade do seu proprietário.


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B.1.3 - E apresentou as seguintes razões para fundamentar a matéria de facto:

«O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente os depoimentos das testemunhas, a prova pericial e a prova documental produzida e examinada em audiência uma vez que o arguido exerceu legitimamente o seu direito a não prestar declarações (tendo somente prestado alguns esclarecimentos sobre as suas condições pessoais).
O critério de valoração da prova é o da livre apreciação, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
A factualidade dada como provada em 1) a 5) alicerçou-se, no essencial, na análise concatenada do auto de notícia de fls. 784 e ss, do relatório inspeção judiciária de fls. 799 e ss, do auto de visionamento de fls. 809 e ss e do auto de reconhecimento de fls. 852, elementos documentais que se nos afiguram ser igualmente idóneos e que demonstram cabalmente o circunstancialismo espácio-temporal em que ocorreram os factos, o modus operandi do agente do crime e os prejuízos emergentes da sua conduta.
Por sua vez, as testemunhas KK, PP e QQ, que se encontravam presentes no estabelecimento, confirmaram de forma isenta, consistente e credível toda a dinâmica dos acontecimentos, bem como descreveram o modo como se apresentou o agente do crime. A este propósito, as testemunhas referiram unanimemente que o mesmo se apresentou com uma roupa escura, com capuz e com máscara, estando somente visíveis os olhos, revelando desconhecer qualquer outro elemento identificativo e distintivo susceptível de associar o arguido à prática dos factos. Ora, não obstante a testemunha KK tenha formalmente identificado o arguido no reconhecimento presencial reproduzido a fls. 852, a verdade é que se nos suscitam dúvidas fundadas quanto ao valor probatório de tal reconhecimento. Com efeito, tendo-se concluído que o reconhecimento em causa observou as formalidades legais, apresentando-se válido, nada obsta a que seja valorado como prova, estando sujeito ao princípio da livre apreciação. Sucede que, procedendo ao exame crítico da prova, separando os elementos que lhe merecem credibilidade daqueles que não são, em seu juízo, dignos dela, afigura-se, à luz das regras da experiência, impossível formar uma convicção probatória segura em função do resultado da análise do mencionado auto de reconhecimento. Na verdade, do auto de visionamento de fls. 809 e ss resulta claro que só uma ínfima parte do rosto do agente do crime era visível, que este se encontrava em constante movimento e que as testemunhas que interagiram com o mesmo se encontravam claramente intimidadas, nervosas e retraídas. Ora, tendo em conta este registo de vídeo concatenado com os depoimentos das aludidas testemunhas, que confirmam claramente que somente os olhos do agente do crime estavam visíveis e que se tratou de um fugaz contacto com o agente do crime (somente na ocasião da prática dos factos) numa altura em que se encontravam sob intenso stress emocional, não se afigura curial afirmar, com o grau de certeza necessário para formar uma convicção no sentido da condenação em processo penal, que se trata de uma identificação cabal e definitiva. Aliás, cremos que somente se as testemunhas tivessem sido confrontadas com os indivíduos a reconhecer com o corpo coberto em modo semelhante ao do agente do crime, estando apenas os olhos visíveis, poderíamos, com segurança, afirmar que os outros elementos identificativos do arguido, no confronto com as características físicas dos dois elementos do órgão de polícia criminal também intervenientes na diligência de reconhecimento, não condicionaram a percepção da testemunha interveniente no reconhecimento.
Em consequência, perante as apontadas fragilidades da prova por reconhecimento, cremos que a análise este elemento probatório desacompanhada de outros elementos corroborantes gera uma dúvida razoável e insanável sobre se o facto probando ocorreu ou não, entendendo-se que tal dúvida se justifica na medida em que mantém em aberto a hipótese factual alternativa à probanda do agente do crime ter um olhar meramente parecido com o do arguido, que não se considera repelida pelos critérios gerais de apreciação do material probatório, nomeadamente os dados da experiência comum e as regras da lógica geralmente aceite.
Portanto, entendemos que a identificação do arguido como agente do crime não pode assentar exclusivamente na prova por reconhecimento do mesmo realizada nos moldes descritos, donde resulta a factualidade dada como não provada em I),

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Para prova da factualidade referida em 9) a 15) o Tribunal ateve-se ao auto de notícia de fls. 22 e ss do Apenso B, ao talão caixa de fls. 26 apenso B, ao auto de reconhecimento pessoas de fls. 134 dos autos principais e o auto de visionamento de fls. 138 e ss dos autos principais, elementos documentais que se nos afiguram manifestamente idóneos e que demonstram cabalmente o circunstancialismo espácio-temporal em que ocorreram os factos, o modus operandi do agente do crime e os prejuízos emergentes da sua conduta.
Mais se ponderou o depoimento das testemunhas LL e RR, que presenciaram os factos e confirmaram com rigor, objectividade e verosimilhança os danos perpetrados pelo agente do crime e o modo de actuação do mesmo, explicando ainda a primeira que logrou reconhecer o arguido através dos olhos que eram muito expressivos (cfr. auto de reconhecimento pessoas de fls. 134 dos autos principais).
Por sua vez, a testemunha SS, representante legal da ofendida, limitou-se a concretizar o montante do prejuízo patrimonial determinado pela conduta do arguido, que apurou de forma rigorosa posteriormente.
Neste contexto, perante as apontadas fragilidades da prova por reconhecimento, único elemento susceptível de assegurar a identificação do arguido, cremos que a análise do auto de reconhecimento pessoas de fls. 134 dos autos principais desacompanhada de outros elementos corroborantes gera uma dúvida razoável e insanável sobre se o facto probando ocorreu ou não, entendendo-se que tal dúvida se justifica na medida em que mantém em aberto a hipótese factual alternativa à probanda do agente do crime ter um olhar meramente parecido com o do arguido, que não se considera repelida pelos critérios gerais de apreciação do material probatório, nomeadamente os dados da experiência comum e as regras da lógica geralmente aceite.
Portanto, entendemos, atenta a argumentação aduzida supra, para todos os efeitos considerada aqui reproduzida, que a identificação do arguido como agente do crime não pode assentar exclusivamente na prova por reconhecimento do mesmo realizada nos moldes descritos e reproduzidos a fls. 134, donde resulta, à luz do princípio do in dubio pro reo, a factualidade dada como não provada em I).
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Para prova da factualidade referida em 19) a 22) o Tribunal estribou-se na análise dos autos de auto de notícia de fls. 5 e ss do apenso A e de fls. 378 e ss dos autos principais e o auto de reconhecimento de pessoas de fls. 129 dos autos principais, bem como no depoimento objectivo, circunstanciado e credível da testemunha MM, que convergem na demonstração do circunstancialismo que rodeou a prática dos factos, do modo de actuação do agente do crime e do prejuízo determinado pela conduta do mesmo.
Ora, sendo certo que toda a dinâmica dos acontecimentos ilícitos está cabalmente documentada nestes meios de prova, a verdade é que o reconhecimento presencial do arguido pela testemunha MM indicia a presença do arguido no local, mas não revela com grau de clareza e certeza suficiente que se trata de AA – até porque a própria testemunha esclareceu que identificou “o mais parecido” - , daí que, no que tange à participação do arguido na prática destes factos, atenta a fundamentação aduzida supra a propósito da fragilidade da prova por reconhecimento, considerada neste sede para todos os efeitos reproduzida, o Tribunal tenha dado como não provada, à luz do princípio do in dubio pro reo, a correspondente factualidade (cfr. facto não provado I).
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No que tange à factualidade elencada em 26) a 30), cumpre salientar que a concatenação do auto de notícia de fls. 4 do Apenso I, do auto de apreensão de fls. 17 de Apenso I e do relatório de inspecção judiciária de fls. 17 do Apenso I, com o depoimento testemunha NN, proprietária do veículo com a matrícula (…), confirmam a subtração do veículo, mas nada apontam no sentido da identificação do agente deste crime de roubo. Aliás, a factualidade atinente à subtração do veículo nem sequer foi aduzida no libelo acusatório, estando somente em causa a eventual responsabilidade criminal do arguido pela prática do crime de furto de uso.
Ora, nenhum elemento de prova produzido a propósito dos episódios documentados em 1) a 25) se refere de forma relevante (em termos probatórios) e concludente ao uso do veículo com a matrícula (…). Este elemento referido incidentalmente nos autos de notícia que foram lavrados pelo órgão de polícia criminal, mas, não se tratando de facto percepcionado directamente pela autoridade policial, teria de ser corroborado por outros meios de prova, designadamente pelas testemunhas presenciais ou pelo registo de vídeo das condutas ilícitas, o que manifestamente não se verifica.
Neste contexto, a confirmação da existência de vestígios biológicos do arguido no veículo com a matrícula (…) no momento em que foi recuperado na via pública, que avulta da análise coonestada do relatório de inspecção judiciária de fls. 17 do Apenso I e do relatório pericial de fls. 1359 e ss dos autos principais revelam claramente que o arguido esteve no interior do veículo, mas não esclarecem de forma concludente se o mesmo participou ou na subtração do mesmo ou no mero furto de uso. À luz do princípio in dubio pro reo, não é sobre o arguido que recai o ónus de provar que o veículo furtado estava na sua posse por outro motivo que não a autoria do furto de uso, é sobre a acusação. A dúvida que a esse respeito se suscita não pode prejudicar o arguido, deve beneficiá-lo, dando-se como não provada, em consequência, a sua participação na prática deste ilícito criminal.
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Para prova da factualidade referida em 31) a 35) e 48) a 51) o Tribunal considerou o auto de denúncia de fls. 3 e ss do Apenso O, o aditamento de fls. 17 e ss do Apenso O, o auto de apreensão da arma branca de fls. 19 e ss do Apenso O, o auto de exame direto de fls. 21 e ss do Apenso O, os relatórios inspeção judiciária de fls. 46 e ss e de fls. 51 e ss do apenso O, o auto de reconhecimento pessoas de fls. 111 dos autos principais e a participação acidente de viação, fls. 987 a 989 dos autos principais, que atestam pormenorizadamente o circunstancialismo em que ocorreram os factos, o modo como o agente do crime se apropriou do veículo e as características e o valor do objecto subtraído.
Por sua vez, a testemunha BB confirmou com rigor o valor do veículo automóvel, o modo de actuação do arguido e a forma irreconhecível como o mesmo se apresentou, com o rosto totalmente coberto por uma máscara cirúrgica e com um capuz a tapar praticamente todo o rosto.
Mais se considerou o teor do relatório pericial de fls. 1359 e ss dos autos principais, coonestado com o relatório inspeção judiciária de fls. 51 e ss do apenso O, que atestam de forma categórica a presença de vestígios biológicos do arguido no airbag do passageiro do lado do condutor do veículo subtraído com a matrícula (…) na sequência prática dos factos.
Acresce que, a testemunha DD prestou um depoimento isento, circunstanciado e credível, explicando que deu boleia ao arguido depois do mesmo ser interveniente no acidente de viação, que conversou com o mesmo e vislumbrou toda a sua fisionomia – uma vez que, neste contexto o arguido tinha o rosto descoberto - pelo que não teve a mínima dúvida quando reconheceu formal e pessoalmente o mesmo nos termos exarados no auto de fls. 111.
Nesta sequência, atenta a consistência da prova pericial produzida, concatenada com a fiabilidade da prova por reconhecimento realizada por testemunha que teve a oportunidade de observar todo o rosto do arguido, não temos dúvidas quanto à participação do mesmo na prática destes factos ilícitos.
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Para prova da factualidade referida em 39) a 44) o Tribunal estribou-se na análise do auto de notícia de fls. 4 e ss do apenso N, do relatório de inspeção, fls. 13 e ss do apenso N, do auto de visionamento de fls. 952 e ss dos autos principais e do auto de reconhecimento de objetos de fls. 707 e ss dos autos principais, que atestam todo o modo de execução dos factos ilícitos e os prejuízos patrimoniais verificados; o que foi, aliás, integralmente corroborado pelos depoimentos circunstanciados, isentos e verosímeis da testemunha
Mais se ponderaram os depoimentos das testemunhas honestas, sinceras e credíveis EE, que se encontrava presente no estabelecimento e assistiu a todos os acontecimentos, e FF, que fez um levantamento rigoroso dos prejuízos.
Contudo, sabendo que no auto de visionamento de fls. 952 e ss somente se identifica no agente do crime uma sapatilha parecida com a usada pelo arguido, que as testemunhas inquiridas não lograram identificar o agente do crime e que o auto de reconhecimento de objecto se reporta a faca que realmente foi encontrada no veículo conduzido pelo arguido, mas que tem um uso específico na cozinha e características relativamente comuns, afigura-se que realmente estes elementos de prova se mostram insuficientes para com segurança, relacionar o arguido com a prática do crime. A reforçar este entendimento, refira-se que, de igual modo, pelos motivos apontados - relacionados com a total ausência de corroboração deste facto quer pelas testemunhas, quer pela prova documental -, não se logrou estabelecer de forma concludente que o veículo em que foi detectada a faca reconhecida (que, reafirme-se, nem sequer tem características distintivas específicas) foi efectivamente usado para a prática deste ilícito criminal.
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A prova da factualidade vertida em 52) a 58) alicerçou-se no auto de notícia de fls. 3 do Apenso H, no auto apreensão do veículo com a matrícula (…) de fls. 103 e ss, no relatório de inspeção de fls. 31 e ss do Apenso H, que regista a presença de uma máscara com saliva no interior deste veículo, o relatório fotográfico de fls. 105 e ss dos autos principais, o auto visionamento de fls. 564 e ss dos autos principais (que regista somente o modus operandi utilizado uma vez que o arguido tinha a cara coberta), a documentação clínica de fls. 583 e ss e 911 e ss dos autos principais (que atesta as consequências médico-legais da conduta do arguido na esfera da ofendida), as fotos de fls. 897 dos autos principais e a carta pagamento portagens de fls. 923 e ss dos autos principais, elementos documentais que se afiguram ser manifestamente idóneos e que não foram alvo de qualquer impugnação.
Concomitantemente, a testemunha CC confirmou toda a actuação ilícita do arguido e as consequências patrimoniais, mas reconheceu que o mesmo tinha a cara tapada e que, por isso, não o conseguiu identificar ou reconhecer.
Sem prejuízo, a análise do relatório pericial de fls. 1359 e ss dos autos principais, coonestado com o relatório inspeção judiciária de fls. 31 e ss do apenso H, permitiu confirmar a presença de vestígios biológicos do arguido numa máscara cirúrgica recolhida no interior do veículo subtraído com a matrícula (…) na sequência da prática dos factos.
Nesta conformidade, o grau de certeza oferecido pela prova pericial produzida, concatenada com similitude do modus operandi assumido pelo arguido nas duas situações comumente apelidadas de carjacking (cfr. factos provados 31 a 35), bem como a coincidência das características físicas e vestuário do agente do crime descritas pelas vítimas, não temos a mínima dúvida quanto à participação do arguido na prática destes factos ilícitos.
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No que concerne à prova da factualidade vertida em 52) a 58) o Tribunal ponderou o auto notícia de fls. 197 e ss dos autos principais, o aditamento de fls. 227 e ss e de fls. 234 e ss dos autos principais, o auto apreensão de fls. 209 e ss e de fls. 231 e ss dos autos principais, os autos de reconhecimento pessoas de fls. 151 e ss e 165 e ss dos autos principais e o auto de visionamento de fls. 153 a 164 dos autos principais, elementos documentais que se nos afiguram manifestamente idóneos e que demonstram cabalmente o circunstancialismo espácio-temporal em que ocorreram os factos, o modus operandi do agente do crime e os prejuízos emergentes da sua conduta.
Por sua vez, as testemunhas GG, HH e II, todos presentes no estabelecimento, prestaram depoimentos sinceros, honestos e verosímeis, confirmando cabalmente toda a factualidade documentada nos mencionados documentos e reproduzida na factualidade dada como provada.
Ademais, as testemunhas GG e HH reconheceram formal e validamente o arguido (cfr. autos de reconhecimento pessoas de fls. 151 e ss e 165 e ss dos autos principais).
Ora, sendo certo que estes reconhecimentos pessoas suscitam as mesmas dúvidas supra apontadas uma vez que do auto de visionamento de fls. 153 e ss dos autos principais resulta que o agente do crime tinha a cara quase integralmente coberta, a verdade é que a testemunha JJ, militar da Guarda Nacional Republicana, avistou o arguido a abandonar o local do crime no veículo com a matrícula 10-47-TG imediatamente após a prática dos factos e, nessa sequência, desencadeou, em concertação com os colegas TT e UU, toda a operação policial que culminou com a detenção do arguido. Saliente-se que estas testemunhas prestaram depoimentos espontâneos, pormenorizados, objetivos e manifestamente credíveis, explicando detalhadamente todos os acontecimentos que levaram à cabal e rigorosa identificação do arguido. Neste circunspecto, cumpre salientar que a testemunha JJ asseverou de modo sincero e verosímil que conseguiu vislumbrar o rosto do arguido quando entrou no veículo e tirou a máscara e que, sobretudo, logrou confirmar que se tratava do mesmo sujeito que, a sequência da perseguição policial encetada, acabou por, a final, ser interceptado e identificado, pelo que não subsiste igualmente a mínima dúvida a respeito da participação do arguido na prática destes factos ilícitos.
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Cotejada toda a prova produzida, supra sumariada, resulta assim da conjugação da prova documental, pericial e testemunhal, à saciedade, de toda a prova produzida a convicção segura e fundada face às regras da experiência comum e da livre apreciação da prova produzida, de que efectivamente o arguido AA praticou os factos em apreciação nestes autos elencados em 31) a 35), 48) a 51), 52) a 58) e 62) a 69), da forma que fizemos reverter para os factos provados supra elencados.
Com efeito, as testemunhas ouvidas em audiência prestaram depoimento credível, atenta a forma como o prestaram, logrando assim convencer o Tribunal da veracidade das suas declarações. Isto pela forma serena, lógica e racional com que o fizeram.
Ademais, a prova documental e pericial, cuja autenticidade e veracidade não foi por qualquer modo posta em causa, avulta como manifestamente idónea e verosímil, alicerçando com segurança a convicção do Tribunal no sentido apontado.
Tais elementos conjugados com as regras da experiência comum permitiram ao tribunal formular uma convicção segura e fundada quanto à concreta intervenção do arguido tanto no episódio em que foi avistado no local dos crimes e identificado pelas testemunhas presenciais Marco António Pereira de Augusto, Ivo Loureiro e Pedro Almeida (cfr. factos provados 62 a 69), como nas situações em que foi registada a presença dos seus vestígios nos veículos que subtraiu precisamente na sequência da perpetração dos ilícitos (cfr. factos provados 31 a 35, 48 a 51 52 a 58).
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Os factos subjectivos, designadamente os provados em 6) a 8), 16) a 18), 23) a 25), 36) a 38), 43) a 47), 59) a 61) e 70) a 72) porque insusceptíveis de prova directa, dada a sua natureza, extraem-se dos factos objectivos provados, que, tendo em conta as regras da experiência comum e com base em presunção natural, permitem de forma segura inferir tal factualidade. Aliás, a forma como o arguido encetou a fuga à autoridade policial nos moldes dados como provados revela ostensivamente que o mesmo tinha perfeita noção da ilicitude da sua conduta.
A factualidade provada em 73) a 99), respeitante às condições sócio-económicas e familiares do arguido, personalidade revelada pelos mesmos e ao quadro psiquiátrico do mesmo, alicerçou-se na análise do relatório social elaborado pela DGRSP junto aos autos sob a ref.ª 9166784 e do relatório de exame pericial elaborado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal com a ref.ª 9429099, que se nos afiguram serem manifestamente idóneos e cujo teor não foram igualmente postos em causa por qualquer outro elemento probatório. Pelo contrário, a situação actual do arguido Carlos Santos descrita neste elemento documental foi até corroborada, no essencial, pelas breves declarações prestadas pelo mesmo em sede de audiência de julgamento.
Os antecedentes criminais do arguido, factualidade provada em 100) a 112), resultam do teor do Certificado de Registo Criminal do mesmo junto sob a ref.ª 9106596.
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A factualidade dada como não provada avulta da total ausência de prova concludente sobre a mesma.
O Tribunal, diga-se a repita-se, forma a sua convicção de forma livre e à luz das regras de experiência comum, reconduzindo objectiva e fundadamente às provas validamente produzidas nos autos. E tais provas, do nosso ponto de vista, meramente indirectas e indiciárias, correlacionadas entre si em termos de circunstância de tempo modo e lugar não são suficientes no sentido de se poder formular um juízo de autoria do arguido na prática dos factos pelos quais vem acusado discriminados em 1) a 30).
Saliente-se que, as testemunhas ouvidas em audiência prestaram depoimento credível, atenta a forma como o prestaram, logrando assim convencer o Tribunal da veracidade das suas declarações. Isto pela forma serena, lógica e racional com que o fizeram.
No que concerne à prova indiciária escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2004, in CJ, 2004, tomo III, pág. 197, que, “o Juízo valorativo do Tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face á credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta, só por si, conduzir á sua convicção. é licito e legítimo o recurso a presunções, uma vez que são admissíveis em processo penal, as provas que não foram proibidas por lei de acordo com o artigo 125.º, do Código de Processo Penal e o artigo 349.º do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida prova testemunhal-art. 351º do mesmo código. Depois, as presunções simples ou naturais são, simples meios de convicção e encontram-se na base de qualquer juízo, pois, são o produto das regras de experiência. O juiz valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. Portanto, o sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto conhecido para um facto desconhecido. Toda a prova indirecta se faz através desta espécie de presunções.”
Como expendia o Prof. Cavaleiro de Ferreira in “Curso de Processo Penal”, vol. 1, pág. 333 e ss, “as presunções simples ou naturais são, assim meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção, cederão perante a simples sobre a exactidão em cada caso concreto.”
Escreveu ainda este autor que “a livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada á razão e á lógica e não limitada apor prescrições exteriores. O julgador em vez de se encontrar ligado por norma prefixadas e abstractas sobre a apreciação da prova, tem apenas de se subordinar á lógica, á psicologia, e ás máximas da experiência” (cfr. Ob. Cit., Vol II, pag. 208).
Escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2010, relatado pelo Conselheiro Souto Moura, publicado in www.dgsi.pt que: “em muitos casos, nomeadamente, no âmbito da criminalidade organizada a prova indiciária, circunstancial ou indirecta é mesmo o único meio de chegar ao esclarecimento de um facto criminoso e á descoberta dos seus autores”, invocando Eduardo Araújo da Silva, Crime Organizado-procedimento probatório, Editora Atlas, São Paulo, 2003, pág. 154 e ss.
Invocando também jurisprudência estrangeira, tal aresto refere que desde 1985 em Espanha o Tribunal Constitucional vem reafirmando que a presunção de inocência não proíbe que a convicção judicial no processo penal se fundamente na aprova indiciária. E assim, segundo a jurisprudência espanhola do Tribunal Constitucional e Supremo a prova indiciária está dependente da verificação de quatro requisitos:
“-Os indícios devem ser plenamente provados por prova directa;
- Concorrência de uma pluralidade de indícios, ligados entre si com o facto nuclear carecido de prova;
- Entre os indícios e os factos que deles se inferem deve existir nexo, directo, coerente, lógico e racional; e
- O Tribunal deve explicar o raciocínio em virtude do qual partindo dos indícios provados chega á conclusão da culpabilidade do arguido (cfr., também, Vaz Serra em “Direito Probatório Material” Boletim do Ministério da Justiça nº 112, pag.99).
Portanto, as presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto directo imediato de prova, sendo exactamente através deste que, uma vez determinado usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objecto de prova).
Importa, porém, não olvidar um princípio estruturante do processo penal: o de que para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade. Na ausência desse juízo de certeza (segundo a fórmula tradicional, para além de toda a dúvida razoável), vale o princípio de presunção de inocência do arguido (cfr. artigo 32º, nº 2, da Constituição) e a regra, seu corolário, in dubio pro reo.
A questão reside, então, em saber se o facto do arguido ter um olhar semelhante ao do agente do crime (tal como resulta dos reconhecimentos pessoais referenciados), bem usar uma indumentária idêntica e recorrer ao mesmo modus operandi quando perpetrou ilícito criminal análogo (cfr. fastos provados 62 a 69) constituem indícios seguros e inequívocos, capaz de fundar um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável, e não de mera probabilidade, de que foi o arguido o autor dos roubos em apreço.
Antes de mais, importará, para este efeito, excluir a relevância, mesmo a título acessório, de factos como os antecedentes criminais do arguido, ou a imagem dos mesmos junto das autoridades policiais. A autoria de outros roubos não pode criar na mente do julgador algum preconceito contrário ao princípio da presunção de inocência do arguido, que vale para todo e qualquer indivíduo, independentemente dos seus antecedentes criminais, do seu cadastro policial ou da sua imagem na comunidade. E também não tem qualquer relevância, para este efeito, como é óbvio, a referência dos relatórios sociais à instabilidade das relações afectivas, profissionais e familiares do arguido.
O facto mais relevante, a este respeito, é a existência das apontadas afinidades no comportamento, na indumentária e no olhar do arguido. Neste contexto, afigura-se ser muito provável (dizem-no as regras da experiência) que este arguido tenham sido o autor dos roubos em apreço. Mas não deixa de ser razoável a dúvida de que tenha sido outra pessoa uma vez que a generalidade dos agentes destes crimes usa roupas escuras, cobre o rosto e tem olhos castanhos e expressivos (visando manifestamente esta expressão a intimidação das vítimas). De facto, à luz das regras da experiência, não podemos dizer que está, razoavelmente, de todo afastada essa hipótese.
Acresce que, o arguido não prestou declarações em audiência sobre a factualidade vertida na acusação, não tendo dado qualquer explicação, designadamente, para os comportamentos ilícitos que resultaram cabalmente demonstrados.
Deve, porém, considerar-se, a este respeito, o seguinte.
À luz do princípio in dubio pro reo, não é sobre algum dos arguidos que recai o ónus de provar a plena identificação da autoria dos roubos, é sobre a acusação. A dúvida que a esse respeito se suscita não pode prejudicar o arguido, deve beneficiá-los.
Concomitantemente, do direito do arguido ao silêncio decorre que este não pode ser valorado contra si, como indício de culpabilidade. E da mesma forma que não pode concluir-se, simplesmente, do silêncio do arguido que seriam ele o autor dos roubos (alegando que se fossem inocentes, teriam certamente prestado declarações, pois “quem não deve, não teme”).
Deste modo, porque devemos considerar que, à luz do princípio in dubio pro reo, que a prova produzida não permite a condenação do arguido pela prática dos demais crimes de roubo.
Por fim, a factualidade atinente à intencionalidade de usar ilicitamente o veículo com a matrícula 30-78-VI, dada como não provada em II), avulta da ausência de prova concludente sobre a mesma nos efeito, nem as testemunhas inquiridas, nem a prova documental ou pericial produzida se referem fundadamente quer à intenção de subtração deste veículo, quer à intenção de o usar ilicitamente para posteriormente o restituir, pelo que, desconhecendo-se a que título o arguido esteve no interior do veículo, cumpre igualmente dar como não provada esta factualidade sub judice».
***

Cumpre conhecer.

Como sabido, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação.

O recorrente suscita as seguintes questões: a existência de “insuficiência de prova e a não aplicação do princípio do in dubio pro reo”, concretizando-as quanto aos factos na seguinte asserção: – O erro de julgamento em matéria de facto quanto aos factos 31 a 34, 36 a 38, 52 a 56 e 59 a 61 terem sido dado como provados e, consequentemente, com as condenações respeitantes aos NUIPC´s 688/21.9PAVFX e 420/21.7PAENT – conclusões 1ª a 28ª.

O recorrente não impugna de facto e restringe a sua invocação dos indicados vícios apenas quanto aos NUIPC´s 688/21.9PAVFX e 420/21.7PAENT, concretamente quanto às condenações:

- na pena de 5 anos de prisão efectiva (pela prática de um crime de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal, (NUIPC 688/21.9PAVFX);

- na pena de 4 anos e 8 meses de prisão efectiva (pela prática de um crime de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão (NUIPC 420/21.7PAENT).

Assim, e como o próprio recorrente afirma nas conclusões 3ª e 4ª, está em causa – em seu entender – o princípio in dubio pro reo e a suficiência da prova produzida, para tanto alinhando vários argumentos de cariz probatório que, a seu ver, deveriam ter conduzido o tribunal recorrido a dar como não provados os factos supra indicados.

Acresce que retira existirem os vícios referidos nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do CPP quanto ao NUIPC 688/21.9PAVFX. (contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova).

Sendo certo que não há confusão de conceitos entre alegar “suficiência de prova” e a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, a pretensão do recorrente, relativamente ao NUIPC 420/21.7PAENT restringe-se à invocada insuficiência probatória. Assim e quanto a este NUIPC duas linhas de análise se impõem face a este posicionamento:

1) - a suficiência concreta da prova produzida;

2) – a aplicabilidade do princípio in dubio pro reo.


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B.2.a) – A “suficiência da prova”

Iniciemos a análise pelo NUIPC 420/21.7PAENT.

A concreta argumentação do recorrente assenta em argumentos de apreciação probatória que se impõe analisar para apurar se podem integrar-se nos referidos conceitos de erro notório na apreciação da prova e de violação do princípio in dubio pro reo, tendo sempre presente que o primeiro conceito exige - como vício relevante em processo penal – que tal erro seja, segundo a doutrina e jurisprudência, o que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar (apenas) do texto da sentença conjugado com as regras da experiência comum. O que quer significar que só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado «que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa.» (Ac. STJ de 12.11.98, no BMJ 481-325).

Desde logo concordamos com o tribunal recorrido quando expende considerações a propósito do reconhecimento de pessoas, o que não espanta na medida em que dos 27 parágrafos de tal despacho, 23 dos ali realçados a bold no ponto A.2 deste acórdão - sem aspas nem referência à fonte - correspondem ipsis verbis ao nosso relato no Acórdão de 29-03-2016 desta Relação de Évora, no processo nº 97/13.3PBFAR.E1.

(http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/1d1314e3e33f33e380257f94002e452e?OpenDocument).

Logo, haverá que passar à análise dos temas propostos pelo recorrente, seguindo a sua sistematização por factos que sustentam a sua divergência recursiva.


*

B.2.b) - A sua argumentação quanto aos factos dados como provados de 31 a 34 e 36 a 38 assenta nos seguintes pressupostos – conclusões 4ª a 15ª:

- a ofendida BB não viu o rosto do assaltante por este ter o rosto tapado por uma máscara;
- a circunstância de vestígios biológicos do arguido terem sido encontrada no interior do veículo roubado só prova que o arguido esteve dentro dele, não que foi o autor do crime;
- o facto de o arguido ter recebido boleia dada pela testemunha DD na localidade da Chamusca, onde ocorreu um acidente com a viatura roubada, já que a testemunha deu boleia “a demais passageiros”;
- a presunção realizada pelo tribunal recorrido só permite afirmar que o arguido esteve dentro do veículo roubado;

Explanar os factos que sustentam a presunção natural é uma exigência de apreciação probatória. Assim, invoca o recorrente:

- a viatura de matrícula (…), pertença de BB foi alvo de um acto ilícito – roubo - praticado em Vila Franca de Xira por um único assaltante dispondo de máscara e capuz que lhe tapava o rosto e armado com uma faca de cozinha;
- tal circunstância não permitiu à ofendida a identificação do assaltante;
- a viatura de matrícula (…) foi interveniente em acidente de viação na localidade da Chamusca;
- vestígios biológicos do arguido foram encontrados no airbag do passageiro do lado do condutor;
- o arguido usufruiu de boleia dada pela testemunha DD logo após o acidente, não usando máscara, o que permitiu a sua identificação pela dita testemunha em auto de reconhecimento .

Como já se afirmou em anterior relato, há que reconhecer o papel essencial das presunções no direito probatório. Desde logo constatar que a presunção é uma “prova” reconhecida pelo ordenamento jurídico português, enquanto ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – artigos 349º e 351º do Código Civil - incluídos na Secção II do Capítulo II (Provas), do Sub-título IV, do Livro I do Código Civil. [1]

Ou seja, a motivação factual deve ser vista numa alargada abordagem metodológica, assente no contributo da lei, da doutrina e da jurisprudência e esta, a mais recente, insere na ponderação lógica das provas e dos factos – no âmbito da livre apreciação probatória - o apelo às regras de experiência comum (também critério legal), assim como às presunções naturais, “como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.[2]

Isto mais não é que o reconhecimento que as presunções assumem um essencial papel probatório, chegando a qualificar-se a presunção na jurisdição penal como um meio de prova, ao invés de mero raciocínio judicial de carácter probatório (v.g. Carlos Climent Durän, “La Prueba Penal”, Tirant lo Blanche, 2ª ed. Tomo I, pags. 868-869), ou a afiançar que “as presunções são o centro de gravidade de todo o sistema probatório” (Serra Dominguez, M – “Comentários al Código Civil y Compilaciones Forales”, pag. 554, apud, Climent Durän, ob. cit., I, 865).

A operatividade da presunção deve, no entanto, apresentar alguns requisitos metodológicos básicos. Em sede de desenvolvimento dos requisitos metodológicos referidos devemos ter presente que o facto provado (factum probatum) a base da presunção, a sua premissa inicial, nem sempre permite concluir pelo factum probandum (o facto desconhecido a provar), o que exige maior desenvolvimento fundamentador.

A argumentação lógica a desenvolver numa presunção simples supõe o estabelecimento de um nexo causal entre o facto conhecido e o facto desconhecido, supõe a existência de regras da experiência, de convivência social, observadas empiricamente e que permitam relacionar os dois factos. Ou seja, partindo-se de um facto conhecido e fazendo operar uma máxima da experiência conclui-se logicamente pela existência de um facto desconhecido.

A doutrina brasileira, [3] na sequência da previsão do artigo 1.353º do Código Civil francês, impõe como condições de operatividade das presunções o serem “graves”, “precisas” e “concordantes”. [4]

Como já referido, são graves quando “as relações do fato desconhecido com o facto conhecido são tais que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro”, precisas quando “as induções, resultando do fato conhecido, tendem a estabelecer direta e particularmente o facto desconhecido …” e concordantes quando “tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem pelo conjunto e harmonia, a firmar o fato que se quer provar”. [5]

Por seu turno, o artigo 1253º do Código Civil espanhol que essa relação deve ser precisa e directa. Não custa aceitar a aplicação desses dois critérios epistemológicos de tão óbvia adequação e tão reveladores daquele juízo de causalidade.

Assevera a doutrina que essa relação deve ser unívoca e precisa, logo necessária. Deve evitar-se atribuir força probatória a uma relação que seja contingente, porque equívoca (“Los hechos en el derecho - Bases argumentales de la prueba”, Gáscon Abellán, pag. 139). Essa presunção fortalecer-se-á se houver concordância de juízos no caso de pluralidade de factos que conduzem à conclusão.

Em resumo, a presunção com base no factum probatum permite a ligação ao factum probandum se a presunção se basear num juízo lógico seguro, causal, sequencial, preciso, directo e unívoco. Não basta, pois, a mera verosimilhança, o provável, o plausível, para que se permita operar de forma capaz uma presunção hominis.

Permitirão, no caso sub iudicio, os factos provados ser a base de uma presunção de facto? Pode afirmar-se que aos elementos de prova directa ou indirecta do factum probatum se segue a possibilidade de imputação dos factos ao arguido com base na prova obtida directamente – roubo com máscara, posse do veículo, presença de vestígios biológicos do arguido no airbag da viatura? Trata-se de aplicar ao caso o brocardo id quod plerumque accidit (É o que geralmente acontece)?

Entendemos claramente que sim. É possível estabelecer um juízo lógico seguro, causal, sequencial, preciso, directo e unívoco entre a actividade percepcionada, com prova directa da existência de um roubo e da presença de vestígios biológicos na viatura logo após o acidente.

A única coisa que a presunção não permite é afirmar que o arguido tenha sido o único autor do facto, já que os seus vestígios foram encontrados no lugar do passageiro!

Mas permite afirmar com segurança que após o roubo o arguido e, ao menos, um outro indivíduo, usaram o veículo roubado e nele se deslocaram para a Chamusca, local onde ocorreu o acidente.

Mas, é claro, que tal presunção, por si só, não permite imputar o roubo ao arguido.

Tal, no entanto, estará dependente da análise a efectuar quanto à prova dos factos 52 a 58, através do seu modus operandi.

Ora, já em sede de direito, é sabido que a actuação em co-autoria alarga a todos os comparticipantes a responsabilidade penal de todos eles a todos os actos praticados.


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B.2.c) – Relativamente à insatisfação do recorrente quanto aos factos do NUIPC 420/21.7PAENT – factos 52 a 56 e 59 a 61 – a argumentação do recorrente estriba-se nas seguintes invocações (conclusões 20ª a 27ª):

- tendo ocorrido os factos no dia 12 de Novembro de 2021 era corrente que qualquer pessoa usasse uma máscara, nomeadamente a cirúrgica, na medida em que para frequentar diversos espaços públicos o seu uso, como é do conhecimento geral, era obrigatório.
- pelo que se identificando o mesmo “modos operandi” e características semelhantes com base essencialmente de se ter a cara tapada com uma máscara cirúrgica, com o devido respeito por opinião contrária, à data, era tudo menos identificar alguma particularidade específica.
- a presença de uma máscara no interior do veículo não só não é suficiente para concluir que foi o Arguido quem praticou tais factos, como nem é possível afirmar, sem dúvida razoável, que o Arguido chegou a estar definitivamente dentro do seu habitáculo.
- tratando-se, assim, também de uma presunção que perde diversas etapas cronológicas e que apenas permite saber que efectivamente uma máscara do Arguido estava no seu interior.
- Já não sendo suficiente para descortinar como a mesma ali foi parar e, muito menos, para concluir que foi o Arguido quem roubou a viatura.

Aqui importa iniciar a apreciação pela afirmação de que a presença da máscara com vestígios biológicos do arguido no interior da viatura roubada – de matrícula 10-47-TG – não é o resultado de uma presunção, como o recorrente parece sugerir, mas sim uma prova directa.

Que acompanha outras provas directas, designadamente que o arguido foi identificado no interior da viatura já sem máscara e, logo perseguido, “a testemunha JJ asseverou (…) que conseguiu vislumbrar o rosto do arguido quando entrou no veículo e tirou a máscara e que, sobretudo, logrou confirmar que se tratava do mesmo sujeito que, a sequência da perseguição policial encetada, acabou por, a final, ser interceptado e identificado” (fundamentação de facto do tribunal recorrido).

E, sobretudo, que “a testemunha JJ, militar da Guarda Nacional Republicana, avistou o arguido a abandonar o local do crime no veículo com a matrícula (…) imediatamente após a prática dos factos e, nessa sequência, desencadeou, em concertação com os colegas TT e UU, toda a operação policial que culminou com a detenção do arguido” (fundamentação de facto do tribunal recorrido).

Ou seja, estamos perante três provas directas de forte valor probatório onde, sequer, é necessário um grande labor por presunção, já que se trata de um quase flagrante delito.

Logo, a análise feita pela similitude do modus operandi com o NUIPC 688/21.9PAVFX é legítima e sustentada, permitindo o seu funcionamento nos dois sentidos entre os dois NUIPCs e adjuva a prova da imputação dos factos provados de 31 a 34 e 36 a 38 ao arguido.

Não há, pois, que censurar o uso de presunções simples pelo tribunal recorrido, nem a apreciação da prova realizada quanto aos factos dados como provados 31 a 34 e 36 a 38 e 52 a 56 e 59 a 61.


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B.4. – O princípio in dubio pro reo

Já firmámos em relato nesta Relação de Évora em acórdão 03/08/2018 (proc. 1360/14.IT9STB.E1) que:

1 - O princípio in dubio pro reo é habitualmente usado para nele integrar três realidades distintas, gerando alguma indeterminação de conceitos. As regras de apreciação de concretos meios de prova no âmbito do artigo 127º do C.P.P. e o standard probatório necessário à condenação são conceitos que se não confundem com aquele princípio. São três conceitos distintos.
2 - Quando se aprecia a prova no âmbito do artigo 127º do C.P.P. usa-se a razão, os conhecimentos empíricos, os conhecimentos técnicos e científicos, as regras sociais e de experiência comum. Aqui não há método dubitativo, há métodos racionais de dedução e indução.
3 - Operar o princípio in dubio pro reo pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório, mas apenas no final do processo racional de decisão sobre a matéria de facto.
4 - Quando se formula um juízo de convicção tem-se presente a existência de uma presunção de inocência e, por isso, não vale um mero juízo de maior probabilidade de que os factos terão ocorrido de determinada forma, exigindo-se um forte juízo de certeza de que os factos terão ocorrido de determinada forma, não de outra.
5 - Isto é, o juiz pode ver-se confrontado, a final quando constrói a sua convicção, com três situações:
- ou tem dúvidas sobre como ocorreram os factos e usa o princípio in dubio pro reo e dá-os como não provados;
- ou constrói um juízo de mera probabilidade de que os factos ocorreram de determinada forma e deve dar os factos incriminatórios como não provados;
- finalmente, tem uma certeza judicial de que os factos ocorreram de determinada forma e dá os factos como provados.

E a divergência revelada pelo recorrente leva-nos a repetir o afirmado e também referido noutros relatos.

A inconformidade do recorrente – e porque não impugna a matéria de facto à luz do artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP – não pode conduzir a uma alteração de facto da sentença recorrida visto o disposto no art. 431º do diploma citado.

A invocação do recorrente assenta na ideia de que ocorre violação do princípio da livre apreciação da prova na medida em que entende que o tribunal deveria ter considerado a prova insuficiente para a condenação ou, no mínimo, permanecido em dúvida quanto à imputação dos factos ao arguido.

A diferenciação destas situações provoca na praxis judicial, ao que parece, alguma perplexidade. No fundo, a essência da insatisfação do recorrente é: será o juízo obtido pelo tribunal recorrido suficiente para uma condenação penal? O que centra a discussão no que seja a certeza judicial exigível para uma condenação penal.

E ela é expressa em duas frases que se entendem não permitirem melhor explanação, a continental europeia “probabilidade que roça a certeza” e a anglo-saxónica “beyond reasonable doubt”, ambas expressando idêntica realidade, o mais exigente standard de prova.

Ambas exigem a formulação de um juízo que deve assentar em elementos concretos, objectivos, existentes no processo e que conduzam a um elevado grau de probabilidade de que os factos ocorreram de determinada forma e não de outra.

E, no caso sub iudicio, entende-se que tal certeza foi alcançada.

Sendo certo que pela simples leitura da decisão recorrida se não pode chegar à conclusão de que tal erro notório ocorra e os argumentos do recorrente são insuficientes para se concluir pela existência dos apontados vícios de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova


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C - Dispositivo:

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente com 3 (três) UCs de taxa de justiça.

Notifique.

Évora, 28-06-2023.

(Processado e revisto pelo relator)


João Gomes de Sousa

Fátima Bernardes

Beatriz Marques Borges


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[1] - O artigo 1349º do Código Civil francês vigente (Créé par Loi 1804-02-07, promulguée le 17 février 1804), estipula que «Les présomptions sont des conséquences que la loi ou le magistrat tire d'un fait connu à un fait inconnu.» - http://www.legifrance.gouv.fr/.
[2] - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (proc. 03P3213, Relator Cons. Henriques Gaspar): «5ª. Na passagem de um facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. 6ª. Na presunção deve existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido; a existência de espaços vazios no percurso lógico determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões».
[3] - Carlos Maluf, in “As presunções na teoria da prova”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vol. 79, 1984 (192-223), pag. 207.
[4] - Artigo 1.353º do Código Civil francês: «Les présomptions qui ne sont point établies par la loi, sont abandonnées aux lumières et à la prudence du magistrat, qui ne doit admettre que des présomptions graves, précises et concordantes, et dans les cas seulement où la loi admet les preuves testimoniales, à moins que l'acte ne soit attaqué pour cause de fraude ou de dol.» - http://www.legifrance.gouv.fr/.
[5] - Carvalho Santos in “Código de Processo Interpretado”, pag. 403, apud Carlos Maluf, ob. e loc. cit.