I- Tendo o Banco réu sido condenado a pagar uma indemnização, na qualidade de Comitente (art.500º do CC), por factos ilícitos praticados pelos seus funcionários, essa indemnização compreende-se teleologicamente no âmbito do art.12º do CIRS, pelo que os inerentes juros de mora não podem ser vistos como rendimentos de capitais, encontrando-se, portanto, excluídos de tributação nos termos da exceção consagrada na parte final da alínea g) do n.2 do art.5º do CIRS.
II- Assim, não podia o Banco réu-executado ter procedido à retenção na fonte, para efeitos de IRS, de uma parte daqueles juros como se eles fossem rendimentos de capitais.
III- Tais juros têm a função de compensar o credor pela privação ou indisponibilidade involuntária do capital, na data em que esse capital lhe devia ter sido restituído, se não fosse o facto ilícito praticado pelos comissários do réu-executado.
IV- Assim, não tem o Banco executado fundamento para se opor à execução, movida pelo autor-exequente, quando invoca que o montante retido respeitaria a rendimentos de capitais.
Processo n. º 17050/19.6T8LSB-A.L1.S1
Recorrente (Executado e Embargante): BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.
Recorrido (Exequente e Embargado): AA.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. AA moveu ação executiva para pagamento de quantia certa contra BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., na qual apresentou como título executivo a sentença proferida em 05.09.2018, nos termos da qual o réu-executado foi condenado a pagar ao autor-exequente a quantia de 654.986,72 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal.
Entretanto, o executado pagou ao exequente a quantia de 807.911,22 €, em 18.09.2018, mas deduziu aos juros moratórios em dívida o montante relativo à retenção na fonte para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
2. Por estar convencido da legalidade do seu comportamento, o Banco deduziu oposição à execução mediante embargos de executado, pugnando pela extinção da execução, por entender nada estar em dívida. O exequente contestou, defendendo a improcedência dos embargos.
3. A primeira instância julgou os embargos improcedentes, e determinou o prosseguimento da execução, por ter entendido que, ao proceder àquela retenção na fonte, o executado-embargante não havia realizado a prestação integral a que estava adstrito.
Inconformado, o embargante interpôs recurso de apelação, mas o TRL confirmou a decisão recorrida, sem voto de vencido e sem fundamentação diversa.
4. Ainda inconformado com o acórdão do TRL, o apelante interpôs recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1) O presente recurso tem por objecto essencial a questão de decidir se os juros de mora devidos ao embargado são considerados rendimentos de capitais, para efeitos do artº 5º nº 2 al. g) do CIRS e se, por isso, estão sujeitos a retenção na fonte de IRS, caindo na delimitação negativa de incidência tal qual prevista no artº 12 nº 1 al. b) do mesmo diploma.
2) Consideraram as instâncias que no caso os ditos juros de mora não estão sujeitos a retenção na fonte, seja por aplicação directa das referidas normas (no caso da sentença da 1ª instância), seja por não se tratarem de juros moratórios com origem em responsabilidade contratual (no caso do douto acórdão recorrido), considerando portanto que o embargante é devedor das quantias que reteve na fonte.
Ora,
3) A Autoridade Tributária pronunciou-se já sobre esta matéria, por informação vinculativa no processo nº ...18, com despacho concordante da Subdiretora Geral do IR, de 24-04-2018 (vide documento junto), demonstrando que não existe uma tendência uniforme sobre o tema, dispondo que “esses rendimentos configuram antes rendimentos de capitais (Categoria E), nos termos da alínea g) do nº 2 do artigo 5º do Código do IRS, que qualificam como rendimentos desta categoria os juros ou quaisquer acréscimos de crédito pecuniário resultantes da dilação do respetivo vencimento ou mora no seu pagamento sejam legais ou contratuais (...) A retenção na fonte do imposto respeitante aos juros de mora tem natureza definitiva, sem prejuízo da opção pelo englobamento dos rendimentos, caso em que, se exercer a opção, o requerente fica obrigado a englobar a totalidade dos rendimentos da mesma categoria de rendimentos (categoria E), devendo estes e as respetivas retenções na fonte de imposto serem incluídos na Declaração Modelo 3 de IRS, mediante o preenchimento do Anexo E”
4) Esta indefinição é tão mais grave quanto é certo que se a retenção pode implicar, como no caso sub judice, a obrigação de pagar duas vezes o valor retido, a não retenção pode implicar responsabilidade tributária e eventualmente contra-ordenacional, e tem consequências práticas absolutamente graves para devedor e credor, mas em particular para aquele, cabendo lugar a uma decisão que possa sustentar uma boa e certa aplicação do direito.
5. A boa aplicação do direito, de facto, implica, antes de tudo o mais, que o direito seja relativamente certo, com critérios relativamente claros e uniformes, de forma que possam todos os agentes no comércio jurídico agir ao abrigo de uma razoável segurança jurídica – o que não vem sucedendo no caso em apreço.
6) Impõe-se, pois, o esclarecimento visado por este recurso seja
a. pela desejada boa e uniforme aplicação do direito, concretamente de forma uniforme entre Autoridade Tributária e Tribunais Judiciais, não deixando as partes ao sabor de interpretações casuísticas, ou
b. pela relevância social que a questão assume, essencialmente pela ponderação da verificação de um incumprimento de um direito de crédito em benefício do Estado, numa das soluções, ou pela verificação de um ilícito tributário e contra-ordenacional na outra!
7) Justifica-se assim a admissibilidade do presente recurso ao abrigo do disposto no artº 672 nº1 als. a) e b) do Código de Processo Civil.
Dito isto,
8) Uma indemnização quando fundada em responsabilidade extracontratual implica um dano, correspondendo os juros de mora do respectivo pagamento, quando a eles haja lugar, a uma reconstituição da situação do lesado no caso de não ter sofrido a lesão. Em tal hipótese, os juros moratórios serão verdadeiramente juros compensatórios, não implicando um incremento patrimonial susceptível de ser considerado um rendimento, e ainda menos um rendimento tributável.
9) O mesmo raciocínio não se estende à responsabilidade contratual, caso em que a indemnização visa reconstituir a prestação, e com isso o rendimento do credor.
10) O douto acórdão recorrido assume, acriticamente, que o caso da indemnização arbitrada ao embargado é um caso sui generis por ser enquadrado no artº 500º como seria fundamentado na própria sentença executada, para daí retirar que no caso a indemnização do embargante se fundaria no risco, e com isso em acto ilícito extracontratual de colaboradores seus.
11) A situação de base no caso decidido pela sentença dada a execução mais não resulta do que a execução de ordens falsificadas sobre a conta bancária do embargado, no âmbito de relação contratual de abertura e de conta e de depósito bancário celebrados entre as partes.
12) A fundamentação de direito por que a sentença optou não vincula, de per se, as partes ou terceiros quanto à determinação de regimes legais aplicáveis e que, portanto, não podem decorrer daquela.
13) Na sequência da economia da douta decisão recorrida, a retenção na fonte de IRS é devida se a indemnização tiver origem em responsabilidade contratual, mas isso vale independentemente do que a fundamentação da decisão executada exponha, pois que só a parte decisória da sentença é verdadeiramente oponível às partes e a terceiros.
14. Tendo em vista o título executivo dado à execução nos autos principais, e em particular os factos considerados como provados, logo se verifica estarmos perante a condenação do embargante por responsabilidade contratual, ainda que por via de actos dos seus colaboradores ou auxiliares, incorrendo o embargante numa responsabilidade contratual, directa e com base, além do mais, no artº 800º do Código Civil, e não no artº 500º do mesmo diploma, aplicável apenas a situações de responsabilidade extracontratual
15) Não podemos senão concluir que, tratando-se de um caso em que a indemnização fixada ao Embargado resulta de responsabilidade contratual, não poderia nunca o Embargante deixar de proceder à retenção na fonte de IRS sobre os juros moratórios que eram devidos àquele – o que o embargante fez! E com isso cumpriu de forma integral a obrigação a que foi condenado.
16) Ao reter na fonte o IRS sobre os juros de mora, o embargante agiu por conta e no interesse do embargado, não lhe tendo subtraído qualquer valor à indemnização, apenas retendo uma parte para a entregar ao Estado, com quem o embargado inevitavelmente acertará contas no momento da declaração e liquidação das suas obrigações tributárias em sede de IRS.
17) E por isso mesmo, também por esta via, deverá ter-se a obrigação exequenda por extinta pelo cumprimento, sob pena de o embargado beneficiar de um manifesto enriquecimento sem causa!
18) A decisão recorrida violou, por errónea interpretação ou aplicação o previsto nos artºs artº 5º nº 2 al. g) e artº 12º nº 1 al. b) ambos do CIRS e 762º, 769º e 770º al. f) do Código Civil.
Termos em que se conclui pela admissibilidade e procedência do presente recurso de revista, e em consequência pela revogação do douto acórdão recorrido e sua substituição por decisão que julgue os embargos de executados procedentes, com a subsequente extinção da execução, assim se fazendo justiça.»
5. O recorrido (exequente e embargado) apresentou contra-alegações, nas quais requereu que o tribunal determinasse:
«a) A imediata improcedência do recurso, porque o Executado nunca até agora provou a entrega ao Estado da quantia retida ao Exequente, não obstante notificado várias vezes para o efeito, o que põe em crise toda a sua argumentação subsequente;
b) A não admissão do documento junto com as alegações e respectivo desentranhamento, porque, manifestamente, não estão cumpridos os requisitos constantes do art.º 651.º, n.º 1 do CPC;
c) De todo o modo, a inadmissibilidade do recurso de revista sub judice, por não estarem cumpridos os requisitos previstos nas diversas alíneas do artigo 672º, do CPC;
d) Sem prejuízo do supra exposto e em qualquer dos casos, a improcedência do recurso e a confirmação das decisões de 1ª e 2ª instância, que nenhuma censura merecem, tudo com as legais consequências.»
6. O recurso veio a ser admitido como revista excecional pela Formação a que alude o art.672º, n.3 do CPC, com base nas alíneas a) e b) do n.1 do art.672º do CPC.
Cabe apreciar.
*
II. FUNDAMENTOS DECISÓRIOS
1. Admissibilidade e objeto do recurso
Como supra referido, o recurso foi admitido como revista excecional. O seu objeto consiste em saber se o montante correspondente aos juros que o executado, agora embargante, foi condenado a pagar (na sentença que constitui título executivo da execução em curso) estão sujeitos a retenção na fonte segundo as regras respeitantes ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).
2. A factualidade provada
As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:
«1. Na ação declarativa de condenação com o n.º 1788/10...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Cível ... - Juiz ..., em que foi autor AA e réu BPN - Banco Português de Negócios, S.A., foi proferida sentença, em 5 de setembro de 2018, nos termos da qual o ali réu foi condenado a pagar ao ali autor a quantia de seiscentos e cinquenta e quatro mil novecentos e oitenta e seis euros e setenta e dois cêntimos (654.986,72), acrescida de juros de mora, à taxa legal.
2. Nos autos de execução a que coube o n.º17050/19.6T8LSB, em que é exequente AA e executado Banco BIC Português, S.A. (anteriormente BPN - Banco Português de Negócios, S.A.), ora embargante, vem apresentado como título executivo, a sentença referida em 1.
3. O executado/embargante pagou ao exequente a quantia de 807.911,22 €, em 18 de setembro de 2018, tendo deduzido nos juros moratórios em dívida o montante relativo à retenção na fonte para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Este tribunal dá ainda como provado que:
4. A sentença dada à execução baseia a condenação no artigo 500º do CC.»
3. O direito aplicável
3.1. Como supra referido, está em causa na presente revista a questão de saber se o montante correspondente aos juros que o executado, agora embargante, foi condenado a pagar (na sentença que constitui título executivo da execução em curso) estão sujeitos a retenção na fonte segundo as regras respeitantes ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).
O acórdão recorrido, seguindo, na essência, a fundamentação da decisão da primeira instância, entendeu que os juros que o executado havia sido condenado a pagar não deviam ser considerados como rendimentos de capitais, porquanto seriam comportáveis na exceção prevista na parte final da alínea g) do n.2 do art.5º do CIRS, conjugado com o art.12º desse diploma.
Neste sentido veio também, recentemente, a pronunciar-se o STJ, em acórdão de 30.03.2023 (relatora Catarina Serra)[1], proferido no processo n. 3639/18.4T8PBLA.C1.S1, num caso com algumas semelhanças com o dos presentes autos, no qual se sumariou o seguinte entendimento:
«(…) sendo, os juros de mora respeitantes a indemnização por danos materiais, determinada por decisão judicial, com fundamento em responsabilidade no âmbito de seguro de danos, não estão sujeitos a tributação em sede fiscal, nos termos dos artigos 5.º, n.º 1, al. g), in fine, e 12.º, n.º 1, al. b), do CIRS.»
Em jurisprudência menos recente, e respeitante a indemnizações emergentes de acidentes de viação, o STJ já se tinha pronunciado no sentido de os inerentes juros não estarem sujeitos a retenção na fonte. Veja-se:
Acórdão de 09.03.2004 (relator Oliveira Barros), no proc. n. 4269/03:
«(…) não sendo, nomeadamente, passíveis de IRS os juros das indemnizações por acidentes de viação, as seguradoras não podem efectuar qualquer retenção dessas importâncias a esse título, revelando-se, consoante art.º 763, n.º 1, CC, justificada a recusa de receber a indemnização com tal indevida dedução.»
3.2. Vista a jurisprudência pertinente, veja-se agora o quadro legal em causa.
Dispõe o artigo 5º do CIRS (com a epígrafe “Rendimentos da categoria E”):
«1- Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
(…)
g) Os juros ou quaisquer acréscimos de crédito pecuniário resultantes da dilação do respetivo vencimento ou de mora no seu pagamento, sejam legais sejam contratuais, com exceção dos juros devidos ao Estado ou a outros entes públicos por atraso na liquidação ou mora no pagamento de quaisquer contribuições, impostos ou taxas e dos juros atribuídos no âmbito de uma indemnização não sujeita a tributação nos termos do n.º 1 do artigo 12.º; (…)»
E estabelece o artigo 12º do CIRS (com a epígrafe “Delimitação negativa de incidência”):
«1 - O IRS não incide, salvo quanto às prestações previstas no regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, alterado pelas Leis n.os 59/2008, de 11 de setembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, e 11/2014, de 6 de março, sobre as indemnizações devidas em consequência de lesão corporal, doença ou morte, pagas ou atribuídas, nelas se incluindo as pensões e indemnizações auferidas em resultado do cumprimento do serviço militar, as atribuídas ao abrigo do artigo 127.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, e as pensões de preço de sangue, bem como a transmissão ao cônjuge ou unido de facto sobrevivo de pensão de deficiente militar auferida ao abrigo do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 240/98, de 7 de agosto:
(…)
b) Ao abrigo de contrato de seguro, decisão judicial ou acordo homologado judicialmente; (…)»
Assim, extrai-se do art. 12º do CIRS que o IRS não incide sobre as indemnizações devidas em consequência de lesão corporal, doença ou morte, atribuídas ao abrigo de decisão judicial; e resulta do art.5º, n.2, alínea g) do mesmo diploma que os juros respeitantes a uma indemnização não sujeita a tributação nos termos do art.12º estão excluídos do conceito de rendimentos de capitais, para efeitos de tributação enquanto rendimentos da categoria E.
Literalmente, o art.12º não se refere a toda e qualquer indemnização atribuída através de decisão judicial, mas apenas a indemnizações devidas “em consequência de lesão corporal, doença ou morte”.
As indemnizações a que o lesado tem direito em tais hipóteses, que assentam na violação de direitos absolutos (e na verificação dos demais requisitos previstos no art.483º do CC), compreendem tanto os danos patrimoniais como os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado (artigos 564º, 566º, 496º do CC)[2]. Assim, é de questionar porque razão não poderão caber no âmbito do art.12º do CIRS indemnizações resultantes da violação de outros direitos absolutos (como o direito de propriedade) que também são suscetíveis de gerar o mesmo tipo de danos. Na realidade, não se identifica qualquer razão para não tratar de modo idêntico as indemnizações emergentes da violação de outros direitos absolutos (para além da vida e da integridade física, expressamente contemplados no art.12º do CIRS).
Assim, poderá concluir-se que aquele enunciado legal não tem um alcance imperativamente fechado, mas sim natureza exemplificativa, nele se compreendendo teleologicamente a violação de outros direitos geradores de responsabilidade civil, podendo essa responsabilidade ser simultaneamente contratual e extracontratual, quando (para além de existir lesão de direitos absolutos) as partes também se encontravam ligadas por uma relação contratual[3].
Aliás, as indemnizações devidas “em consequência de lesão corporal, doença ou morte” (expressamente referidas no art.12º do CIRS), embora pressuponham a violação de direitos absolutos, podem verificar-se em hipóteses nas quais exista, simultaneamente, uma relação contratual entre lesante e lesado (por exemplo, uma relação laboral ou um contrato de prestação de serviços médicos).
O STJ já se pronunciou sobre o alcance do art.12º do CIRS, quando no supra citado acórdão de 30.03.2023 (respeitante a um seguro de incêndio) afirmou o seguinte:
«Não obstante da letra do artigo 12.º, n.º 1, do CIRS resultar que a norma apenas se refere a indemnizações por “danos corporais”, há razões para entender que o regime se aplica igualmente à indemnizações por “danos materiais”. Vendo bem, nada distingue estas indemnizações no plano funcional e estrutural (que são os que relevam para estes efeitos). Tanto num como noutro caso, o montante indemnizatório visa reconstituir a situação que existiria se o facto lesivo não tivesse ocorrido e, tanto num como noutro caso, a indemnização integra os juros devidos em função do tempo que leva a realizar este propósito (…)»
3.3. No caso dos presentes autos, embora não haja que proceder a qualquer tipo de consideração sobre a sentença que serviu de título executivo à execução, deve, porém, ter-se presente que as instâncias integraram na factualidade assente a circunstância de aquela sentença ter baseado a condenação no art.500º do CC (e não em pura responsabilidade contratual, como defendido pelo recorrente). Trata-se de uma hipótese de responsabilidade objetiva do Banco, enquanto comitente, que funciona, no plano da relação com o lesado, como garante do pagamento da indemnização. Todavia, tal responsabilidade do Banco réu pressupõe a responsabilização do comissário por factos ilícitos nos termos do art.483º do CC, como decorre do art.500º, n.1, in fine[4]. Trata-se, portanto, também aqui de uma hipótese de responsabilização que, na sua base, pressupõe a violação de direitos absolutos, geradora da obrigação de indemnizar todos os danos que o lesado não teria sofrido se não fosse o facto ilícito (art.562º e seguintes do CC).
Neste quadro, os juros de mora que o réu-executado foi condenado a pagar não podem ser vistos como rendimentos de capitais; são, sim, um montante que visa compensar o credor pela privação ou indisponibilidade involuntária do capital, na data em que esse capital lhe devia ter sido restituído, se não fosse o facto ilícito praticado pelos comissários do réu-executado.
Conclui-se, portanto, que a indemnização a que o Banco réu foi condenado a pagar se compreende teleologicamente no âmbito do art.12º do CIRS, pelo que os inerentes juros de mora não podem ser vistos como rendimentos de capitais, encontrando-se, portanto, excluídos de tributação nos termos da exceção consagrada na parte final da alínea g) do n.2 do art.5º do CIRS.
Deste modo, concluiu-se que as instâncias decidiram corretamente ao considerarem os embargos improcedentes e, consequentemente, determinarem a prossecução da pertinente tramitação processual.
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DECISÃO: Pelo exposto, considera-se a revista improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas: pela recorrente.
Lisboa, 15.06.2023
Maria Olinda Garcia (Relatora)
Ricardo Costa
António Barateiro Martins
___________________________________________________
[1] Publicado em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9734b1be7491b3938025898300503e3f?OpenDocument
[2] Veja-se: Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I (10ª ed), pág. 521.
[3] Sobre a hipótese de um mesmo facto gerar simultaneamente responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual, vd. Antunes Varela, op. cit., página 522.
[4] Sobre os pressupostos da responsabilidade do comitente, vd. Antunes Varela, op. cit., página 638º e seguintes (particularmente página 642).