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NULIDADE
INSUFICIÊNCIA DA INSTRUÇÃO
Sumário
A omissão de diligências não impostas por lei não determina a insuficiência da instrução.
Texto Integral
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I
1. B....., notificado da acusação particular contra si deduzida (que veio a ser acompanhada pelo Ministério Público), requereu a abertura da instrução, indicando prova documental que seria relevante obter, arrolando testemunhas a ouvir a toda a matéria do requerimento e solicitando a realização de um acareação entre si e o assistente.
2. Distribuído o processo ao -.º juízo do Tribunal Judicial da....., com o n.º ../00, foi aberta a instrução e foram realizadas diversas diligências instrutórias.
3. Por despacho de 02-02-2004, foi designada data para o debate instrutório por o Exm.º Juiz ter entendido, na consideração da prova já produzida, não ser necessário proceder à realização de qualquer outro acto instrutório requerido.
4. Na sequência, o arguido veio arguir a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo Penal.
5. Por despacho de 29-04-2004, foi decidido indeferir o requerimento de arguição da nulidade com fundamento em o tribunal não ter deixado de praticar quaisquer diligências que se pudessem reputar essenciais para a descoberta da verdade.
6. Desse despacho vem interposto o presente recurso, no qual o recorrente formula as seguintes conclusões:
«A) Entende o recorrente que é imprescindível a inquirição de todas as testemunhas arroladas para a demonstração de tudo quanto é alegado no requerimento de abertura de instrução;
«B) Entende o recorrente que, não tendo sido produzida qualquer prova à supra referida matéria, e porque a inquirição de tais testemunhas é seguramente imprescindível para o correcto e cabal esclarecimento da mesma, verificada se mostra a invocada nulidade, mas de igual modo o princípio constitucional consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da nossa lei fundamental;
«C) No conteúdo do direito de defesa compreende-se o direito a utilizar os meios de prova pertinentes e justificada a respectiva produção, como efectivamente sucede in casu;
«D) Se aliarmos tal falta de produção de prova ao facto das testemunhas até ao momento ouvidas – fls. 141 e ss. e 173 e ss. - terem referido nada saber ou mesmo desconhecer a mencionada factualidade, entende o ora recorrente ser de concluir que está ao mesmo a ser cerceado no direito de produzir a respectiva e necessária prova, o que tudo configura a oportunamente invocada nulidade e inconstitucionalidade;
«E) Requerido pelo ora recorrente em número 44 do requerimento de abertura de instrução que fosse produzida determinada prova documental em poder de terceiro com vista à demonstração da factualidade alegada, sendo que, relativamente a tal produção de prova, nada foi expressamente referido por este mesmo tribunal, o que seguramente, sucedeu por mero lapso;
«F) Entende de tal modo o arguido, ora recorrente, ser imprescindível in casu a inquirição a tal matéria das mencionadas testemunhas presenciais, bem como a produção da requerida prova documental, o que, a não suceder, certamente configura uma insuficiência da instrução nos moldes em que o recorrente sustenta a insuficiência de indícios e o subsequente despacho de não pronúncia, bem como a impossibilidade do mesmo em demonstrar a factualidade vertida ao longo do requerimento de abertura da instrução;
«G) Ao decidir como decidiu o tribunal recorrido violou e/ou interpretou erradamente, entre outros, o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da nossa lei fundamental e artigo 292.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.»
7. Admitido o recurso, a subir imediatamente, em separado e sem efeito suspensivo, e ordenadas as legais notificações, apresentou resposta o Ministério Público no sentido de que o recurso não merece provimento.
8. Ordenada a remessa dos autos a este tribunal, na vista a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal [Daqui em diante abreviadamente designado pelas iniciais CPP.], o Exm.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela inadmissibilidade do recurso, a determinar a sua rejeição, por, à excepção do debate instrutório, os actos de instrução a praticar dependerem da livre resolução do juiz de instrução ou, de todo o modo, pela confirmação da decisão recorrida.
9. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.
10. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
II
Cumpre decidir.
1. O juiz de instrução investiga autonomamente o caso submetido a instrução, tendo em conta as indicações que devem constar do requerimento para abertura da instrução, referidas no n.º 2 do artigo 287.º do CPP (artigo 288.º, n.º 4, do CPP).
A instrução é formada pelo conjunto de actos de instrução que o juiz entenda levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório (artigo 289.º, n.º 1, do CPP).
O juiz pratica todos os actos necessários à realização das finalidades da instrução (artigo 290.º, n.º 1, do CPP), pela ordem que reputar mais conveniente para o apuramento da verdade (artigo 291.º, n.º 1, primeiro segmento, do CPP).
E indefere, por despacho irrecorrível, os actos requeridos que não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considerar úteis (artigo 291.º, n.º 1, segundo segmento do CPP).
«Pode, assim, afirmar-se que o juiz de instrução é o verdadeiro senhor do processo nesta fase, em que a sua estrutura acusatória deverá apresentar-se integrada pelo princípio da investigação, ainda que o requerimento inicial funcione como ponto de referência de toda a averiguação.
«Assinale-se, contudo, que a instrução pode confinar-se apenas ao debate instrutório (este sempre obrigatório) e à decisão final. Assim sucederá quando o J.I.C. tenha indeferido as diligências de instrução requeridas e entenda não ter que oficiosamente ordenar a realização de outras.» [M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II Volume, 2.ª edição, 2000, Editora Rei dos Livros, p. 178].
A lei consagra o princípio da livre actuação do juiz de instrução na realização dos actos de instrução.
«O legislador atribui ao juiz poderes ordenadores, sendo critério orientador o da idoneidade dos actos, tendo presente que aqui não se busca ainda a certeza, bastando a probabilidade (...).» [Gil Moreira dos Santos, O Direito Processual Penal, Edições Asa, p. 351]
«Assim, assiste-lhe o poder/dever de indeferir os actos requeridos que não interessem à instrução ou se revelem como meramente dilatórios do andamento do processo. Ao mesmo tempo, e em ordem à prossecução dos fins visados pela mesma instrução, cabe-lhe praticar ou ordenar que se pratiquem os actos ou diligências que se mostrarem mais apropriadas a tal efeito.» [Código de Processo Penal Anotado cit., p. 183].
E, justamente, por o juiz indeferir por despacho irrecorrível os actos investigatórios que se revelem inócuos ou dilatórios, é que o recorrente não atacou o despacho de indeferimento da realização das restantes diligências requeridas por via de recurso, mas por via da arguição da nulidade da insuficiência da instrução.
2. O presente recurso respeita, por isso mesmo, ao despacho que desatendeu a arguição da nulidade referida na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP.
Todavia, nem no momento processual em que foi arguida se poderá afirmar a nulidade da instrução, nem, de todo o modo, a falta de realização de diligências de instrução, relativas a inquirição de testemunhas ou junção de documentos, pode consubstanciar a nulidade arguida.
Por um lado, até ao debate instrutório e mesmo no decurso do debate instrutório pode ser produzida prova (artigo 302.º, n.º 2, do CPP).
E há, até, quem defenda [Gil Moreira dos Santos, ob cit., pp. 351 e 352.], por razões de celeridade, mas também para, com utilidade, se poder assegurar a imediatividade e concentração de provas e uma efectiva contraditoriedade aquando do debate instrutório, que «é errónea – e causa de longa pendência da instrução! -, aquilo que hoje ocorre: prática inútil e pouco profícua de actos de instrução, designadamente de prova pessoal, antes ou fora desse momento essencial». Daí que só deverão ser praticados como “actos de instrução” aqueles actos que sejam impossíveis de praticar no decurso do debate instrutório (p. ex. exames corporais, perícias contabilísticas, prova antecipada, buscas e apreensões).
Por isso, antes de encerrado o debate instrutório será sempre prematuro afirmar a nulidade da insuficiência da instrução a qual, ainda que se verifique, poderá ser suprida até esse momento.
Por outro lado, propendemos a considerar que só se poderá colocar a questão da insuficiência da instrução quando se tiver omitido a prática de um acto que a lei prescreve.
A omissão de diligências não impostas por lei não determina a insuficiência da instrução, pois a apreciação da necessidade dos actos de instrução é da competência exclusiva do juiz.
«A instrução é constituída pelos actos de instrução que o juiz entenda dever levar a cabo e, obrigatoriamente por um debate instrutório. Os actos de instrução nunca são obrigatórios, salvo o interrogatório do arguido, quando por este solicitado (artigos 291.º e 292.º, n.º 2). Só constitui, por isso, causa de insuficiência da instrução a falta de interrogatório do arguido, se por ele requerida, e a falta de debate instrutório [Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, 1993, pp. 67 e 68]»
Decorre do exposto que o despacho recorrido não merece qualquer censura.
III
Termos em que, na confirmação do despacho recorrido, negamos provimento ao recurso.
Por ter decaído, condena-se o recorrente em 4UC.
*
Porto, 2 de Fevereiro de 2005
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro
Agostinho Tavares Freitas