CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
TRADIÇÃO DA COISA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
PERDA DE INTERESSE
SINAL EM DOBRO
Sumário

1- Num contrato promessa de compra e venda de imóvel com tradição da coisa prometida, o acordo de tradição não é essencial ao contrato promessa, sendo um acordo complementar que pode ou não existir e que constitui apenas uma antecipação dos efeitos do contrato prometido.    
2- A violação pela promitente vendedora do acordo de tradição da coisa não é uma violação da obrigação principal, ou seja, da celebração do contrato prometido, pelo que tal violação só constitui incumprimento definitivo e fundamento de resolução do contrato se revelar uma intenção inequívoca de recusa de cumprimento por parte da promitente vendedora, ou se der causa a uma situação de perda de interesse objectivo por parte do promitente comprador, sendo que nenhuma destas situações se verifica no caso dos autos.     
3- Apesar da violação contratual do acordo de tradição por parte da promitente vendedora, a sua conduta não integra um incumprimento definitivo do contrato promessa, por manter a intenção de cumprir o contrato prometido e de ultrapassar os sucessivos adiamentos promovidos pelo promitente comprador, integrando, pelo contrário a conduta deste um incumprimento definitivo, primeiro ao resolver o contrato e exigir o sinal em dobro apesar de não estar em causa a celebração do contrato prometido e de não se encontrar em situação de perda objectiva do interesse no negócio e, posteriormente, ao recusar celebrar o contrato prometido sem que lhe fosse concedida uma redução de preço.
4- Improcede, pois, a pretensão do promitente comprador de obter a restituição do sinal em dobro da promitente vendedora, que, por seu lado, tem o direito de fazer seu o sinal prestado.

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
D… intentou a presente acção declarativa com processo comum contra M…, alegando, em síntese, que fixou a sua residência e de seu irmão num imóvel objecto de um contrato de arrendamento celebrado com a ré e, depois de revogado este contrato, foi celebrado um contrato promessa de compra e venda do mesmo imóvel pelo preço de 291.000,00 euros, outorgando a ré como promitente vendedora e o autor como promitente comprador, mantendo-se o autor e o seu irmão a aí residir e ficando o autor encarregado de marcar a escritura para Janeiro de 2019.
O contrato foi sujeito a várias adendas com adiamentos e reforço do sinal, tendo sido pago a este título a quantia total de 148.000,00 euros e, de acordo com a última adenda, foi marcada a escritura para o dia 28/3/2019, não tendo, porém, o autor logrado obter meios financeiros para pagar o remanescente do preço, não comparecendo nessa data para a outorga da escritura por estar a negociar um crédito para o efeito e ficando a escritura marcada para o dia 18/4/2019 de acordo com o clausulado no contrato, mas, no dia 3/4/2019, a ré entrou no imóvel objecto do contrato, mudando a fechadura da porta e recusando entregar a nova chave ao autor e ao irmão, comunicando o autor então à ré por escrito, no dia 4/4/2019, que reclamava a imediata entrega das chaves do imóvel, sob pena de considerar resolvido o contrato e de exigir a restituição do sinal em dobro, ao que  ré respondeu recusando entregar as chaves, atribuindo ao autor o incumprimento do contrato e comunicando que estaria presente para a outorga da escritura na data prevista.
No dia 17/4/2019 o autor comunicou à ré a resolução do contrato promessa exigindo a restituição do sinal em dobro, respondendo-lhe a autora no dia 18/4/2019, comunicando que estaria presente nessa data na outorga na escritura, não aceitando reduzir o preço acordado conforme entretanto lhe fora proposto e, nesse dia, as partes compareceram no notário para celebrar o contrato prometido, mas dispondo-se o autor a outorgá-lo desde que a ré acedesse a reduzir o preço conforme proposta já apresentada e lhe pedisse desculpas perante os vizinhos, o que a ré não aceitou e, não tendo sido celebrado o contrato, a ré procedeu à venda do imóvel a terceiro em 6/5/2019 e não devolveu o sinal em dobro.       
Concluiu pedindo a) o reconhecimento da licitude da resolução operada pelo autor em 17 de Abril de 2019, e em consequência, a condenação da ré no pagamento ao autor do dobro dos montantes prestados a titulo de sinal, no montante global de 296.000,00€, acrescido dos juros moratórios vencidos, à taxa legal civil em vigor, desde 17 de Abril de 2019, quantificados à data em 2975,34€ e dos juros moratórios vincendos até integral e efetivo pagamento; b) subsidiariamente, a declaração de incumprimento definitivo e culposo do contrato de promessa por parte da ré, por efeito da alienação que fez da fracção autónoma em 06 de Maio de 2019 e, em consequência, a sua condenação na restituição ao autor do dobro do sinal prestado, no montante global de 296.000,00€, acrescido de juros moratórios à taxa legal civil em vigor, desde a data da citação até ao integral e efetivo pagamento. 
A ré contestou alegando, em síntese, que na negociação do contrato promessa deixou muito claro que se encontrava em processo de compra de casa para si própria, pois teria de sair da casa arrendada em que habitava no início de 2019, pelo que a escritura teria de ser celebrada até ao final de Janeiro de 2019, o que ficou consignado no contrato como prazo não prorrogável, assim como ficou claro que o contrato seria sem tradição do imóvel, permitindo-se apenas ao autor o respectivo acesso, o que foi aproveitado pelo autor para o explorar em arrendamento de curta duração, tendo sido feitas várias adendas ao contrato como resultado da incapacidade do autor conseguir reunir meios para pagar a totalidade do remanescente do preço acordado, o que teve como consequência vários adiamentos da escritura para depois de Janeiro de 2019, com várias promessas de pagamento que não eram cumpridas, o que causou grande preocupação à ré, que necessitava de proceder à venda do imóvel para pagar a aquisição de uma habitação para a qual havia celebrado um contrato promessa de compra e venda com escritura marcada para 13/5/2019, correndo o risco de perder o sinal prestado nesse contrato se aí não conseguisse cumprir a promessa de compra.
Depois de vários adiamentos da escritura do imóvel causados pelo autor, foi marcada a escritura para o dia 28/3/2019, data em que o autor não só não compareceu, como não avisou nem justificou a falta de comparência, tendo sido a reportado à ré a actividade de subarrendamento exercida no imóvel pelo autor, razão pela qual no dia 3/4/2019 entrou na casa e mudou a fechadura, avisando o autor que deixaria de ter acesso incondicionado, sendo necessário o seu consentimento para o efeito, situação que se manteria até que lhe fosse pago o remanescente do contrato promessa, tendo então o autor aproveitado esta posição para lhe imputar a culpa da não celebração do contrato prometido e para lhe reclamar o sinal em dobro ou a redução do preço, tudo para ocultar a sua incapacidade financeira para pagar a totalidade do remanescente do preço em 18/4/2019, data em que ambos compareceram no notário para a outorga da escritura, como a última data prevista no contrato para o efeito e em que a ré não aceitou tais exigências e a escritura não se realizou por incumprimento definitivo do autor.   
 Concluiu pedindo a improcedência da acção e a absolvição dos pedidos, bem como a condenação do autor como litigante de má fé em multa não interior a 5.000,00 euros.
O autor respondeu, opondo-se ao pedido de condenação por litigância de má fé.
Teve lugar a audiência prévia e procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré dos pedidos e condenou ambas as partes em multa por litigância de má fé, no montante de 12 Ucs o autor e no montante de 10 UCs a ré.  
*
Inconformado, o autor interpôs recurso e alegou, formulando as seguintes conclusões:
1 – O recorrente não se conformando com a Douta Sentença proferida, vem impugnar a decisão relativa a matéria de facto, designadamente, os pontos 11, 56, 68 dos factos provados e os pontos iii e iv da matéria de facto não provada com interesse para a decisão da causa, porquanto:
a) – A limitação temporal vertida no Ponto 11 até que fosse feita a escritura com pagamento do remanescente preço, no modesto entender do autor, não tem qualquer respaldo na prova produzida, não se entendendo onde fundou o Tribunal a sua convicção, pelo que deve ser expurgada da matéria de facto;
b) – Desde logo, é a própria Ré que, nas declarações, gravadas sob o ficheiro com referência 20220216142214_20006231_2871033, entre o minuto 22: 45 e o minuto 27:10, assume ter dito F… que não o deixaria mais de entrar em casa, para que as coisas se resolvessem, referindo mais tarde que foi a PSP quem, no local, decidiu que, naquele dia, cada um deles (D… e F…) entraria, à vez, para retirar os pertences, pretensão a que Ré acabou por aceder acatando a decisão da PSP.
c) – Declarações corroboradas pelo auto da PSP junto com o documento 17 da petição inicial, fls. 67 a 68, a quem a Ré, naquele dia transmitiu que …. enviou uma carta com aviso de recepção a cancelar o negócio, não obtendo qualquer resposta até a presente data. Informou que devido ao facto de não se ter realizado a escritura ficou penalizada pois também ela sinalizou uma casa que tinha como data-limite o fim do mês, para fazer escritura e caso não fosse realizada perdia a casa. Pelo descrito acima, sendo a residência sua pertença, decidiu mudar a fechadura da mesma, para se poder mudar para lá, pois não possui outra habitação, uma vez que não conseguiu realizar a compra da outra casa devido a não realização da compra que havia acordado com o D….
d) Bem como, pelo email, que a Ré refere nas suas declarações, junto como documento 19 da PI, datado de 11/04/2019, onde a fls. 74v, onde escreve:  Aproveitamos para informar, que a partir da presente data tem 8 dias para retirar os seus pertences de minha casa, devendo para o efeito contactar-me para marcar de dia e hora. Caso não o faço nesse prazo, os mesmos serão colocados num armazém, cuja morada lhe indicarei. Os custos do armazém ser-lhe-á imputado. Mais informo, que em cumprimento do estipulado na cláusula 4ª nº 4 do Contrato de Promessa irei comparecer, no próximo dia 18, às 15.30h, no Cartório Notarial RD, para realização da escritura pública de compra e venda, que corresponde ao 15º dia útil seguinte à data da escritura inicialmente marcada e à qual V. Exa. não compareceu.
e) Sob o ponto 56, seguramente por lapso, refere-se que  No dia 4/04/2019, o autor enviou comunicação electrónica à Ré… , porquanto a comunicação, ao contrario do que ali se refere, foi uma comunicação postal, em carta registada com aviso de recepção e também  por solicitador de execução, como decorre do foi uma comunicação postal, por carta registada e também por agente de execução, conforme decorre do documento  junto à P.I. com n.º 18.1   (fls. 69 a 70) e 18.2 (fls. 71 a 73) dos auto pelo que, importa, pois, retificar aquele ponto da matéria de facto, substituindo-se a expressão comunicação electrónica Ré, por carta registada com aviso de recepção, que é recebeu no dia 5 de abril de 2019
f) A conclusão do ponto 68, de que o autor, o seu irmão F…, ou qualquer das sociedades familiares, não dispunham, 18 de abril, de meios financeiros para pagar o remanescente preço indicado no contrato de promessa (€143.000), é, salvo o devido respeito, absolutamente especulativa, feita com base em deduções e contrária à prova produzida.
g) A testemunha R…, gerente bancário, que a data que tinha como clientes o autor, o seu irmão e o grupo de empresas por eles administradas, no depoimento que prestou em audiência gravadas sob o ficheiro com referência 20220063104804_200006231_2871033, após depor sobre as diligências do A. e seu irmão com vista à obtenção de um financiamento através de um adiantamento de facturas,  quando no dia 27 e 28 de Março foram confrontados com o não pagamento de uma factura de elevado valor por parte de um cliente (Garcias), valor com que contavam para pagar à Ré o remanescente preço do imóvel no dia 28 de Março, entre o minuto 48 e o minuto 57:14,  esclarece que no dia 18 de Abril a falta de liquidez com que se confrontaram em 28 de Março já não se punha, porquanto o Autor, entretanto,  havia recebido o valor das facturas em causa, facturas que naquele dia 28 de Março tentou usar para suportar o pedido  e adiantamento junto do Bankinter e “portanto, havia viabilidade para  fazer a escritura”, isto é,  não carecia do financiamento que tinha pedido sobre as facturas, porque poucos dias depois o dinheiro foi creditado na conta.
h) - Também a testemunha J…, companheiro do irmão do Autor, no depoimento que presta em audiência, gravado sob o 20220063142247_200006231_2871033, entre o minuto 24:00 e o minuto 32:00 esclarece que só no dia 03/04/2019 tomou conhecimento das razões que que conduziram a não celebração da escritura pública de compra e venda no dia 28/03/2019, quando a Ré trocou as chaves do imóvel, tendo, nessa  altura, ficado chateado com seu companheiro, que demonstrou um orgulho injustificado, ao não o ter procurado para o ajudar, financeiramente,  no dia 28/03/2019, porquanto, a testemunha, fruto de um empréstimo que houvera contraído para as obras do seu apartamento e do atraso que as mesmas sofreram, naquele dia  28/03/2019 tinha dinheiro disponível,  e a ordem, que podia ter emprestado ao autor e ao seu irmão, suficiente para pagar remanescente do preço do negócio, disponibilidade essa que se manteve e que manifestou ao seu companheiro, tal como lhe manifestou a disponibilidade dos seus pais, para o ajudar financeiramente na celebração da escritura 18 de abril em 2019, prova ante a qual se impõe que a factualidade do ponto 69 expurgada da matéria de facto dada como provada e colocado na matéria de facto não provada.
i) Mal andou o Tribunal a quo ao considerar não provada a matéria do ponto iii, decisão que vai em sentido diverso à prova documental junta aos autos, a que  mesmo não poderia deixar de atender, designadamente ao e-mail da Ré a fls. 39 (documento 8 PI), datado 13 de julho 2018, onde constatamos que  a Ré estabelece como requisitos da sua proposta de venda que,  a escritura se fizesse em janeiro  de 2019 (até dia 31), a rescisão do contrato de arrendamento a 31/07/2018, e também nessa data a passagem dos contadores ( agua e luz ) para seu nome. 
j) Já no documento de fls. 40 (documento 8 PI),  a Ré, de forma explicita,  diz que procedeu à alteração da sua morada na minuta de contrato promessa que recebera do Sr. F…, passando ali a constar, como sua morada, a morada do imóvel dos autos, tal qual se poderá ver do contrato de promessa assinado pelas partes a fls 92, sendo que, à data, a sua efetiva morada era na avenida …, como se verifica do Contrato de arrendamento junto como documento 1 da PI a fls.29, bem como,  da caderneta predial do imóvel datada de 19-12-2017, junta sob o documento 23 da resposta à litigância de má-fé, de onde resulta também  que a Ré tinha domicilio fiscal na Av.ª …, … em Lisboa. 
k) A fls.42 (documento 8 PI) a Ré afirma:  Portanto F… até posso ir aos 291.000 …. não menos que isso. com escritura para janeiro de 2019. sempre foi esta a minha proposta, e que constitui a resposta ao e-mail do irmão do autor desse dia de fls. 42v onde lhe escreve: Veja pf a sua decisão. Eu Não consigo oferecer mais de 289.000,00€ e a escritura pode ser feita dentro de 60 dias, ou, no mês de janeiro para resolver a sua situação com as mais valias
l) A folhas 47(documento 8 PI), a Ré a 10 de Dezembro escreve:  em relação à escritura a fazer em janeiro, informo que… 
m) Em resposta a interpelação admonitória que recebera do Autora, a Ré sob o documento 19PI de fls.74 diz: Recordo que o imóvel em questão é a minha propriedade e minha residência fiscal. o contrato de promessa de compra e venda que celebrámos, apenas lhe permite ter acesso ao imóvel e não habitar o mesmo.
n)  Ora, do acervo da prova documental dos autos aqui referimos, entendemos não haver lugar a dúvida de que a Ré, como exigência para a celebração do contrato de promessa impôs a revogação do contrato de arrendamento a 31/07/2018, que a venda se concretizar apenas em janeiro de 2019, isto é, no ano fiscal seguinte e também a mudança do seu domicílio fiscal para o imóvel, pelo que, deve esta matéria ser considerada como foi factualidade provada nos presentes autos, o que se requer.
o) Mais se impugna  a decisão de considerar não provada a matéria do ponto IV, que a Ré após 3/04/2019 não mais permitiu o acesso ao imóvel autor ou a F…, porquanto, além do que supra já se referiu quanto a esta matéria, tal como resulta da prova produzida nos presentes autos, o acesso do autor e do seu irmão F… ao imóvel até ao dia 3/04/2019, era feito através da chave da porta do mesmo, de que dispunham, o que lhes permitia um acesso livre, não condicionado e onde o F… e o seu companheiro tinham residência. 
p) A substituição da fechadura da porta de entrada do imóvel e recusa reiterada de fornecer nova cópia da chave (documento 19PI de folhas 74 e do documento 21PI de folhas 77), acompanhada da declaração de que  não os deixaria mais de entrar em casa  são elementos suficientes para que se desse comprovado que, após 3/04/2019, não mais a ré permitiu o acesso ao imóvel do autor ou de F…, tanto mais que, o acesso destes ao imóvel era  completamente livre, com chave, onde  habitavam, pelo que, impõe que a matéria deste ponto iv,  seja tida como matéria de facto provada, o que se requer.
2 – Sem prescindir, entende ainda o recorrente que a decisão proferida, salvo devido respeito, enferma erro de julgamento, quer pela distorção da realidade factual, quer na aplicação do direito, bem como do vício de nulidade, por falta de fundamentação, como demonstraremos de seguida. 
3 – O douto Tribunal a quo não podia escudar-se a qualificar o tipo de incumprimento que imputa à Ré,  qualificando-o  como um efectivo incumprimento contratual, isto em consequência da violação do gozo que havia cedido, da autorização de habitação que, consciente e livremente, havia conferido com a celebração do contrato de promessa, isto é da Tradição do imóvel que estava inerente ao contrato celebrado, que,  dele era parte integrante, ainda que de modo sub-reptício pela autorização de acesso ao imóvel até à celebração da escritura pública de compra e venda estabelecida no  ponto 5 da cláusula 4ª, e pela risco da coisa que, nos termos da cláusula 9.º,  impendia sobre o Autor a quem incumbia a  obrigação de manter o imóvel nas condições em que se encontrava e simultaneamente, a de suportar os encargos com consumos de energia, gás e água do imóvel. 
4 – O Douto Tribunal, ante a conclusão de que é clara a tradição do bem e incorreto o que consta do contrato e face ao conhecimento que lhe foi dado da formação do contrato, as negociações e as comunicações escritas entre as partes, que constam do acervo documental dos autos, designadamente os emails juntos como Documento n.º 8 PI, que se encontra de fls. 39 a 52, tinha de ter tomado uma posição e certamente teria concluído era premissa do negócio que as partes quiseram celebrar com o contrato de promessa, que o imóvel ficasse em posse do autor e seu irmão até à data da celebração da escritura de compra e venda, tanto mais que  o preço estabelecido para o negócio  atendia à sua  utilização como habitação por esse período, os quais, por isso assumiam a obrigação de custear os serviços e consumos de energia e água do imóvel , bem como a sua  conservação
 5 – As comunicações de fls. 39, 39v, 40, fls. a que corresponde do Doc. 4 da contestação, de fls. 42 e toda a negociação / comunicação subsequente à outorga do contrato que se encontra totalmente relatada nos artigos 30.º a 49º da Resposta à Litigância de Má-fé comprovada pelos documentos ali referidos e juntos, para onde remetemos aqui se dão por integralmente reproduzidos, permitem atestar que  a tradição do imóvel era premissa do negócio celebrado, era-lhe inerente, porém, a R, a conselho do seu advogado e provavelmente com vista a eximir-se ao pagamento das mais valias, opôs-se a que essa tradição constasse explicitamente do contrato, impondo, em sua substituição, a redação do número 5 da cláusula quarta, na qual se faz expressa menção ao direito do autor aceder livremente ao imóvel até a celebração da escritura de compra e venda e por essa razão, até à escritura, a obrigação de conservação do imóvel e o custo dos fornecimentos água e energia do imóvel correm por conta do Autor. 
6 – A falta de definição do douto Tribunal quanto a esta matéria é absolutamente inaceitável. Não só pelas consequências jurídicas que, efectivamente, dai se impunha extrair, mas também, porque, a entender-se que a solução dada aos presentes autos seria a mesma, independentemente da tradição ter ocorrido pela via contratual ou, por via de pacto lateral, não faz sentido ter-se submetido a presente causa a julgamento, julgamento esse estéril, porquanto, de acordo com aquilo que foi o entendimento do Tribunal a quo, a decisão dos presentes autos poderia ter sido  tomada logo no saneador, sem dispêndio de tempo e energia de julgamento. 
7 – Impõe-se, por isso, concluir que a tradição ocorreu pela via contratual e por isso que o incumprimento da Ré, em 03 de Abril de 2019, constitui um efectivo incumprimento contratual, por violação da do gozo que havia cedido, da autorização de habitação havia conferido, da tradição do imóvel que havia concedido com a celebração do contrato de promessa. 
8 – Em segundo lugar o douto Tribunal não podia desconsiderar que estava perante uma resolução convencional, e, ao invés de apreciar se causa de imputação relevante de incumprimento, constituiu, ou não, um facto jurídico adequado e suficiente para operar a resolução, deveria ter aferido se a mesma respeitou ou não a convenção das partes, para, de seguida e com base nessa apreciação, aferir da sua licitude face ao teor contrato.
9 – A Douta decisão não teve em consideração o facto de o contrato de promessa estabelecer uma clausula resolutiva expressa, na cláusula sétima, ao instituir que a parte vendedora e a parte compradora terão o direito de resolver o presente contrato promessa em caso de incumprimento, pela outra parte, de qualquer obrigação prevista no mesmo, se, após a interpelação para remediar o incumprimento, a obrigação contratual em causa não for cumprida no prazo de 10 dias a contar da recepção da interpelação
10 – Resolução que nos termos do número 2 daquela cláusula, deveria ser efetuada mediante notificação à outra parte, por carta registada com aviso de recepção, a efectuar a partir do termo do prazo de 10 dias referido no número 1, sem que se mostre comprida a obrigação contratual em causa, tudo tal, qual aconteceu, como se observa dos pontos 41, 47, 56 e 62 da matéria de facto. senão vejamos: 
a) No dia 3 de abril de 2019, a Ré expulsou, por acção direta, o Autor e o seu irmão do imóvel, reassumindo a sua posse, recusando-se entregar as chaves da fracção ao autor ou ao seu irmão;
b) O autor, no dia 4/04/2019, dirigiu uma interpelação admonitória à Ré, que esta recebeu no dia 5/04/2019, a exigir a restituição imediata das chaves do imóvel virgula sob pena de nos termos do contrato, considerar contrato definitivamente cumprido e exigir a devolução em dobro do sinal prestado.
c) A ré, ainda assim, manteve-se irredutível, recusando entrega das chaves e o acesso daqueles à fracção.
d) No dia 16/04/2019 o autor dirigiu uma interpelação à Ré, que esta recebeu no dia 17, pela qual comunicou à Ré a resolução do contrato-promessa nos termos do previsto no n.º 2 da cláusula 7 daquele contrato.
11 – Importa aqui lembrar, nos termos do previsto no artigo 432.º n.º 1 do C.C.,  a resolução de contratos pode ser despoletada, tanto a partir da verificação de uma situação de incumprimento definitivo, como, a partir do preenchimento de uma cláusula resolutiva expressa, isto é, pode ser despoletado a partir de uma situação de incumprimento definitivo (resolução de génese legal), nos termos do art.º 808º do CC, ou, a partir da verificação de uma cláusula resolutiva expressa (resolução de origem contratual) nos termos do n.º 1 do artigo 432º. 
12 – Na realidade aqui apresentada, atento que, o efeito resolutivo tem uma génese contratual directa, a sua resposta judiciaria surge simplificada, deve restringir-se à verificação da ocorrência de alguma das circunstâncias potenciadoras da condição resolutiva aposta no contrato, se a condição resolutiva expressa efectivamente se verificou, ou não, caminho que não foi o caminho tomado pelo Tribunal a quo. 
13 – No  âmbito dos presentes autos,  era fulcral apreciar o efeito que é susceptível de produzir uma cláusula como a cláusula 7ª que as partes inseriram no contrato-promessa, de modo algum se compreende que a questão da legitimidade da resolução tenha sido apreciada tendo por base uma situação clássica, olvidando o Tribunal  a quo que, a par da resolução de contrato-promessa com base em situações de incumprimento definido pela lei, existe um outro plano em que o efeito resolutivo emana da verificação pura e simples da situação de facto, expressamente convencionada pelas partes: a cláusula resolutiva expressa prevista no art.º 432º do CC. 14 – Não existe a menor dúvida de que ao A., por efeito daquela clausula resolutiva, foi conferido o direito potestativo de resolução, se e quando se verificasse uma situação de incumprimento, pela Ré, de qualquer obrigação prevista no contrato e se após a interpelação para remediar o incumprimento, a obrigação contratual permanecesse por cumprir nos 10 dias seguintes, a contar da recepção da interpelação.  
15 – Resolução a operar por meio de comunicação à Ré, uma vez verificada a permanência do incumprimento nos de 10 dias subsequentes à recepção da interpelação admonitória, tudo, tal qual sucedeu, pelo que, verificado o condicionalismo contratualmente fixado pelas partes, deve considerar-se legitimamente exercitada a resolução do contrato promessa de compra e venda, comunicada pelo promitente-comprador em 16 de abril de 2019 e após a interpelação admonitória comunicada à Ré  em 04 de abril de 2019.
16 – Impunha-se, pois, concluir que a resolução do contrato de promessa que o A. promoveu a 16 de Abril de 2019, tem colhimento na clausula resolutiva expressa nele aposta, respeitou o formalismo e tramitação ali previstos e é por isso absolutamente licita, o que se requer. 
17 – Sem prescindir, o douto Tribunal, na apreciação da licitude da resolução que fez, não podia nem devia atender a conclusões subjectivas, realidades que, além de ficcionadas e não verificadas, constituem impressões, presunções infundadas, póstumas e alheias ao despoletar e à efetivação da resolução. 
18 – A alegada impossibilidade do A.  cumprir a sua obrigação de pagamento do remanescente preço na data em que estava agenda a escritura, isto é, a 18 de Abril, além de não corresponder à verdade, a verificar-se, não teria qualquer relevância para a apreciação da licitude da resolução, por lhe ser uma realidade póstuma, sem qualquer influência no despoletar e na verificação dos pressupostos da resolução. 
19 – Foi o comportamento da Ré, a 03 de Abril, que despoletou a resolução, cuja persistência, após interpelação admonitória do A. conduziu à sua verificação e por isso ao seu legitimo exercício pelo A. em 16/04/2019 nos termos previstos no contrato. 
20 – O Direito do A. efectivar a resolução do contrato verificou-se no dia 15 de Abril. Tendo o A. efectivado a resolução do contrato através da comunicação que dirigiu à Ré, datada de dia 16 de Abril e por esta recebida no dia 17 de Abril de 2019. 
21 –  Por conseguinte, a  ficcionada incapacidade de o A cumprir a sua obrigação de pagamento do remanescente preço na data a 18 de Abril é absolutamente alheia às circunstâncias da resolução, pelo que a sua consideração na ponderação da sentença constitui um absoluto anacronismo, só atingível pela circunstancia de o Tribunal  a quo  não ter tido o cuidado de perceber estar perante uma resolução convencionada, que tem por base uma cláusula resolutiva expressa, a convenção inserida no contrato-promessa. 
22 –  Sem prejuízo, também o raciocino com que o Tribunal fundamenta a sua conclusão “É artificioso sustentar que, estando ambas as partes presentes no notário na data final de realização de escritura, dispondo-se a vendedora a celebra-la nos termos prometidos, o autor se recuse licitamente a fazê-lo sem um quase pueril, pedido de desculpas, acompanhado de um, nada pueril ou despiciendo, desconto equivalente a € 76.000,00 no preço acordado” esta, salvo o devido respeito, incorreto.   
23 – O Tribunal ignorou que, na óptica do recorrente o contrato de promessa dos autos estava resolvido e consequentemente, o Autor sentia-se desonerado de celebrar negócio prometido e com direito a uma indemnização. 
24 – A decisão do tribunal a quo, ao considerar ilícita a resolução do contrato de promessa operada pelo Autor, enfermada de um verdadeiro erro de julgamento quer pela distorção da realidade factual, quer na aplicação do direito, verificando-se uma efectiva desconformidade com a realidade ontológica e também normativa, como supra se deixou expresso. 
25 –  O tribunal a quo, devia, porque se impunha, ter concluir que o incumprimento da Ré em 03 de Abril de 2019 constitui como um efectivo incumprimento contratual, por violação da do gozo que havia cedido, da autorização de habitação que consciente e livremente havia conferido ao Autor e seu irmão com a celebração do contrato de promessa, isto é da Tradição do imóvel que fez, de facto, ao A., violação cuja persistência, mesmo após interpelação admonitória do A. para lhe por termo,  fundamenta legitimamente a  resolução do contrato de promessa que o A. promoveu a 16 de Abril de 2019, a qual tem colhimento na clausula resolutiva expressa nele aposta, que respeitou o formalismo e tramitação ali previstos e por isso, é absolutamente licita, devendo, em consequência, a Ré ser condenada na devolução em dobro do sinal prestado, como se requer.
26 – Sem prejuízo, ainda que assim não se entendesse, o que só por mera hipótese de raciocino se nos afigura, mesmo que se entendesse, a recusa do Autor em assinar a escritura no dia 18 de Abril de 2019, jamais poderia ser tida como incumprimento definitivo do mesmo. 
27 – Desde logo, porque, o Autor estava convicto da licitude da sua resolução, convicção com que fundou a sua decisão e encontrando-se a Ré em incumprimento (desde 03 de abril de 2019) atento o carater bilateral ou sinalagmático do contrato em apreço, era legitimo ao Autor recursar-se a cumprir a sua contraprestação nos termos do preceituado no artigo 428.º do Código civil.  
28 – Tanto mais que, a interpelação admonitória dirigida à R., no mínimo teria de ser entendida como uma denúncia do incumprimento Ré e simultaneamente a exigência de que pusesse termo a esse incumprimento, realizando a prestação em falta, diga-se a entrega da chave, que a Ré, manifestamente, recusou fazer, ficando assim, por isso, legitimada a recusa do Autor a cumprir com a sua prestação sem que a Ré, previamente, comprimisse a sua prestação. 
29 – Por último, importa ainda lembrar que, nos termos da previsão do contrato, (cláusula sétima) o incumprimento definitivo carece sempre de previa interpelação admonitória ao incumpridor, da persistência desse incumprimento por, pelo menos, dez subsequentes à interpelação e de uma posterior comunicação da resolução, que a Ré nunca dirigiu ao A. 
30 – Sendo que, a previsão do n.º 4 da clausula 4ª do contrato, de  que,  a falta de comparência de qualquer das partes ao acto notarial que  venha a ser agendado na sequência da falta ou recusa de outorga de alguma das partes na primeira designação do acto, equivale a incumprimento definitivo, não tem aqui lugar, porquanto,  no dia 18 de Abril, data agenda na sequência do não comparecimento o Autor à primeira escritura, em 28 de março de 2019, tal como consta da matéria de facto dada como provada, ambas as partes compareceram no cartório notarial, recusando-se, no entanto, o Autor a assinar a escritura ajustada no contrato de promessa. 
31 – Ora a comparência de Autor e Ré naquele segundo acto, faz com que o incumprimento definitivo previsto no nº4 da cláusula quarta não se tenha verificado. E, ainda que assim não fosse, a resolução subsequente desse incumprimento sempre teria de ter sido comunicada ao Autor, o que não aconteceu até á presente data, atento o que, tendo a Ré, no dia 06 de maio de 2019, procedido à alienação a terceiro da fracção autónoma que prometeu vender ao Autor, objectivamente impossibilitou a realização do negócio prometido, colocando-se, desse modo, em incumprimento definitivo, razão pela qual, também seguindo esta linha de raciocínio, deverá ser condenada na devolução, ao autor, em dobro, do sinal por este prestado, tal como peticionado. 
32 –  A decisão do tribunal a quo, ao considerar que a alienação a terceiro do bem não assume natureza de ato de incumprimento contratual da vendedora, enferma, assim, de um verdadeiro erro de julgamento, quer pela distorção da realidade factual, quer na aplicação do direito, verificando-se, também aqui, uma efectiva desconformidade com a realidade ontológica e também normativa, como supra se deixou expresso, impondo-se decisão contrária àquela de que aqui se recorre. 
33 – No que tange à condenação de litigância de má-fé do Autor, é nosso modesto entendimento que a decisão proferida não consubstancia nem fundamenta a condenação. 
34 – Se fizermos um contraponto entre a matéria de facto dada como provada e as peças processuais apresentadas pelo autor, designadamente a sua petição inicial, percebemos a generalidade da matéria de facto julgada como provada, corresponde à matéria de facto alegada pelo autor, porém, diferentemente do autor, entendeu que as consequências jurídicas dessa factualidade não correspondiam à pretensão do autor na ação, isto é, a fatalidade alegada pelo Autor, no entendimento do tribunal  a quo, não tinha o efeito jurídico de reconhecer-lhe o direito de que se arrogava e que pretendia ver reconhecido pela decisão do Tribunal. 
35 – Correspondência que é quase integral entre a petição inicial e a matéria de facto dada como provada, constituindo a resposta à litigância de má-fé, um reafirmar da factualidade apresentada em sede de petição inicial e o rebate da versão dos factos que a Ré apresentou em sede  contestação, essa sim, intencionalmente falsa, com vista a negar o obvio, a tradição do imóvel e respectivo incumprimento  e a justificar o injustificável comportamento que assumiu a 03 de abril de 2019 e em que decidiu  persistiu. 
36 – A douta decisão limita-se a dizer que o Autor …  construiu uma tese que veio a defender entre tribunal que necessariamente sabia não corresponder à verdade e não teria sustentação do direito omitindo qualquer elemento específico que permita, da leitura da decisão, apreender a que tese se reporta, nem qual das alíneas do número 2 do artigo 542 do CPC foi violada pela conduta do Autor, não tendo instruído a decisão com fundamentos de facto e de direito que a justificam, o que é gerador da sua nulidade, nos termos do previsto no Artigo 615.º, que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos. 
36 – Sem prejuízo, atenta a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, impera concluir que o comportamento do autor nos presentes autos, designadamente das peças processuais por ele apresentadas, não é susceptível de integrar qualquer conceito de litigância de má-fé, devendo, por isso, ser absolvido da condenação de que foi alvo. 
 Termos em que, Venerandos Desembargadores, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, procedendo-se á alteração da matéria de facto nos termos aqui requeridos, declarando-se a licitude da resolução do contrato de promessa, em consequência condenando-se a Ré à devolução em dobro do sinal prestado e absolvendo-se o Autor da condenação como litigante de má-fé, assim se fazendo sã e serena justiça! 
*
A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
As questões a decidir são:
I) Impugnação da matéria de facto.
II) Contrato celebrado pelas partes e seu incumprimento.
III) Litigância de má fé.
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FACTOS.
A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados e não provados:
Provados.
---Promessa de compra e venda; seus antecedentes e aditamentos:
 1. Por escrito de 21 de dezembro de 2017, a ré e a sociedade C…, S.A celebraram um contrato de arrendamento, pelo qual aquela declarou ceder a esta o gozo da fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao Rés-do-Chão Esquerdo do prédio urbano sito na Rua …, n.º…, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … da freguesia de …. e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo … (documento n.º 1 junto à petição inicial, dado por integralmente reproduzido).
2. Tal arrendamento destinava-se, nos seus termos, a habitação de F…, irmão do autor.
 3. O autor e o referido irmão F… outorgaram no contrato na qualidade de fiadores da arrendatária sociedade.
4. Desde tal data, F… fixou residência na fração, fazendo-o de forma não permanente, sendo que o autor aí pernoitava esporadicamente.
5. O autor e o irmão F… são sócios e gerem diversos negócios, em várias empresas familiares, entre estas a sociedade arrendatária supra referida, uma holding e uma sociedade de comércio de bebidas.
 6. Em tal gestão não existe separação entre os negócios das empresas e o património pessoal dos irmãos, sendo os ativos e os fluxos financeiros pessoais e sociais geridos de forma conjunta e integrada.
7. Entre dezembro de 2017 e junho de 2018, em datas não concretamente apuradas, o autor e/ou o seu irmão F… cederam a fração a terceiros para estadas de curta duração, em alojamento local.
8. Na sequência da necessidade de ter que entregar a fração onde residia ao senhorio e do conhecimento das referidas cedências do arrendado dos autos em alojamento local, a ré solicitou a F… a revogação do arrendamento.
 9. Tal revogação veio a ser formalizada por escrito datado de 30/06/2018 intitulado Acordo de Revogação de Contrato de Arrendamento para Fins Habitacionais, pelo qual, designadamente, a sociedade arrendatária declarou obrigar-se a entregar à ré o imóvel, livre de pessoas e bens, até ao dia 31/7/2018 (documento n.º 3 anexo à contestação, dado por integralmente reproduzido).
 10. Alguns dias depois, tendo a ré tomado decisão de vender o imóvel, o irmão do autor, F…, dispôs-se a comprá-lo e a ré acedeu a concretizar tal negócio.
11. Nas negociações mantidas, a ré enfatizou que se encontrava em processo de saída de imóvel arrendado onde vivia e que se preparava para comprar imóvel onde iria viver, necessitando de celebrar escritura não após janeiro de 2019, sob pena de inviabilizar negócio em vista e não ter local onde estabelecer residência.
 12. As partes negociaram, estabelecendo o preço de venda e, por conveniência do autor e seu irmão, que fosse aquele (D…) a figurar como comprador.
13. Na sequência, no dia 4 de setembro de 2018, autor e ré celebraram conjuntamente contrato de promessa de compra e venda da supra identificada fração (documento n.º 6 anexo à petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido).
--- Tradição da fração – residência no imóvel sito na…:
14. Na sequência da revogação do contrato de arrendamento, supra referida, F… deixou de habitar na fração por alguns dias, não concretamente apurados.
15. Na negociação do contrato-promessa, a ré exigiu retirada de cláusula constante de minuta preparatória aludindo à tradição da fração ao autor, ficando estabelecido no contrato um direito de acesso deste ao imóvel.
16. A despeito do declarado no contrato-promessa, com conhecimento e autorização da ré, F… voltou a residir na fração dos autos, desde data não concretamente apurada e não posterior a 4 de setembro de 2018.
17. E na fração fez sua residência até 3 de abril de 2019.
 18. No período aludido, F… viveu na fração em união de facto com o seu companheiro, J…, alternando períodos de residência na fração dos autos e em imóvel propriedade deste.
19. Sendo que, a partir de data não concretamente apurada do início do ano 2019 em que o imóvel do companheiro iniciou obras, a habitação de ambos ficou situada exclusivamente na fração dos autos.
 20. Entre setembro de 2018 e abril de 2019, o autor D… pernoitou esporadicamente na fração.
21. Na sequência do contrato-promessa, a ré alterou a titularidade dos contratos de fornecimento de água e energia para seu nome.
22. Foi F… quem suportou os pagamentos decorrentes dos fornecimentos de água, gás e energia elétrica, entre setembro de 2018 e abril de 2019, enviando-lhe (ou ao autor) a ré as faturas para pagamento.
--- Sinal e seus reforços; não realização da escritura de compra e venda no dia 28 de março; promessa de aquisição de bem celebrada pela ré com terceiro:
23. No contrato-promessa supra referido foi acordado, designadamente, que a escritura de compra e venda teria lugar no mês de janeiro de 2019.
 24. E que, a título de sinal e pagamento, o autor deveria pagar:
 - 18.000,00€ (dezoito mil euros) com a promessa,
 - 30.000,00€ (trinta mil euros) a título de reforço de sinal, em 31 de outubro de 2018, 
 - Os remanescentes 243.000,00€ (duzentos e quarenta e três mil euros) na data da realização da escritura de compra e venda.
25. O contrato-promessa foi, posteriormente, objeto de quatro adendas, com o seguinte teor:
 - Adenda de 30 de outubro 2018, que alterou para 8 de novembro a data de entrega do reforço de sinal de €30.000,00 (trinta mil euros) – documento 9 anexo à petição inicial, integralmente dado por reproduzido;
 - Adenda com data de 30 de janeiro de 2019, que alterou a data da escritura para fevereiro de 2019 – documento 10 anexo à petição inicial, integralmente dado por reproduzido;
- Adenda de 4 de março de 2019, que estabeleceu um reforço de sinal, a pagar em 1 de março de 2019, no valor de €100.000,00 (cem mil euros), estabelecendo a data da escritura em 15 de março de 2019 – documento 11 anexo à petição inicial, integralmente dado por reproduzido;
- Adenda com data de 15 de março de 2019, que estabeleceu que a escritura publica de compra e venda seria realizada no dia 28 de março, pelas 15h30m, – documento 12 anexo à petição inicial, integralmente dado por reproduzido.
26. Estas adendas foram aceites pela ré, sempre a pedido do autor ou do seu irmão F…, em resultado de incapacidade financeira de prestar sinal, fazer o seu reforço ou realizar a escritura pagando o remanescente do preço.
27. Por comunicações de 18/12/2018, 17/1/2019, a ré declarou ao autor, e ao seu irmão F…, a necessidade de ser agendada escritura até 31/1/2019 e ter compromissos inadiáveis (e o mais que consta dos documentos 19, 20, anexos à contestação e aqui dados por reproduzidos).
28. O autor, ou o seu irmão F…, não responderam a estas comunicações.
29. No dia 28/1/2019 a ré enviou nova comunicação solicitando o agendamento de escritura (e o mais que consta do documento 21 anexo à contestação e aqui dado por reproduzido).
30. Nesse dia 28/1, o autor contactou a ré solicitando o adiamento da escritura, o que vieram a comunicar reciprocamente por escrito (nos termos do documento n.º 22 anexo à petição contestação, dado por reproduzido).
31. Na sequência, foi elaborada a segunda adenda ao contrato-promessa, acima referida (estabelecendo que a escritura deveria ser realizada no mês de fevereiro).
 32. No dia 21/2/2019, o autor enviou comunicação eletrónica à ré, dando conta que a escritura se encontrava agendada para o dia 28/2/2019 (e o mais que consta do documento n.º 23 anexo à contestação, dado por reproduzido).
33. Nesse dia 28/2/2019 o autor solicitou à ré novo adiamento da escritura, neste caso para o dia 8 de março, declarando comprometer-se a fazer um reforço de sinal de 200.000,00€ (duzentos mil) – e o mais que consta do documento n.º 24 anexo à contestação, dado por reproduzido.
 34. Na sequência, foi elaborada a 3.ª adenda ao contrato-promessa, supra referida, (que estabeleceu nova data de escritura e reforço de sinal de €100.000). 
35. No dia 28 de março 2019, o autor, o seu irmão ou alguma das empresas familiares não dispunham de meios financeiros para pagar o remanescente preço do negócio (143.000,00€).
36. Nesse dia, o autor e F… deslocaram-se ao banco onde trabalhava o gerente das contas das empresas para, por via de adiantamentos a descoberto nas contas das sociedades, conseguirem disponibilidade financeira para proceder a tal pagamento.
 37. À hora marcada para a escritura pública (15h30m), D… e F… Silva ainda realizavam diligências no sentido de tentar que tal adiantamento se concretizasse.
 38. O autor ou o irmão F… não se deslocaram o notário e nada disseram à ré, tendo sido elaborado por profissional do cartório documento intitulado certificado de não Comparência (documento n.º 33 anexo à contestação, dado por reproduzido).
39. Consta da cláusula 4ª nº 4 do contrato-promessa que, não se realizando a escritura na data aprazada, esta ficará automaticamente agendada para o 15.º dia útil seguinte, no caso correspondente a 18 de abril de 2019.
40. No dia 14/2/2019 a autora celebrou com terceiro contrato pelo qual declarou prometer comprar imóvel sito na Junqueira, em Lisboa, ter pago sinal de 38.000,00€ (trinta e oito mil) e que a escritura deveria ser celebrada até dia 13 de maio de 2019 (e o mais que consta do documento n.º 34 da contestação, dado por reproduzido).
--- A retomada de posse da fração, pela ré, a 3 de abril de 2019:
41. No dia 3 de abril de 2019 a ré dirigiu-se à fração dos autos, tocou a campainha e, não se encontrando ninguém presente, entrou sem autorização do autor ou de F… e trocou a fechadura da porta.
42. Depois de o ter feito, contactou telefonicamente F… dizendo-lhe que ficaria a ocupar o imóvel até que fosse feita escritura com pagamento do remanescente do preço.
43. F… pediu à ré, nesse contacto telefónico, que abandonasse imediatamente a sua casa, para onde se dirigiu na companhia do irmão D…, aqui autor.
44. Aí chegados, após constatar a troca de fechaduras, F… chamou a Polícia de Segurança Pública (PSP) ao local.
45. A ré, na presença da autoridade policial, recusou entregar as chaves da fração ao autor ou a F…, permitindo apenas que o autor e seu irmão acedessem ao interior do imóvel para retirarem alguns bens pessoais de higiene e vestuário (nos demais termos constantes do auto elaborado, junto como documento n.º 17, aqui dado por inicialmente reproduzido).
 46. Desde tal data, não mais o autor, F… ou o companheiro deste, J…, entraram na fração.
47. A ré, desde tal data, não entregou ao autor ou a F… chave de acesso à fração, recusando-se a fazê-lo. 
48. A ré elaborou uma lista dos bens que encontrou no interior da fração e que sabia não eram de sua pertença (documento n.º 15 anexo à petição inicial, dado por reproduzido).
 49. Tais bens foram encaixotados e depositados pela ré em espaço situado na instituição onde trabalha (…), aí sendo entregues ao autor e a F…, no dia 7 de maio de 2019.
50. De entre os bens encontrados no interior da fração estavam batas e vinhetas médicas, passaporte e cartão bancário pertencentes a J….
51. O companheiro de F…, J…, é médico de profissão, exercendo, além de prática privada, como médico de família no Centro de Saúde que abrange a área da ….
52. O autor, ou F…, não comunicaram à ré que vivia na fração o referido médico J….
53. F… e J… sentiram-se vexados e afetados na sua intimidade por terem sido impedidos de aceder à sua habitação.
54. Na sequência da impossibilidade de acesso à fração, F… arrendou outro imóvel, onde foi viver com J….
55. F…, J… e o autor adquiriram roupas e calçado nos dias imediatos a terem sido impedidos de aceder à residência acima referida.
--- Comunicações mantidas entre autor (e/ou F…), e a ré, entre 4 e 18 de abril de 2019:
56. No dia 4 de abril de 2019, o autor enviou comunicação eletrónica à ré, na qual, designadamente, declarou alertá-la para a gravidade do incumprimento contratual em que incorrera, exortando-a a pôr-lhe termo através da imediata devolução das chaves do imóvel, sob pena de, nos termos do contrato, considerar o contrato definitivamente incumprido e ser-lhe exigida devolução em dobro do sinal pago (documento n.º 18 junto à petição inicial, dado por integralmente reproduzido).
57. Nos dias 2 e 3 de abril de 2019, a ré enviou cartas dirigidas ao autor, remetidas para o seu domicílio pessoal e profissional (cópias juntas como documentos n.º 35 e 37, anexos à contestação, dados por reproduzidos), declarando solicitá-lo a marcar nova data para a escritura, no prazo de oito dias, sob pena de resolução do contrato.
58. Tais comunicações apenas foram recebidas pelo autor após 18 de abril, tendo inicialmente sido recusadas no domicílio pessoal e não entregues no profissional (documento n.º 36 e 37, anexos à contestação, dados por reproduzidos).
 59. No dia 11 de abril de 2019, a ré enviou resposta, por correio eletrónico, dizendo, além do mais que consta do documento 19, aqui dado por integralmente reproduzido, que é completamente falso que tenha ficado privado do uso do imóvel sito na Rua …, nº… (…) uma vez que não tinha qualquer título legítimo para, como alega, habitar no referido imóvel. Recordo que o imóvel em questão é minha propriedade e minha residência fiscal, não necessitando, por isso, de qualquer autorização para aceder ao mesmo.  (…) Mais informo, que (…) irei comparecer, no próximo dia 18, às 15.30h, no Cartório Notarial RD, para realização da escritura pública de compra e venda, que corresponde ao 15º dia útil seguinte à data da escritura inicialmente marcada e à qual V. Exa. não compareceu.
60. O autor respondeu por correio eletrónico de 15 de abril de 2019 declarando, além do mais, o que consta do documento n.º 20 anexo à petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido, que a audácia tem limites, que a senhora ultrapassou por completo no passado dia 3 de abril ao violar o nosso domicilio e que agora reitera no email que me dirigiu.
Como se atreve a negar que me tenha privado do uso legitimo, consentido e titulado que conjuntamente com o meu irmão, faço do imóvel, ininterruptamente, há de 2 anos, acedendo ao nosso domicílio, contra a nossa vontade e privando-nos do seu uso! (…) ao contrário do que afirma e que apenas agora percebemos, tais imposições tinham em vista a mudança da sua residência fiscal para o imóvel, criando uma aparência de realidade, certamente com o objetivo de minimizar o futuro pagamento de mais valias a quando da sua venda. (…) A sua postura, em que insiste, constitui efetivo incumprimento contratual, cuja persistência, associada ao vexame por que nos fez passar junto dos vizinhos põem em crise o negócio que celebramos.
61. A ré respondeu por novo correio eletrónico datado de 16 de abril de 2019 declarando, além do mais que consta do documento 21 anexo à petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido, que fico perplexa, porém, com a sua falta de vontade de resolver esta questão, problema gravíssimo para V. Exa. e somente por si criado. Lembro que desde o primeiro dia, que demonstro disponibilidade para as suas dificuldades e constantes mudanças de compromisso, deixando-me em situações muito aflitivas, nomeadamente cheques sem provisão, adiamento permanente de pagamentos, não comparências nos locais combinados e pior ainda, em alturas de compromisso, não comparecer nem sequer tentar contactar-me para resolver situações criadas por si, com tais adiamentos. Pior ainda, no dia da escritura, a não comparência sem qualquer comunicação ou explicação (…) Dito isto, continuo de boa fé, à disposição para a solução deste problema, aguardando V. Exa. no dia 18 do corrente mês, às 15h30, no notário por vós escolhido para a realização da escritura.
62. No dia 17 de abril de 2019, o autor, enviou à Ré, que a recebeu, carta registada com aviso de receção, com o teor da cópia junta como documento n.º 22, aqui dado por integralmente reproduzido, declarando comunicar resolução do contrato-promessa de compra e venda, pelo seu incumprimento contratual, exigindo-lhe a devolução do sinal por si pago, em dobro (…) diga-se 296.000,00€ a pagar em oito dias para a conta bancária com IBAN PT ….
63. No dia 18 de abril de 2019, a ré remeteu novo correio eletrónico ao autor (documento n.º 23 anexo à petição inicial, dado por integralmente reproduzido), declarando, além do mais, que informo que não aceito a resolução do contrato, uma vez que a mesma se baseia em factos que não correspondem à verdade. (…) Não aceito também, a proposta apresentada ontem ao final do dia, pelo seu advogado, Dr. RS, ao meu advogado, Dr. MC, na redução do preço acordado (…) de 291.000,00 euros para 225.000,00 euros. Assim, comparecerei hoje, no Cartório Notarial RD, às 15h30, para a realização da escritura pública de compra e venda.
64. Respondeu o autor, nesse mesmo dia, também por correio eletrónico (documento n.º 24 anexo à petição inicial, dado por integralmente reproduzido) que muito estranho que o seu advogado, Dr. MC, não tenha transmitido a minha instrução primordial para a possibilidade de voltar a reatar qualquer negociação consigo, à qual apenas acedi, pela pressão do meu advogado no âmbito das conversações entre os nossos advogados. A condição que desde sempre impus, foi que a senhora reconhecesse o erro em que incorreu, me apresentasse um pedido formal de desculpas diante de cada um dos vizinhos, perante os quais me sinto, juntamente com o meu irmão, bastante vexado atento o tempo a que estamos no imóvel (…) Não se trata de uma questão de preço, mas antes uma questão de honra, sendo que o preço apalavrado pelos nossos mandatários representa uma redução de metade do dobro do sinal a que tenho direito. Encontramo-nos então no cartório. Melhores cumprimentos.
--- Não realização da escritura a 18 de abril e factos posteriores:
 65. No dia 18 de abril de 2019, autor e ré compareceram no cartório notarial, não tendo outorgado qualquer escritura.
66. A ré manteve que celebraria escritura pelo preço indicado na promessa (€291.000).
67. O autor manteve que apenas celebraria escritura pelo preço de €225.000, acompanhado de um pedido de desculpas da ré.
 68. O autor, o seu irmão F…, ou qualquer das sociedades familiares, não dispunham, a 18 de abril, de meios financeiros para pagar o remanescente do preço indicado no contrato-promessa (€143.000).
69. No dia 6 de maio de 2019, por meio de escritura pública, a ré vendeu a fração autónoma à Sociedade … – Imobiliária S.A., representada pelo seu administrador único, Sr. V… (cópia junta como documento 27 anexo à petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido).
70. V… é amigo de longa data e antigo companheiro da ré, tendo aceitado comprar tal fração, para a revender sem lucro, por forma a permitir que a ré honrasse compromisso de compra de imóvel que havia prometido a terceiro.
71.  Em outubro de 2019, o autor e o seu irmão F… apresentaram contra a ré queixa criminal imputando-lhe a prática de crime de violação de domicílio e de crime de dano (documento n.º 28 anexo à petição inicial, aqui dado por reproduzido).
72. A ré não restituiu ou pagou ao autor qualquer quantia a título de sinal.
 Factos não provados:
i. Que o autor D… alguma vez tenha mantido residência na fração;
 ii. Que a revogação do contrato de arrendamento e a negociação da compra e venda tenha sido simultânea;
iii. Que a ré tenha exigido, para celebração da promessa, a revogação do contrato de arrendamento, que a venda se concretizasse apenas no ano fiscal seguinte, isto é, a partir de janeiro de 2019, e a mudança do seu domicílio fiscal para o imóvel até à celebração da escritura;
 iv. Que, após 3 de abril de 2019, não mais a ré permitiu o acesso ao imóvel a autor ou F…;
v. Que após setembro de 2018 o autor ou o seu irmão tenham cedido a fração em alojamento local;
vi. Que o apossamento da fração pela ré, a 3 de abril, tenha causado grande impacto público junto da vizinhança; 
vii. Que, em abril de 2019, na fração dos autos, o folheto de promoção da fração, dando as boas vindas em várias línguas, informando o “D…’s Phone …” e a senha de acesso ao wifi se encontrasse em local visível. 
*
ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Impugnação da matéria de facto.
O apelante impugna o julgamento da matéria de facto, pretendendo que seja eliminada a parte final do ponto 11, que seja substituída parte do ponto 56, que seja considerada não provada a matéria do ponto 68 e que seja considerada provada a matéria dos pontos não provados iii) e iv).
É a seguinte a redacção dos pontos impugnados (com a rectificação do manifesto lapso das alegações e conclusões do recurso, consistente em a matéria a que o recorrente se refere como estando no ponto 11 estar no ponto 42, sendo assim este a ser apreciado e não o primeiro):
Ponto 42. Depois de o ter feito, contactou telefonicamente F… dizendo-lhe que ficaria a ocupar o imóvel até que fosse feita escritura com pagamento do remanescente do preço.
O apelante alega que nenhuma prova foi produzida sobre esta declaração da ré ao seu irmão F…, mas este, no seu depoimento em julgamento, confirmou que a ré lhe telefonou depois de invadir a sua casa e lhe disse que iria lá ficar até à escritura, até lhe pagarem, tendo até ambos declarado em tom de graça que então a ré ficaria lá a morar com ele.
Deverá, pois, manter-se este facto provado nos seus precisos termos.
Ponto 56. No dia 4 de abril de 2019, o autor enviou comunicação eletrónica à ré, na qual, designadamente, declarou alertá-la para a gravidade do incumprimento contratual em que incorrera, exortando-a a pôr-lhe termo através da imediata devolução das chaves do imóvel, sob pena de, nos termos do contrato, considerar o contrato definitivamente incumprido e ser-lhe exigida devolução em dobro do sinal pago (documento n.º 18 junto à petição inicial, dado por integralmente reproduzido).
Analisado documento 18 da PI a que se faz referência neste ponto de facto, verifica-se efectivamente que a comunicação em causa foi feita por carta registada com AR e não por via electrónica.
Passará assim este ponto 56 a ter a seguinte redacção:
No dia 4 de Abril de 2019, o autor enviou carta registada com aviso de recepção, à ré, na qual designadamente, declarou alertá-la para a gravidade do incumprimento contratual em que incorrera, exortando-a a pôr-lhe termo através da imediata devolução das chaves do imóvel, sob pena de, nos termos do contrato, considerar o contrato definitivamente incumprido e ser-lhe exigida devolução em dobro do sinal pago (documento n.º 18 junto à petição inicial, dado por integralmente reproduzido).”
Ponto 68. O autor, o seu irmão F…, ou qualquer das sociedades familiares, não dispunham, a 18 de abril, de meios financeiros para pagar o remanescente do preço indicado no contrato-promessa (€143.000).
Este facto foi considerado provado pela sentença recorrida com base nas regras da experiência comum.
O apelante invoca o depoimento das testemunhas R… e J…, respectivamente gerente bancário e companheiro do irmão do autor, tendo o primeiro afirmado que a falta de liquidez dos irmãos de 28/3 já não se verificava em 18/4 e o segundo que havia a possibilidade de ele próprio e a sua família terem ajudado o autor e o irmão a fazer o pagamento.
Tais depoimentos são insuficientes para demonstrar que o autor e o irmão tinham meios para pagar no dia 18/4, mas a verdade é que este facto, alegado pela ré, cumpria a esta provar e, apesar do padrão anterior que levou aos adiamentos da escritura, não foi produzida prova sobre esta matéria, sendo igualmente insuficientes as presunções judiciais usadas na sentença recorrida.
Será então este facto 68 eliminado dos factos provados e considerado não provado.
Ponto NP iii). Que a ré tenha exigido, para celebração da promessa, a revogação do contrato de arrendamento, que a venda se concretizasse apenas no ano fiscal seguinte, isto é, a partir de janeiro de 2019, e a mudança do seu domicílio fiscal para o imóvel até à celebração da escritura.
Para prova deste facto, o apelante indica vários documentos dos quais não se consegue extrair esta matéria, sendo certo que, mesmo que houvesse outras razões para a fixação da outorga do contrato prometido em Janeiro de 2019, ficou suficientemente demonstrado que a razão principal se prendeu com a preocupação da ré em que a situação não se arrastasse, face ao processo em que se encontrava de alteração de residência.
Deverá, portanto, manter-se não provado este facto.
Ponto NP iv). Que, após 3 de abril de 2019, não mais a ré permitiu o acesso ao imóvel a autor ou F….
Nos pontos 46 e 47 dos factos provados ficou provado que a ré se recusou a entregar ao autor e ao irmão a chave da habitação e que desde a data da mudança da fechadura estes nunca mais entraram na fracção, o que apenas significa que o autor e o irmão nunca mais puderam utilizar o imóvel na situação em que o faziam antes, de antecipação do efeito do contrato prometido, livremente e sem qualquer condição, como se já o tivessem comprado, mas não ficou provado que após a mudança da fechadura a ré recusou o acesso à casa mediante a sua autorização prévia, sendo esse o sentido deste ponto iv), que assim deve permanecer não provado.
 *
II) Contrato celebrado entre as partes e seu incumprimento.
Conforme resulta dos factos provados, em 4 de Setembro de 2018 foi celebrado um contrato promessa previsto no artigo 410º do CC entre o autor, na qualidade de promitente comprador e a ré, na qualidade de promitente vendedora, pelo preço de 291.000,00 euros.
Apesar de ser o autor a figurar no contrato como promitente comprador, tal sucedeu por conveniência deste e de seu irmão, pois o imóvel destinava-se a habitação do irmão do autor, F… (pontos 10 e 12 dos factos provados).    
No contrato consignou-se o direito de acesso ao imóvel por parte do promitente comprador, em substituição da cláusula da minuta preparatória que aludia à tradição da fracção, porque a ré, promitente vendedora, se opôs a esta última cláusula (ponto 15).
Todavia, o irmão do autor, F…, voltou a residir no imóvel, conforme já tinha sucedido no âmbito de um contrato de arrendamento anterior e entretanto revogado, o que sucedeu com o conhecimento e autorização da ré desde pelo menos a data do contrato promessa (ponto 16).
Deste modo, apesar da substituição da referida cláusula, o contrato foi celebrado com tradição da coisa prometida, já que o irmão do autor passou a utilizá-lo tal como o faria se já o tivesse comprado, à vista de todos e sem oposição, nomeadamente da ré, que teve conhecimento e autorizou.
Sucede que, a final, não foi celebrado o contrato prometido de compra e venda do imóvel, defendendo o autor que tal ocorreu por incumprimento definitivo do contrato promessa pela ré e exigindo a restituição do sinal em dobro e defendendo esta que, pelo contrário, o contrato promessa foi definitivamente incumprido pelo autor e não restituindo o sinal recebido.
Estabelece o artigo 442º nº 2 do CC que: “se quem constituiu o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou , ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago”.
No presente caso, tendo sido prestado, a título de sinal, o montante global de 148.000,00 euros, o autor optou por pedir nesta acção a primeira indemnização prevista na primeira parte do artigo 442º nº 2, de restituição do sinal em dobro, já que, quer no pedido principal, quer no pedido subsidiário, se pede a quantia de 296.000,00 euros, diferindo os dois pedidos apenas porque o primeiro considera a validade da comunicação feita à ré de resolução do contrato promessa e conta os juros de mora desde a data dessa comunicação e o segundo, caso de não se venha a atender a tal comunicação, pretende a declaração de resolução do contrato promessa pelo tribunal por via da venda do imóvel a terceiro, com a contagem dos juros de mora desde a citação.
Vejamos, então, da análise da cronologia dos acontecimentos, se houve incumprimento definitivo do contrato promessa e, nesse caso, qual das partes o incumpriu definitivamente.
No contrato promessa consignou-se que a escritura, a marcar pelo autor, seria realizada em Janeiro de 2019, tendo a ré insistido que o contrato não deveria ser celebrado depois desse mês por estar em processo de mudança de residência e de compra de imóvel para onde iria viver (pontos 11 e 23 e cláusula 4ª nº1 do contrato promessa, que é o documento nº6 da PI).
Ficou ainda consignado que o autor entregaria, a título de sinal e de pagamento, a quantia de 18 000,00 euros com a promessa, a quantia de 30 000,00 euros em 31/10/2018 e o remanescente do preço com a escritura do contrato prometido (ponto 24).
Em 30/10/2018 foi feita uma primeira adenda ao contrato, que alterou para Novembro a data do reforço de 30.000,00 euros do sinal que seria prestado nessa data (ponto 25).
Em 18/12/2018 e em 17/1/2019, a ré comunicou ao autor ao seu irmão a necessidade do agendamento da escritura até 31/1/2019 por ter compromissos inadiáveis, não tendo obtido qualquer resposta (27 e 28).
Em 28/1/2019 a ré enviou nova comunicação solicitando o agendamento da escritura (ponto 29).
Nesse dia 28/1/2019 o autor solicitou-lhe o adiamento da escritura e em 30/1/2019 foi feita a segunda adenda ao contrato que alterou o mês da escritura para Fevereiro (pontos 30, 31 e 25).
No dia 14/2/2019 a ré celebrou com terceiro um contrato promessa na qualidade de compradora, onde foi declarado ter pago o sinal de 38 000,00 euros e que a escritura deveria ser celebrada até ao dia 13 de Maio de 2019 (ponto 40).
No dia 21/2/2019 o autor notificou a ré de que a escritura estava marcada para 28 desse mês de Fevereiro (ponto 32).
 No dia 28/2/2019 o autor solicitou à ré novo adiamento para o dia 8/3/2019 comprometendo-se a fazer um reforço de sinal de 200 000,00 euros e, em 4/3/2019, foi feita a terceira adenda ao contrato que estabeleceu um reforço de sinal a pagar em Março de 2019, no valor de 100 000,00 euros e a nova data da escritura para 15/3/2019 (pontos 33, 34 e 25).
No dia 15/3/2019 foi feita a quarta adenda ao contrato, fixando a data de 28/3/2019 para a realização da escritura (ponto 25).
Todas estas adendas e todos estes adiamentos foram sendo aceites pela ré a pedido do autor e do seu irmão, por estes não terem capacidade financeira ou para reforçar o sinal ou para celebrar a escritura com o pagamento do remanescente do preço ponto (26).      
No dia 28/3/2019 fixado para a escritura o autor e o seu irmão não tinham possibilidades financeiras para pagar o remanescente do preço e tentaram, sem sucesso, obter a necessária quantia junto a uma entidade bancária (pontos 35, 36 e 37).
Mas não compareceram nesse dia 28/3/2019 no notário onde estava agendada a escritura, nada dizendo à ré (ponto 38).
Nos dias 2/4/2019 e 3/4/2019 a ré enviou cartas dirigidas ao autor, para o seu domicílio pessoal e profissional, solicitando a marcação da escritura no prazo de oito dias sob pena de resolução do contrato, mas estas comunicações só foram recebidas pelo autor após 18/4/2019, tendo sido recusadas no domicílio pessoal e não entregues no profissional (pontos 57 e 58).
No dia 3/4/2019 a ré dirigiu-se ao imóvel dos autos, tocou à porta e, não encontrando ninguém presente, entrou sem autorização do autor ou do seu irmão e mudou a fechadura da porta, telefonando em seguida para o irmão do autor e comunicando que ficaria a ocupar a casa até ser feita a escritura e o pagamento do remanescente do preço (pontos 41 e 42).
Nesse dia, no local e na presença da polícia, a ré recusou entregar as novas chaves ao autor ou ao seu irmão, permitindo apenas que eles entrassem e retirassem bens pessoais e, desde então, não mais o autor ou o seu irmão entraram na casa, recebendo mais tarde, em 7/5/2019, os seus bens encaixotados pela ré (pontos 43 a 49).
No dia 4/4/2019 o autor enviou comunicação à ré reclamando a entrega das chaves do imóvel, sob pena de resolver o contrato e de exigir o sinal em dobro (ponto 56).
A cláusula 4ª nº4 do contrato promessa previa que, não se realizando a escritura na data aprazada, esta ficaria automaticamente agendada para o 15º dia útil seguinte e, no caso do dia 28/3/2019, o 15º dia útil correspondia ao dia 18/4/2019 (ponto 39).   
A ré não entregou as chaves da casa ao autor ou ao seu irmão e no dia 11/4/2019 comunicou ao autor que iria comparecer no notário para a realização da escritura, no próximo dia 18, por corresponder ao 15º dia útil seguinte à data da escritura em que o autor não havia comparecido e manteve tal intenção na comunicação de 16/4//2019, após uma resposta do autor de 15/4/2019 (pontos 47, 59, 60 e 61).
No dia 17/4/2019 o autor comunicou à ré a resolução do contrato promessa, exigindo-lhe a restituição do sinal em dobro no montante de 296.000,00 euros (ponto 62).
No dia 18/4/2019 a ré comunicou ao autor que não aceitava a resolução do contrato nem aceitava a proposta apresentada pelo advogado do autor de redução do preço acordado e reiterou a sua intenção de comparecer no notário para outorgar a escritura (ponto 63).
O autor respondeu-lhe nesse dia, concluindo que se encontrariam no notário (ponto 64). 
Nesse mesmo dia 18/4/2019 o autor e a ré compareceram no notário, não tendo sido outorgada a escritura por manterem ambos as respectivas posições transmitidas nas referidas comunicações: o autor manteve que apenas celebraria a escritura pelo preço de 225 000,00 euros acompanhado de um pedido de esculpas da ré e a ré manteve que apenas celebraria a escritura pelo preço indicado na promessa, de 291.000,00 euros (pontos 65, 66 e 67).
No dia 6/5/2019 a ré vendeu o imóvel a uma sociedade representada pelo seu único administrador, que era um seu amigo e que aceitou comprá-la para a revender sem lucro, como forma de a ré poder cumprir a promessa de compra do imóvel assumida perante terceiro (pontos 69 e 70).
Sendo esta a cronologia dos factos, haverá que ter presente que a resolução do contrato e as sanções previstas no artigo 442º pressupõem que haja um incumprimento definitivo da outra parte e não uma simples mora, como resulta dos artigos 804º e 805º, que definem a mora como o atraso de uma prestação ainda possível por causa imputável ao devedor e do artigo 808º, por força do qual só se considera definitivamente não cumprida a obrigação quando o credor, em consequência da mora perder objetivamente o interesse na prestação, ou se esta não for realizada dentro de um  prazo razoável fixado pelo credor.
A perda do interesse do credor poderá resultar igualmente de uma recusa expressa do devedor em cumprir, dispensando a fixação de prazo, ou mesmo de uma conduta que inequivocamente revele a intenção de não cumprir.
Poderão ainda as partes fixar contratualmente prazos de cumprimento com cominação de perda de interesse, ao abrigo dos artigos 405º nº 1 e 432º nº 1 do CC.
Contudo, o incumprimento definitivo que permite a resolução do contrato terá de resultar da violação da obrigação principal, base da relação contratual sinalagmática, que, no contrato promessa, consiste na celebração do contrato prometido e já não da violação de uma obrigação secundária ou acessória, nem da violação de uma obrigação que antecipe o efeito do contrato prometido, como é o caso da violação do direito à utilização da coisa prometida que resulta da sua tradição.
A tradição da coisa prometida não é, pois, essencial ao contrato promessa, nem consequência do mesmo, mas sim um acordo complementar que pode ou não existir e que, a existir, antecipa os efeitos do contrato prometido (cfr ac RL 16/9/2014, P. 92/12, em www.dsi.pt).
Sendo assim, a violação do direito à utilização do imóvel objecto de um contrato promessa de compra e venda com tradição da coisa só poderá ser considerada um incumprimento definitivo e fundamento de resolução do contrato se consistir numa actuação que se traduza numa inequívoca intenção por parte do promitente vendedor de não cumprimento da obrigação principal (celebração do contrato prometido), ou que tenha consequências que impeçam tal cumprimento.
Voltando ao caso dos autos, o direito à resolução do contrato promessa e ao recebimento do sinal em dobro reclamado pelo autor assenta na valorização da actuação da ré como um incumprimento definitivo, ao mudar a fechadura da porta do imóvel, impedindo o autor e o irmão de aceder à casa sem a sua autorização.
Ora, não só as obrigações resultantes da tradição da coisa não constituem uma obrigação principal de que dependa o contrato promessa, como também, no caso concreto, a actuação da ré não revela intenção de não cumprir o contrato principal nem impede tal cumprimento, muito pelo contrário.
Ao actuar da forma descrita, impedindo a utilização do imóvel pelo promitente comprador, a ré violou ilicitamente o acordo de tradição do imóvel que antecipava os efeitos do contrato prometido, mas manteve sempre a intenção de cumprir o contrato promessa.
Veja-se que, depois de ceder aos muitos pedidos de adiamento formulados pelo autor (com prejuízo para a sua situação, por ter interesse em vender o imóvel o mais rápido possível para poder concretizar a aquisição de um imóvel para a sua habitação), a ré, na última data que o autor agendou para a celebração da escritura, em 28/3/2019, viu-se confrontada com a não comparência do autor no notário, sem qualquer comunicação e obrigada a esperar por um contacto que não chegava, sem saber quais eram as intenções do autor, até que, depois de esperar quatro dias por uma explicação que não recebeu, enviou duas cartas ao autor, respectivamente, em 2 e 3 de Abril, nas duas interpelando o autor a marcar a escritura no prazo de 8 dias sob pena de resolução do contrato, cartas não recebidas imediatamente pelo autor, por este as ter recusado no seu domicílio e sendo a segunda carta com data do mesmo dia em que a ré se deslocou ao imóvel e mudou as fechaduras da casa, comunicando que esta era uma situação que se manteria até ser celebrada a escritura e ser recebido o remanescente do preço.
A intenção de celebrar a escritura por parte da ré é manifestamente evidente e manteve-se ainda depois de 3 de Abril, nas comunicações trocadas com o autor, sendo ela quem marcou a escritura com recurso à cláusula contratual que a considerava automaticamente agendada no 15º dia útil seguinte e sendo sempre a ré que, nessas comunicações, insistia e mencionava tal agendamento para escritura.
Por seu lado, no que respeita ao impacto da actuação da ré junto do promitente comprador, ao impedi-lo de aceder incondicionalmente ao imóvel, apesar de constituir uma violação contratual e por muito desagradável que tenha sido, a mesma não é causal da não outorga da escritura, nem impedimento da realização da mesma, ou seja, do cumprimento da obrigação principal do contrato celebrado entre as partes.  
Num momento em que o promitente comprador arrastava e atrasava o cumprimento da obrigação principal havia vários meses, dando causa a quatro adendas do contrato e a vários adiamentos da celebração da escritura e chegando ao ponto em que na última data que agendou nem sequer comparecer no notário, nem dar qualquer justificação para essa falta, passando a fugir aos contactos da promitente vendedora, tem de se concluir necessariamente que o transtorno e a situação desagradável por que passou com a troca de fechaduras (que duraria apenas 15 dias por força do clausulado no contrato e da marcação de nova escritura para o dia 18 de abril que foi efectivamente agendada), não foi de molde a fazê-lo perder objectivamente o interesse no cumprimento do contrato promessa.
Não foi alegado nem demonstrado que este incidente de incumprimento pela ré de uma obrigação antecipatória dos efeitos do contrato, tivesse por qualquer modo impedido ou alterado o objectivo interesse do promitente comprador na aquisição daquele imóvel. Na verdade, não ficou demonstrado que a privação da utilização do imóvel por 15 dias obrigasse o promitente a tomar medidas que o obrigassem a optar por outras alternativas incompatíveis com a celebração contrato prometido, tanto que o autor até chegou a aceder em celebrar o contrato prometido desde que tivesse uma redução no preço.
A conduta da ré ao violar uma obrigação complementar antecipatória dos efeitos do contrato prometido não pode assim considerar-se um incumprimento definitivo do contrato promessa, nem face à cláusula 7ª nº 1 deste contrato invocada pelo apelante, onde se prevê que qualquer das parte tem o direito de resolver o contrato promessa em caso de incumprimento, pela outra parte, de qualquer obrigação prevista no mesmo, se, após interpelação para remediar o incumprimento, a obrigação contratual em causa não for cumprida no prazo de 10 dias.
Com efeito esta cláusula 7ª nº 1 tem de ser interpretada de acordo com os princípios acima expostos, ou seja, só haverá direito a interpelar a outra parte e resolver o contrato se a obrigação violada for essencial para o cumprimento do contrato, sob pena de, se assim não se interpretar, se abrir a porta à resolução dos contratos pela violação de obrigações contratuais que não impedem o cumprimento da obrigação principal, com manifesto abuso de direito.
Não integrando um cumprimento definitivo, a conduta da ré, violadora do direito à tradição do imóvel sem influência no cumprimento do contrato prometido, terá apenas como consequência o direito do promitente comprador a ser ressarcido pelos danos concretos resultantes desta violação contratual, nos termos gerais do artigo 798º do CC.
Mas o autor não pede indemnização por estes prejuízos, sendo que, na matéria de facto provada só se provaram os factos de constantes dos pontos 53, 54 e 55, que seguramente não justificariam uma indemnização no valor da redução do preço que veio exigir à ré de 66.000,00 euros (291.000,00 – 225.000,00 euros).
Por outro lado, o facto de ter sido prestado sinal que, no seu montante global, corresponde a cerca de metade do preço acordado, é totalmente imputável ao autor, pois o reforço de 100.000,00 euros que não estava previsto no contrato foi fixado numa das adendas na sequência dos solicitados adiamentos da outorga da escritura diligenciados pelo autor (e consequentemente do adiamento do pagamento da totalidade do remanescente do preço), para lograr obter um calendário mais favorável para o pagamento e que não era o acordado no contrato.
Conclui-se, portanto, que o incumprimento contratual da ré ao mudar as fechaduras do imóvel não constitui um incumprimento definitivo do contrato promessa, porque, face às circunstâncias concretas do caso, não decorreu de uma vontade de não cumprir a obrigação principal de celebrar o contrato prometido e também não foi causa de qualquer situação que levasse à perda objectiva de interesse no contrato por parte do promitente comprador.
A conduta do autor, pelo contrário, integra um incumprimento definitivo, face à sua recusa expressa e injustificada de cumprir o contrato, primeiro ao declarar a resolução do contrato sem que houvesse incumprimento definitivo da ré e, posteriormente, ao declarar que só outorgaria a escritura mediante uma redução do preço, em violação do artigo 406º do CC que impõe o cumprimento pontual dos contratos e só permite a sua alteração por mútuo consentimento ou nos casos admitidos na lei.
A esta conclusão não obsta o facto de não se ter apurado se no dia 18/4/2019 o autor e o irmão tinham ou não meios suficientes para pagar o remanescente do prédio, pois seja qual for o caso, sempre existe recusa de cumprimento.
Face à recusa de outorgar a escritura por parte do autor, não constitui também incumprimento da ré a venda posterior do imóvel a terceiro. 
Aplicando então o artigo 442º nº 2 do CC, não tem o autor direito à restituição do sinal em dobro e tem a ré o direito de fazer seu o sinal prestado, improcedendo as alegações de recurso. 
 *
III) Litigância de má fé.
Não se conforma ainda o apelante com a sua condenação como litigante de má fé.
Sobre esta questão expôs-se na sentença recorrida a seguinte fundamentação: “O autor fê-lo (pleiteou de má fé) no centro da sua pretensão, construindo uma tese, que veio defender em tribunal, que necessariamente não correspondia à verdade e não teria sustentação de direito, com intuito claro de obter, sem razão, um pagamento que sabia não ser devido. O artifício da tese e a sua reiteração em juízo justificam uma condenação em valor não irrelevante, que quantifica em 12 UC”.
Acompanha-se esta avaliação, que encerra fundamentação sintética, mas suficiente, não se verificando a apontada nulidade prevista no artigo 615º nº1 do CPC.
O descrito comportamento processual, imputando à contraparte uma obstrução do contrato celebrado que lhe é a si imputável, integra o artigo 542º nº2 alínea a) do CPC, pelo que improcedem, também nesta parte as alegações do recurso.   
*
DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
*
Custas pelo apelante.
*
2023-06-29
Maria Teresa Pardal (por vencimento da primitiva relatora)
Anabela Calafate
Maria de Deus Correia (com o voto de vencido que se segue)

DECLARACÃO DE VOTO
Votei vencida o presente acórdão, pois julgaria parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revogando a sentença recorrida, condenaria a Ré a pagar ao Autor a quantia de €148.000,00 que recebeu a título de sinal, acrescida de juros de mora, vencidos desde 17 de Abril de 2019 e vincendos até integral pagamento.
Absolveria ainda o Autor da multa em que tinha sido condenado como litigante de má-fé.
As razões de tal entendimento são as que constam do projecto de acórdão que, em síntese, seguidamente indico:
 “A questão que se coloca consiste em saber se o Autor tinha direito a resolver o contrato com fundamento em incumprimento contratual por parte da  Ré ou se, pelo contrário, o Autor utilizou como pretexto a “invasão “ da casa prometida vender, para esconder o seu próprio incumprimento contratual. Foi esta a tese da sentença recorrida.
Na verdade, as partes outorgaram um contrato-promessa de compra e venda de um bem imóvel para habitação, com pagamento de um total de €148.000 a título de sinal, pelo aqui autor à aqui ré. Sucede que a escritura prometida não se realizou na data acordada e já não pode realizar-se porque a Ré vendeu o imóvel a terceiros.
Importa, pois, averiguar a quem é imputável o incumprimento contratual.
Antes de mais importa abordar a questão da traditio do bem, tal como refere a sentença recorrida, uma vez que a pretensão do Autor assenta nesse facto. Subscrevemos o que a este propósito refere o tribunal a quo: “(…) há elementos de enquadramento que se afiguram relevantes e que não abonam a favor da correspondência da vontade declarada com a vontade real das partes, seja na outorga do arrendamento, seja na promessa: – a indefinição do verdadeiro beneficiário do contrato e/ou do verdadeiro usuário da fração. O arrendamento para habitação foi celebrado com sociedade comercial.
A promessa foi assumida por e perante D…, bem sabendo as partes que não era ele que habitava na fração e que não seria ele que o faria no futuro.
Quer dizer que, em toda a sua relação negocial, admite-se que por principal impulso de F… e D…, a que a ré expressamente anuiu, as partes envolveram as suas declarações em alguma opacidade, para não a referir como intencional incorreção, face à materialidade jurídica.
É neste contexto que deve ser olhada a regra do contrato-promessa que se limita a conceder “acesso” do autor à fração, acompanhada de outra, manifestamente incompatível, determinativa que seria ele a suportar as despesas com a mesma.
A verdade é que a ré, sem margem para dúvidas, autorizou residência na fração, admitindo-se que tal autorização tivesse sido pessoalmente indeterminada, abrangendo o autor e, principalmente, o seu irmão.
Quer isto dizer que, ou a regra contratual de permissão de acesso, interpretada de acordo com a vontade real dos declarantes, estabelece que a ré proprietária se vinculou nessa sede a conceder efetiva tradição do bem ao autor ou, se assim não se entender, tal traditio foi concedida de forma contemporânea e lateral ao contrato.
Seja qual for o entendimento que se siga, é clara a tradição do bem e incorreto o que consta do contrato.”
Este excerto da sentença recorrida encontra sustentáculo fáctico precisamente nos pontos 15.º e 16.º dos factos provados donde resulta que apesar de se querer evitar a expressão “tradição da fracção” substituindo-o por direito de acesso ao imóvel, o F… – irmão do Autor voltou a residir no imóvel objecto do contrato, pelo menos desde 4 de Setembro de 2018 até 3 de Abril de 2019, data em que a Ré se apoderou do imóvel, trocando a fechadura da porta.
Não há dúvida de que estamos em presença de um contrato promessa com tradição da coisa.
Até aqui concordo com a decisão recorrida.         
E também com o entendimento de que a cláusula contratual de permissão de acesso, interpretada de acordo com a vontade real dos declarantes, constitui uma verdadeira tradição da coisa, pelo que a atitude da Ré, descrita nos pontos 41.º e 42, configura um claro incumprimento contratual do contrato promessa.
Porém, na sentença recorrida defende-se o entendimento de que o incumprimento se refere a “uma obrigação não essencial não fundamentadora do direito à resolução do contrato”.
Será assim?
Não me parece que assim seja.
Afigura-se contraditório que, por um lado, o Tribunal a quo reconheça que a Ré “comportou-se de má-fé na execução do contrato” e, por outro lado, conclua que “esta má-fé da ré e este incumprimento, seja de uma obrigação contratual (seguindo-se uma das interpretações possíveis), ou de uma obrigação para-contratual (seguindo-se a outra), não fundamenta direito à resolução.” E justifica o Tribunal a quo o seu entendimento concluindo, ou antes, conjecturando que “(…) o autor, na impossibilidade de cumprir a sua obrigação de pagamento do remanescente do preço na data acordada, (…) aproveitou aquela ação inopinada da autora para forçar uma redução do preço e/ou a resolução do contrato.”
Ao contrário da perspectiva defendida pelo Tribunal a quo, afigura-se que o facto de a Ré, a 15 dias da data prevista para a realização da escritura, e tendo já recebido mais de metade do valor acordado, ter ocupado o imóvel e mudado a fechadura, contra a vontade quer do Autor quer do seu irmão que lá residia, tudo conforme descrito nos pontos 41.º e 42.º dos factos provados, representa uma violação muito grave dos deveres contratuais da Ré e promitente vendedora, concretamente o dever que lhe impunha, precisamente, garantir o “acesso ao imóvel” que era o domicílio do F…. A violação tão grave dos deveres contratuais, por parte da Ré torna inexigível para o Autor a manutenção do vínculo contratual, pois objectivamente tal violação é susceptível de quebrar irremediavelmente a relação de confiança subjacente a qualquer relação contratual. Nestas condições não podemos qualificar a obrigação em causa como uma obrigação não essencial. Pelo contrário, sendo um contrato promessa acompanhado de traditio da coisa prometida vender, esta constitui um elemento essencial do contrato, especialmente quando se trata de uma casa de habitação.
E nem se diga que, de algum modo, a atitude da Ré se possa compreender à luz do que consta designadamente dos pontos 35.º a 38.º dos factos provados. Na verdade, pelo facto de o Autor não ter disponibilidade financeira, no dia 28 de Março de 2019, para realizar a escritura, não queria dizer que a não tivesse, em 18 de Abril de 2019. Até porque não se compreende muito bem que tivessem sido feitas sucessivas adendas ao contrato promessa, conforme consta do ponto 25.º dos factos provados, “em resultado da incapacidade financeira” do Autor, como consta do ponto 26.º e, contudo, tenham sido feitos reforços de sinal de elevado montante (€100.000,00 em 4 de Março de 2019, e no total o valor de €148.000,00) conforme consta dos pontos 25.º e 34.º dos factos provados. Por conseguinte, o adiamento da escritura de Janeiro de 2019 para 18 de Abril de 2019, apenas três meses, pode dizer-se que foi bastante compensada sob ponto de vista de equilíbrio contratual, pelo reforço de sinal que atingiu mais de metade do preço acordado para a venda do imóvel (€291.000,00).
Em qualquer caso, à Ré estava vedado o uso da “acção directa” que não é lícita “quando sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar (art.º 336.º n.º 3 do Código Civil), como foi o caso.
Entendo, por conseguinte, que a violação grave dos deveres contratuais por parte da Ré torna legítima a resolução do contrato por parte do Autor dado que a mora da Ré foi convertida em incumprimento definitivo através da interpelação admonitória, conforme art.º 808.º do Código Civil (vide pontos 56.º e 62.º dos factos provados).
Deve, pois, considerar-se validamente resolvido o contrato, nos termos do art.º 436.º n.º 1 do Código Civil.
Nos termos do art.º 442.º n.º1 do Código Civil, se o não cumprimento do contrato se dever ao promitente vendedor tem o promitente- comprador “ a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor (…) devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.
No caso em análise, tratando-se de um contrato promessa de compra e venda em que houve tradição da coisa, aplica-se, em caso de incumprimento, a última parte do n.º 1 do referido preceito legal. Ou seja, o Autor poderia exigir da Ré o pagamento do valor da coisa e ainda a restituição do que pagou a título de sinal. Porém, por limitação resultante do disposto no art.º 609.º do Código de Processo Civil, não podendo o Tribunal condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, deverá a Ré ser condenada a devolver ao Autor o sinal recebido no valor de €148.000,00 acrescido de juros vencidos desde a data da resolução do contrato e vincendos até integral pagamento.
Cumpre ainda referir que a validade da resolução do contrato por facto imputável à promitente vendedora e ora Ré não fica prejudicada pelo facto de ambas as partes se terem encontrado no notário no dia que estava designado para a realização da escritura. Como se vê pelas comunicações trocadas entre as partes, a Ré não aceitava a resolução do contrato, mas tal não tem qualquer relevância para a respectiva validade. Por outro lado, o Autor compareceu no notário, tal como se depreende do teor do ponto 64.º dos factos provados, com o objectivo de obter da Ré “o reconhecimento do erro em que incorreu” e lhe apresentasse “um pedido formal de desculpas”. Paralelamente, o Autor propôs-se renegociar com a Ré, comprando o imóvel, mas por um preço mais baixo do que aquele que constava do contrato promessa anteriormente resolvido (vide pontos 64.º-67.º dos factos provados). O que a Ré não aceitou. Portanto, estes factos também nenhum efeito produzem relativamente à resolução do contrato já concretizada anteriormente. Na verdade, esta renegociação caso tivesse tido êxito, levaria à celebração de um novo contrato o que não ocorreu.
Em suma:
Num contrato promessa de compra e venda de imóvel com tradição do bem prometido vender, o facto de a promitente vendedora ter ocupado o imóvel e mudado a fechadura do mesmo, impedindo o acesso do promitente- comprador, constitui uma violação muito grave dos deveres contratuais da Ré, tornando inexigível para o Autor a manutenção do vínculo contratual.
Tal violação do contrato, susceptível de quebrar irremediavelmente a relação de confiança subjacente a qualquer relação contratual, é fundamento legal de resolução do contrato.
Quanto à litigância de má-fé:
O Autor foi condenado na sentença recorrida como litigante de má-fé, na multa de 12 UC, como de resto a Ré também foi considerada litigante de má-fé.
A condenação como litigante de má-fé assenta num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de Direito[1].
Nos termos do disposto no art.º 542º, do CPC diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Creio que o comportamento processual do Autor não se enquadra em qualquer das situações legalmente previstas, não havendo, pois, fundamento para a condenação do Autor como litigante de má-fé., pelo que da mesma deveria ser absolvido.
Lisboa, 29 de Junho de 2023
Maria de Deus Correia
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[1] Acórdão do STJ de 12-11-2020, disponível em www.dgsi.pt