APOIO JUDICIÁRIO
ACESSO AO DIREITO
TUTELA
Sumário

I.- O instituto do apoio judiciário surge da necessidade de concretizar princípios constitucionais do Estado Social de Direito Democrático, consagrado no artigo 20.º/1, da Lei Fundamental e no artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
II.- Se o apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento de custas foi requerido após o trânsito em julgado da sentença e visa apenas o não pagamento das custas do processo, a que a parte deu causa, não se verificam os requisitos para que o benefício seja eficaz nesse processo, porque já não está em questão o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP).
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Proc.º 1770/16.0T8LLE-F.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…)


*
No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Execução de Loulé - Juiz 2, no âmbito da execução em que é executado o recorrente, foi proferida a seguinte decisão:
Por requerimento apresentado em 3/10/2022, o Embargante veio requerer a “reformulação da conta de custas e anulação das guias emitidas” alegando que lhe foi concedido o benefício do apoio judiciário.
A tanto se opõe o Ministério Público, sustentando que o apoio judiciário não aproveita para aos atos praticados em data anterior ao do pedido.
Apreciando.
Decorre dos autos a seguinte factualidade
-Por sentença proferida em 3/3/2019 foi julgada improcedente a oposição e condenado o Opoente, ora requerente, nas custas da oposição;
-Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 4/6/2020 foi confirmada a sentença proferida em primeira instância e condenado o recorrente, ora Requerente, nas custas do recurso;
-Do acórdão acima referido foi interposto recurso de revista pelo recorrente, que não foi admitido, assim como foram julgadas improcedentes as nulidades arguidas relativamente ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora (vide acórdãos de 2/12/2020 e 11/2/2021;
-Transitada em julgado a decisão acima referida, foi elaborada em 28/3/2022 a conta de custas da responsabilidade do ora requerente;
-Em 14/4/2022 o ora requerente formulou junto do organismo da segurança social, pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o que lhe foi deferido por decisão de 8/6/2022 (retificada por decisão de 5/7/2022).
Apreciando.
Como se vê, o Embargante litigou sem o benefício do apoio judiciário, tendo sido condenado nas várias instâncias também na responsabilidade pelas custas, pelo que foi elaborada a conta do processo que não foi objeto de reclamação.
Assim, findos que estão os autos e após o trânsito em julgado das decisões condenatórias em custas, o Embargante entendeu requerer o benefício do apoio judiciário, que lhe foi concedido e ao abrigo dessa decisão pretende a “reformulação da conta de custas e anulação das guias emitidas”.
Deste modo, não só o pedido de apoio judiciário não foi formulado com a primeira intervenção no processo, como imposto pelo artigo 18.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (que são que não foi apreciada na decisão que o concedeu), como foi efetivamente reformulado depois do trânsito em julgado da decisão. Por isso, com este concedido beneficio de apoio judiciário não se realizam as suas finalidades (que são as de assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos), antes surgindo como um pretendido “perdão” de custas.
Por conseguinte, o agora concedido benefício do apoio judiciário não pode aproveitar ao Embargante para os atos já praticados e as custas já liquidadas.
Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-10-2016, proc.º 2998/13.0TBVCT-A.G2, in www.dgsi.pt, invocado na promoção do Ministério Público.
Pelo exposto, indefere-se tudo o requerido pelo Embargante.
Notifique.

*

Não se conformando com o decidido, o recorrente apelou formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:

A. Foi erradamente decidido a inaplicabilidade imediata do benefício de apoio judiciário na modalidade concedida ao recorrente, com efeitos à data do pedido.

B. O pedido de apoio judiciário quando abrange os demais encargos com o processo abrange, também, as custas judiciais.

C. No caso concreto, o benefício de apoio judiciário deverá aplicar-se com efeitos à data do pedido e com efeitos sobre as custas liquidadas.

D. O entendimento de que o litigante não pode beneficiar de apoio judiciário quando a carência económica surge após o pagamento das taxas de justiça, ou mesmo após a notificação para pagamento das custas, só nessa altura sendo possível ao litigante aperceber-se da carência em face do valor em concreto das mesmas, é inconstitucional por se revestir numa restrição de acesso ao direito e, por tanto, violadora do n.º 1 do artigo 20.º da CRP.

Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o douto suprimento de V/Exa.:

a) Ser o presente recurso recebido e julgado procedente;

Assim fazendo a costumada justiça.


*

A questão que importa decidir é a de saber se o apoio judiciário deve ser concedido para que seja permitido o acesso à justiça, ou se pode ser concedido em momento em que esse acesso já ocorreu.
*
A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório inicial.
***
Conhecendo.
O instituto do apoio judiciário surge da necessidade de concretizar princípios constitucionais do Estado Social de Direito Democrático, consagrado no artigo 20.º/1, da Lei Fundamental e no artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, estipulando o primeiro que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
Na perspetiva do recorrente após o termo do processo, num momento em que a relação material controvertida já foi dilucidada pelo tribunal, estando apenas em causa o pagamento das custas, ainda se considera estar em causa o cumprimento do comando constitucional e não apenas a intenção de se eximir ao pagamento das custas processuais a que deu causa.
O tribunal entendeu em sentido oposto, ou seja, que após trânsito da decisão final, não é mais possível solicitar a concessão do benefício do apoio judiciário, por não estar já em causa a garantia do acesso ao direito e aos tribunais, mas tão só a tentativa de não pagar as custas da ação.
Vejamos.
Adiantamos desse já que, como tem sido afirmado exaustivamente pela jurisprudência, a solução a dar à questão colocada é a que foi dada pelo tribunal a quo.
Com efeito, após o trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao processo, só se admite, como situação limite, a concessão do benefício da isenção do pagamento das custas se a parte apenas aquando da notificação para pagar intervém no processo, pelo que, neste caso extremo, o benefício foi requerido antes da primeira intervenção processual uma vez que pode existir uma situação de insuficiência económica que nunca foi apreciada.
Isto porque, nos termos do artigo 18.º da Lei 34/2004, de 29-07:
“2 - O apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica.”

A última parte deste inciso pressupõe que a concessão do benefício é concedido no decurso do processo, porque se o processo se prolongar por alguns anos, muitas alterações económicas pode ocorrer na vida da parte que o pede em face dessa alteração.
Ora, no caso dos autos, o recorrente ofereceu oposição à execução que contra si foi proposta pelo que não estamos em presença da primeira intervenção nos autos e a insuficiência económica não foi alegada e comprovada antes da notificação para pagar as custas dos embargos, tendo apenas, em sede de recurso, sido alegado que é o próprio montante das custas que colocou o recorrente numa situação e insuficiência económica.
Como se sabe, a decisão e seus fundamentos que são colocados em crise através do recurso são os que foram ponderados pelo tribunal a quo, não podendo o recorrente invocar no tribunal superior novas questões que não foram apreciadas na primeira instância.
Também o Tribunal Constitucional tem decidido no sentido que perfilhamos sendo disso exemplo o Ac. 297/01, Proc. n.º 24/2000 – onde estava em questão uma decisão do próprio TC, tendo os recorrentes formulado o pedido de apoio judiciário para isenção do pagamento de custas após o trânsito da decisão, tal como no caso presente –, ou seja, que um pedido de apoio judiciário formulado quando a causa transitou em julgado é manifestamente extemporâneo, para além de se mostrar inútil, uma vez que o requerente já conhece o direito que era objeto do litígio, depois de o ter feito valer e defender no decurso do processo.
Tal como no caso dos autos, o TC entendeu que um pedido de apoio judiciário, apenas para evitar o pagamento das custas da ação, depois de se ter litigado sempre sem qualquer apoio, representa a subversão da finalidade do regime de acesso ao direito e aos tribunais e não pode ser permitido.
Acrescenta-se ainda que a decisão de concessão do apoio judiciário por um órgão meramente administrativo, como é a Segurança Social, não tem a força jurídica para vincular o tribunal, órgão de soberania e o único a quem está atribuído o poder de dizer o direito.
Assim sendo, a apelação não merece provimento, devendo ser mantida a decisão recorrida, que se não mostra violadora de qualquer norma ou princípio constitucional.
Neste sentido, cfr. Ac. TRL de 13-12-2017, Proc.º n.º 406/09.0JAFAR-G.E1-5, TRE de 27-01-2022, Proc.º n.º 582/14.0TBPTG-A.E1 e TRE de 09-10-2014, Proc.º n.º 158/1999.E1, referindo-se neste que: O benefício do apoio judiciário peticionado e concedido pela Segurança Social, após o trânsito e julgado da causa para que foi requerido, é totalmente ineficaz nessa causa.”
***

Sumário: (…)

***

DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente – artigo 527.º do CPC.
Notifique.

***
Évora, 15-06-2023

José Manuel Barata (relator)

Francisco Matos

Cristina Dá Mesquita