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PEDIDO CÍVEL
INDEMNIZAÇÃO PROVISÓRIA
Sumário
O regime de fixação provisória de indemnização civil, a correr termos no processo penal, só se aplica aos casos especiais e expressamente aí previstos, sendo por isso inaplicável o procedimento cautelar de "arbitramento de reparação provisória", regulado no artigo 403 do Código de Processo Penal.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1.Relatório
B....., ofendido e demandante civil nos autos de processo penal comum (acidente de viação) n.º ../95, do -º Juízo Criminal do....., requereu, por apenso a esses autos, arbitramento de reparação provisória contra a demandada civil “C....., SA”, pedindo a condenação da requerida a pagar-lhe, a título de reparação provisória, a quantia mensal de €400,00, ou a que for considerada adequada.
O Sr. Juiz do 3º juízo do Tribunal Criminal do Porto proferiu despacho indeferindo o requerido, “por não ser este o meio processualmente correcto para deduzir o pedido de arbitramento de indemnização provisória”.
Inconformado com tal despacho, o requerente interpôs recurso para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
- O preceituado nos arts. 82º,2 e 83º do Cód. Proc. Penal pressupõe uma sentença de condenação que, por falta de elementos, remete a liquidação da indemnização para execução de sentença (n.º 1 do art. 82º), ou que não pode ser, nomeadamente pela interposição de recurso, objecto de execução imediata;
- No caso sub judice ainda não há sentença de condenação, o que afasta a aplicação daqueles preceitos legais;
- Por força do preceituado no art. 4º do Cód. Proc. Penal, é lícito ao recorrente socorrer-se do procedimento cautelar previsto no art. 403º do CPC, a processar em conformidade com o disposto nos seus arts. 400 e 404º, 1;
- O despacho recorrido, ao indeferir o procedimento com fundamento em que a reparação provisória requerida podia ser obtida através do expediente dos arts. 82º,2 e 83º do C. P. Penal, fez errada interpretação destas disposições legais;
- Pelo que deve ser revogado e ordenar-se a sua substituição por outro em que se dê seguimento ao procedimento cautelar requerido.
Posteriormente à interposição do recurso, o recorrente veio esclarecer que o procedimento criminal contra o arguido tinha sido declarado amnistiado, por despacho de 23.06.99, o qual determinou ainda que o processo prosseguisse os seus termos, desde então, apenas para apreciação do pedido de indemnização civil.
O Ex.mo Procurador-geral-adjunto nesta Relação referiu “não haver fundamento para a intervenção do MP, já que carece de interesse em agir (cfr. n.º 1 do art. 413º, CPP) ”.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência, para julgamento.
2.Fundamentação 2.1 Matéria de facto
Com interesse para a decisão do presente recurso, consideramos assentes os seguintes factos:
a) em 7/03/1997 o MP acusou, em processo comum, o arguido D....., pela prática, além do mais, de um crime de ofensa à integridade física por negligência (na pessoa do ofendido B.....) p. e p. pelo art. 148º, n.º 1 e 3 do C.P - fls. 2 e 3;
b) em 7 de Maio de 1997 o ofendido deduziu contra “C....., SPA” pedido de indemnização civil, ao abrigo do disposto nos arts. 71 e segs. do CPP, solicitando a condenação da demandada a pagar-lhe o total de Esc. 17.713.764$00, acrescido de juros à taxa legal - fls. 6 a 17;
c) em 23/05/97 foi recebida a acusação e designado dia para julgamento (23/06/98), em processo comum e perante tribunal singular - fls.27;
d) em 19/04/99 a demandada civil contestou o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante B..... - fls. 28 a 31;
e) em 5/06/2000, foi designado o novo dia 28/05/2001, para a realização do julgamento - fls.34;
f) em 26/03/04, foi designado novo dia para a realização do julgamento, em 3/11/94 – fls 73;
g) em 22/04/04 o demandante requereu, por apenso aos autos, e nos termos do disposto no art.403º CPC, aplicável ex vi do disposto no art. 4º do CPP, arbitramento de reparação provisória, pedindo a condenação da demandada civil, “C....., SPA” a pagar-lhe, a título de reparação provisória, a quantia mensal de €400,00, ou a que for considerada adequada –fls. 74 a 76;
h) por despacho de 1/06/04, o Sr. Juiz do -º Juízo Criminal do..... indeferiu o requerido, nos termos constantes de fls. 90 e 91, designadamente “por não ser este o meio processualmente correcto para deduzir o pedido de arbitramento de indemnização provisória”. (despacho recorrido)
2.2 Matéria de direito
É objecto do presente recurso o despacho que indeferiu o pedido de “arbitramento de reparação provisória” formulado pelo lesado, por ter entendido inaplicável ao processo penal o disposto no art. 403º do C.P.Civil.
Nas conclusões da sua motivação, o recorrente entende que o preceituado nos artigos 82º,2 e 83º do Cód. Proc. Penal pressupõe uma condenação que, por falta de elementos, remete a liquidação da indemnização para execução de sentença, ou que não pode ser imediatamente executada. No caso sub judice não há sentença de condenação, pelo que não são aplicáveis tais preceitos. Deste modo, e nada estabelecendo o Cód. Proc. Penal, o seu art. 4º legitima o recurso ao procedimento cautelar previsto no art. 403º do Cód. Proc. Civil.
A decisão recorrida entendeu que “o processo penal dispõe de formalismo próprio para ser requerida a indemnização provisória” e, por isso, não há qualquer lacuna a preencher pelas regras do Cód. Proc. Civil.
O entendimento defendido pela decisão recorrida não resulta, por si só, dos referidos artigos 82º,2 e 83º do C.P.Penal, dado que estes preceitos não regulam a possibilidade de se obter antes da sentença (decisão final no processo penal) uma reparação provisória da vítima, pelos prejuízos sofridos. O art. 82º CPP refere-se à possibilidade do tribunal estabelecer uma indemnização provisória, no caso de condenação a liquidar em execução de sentença, e o art. 83º CPP à possibilidade de ser “provisoriamente executada” a sentença condenatória em indemnização civil.
Fica assim um espaço em branco, qual seja, todo o tempo que medeia entre o início do processo e a sentença final.
Nestes termos, a questão de saber se há ou não lacuna só pode resolver-se através da resposta à seguinte questão: são as normas do art. 82º e 83º CPP exaustivas, pretendendo regular todos os casos em que pode haver uma condenação provisória, afastando do processo penal qualquer outro momento para o fazer, ou devem tais normas ser aplicadas apenas aos casos aí previstos, sem qualquer projecção sobre as hipóteses não compreendidas na sua previsão?
Formulada a questão de outra forma, há um caso omisso (como defende o recorrente), ou está regulada a possibilidade de reparação provisória em termos especiais que afastam as situações nelas não previstas? Há lacuna, ou intenção do legislador em não querer a reparação provisória, fora dos casos previstos nos artigos 82º e 83º do CPP?
Julgamos que a resposta deve ser a de que o regime de fixação provisória de indemnização civil, a correr termos no processo penal, só se aplica nos casos especial e expressamente aí previstos, pelas razões que passamos a referir.
O recurso à analogia das regras do processo civil contém uma importante restrição: devem observar-se as normas do processo civil que “se harmonizem com o processo penal” – art. 4º do C.P.Penal. Daí que devam respeitar-se os fins específicos do processo penal, não sendo lícito, designadamente, o enfraquecimento da posição do arguido, ou a diminuição dos seus direitos – Maia Gonçalves, C.P.Penal anotado, pág. 104. No processo penal vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, consagrado no art. 32,2 da CRP. Este princípio projecta-se sobre o processo penal em geral e não apenas num ou noutro instituto, incluindo em matéria de prova (principio in dubio pro reo). A condenação provisória do arguido no pagamento de uma indemnização cível, antes da sentença final proferida no processo penal, seria uma especial diminuição das garantias do arguido, que se deve presumir inocente.
Uma vez proferida a sentença condenatória, o tribunal emitiu já um juízo (formado em julgamento) sobre a prática dos factos pelo arguido e consequente dever de indemnizar, como consequência do crime. Deste modo, a opção do legislador permitindo, nestes casos, mas apenas nestes casos – sentença penal condenatória ainda não transitada – uma reparação provisória pelos danos sofridos em consequência da prática de um crime, deve ser interpretada como uma opção ponderada e reflectida sobre os interesses em conflito: tutela judicial efectiva da vítima (onde se inclui o direito a recorrer a providências cautelares antecipatórias) e presunção de inocência do arguido. Nestas situações, a compressão do princípio da presunção de inocência tem uma justificação admissível, uma vez que cede (e apenas provisoriamente) perante uma decisão condenatória, obtida em julgamento. Daí que, a nosso ver, não seja legítimo ver uma lacuna de regulamentação, quanto à possibilidade do lesado pedir uma reparação provisória, antes da sentença condenatória. Em processo penal justifica-se plenamente que o lesado só possa pedir a reparação provisória dos danos sofridos pela prática do crime, nos casos especialmente previstos nos artigos 82º e 83º do C.P.Penal.
É certo que o “enxerto cível” pode, nas suas especiais vicissitudes, prosseguir apenas contra o responsável civil, depois de extinto o procedimento criminal relativo ao arguido (situação dos autos).
Contudo, mesmo nestas situações, julgamos que as regras processuais aplicáveis devem ser as previstas no processo penal. De facto, nos casos em que o processo penal prossegue apenas para apuramento do pedido de indemnização cível, o lesado, querendo, pode intentar acção cível em separado, de acordo com as regras do processo civil – art. 72, n.º 1, al. b) do C.P.Penal.
Por outro lado, a forma pormenorizada como o legislador regulou o pedido cível no processo penal indicia uma intenção de regulamentação exaustiva, sem possibilidade de recurso às regras do direito processual civil – cfr., neste sentido, o Acórdão desta Relação, de 17-11-2004 (recurso 0415651), limitando a intervenção de terceiros no pedido cível, aos casos expressamente admitidos no art. 73º do CPP.
No caso dos autos, o recorrente pediu o arbitramento de uma reparação provisória, em consequência dos danos sofridos pela prática de um crime, fora das situações em que a lei processual penal o permite (arts 82 e 83º do CPP), pelo que o despacho que indeferiu tal pedido não merece qualquer censura.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
*
Porto, 2 de Fevereiro de 2005
Élia Costa de Mendonça São Pedro
José Henriques Marques Salgueiro
António Manuel Alves Fernandes