Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
REQUERIMENTO PARA ABERTURA DA INSTRUÇÃO
ASSINATURA ELECTRÓNICA
ORIGINAIS
Sumário
I–A aposição de assinatura electrónica avançada num requerimento de abertura de instrução é suficiente/bastante, porque equiparada à via postal registada, não carecendo de posterior envio dos respectivos originais.
II–Mesmo que assim não fosse, não se justificaria a rejeição do RAI sem haver um prévio convite do Juiz para a apresentação dos respectivos originais, no prazo geral.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
No âmbito do Processo n.º 157/19.7GTSTB, do Juízo de Instrução Criminal do Barreiro, foi proferido despacho (em 7/11/2022) a rejeitar o pedido de abertura de instrução (feito em 20/9/2022 pelo assistente) e com fundamento em não terem sido juntos, atempadamente, os originais do referido requerimento nos seguintes termos (transcrição):
«A remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico é admissível nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, e na Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, aplicáveis por remissão do artigo 4.º do Código de Processo Penal, em conformidade com o Acórdão do STJ n.º 3/2014, de 06.03.2014, publicado no DR, 1ª Série, de 15.04.2014, e, por interpretação a contrario, do artigo 2.º da Portaria n.º 280/2013, na sua redacção vigente. Tal jurisprudência permanece aplicável às acções excluídas da Portaria n.º 280/2013, conforme o Acórdão do STJ, de 24.01.2018, nomeadamente nas acções que se encontrem na fase de inquérito/instrução, e de acordo com o artigo 17.º, da Portaria n.º 267/2018 de 20 de Setembro. A Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho regula a forma de apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo Civil. Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, da mencionada Portaria, o envio de peças processuais por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada. De acordo com o n.º 2 do artigo 3.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, a expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2º do Decreto-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea. Na falta de validação cronológica, nos termos do artigo 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, “À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia.”. O regime da telecópia consta do Decreto-lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro e no artigo 4.º, desse diploma, lê-se o seguinte: “1-As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes do aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário. (...) 3-Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos.” O prazo de 7 dias deve ter-se alargado para 10 em consequência do disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro. No caso em apreço, constata-se que o assistente apresentou requerimento de abertura de instrução através de correio electrónico com o recurso ao servidor de correio electrónico da Ordem dos Advogados no dia 20 de Setembro de 2022. Verifica-se ainda que, do correio electrónico não consta assinatura electrónica avançada nem a aposição de selo temporal por entidade terceira idónea e que o original do requerimento de abertura de instrução não foi remetido ao tribunal no prazo de dez dias. Tendo enviado o requerimento de abertura de instrução através de correio electrónico o assistente estava obrigado a enviar o original no prazo máximo de 10 dias, o que foi preterido, violando-se, assim, o estatuído no artigo 4.º, n.º 3 do Decreto-lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro. Neste sentido, veja-se o Acórdão proferido a 13.04.2021, do Tribunal da Relação de Évora, relatado pela Desembargadora Maria Fernanda Palma, no processo n.º 914/18.1T9ABF-B.E1. Por fim cabe trazer à colação o argumento do carácter peremptório dos prazos processuais, ou seja, decorrido o prazo, extingue-se o direito em praticar o acto processual, nomeadamente, a apresentação em juízo dos respectivos originais, conforme se refere pertinentemente na decisão recorrida daquele aresto: “A realização de um convite por parte do Tribunal, para junção dos originais, redundaria na obnubilação de dever legalmente imposto (o previsto n.º 3 do artigo 4.º do DL 28/92) e na “implosão” do prazo peremptório de 20 dias para requerer a abertura da instrução previsto no artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.”. Tudo visto e ponderado, e à semelhança do mencionado aresto, impõe-se a rejeição do requerimento de abertura de instrução. Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, rejeito o requerimento de abertura de instrução. Custas a cargo do assistente que fixo em 2 UC. Notifique. Oportunamente, arquive. »
*
Inconformado com tal decisão, dela veio o assistente, A, interpor o presente recurso que termina com as seguintes conclusões e o respectivo pedido (transcrição):
«A.–O Assistente apresentou, em tempo, o requerimento de abertura de Instrução via correio eletrónico junto dos serviços do Ministério Publico do DIAP do Barreiro, enviado a 20/09/2022 pelas 22:00 horas. B.–O requerimento foi legitima e tempestivamente apresentado e respeitou todos os requisitos legalmente impostos. C.–O requerimento de abertura de instrução foi remetido pelo endereço oficial emitido pela Ordem dos Advogados (OA). D.–Pelo que, o email teve validação cronológica por terceira entidade idónea,neste caso, o servidor de email da Ordem dos Advogados. E.–E os recibos de envio e de leitura rececionados, o pedido de recibo de entrega na caixa de email do destinatário, comunicação essa efetuada entre o servidor de correio eletrónico da Ordem dos Advogados e o servidor de correio eletrónico dos Tribunais são entidades idóneas. F.–O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2014 veio admitir a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico; “Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Código de Processo Civil de 1961, na redação do Decreto-Lei n.º 324/2003, 27 de dezembro e na Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal”. G.–O artigo 144.º do Código de Processo Civil elenca os casos em que devem ser apresentados a juízo os respetivos originais dos documentos submetidos via eletrónica, o qual não se aplica no caso em apreço. H.–Nos termos do Acordão proferido a 5-04-2022, do Tribunal da Relação de Évora, relatado pelo Desembargador Moreira das Neves. “o não cumprimento de uma mera formalidade secundária, sem que seja concedida uma oportunidade de comprovar a regularidade da comunicação eletrónica efetuada, convidando-o a juntar, nos moldes entendidos ajustados, o original da peça remetida por correio eletrónico, é desproporcionada.” I.–Caso o Tribunal entendesse faltar cumprir alguma formalidade, como a validação da peça processual, deveria ter notificado o assistente para este juntar os originais respetivos. J.–Entende o assistente que o Tribunal não respeitou o princípio de colaboração e de confiança. K.–Resulta do art. 287.º, n. º3 do CPP que: “O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”, o que não sucedeu. L.–No caso em apreço nenhum destes requisitos se encontra preenchido. M.–Pelo que, sempre se dirá, que não constitui uma causa de rejeição do Requerimento a não verificação do disposto na Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, referente aos atos processuais e notificações enviados por correio eletrónico. N.–O Tribunal Constitucional, por seu turno, considerou inconstitucional a dimensão interpretativa do complexo normativo respeitante às comunicações das partes com os serviços de justiça através de correio eletrónico, sem assinatura eletrónica e validação cronológica e sequente não apresentação das peças originais, se dele resultar a preclusão de um direito processual relevante. O.–A falta de entrega dos originais no referido prazo constituiu omissão de uma formalidade, a qual, não poderá, só por si, impossibilitar o aproveitamento do acto praticado, pois tal preclusão, a mais desproporcionada, contraria o princípio do processo equitativo.
Nestes termos e nos melhores de Direito, requer o Recorrente/Assistente que seja declarado nulo o despacho de rejeição de abertura da Instrução, e que esta seja aberta com as demais consequências legais.»
*
O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, concluindo (transcrição):
«1ª-Por despacho de 7 de novembro de 2022, o Ex.mo JIC proferiu despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução, apresentado pelo assistente A, por extemporâneo, nos termos do preceituado no art. 287º, n.º 3 do CPP, uma vez que o mesmo foi apresentado em 20/09/2022, através de correio eletrónico, utilizando o servidor da Ordem dos Advogados.
Não veio o assistente, no prazo de 10 dias, a entregar o original, na secretaria judicial ou serviço do MP. 2ª-O assistente, não se conformando com tal despacho, veio recorrer do mesmo, alegando para o efeito, que o requerimento de abertura de instrução foi enviado ao Tribunal por correio eletrónico, em tempo e assinado digitalmente via eletrónica pelo endereço oficial emitido pela Ordem dos Advogados (OA); Caso o Caso o Tribunal entendesse faltar cumprir alguma formalidade, como a validação da peça processual, deveria ter notificado o assistente para este juntar os originais respetivos; O Tribunal "a quo" violou, entre outras, a norma do n° 3 do art° 287° do Cód. Proc. Penal, pelo que requer o Recorrente/Assistente que seja declarado nulo o despacho de rejeição de abertura da Instrução, e que esta seja aberta com as demais consequências legais. 3ª-O requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar (…)”(n.º2 do art. 287º do CPP). 4ª-A abertura de instrução pode ser requerida no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento; Tal como se verifica dos autos, , A, do despacho de arquivamento, no dia 11.08.2022 (cf. Prova de depósito por PD sob o registo 33634 511, junto aos autos em 19/08/2022). 5ª-Logo, o prazo de 20 dias acrescidos dos 5 dias de dilação do correio previstos no art. 113º, n.º 3 do CPP, terminou no dia 25.09.2022, pelo que a entrega dos originais na secretaria do tribunal ou serviços do MºPº, deveria ocorrer nos 10 dias seguintes. 6ª-Competia ao assistente, nos 10 dias seguintes, apresentar o original do requerimento de abertura de instrução, o que não ocorreu, 7ª-Tal como supra se refere, dispõe o artigo 10º da dita Portaria 642/2004, á apresentação de peças processuais por correio electrónico é aplicável o estatuído no DL 28/92, 27-02, o qual disciplina o regime do uso de telecópia, estabelecendo o artigo 4º do último dos diplomas mencionados a obrigatoriedade de serem remetidos, no prazo de 10 dias...” 8ª-Quanto a eventual convite do EXmº JIC, ao arguido, para apresentar os originais do requerimento, no prazo de 10 dias, o despacho do Exmº JIC sustentado, aliás, na lei, refere que o prazo de 20 dias é peremptório. 9ª-Consequentemente, conceder mais 10 dias ao arguido, não tem cabimento nem fundamento legal, sendo que a maioria da jurisprudência entende que no caso de o requerimento para abertura da instrução padecer de irregularidades ou de deficiências, não deve haver convite ao aperfeiçoamento do mesmo, por ausência de normativo legal que permita formulação desse “convite”. 10ª-Pelo exposto, o requerimento só podia ser, como foi, rejeitado, por extemporâneo, nos termos do nº 3 do artº 287º do CPP. 11ª-Consequentemente deverá manter-se o despacho de rejeição, por extemporâneo do RAI. 12ª-Não se mostram violadas quaisquer normas legais.»
*
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso, com revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que convide o assistente a apresentar os originais do requerimento de abertura da instrução em prazo a fixar. Para o efeito considerou que (em suma): O convite em falta para apresentação dos originais não redunda em qualquer implosão/prorrogação/alteração do prazo para requerer a abertura da instrução. O prazo para requerer a abertura da instrução está previamente fixado e foi cumprido pelo assistente aquando do envio, por correio eletrónico simples, do requerimento de abertura da instrução. Nem no Decreto-Lei n° 28/92, de 27-2, nem noutro diploma legal é prevista cominação específica para o caso de a parte não juntar ao processo, no prazo legal de 10 dias, os originais dos articulados ou dos documentos autênticos ou autenticados que haja apresentado, através de telecópia. A apresentação do original do requerimento de abertura de instrução, tem apenas a função de confirmar o acto antes praticado, através de telecópia, permitindo a respetiva conferência. Não servindo para completar ou corrigir eventuais deficiências da telecópia pois os originais terão de corresponder ao requerimento enviado por correio eletrónico, sem acrescentos ou alterações. Pelo que, deve haver notificação do assistente/arguido para apresentar, no prazo que venha a ser fixado pelo juiz, o original do requerimento de abertura de instrução, remetido, por telecópia. Sem que isso nem viola as garantias de defesa do arguido ou o principio do acusatório. E sem que fique afectado o principio da celeridade processual se a referida notificação tiver lugar com fixação de um prazo para o efeito, havendo que procurar o necessário equilíbrio entre esse princípio e a justiça da decisão, em ordem a salvaguardar o direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, consagrado no artigo 20°, n° 4, da Constituição da República Portuguesa e a respeitar o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18°, n° 2, da mesma Constituição da República Portuguesa. Sancionar a omissão da junção dos originais com a rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução revela-se uma solução demasiado drástica e desproporcional - neste sentido se pronunciou, entre outros, os acórdãos do TRE de 7/6/2022 e 26/4/2022.
*
Não houve resposta a este parecer.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Agora, cumprindo conhecer e decidir.
Âmbito objectivo do recurso
É pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (designadamente dos vícios indicados no art. 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).
No presente caso, a questão a decidir é: O despacho recorrido (ao rejeitar o RAI do assistente considerando-o extemporâneo)violou o disposto no art. 287º, nº 3, do CPP?
*
Para o efeito, importa atentar ao seguinte teor incontroverso dos autos :
- No dia 20/9/2022, o assistente enviou para este processo requerimento de abertura de instrução através do correio electrónico da Exmª mandatária, assinado digitalmente via Certificado digital, utilizando o servidor da Ordem dos Advogados (cfr. fls. 491-502 do autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
-No dia 21/9/2022 foi registada a recepção em juízo desse requerimento (cfr. carimbo aposto a fls. 491 e o demais teor de fls. 491-502 do autos aqui dado por integralmente reproduzido);
-Também tendo o assistente/recorrente junto aos autos documento relativo a esse envio e a essa recepção (cfr. fl. 526 do autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
- Não foram enviados ao processo os originais desse requerimento de abertura de instrução (doravante com a abreviatura RAI).
- No dia 7/11/2022, o Exmº Juiz de Instrução Criminal (doravante com a abreviatura JIC) rejeitou o RAI, considerando-o extemporâneo, por não terem sido juntos os respectivos originais (cfr. fls. 508-509 do autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
*
Cumpre apreciar e decidir
Vejamos o regime aplicável.
Antes de mais, cumpre salientar que o Regulamento n.º 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/7/2014, prevê a existência de distintos tipos de assinaturas eletrónicas: assinatura eletrónica simples, assinatura eletrónica avançada e assinatura eletrónica qualificada.
Este mesmo diploma atribui diferentes níveis de fiabilidade e segurança às referidas assinaturas eletrónicas, consoante os meios técnicos por elas utilizados.
- Nos termos deste Regulamento a assinatura eletrónica simples corresponde ao “conjunto de dados em formato eletrónico que se ligam ou estão logicamente associados a outros dados em formato eletrónico que sejam utilizados pelo signatário para assinar”. Assim, a colocação de um nome no final de um email, a digitalização de uma assinatura autógrafa ou um mero clique num processo de aceitação online corresponderão a assinaturas eletrónicas simples.
Estas assinaturas são juridicamente equivalentes a reproduções mecânicas, sendo apreciadas nos termos gerais de direito e, bem assim, submetidas à discricionariedade e livre apreciação por parte do tribunal.
- Em relação à assinatura eletrónica avançada a lei impõe o preenchimento de certos requisitos, nomeadamente que ela esteja associada ao signatário de modo único e permita a sua identificação. Assim, são dadas maiores garantias relativamente ao elemento identificador do assinante, fazendo com que este tipo de assinatura possua um valor probatório e, consequentemente, um nível de segurança jurídica superiores aos assegurados pela assinatura simples.
- Neste Regulamento prevê-se ainda a existência de assinatura electrónica qualificada, a que maiores garantias fornece, mas cuja análise detalhada não releva para o caso.
Vejamos agora as normas que a nosso ver têm mais directa aplicação ao caso concreto (sem prejuízo de todas as outras que constam no despacho revidendo e tendo naturalmente em conta a sua actual redacção com as alterações já introduzidas).
Artigo 3.º da Portaria 642/2004, de 16.6 Valor jurídico 1-O envio de peças processuais por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada.
Artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto Comunicação de documentos electrónicos 1-O documento electrónico comunicado por um meio de telecomunicações considera-se enviado e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço electrónico definido por acordo das partes e neste for recebido. 2-São oponíveis entre as partes e a terceiros a data e a hora da criação, da expedição ou da recepção de um documento electrónico que contenha uma validação cronológica emitida por uma entidade certificadora. 3-A comunicação do documento electrónico, ao qual seja aposta assinatura electrónica qualificada, por meio de telecomunicações que assegure a efectiva recepção equivale à remessa por via postal registada e, se a recepção for comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao remetente pelo destinatário que revista idêntica forma, equivale à remessa por via postal registada com aviso de recepção.
Artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto Definições
Para os fins do presente diploma, entende-se por: a)-Documento electrónico: documento elaborado mediante processamento electrónico de dados; b)-Assinatura electrónica: resultado de um processamento electrónico de dados susceptível de constituir objecto de direito individual e exclusivo e de ser utilizado para dar a conhecer a autoria de um documento electrónico; c)-Assinatura electrónica avançada: assinatura electrónica que preenche os seguintes requisitos: i)–Identifica de forma unívoca o titular como autor do documento; ii)–A sua aposição ao documento depende apenas da vontade do titular; iii)–É criada com meios que o titular pode manter sob seu controlo exclusivo; iv)–A sua conexão com o documento permite detectar toda e qualquer alteração superveniente do conteúdo deste; d)-Assinatura digital: modalidade de assinatura electrónica avançada baseada em sistema criptográfico assimétrico composto de um algoritmo ou série de algoritmos, mediante o qual é gerado um par de chaves assimétricas exclusivas e interdependentes, uma das quais privada e outra pública, e que permite ao titular usar a chave privada para declarar a autoria do documento electrónico ao qual a assinatura é aposta e concordância com o seu conteúdo e ao destinatário usar a chave pública para verificar se a assinatura foi criada mediante o uso da correspondente chave privada e se o documento electrónico foi alterado depois de aposta a assinatura.
Se bem vemos a assinatura digital é uma assinatura electrónica avançada com mais requisitos e que imprime uma maior segurança
Assim sendo e voltando em apreço, o requerimento para a abertura da instrução enviado e recebido nos autos (assinado digitalmente pela Exmª Mandatária do assistente através do respectivo servidor da Ordem dos Advogados e pelo endereço oficial emitido pela Ordem dos Advogados) foi enviado por correio electrónico, com a aposição de assinatura electrónica avançada já que, como vimos, a mensagem foi enviada com assinatura digital e a assinatura digital é, segundo o disposto no art. 2º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, uma modalidade de assinatura electrónica avançada.
Ainda assim, face à redacção do art. 6º, n.º 3 do mesmo diploma legal podíamos ser levados a concluir que só a assinatura electrónica qualificada seria suficiente para equiparar o envio de peça processual por correio electrónico à remessa por via postal registada, não bastando qualquer uma das outras assinaturas.
Cremos que não é assim, porque o art. 3º, n.º1, da Portaria 642/2004, de 16/6, prevê expressamente: “bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada”.
Pelo exposto, não podemos concordar com a parte do despacho recorrido em que se escreve "… Verifica-se ainda que, do correio electrónico não consta assinatura electrónica avançada …”.
Assim sendo e à semelhança do já decidido nesta 9ª secção (processo nº 878/21.4T9MTJ), entendemos que a remessa do RAI obedeceu aos requisitos legais, sendo equiparada à remessa por via postal registada e não carecendo do envio dos originais no prazo de 10 dias.
Mas, ainda que assim não fosse, também não poderíamos concordar com despacho recorrido no que respeita à impossibilidade de proceder à notificação da respectiva signatária, convidando-a a juntar os originais do RAI no prazo de 10 dias.
Sabemos que a este propósito a jurisprudência não é unânime, mas tendemos a concordar com as posições mais recentemente afirmadas em que se defende o convite à apresentação dos originais em falta. Aliás, conforme doutamente refere o parecer do Exmº Procurador Geral-Adjunto nos presentes autos.
Neste sentido entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2022 (processo n.º 115/21.1GAPRL-A.E1),de 7/6/2022 (processo n.º 707/19.9PBFAR-F.E1) e de 7/2/2023 (no processo nº 223/15.8 T9EVR.E1) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/12/2022 (processo n.º 100/19.3PJAMD-B.L1)em dgsi.pt.
E, também, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 126/2023, publicado no DR II Série do recentíssimo dia 23/5/2023 (que considera inconstitucional a interpretação normativa do artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, no sentido de ser admissível a rejeição do requerimento de abertura de instrução, quando o mesmo foi apresentado através de correio eletrónico simples e não foi junto o original do aludido requerimento no prazo legalmente previsto, sem que o requerente seja previamente notificado para vir juntar o original desse requerimento).
Decisão
Nestes termos acordam os juízes da 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso interposto pelo assistente, A, determinando-se que o Tribunal a quo substitua o despacho recorrido por outro que aprecie o requerimento de abertura de instrução e, estando reunidos os demais pressupostos, declare aberta a instrução.
Sem custas.
Notifique.
(Texto elaborado pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)
Lisboa, 25 de Maio de 2023
A Juiz Desembargadora Relatora Paula de Sousa Novais Penha
O Juiz Desembargador Adjunto Carlos da Cunha Coutinho
A Juiz Desembargadora Adjunta Raquel Correia de Lima