CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

Num contrato de empreitada, se o dono da obra que foi abandonada pelo empreiteiro pedir a resolução do contrato, não pode pedir uma indemnização resultante da diferença de preço entre o acordado e o que efectivamente veio a pagar pela efectiva realização da empreitada em causa.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.

1. No Tribunal Judicial da Comarca de .........., B.......... instaurou contra “C........., Ldª” acção declarativa, com forma de processo ordinário, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 32.275,20 Euros, relativa aos prejuízos que sofreu com a violação do contrato que celebrou com ela, acrescida de juros de mora à taxa de 7% desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alega para tanto, em síntese, que:
- Celebrou com a R., que tem por objecto a actividade de construção civil e obras, mediante a apresentação por esta, em 15 de Fevereiro de 1999, de um orçamento descriminativo das obras a efectuar, dos materiais a aplicar, e respectivo preço, um contrato de empreitada, através do qual esta se obrigou a construir uma moradia num seu terreno, pelo preço global de Esc. 13.737.000$00, a pagar em prestações como descriminado em 9º da petição inicial;
- A R., a quem já pagou, a título de preço acordado, a quantia de Esc. 11.287.000$00, após ter iniciado a obra, abandonou-a completamente em Dezembro de 2000 deixando por realizar diversos trabalhos e de fornecer diversos materiais, que enumera;
- Após ter tentado, sem êxito, contactar a R. nos meses de Dezembro de 2000 e Janeiro e Fevereiro de 2001 a fim de lhe solicitar a continuação da obra, em 9 de Março de 2001, enviou-lhe uma carta na qual lhe concedia o prazo de vinte dias para que ela reiniciasse os trabalhos ou que resolveria o contrato;
- A R. não iniciou a obra e não lhe deu qualquer satisfação, incumprindo definitiva e culposamente o contrato;
- Em 26 de Abril e em 18 de Maio de 2001 solicitou a dois outros empreiteiros um orçamento para a conclusão dos trabalhos e fornecimento de materiais que a R. se havia comprometido a realizar, orçamentos esses nos montantes de Esc. 8.890.596$00 e de Esc. 9.525.600$00;
- O abandono da obra pela R. implicou um agravamento significativo dos custos da sua conclusão;
- Sofreu, assim, tendo em conta o mais barato dos orçamentos referidos, prejuízos no valor de Esc. 6.440.596$00 (Esc. 8.890.596$00 – Esc. 2.450.000$00 do remanescente do preço que tinha de pagar à R.;
- A R. deixou na obra uma grua em mau estado de conservação que lhe causava incómodos e prejuízos e que, por isso, desmontou, com o que despendeu 149,64 Euros e por cujo pagamento é responsável a R..

2. Contestou a R. e, aceitando genericamente a celebração do contrato de empreitada invocado pelo A., impugna o demais alegado na petição, aduzindo que não abandonou a obra e que estava à espera que lhe entregassem as soleiras das portas e janelas para a colocação do alumínio, situação de que deu conhecimento ao A., que aceitou a explicação e que, na sequência da carta que ele lhe enviou, o tentou contactar, em vão, A. que colocou na obra outro empreiteiro e que, assim, a impediu de concluir a obra, não lhe tendo pagou o IVA relativo ao preço de Esc. 11.287.000$00, pagamento que, acrescido de juros de mora desde a notificação, peticiona em sede reconvencional.
Concluiu pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido e pela procedência do pedido reconvencional.

3. Replicou o A. e, reafirmando o alegado na petição, acrescenta que, sem a emissão pela R. da correspondente factura e subsequente liquidação do IVA, nada deve a esse título, IVA que era à taxa de 17% pelo que deverá a R. suportar a diferença de 2% relativamente à actual base de incidência, que é de 19%, e que o montante que pagou à R. não corresponde ao valor dos serviços prestados e dos materiais por ela fornecidos, havendo que deduzir ao preço que pagou os serviços e materiais em falta.
Finaliza no sentido da parcial procedência do pedido reconvencional.

4. Treplicou a R. afirmando que a taxa de IVA devida é a que está em vigor à data da emissão da factura.

5. Proferiu-se despacho saneador em que se fixou a matéria de facto assente e a base instrutória, que não foram objecto de reclamação.

6. Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, não tendo sido objecto de censura as respostas dadas à matéria de facto controvertida constante da base instrutória, após o que foi proferida sentença que, no mais os absolvendo dos pedidos, julgou parcialmente procedentes a acção e a reconvenção, e condenou a R. a pagar ao A. a quantia de 149,64 Euros, acrescida de juros de mora à taxa anual legal de 7% até 1 de Maio de 2003 e de 4% a partir desta data até integral pagamento, e condenou o A. a pagar à R., contra a apresentação por esta de factura ou documento equivalente, o montante correspondente ao IVA à taxa legal em vigor sobre os montantes dos serviços efectivamente prestados e dos materiais efectivamente fornecidos por esta, ambos na obra dos autos, a liquidar em execução de sentença.

7. Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o A., concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
a) Com a resolução operada, e em função do resultado da prova pericial efectuada, apurou-se e provou-se nos autos que o A. sofreu com o abandono da obra um prejuízo adicional de 29.467,73 Euros – quesitos 23 e 24 da matéria fáctica dada como provada;
b) Isto porque o abandono perpetrado implicou um agravamento significativo dos custos motivado pela instalação de novos andaimes, de um novo estaleiro, da deslocação de ferramentas e materiais novos para a obra – quesito 23º;
c) O artº 433º estabelece os efeitos da resolução contratual operada e aceite por comum acordo no julgamento da lide;
d) Porém, este preceito faz menção expressa de outras disposições especiais que igualmente se aplicam no caso de ocorrer resolução contratual;
e) Esta referência deve ser também entendida como feita ao disposto nos artºs 798º e segs., 802º e 562º e segs., todos do Código Civil;
f) Apesar de ter ocorrido um prejuízo adicional de Esc. 8.375.750$00, é apenas o montante de Esc. 5.907.750$00 aquele que reconstitui a situação que existiria (a conclusão da obra) se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação (o abandono e resolução);
g) Nos autos sub judice a causa de pedir assenta no dano de confiança, no interesse contratual negativo, espelhado na contingência de um provado agravamento de custos – cfr. quesitos 23º e 24º;
h) A douta sentença ora recorrida fez errada aplicação do disposto nos artºs 798º e segs., 802º e 562º e segs., todos do Código Civil;
i) De acordo com os factos dados como provados, a diferença entre a situação patrimonial actual do A. e aquela que provavelmente teria se não tivesse celebrado o contrato dos autos, é medida precisamente pela diferença entre o custo agravado em função do abandono para a sua conclusão e o montante que este teria de gastar para a sua normal conclusão, isto é 29.467,73 Euros – contravalor de Esc. 5.907.750$00;
j) À face da lei, a matéria dada como provada nos autos impõe a condenação da R. na quantia global de 29.617,37 Euros, sendo 149,64 Euros referentes às despesas com a grua e 29.467,73 Euros referentes à indemnização a que o A. tem direito por força do disposto nos já referidos artºs 798º e segs., 802º e 562º e segs.;
l) Impõe-se a revogação da douta sentença ora recorrida e a sua substituição por outra que condene a R. a pagar ao A. a quantia de 29.617,37 Euros, sendo 149,64 Euros referentes às despesas com a grua e 29.467,73 Euros referentes à indemnização do dano in contrahendo.

8. A R. não contra-alegou a A..

9. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO.

1. Foram considerados assentes ou provados os seguintes factos:
1) O A. é proprietário de um terreno para construção, sito no .........., freguesia de .........., concelho de ..........;
2) A R. tem por objecto o exercício de construção civil;
3) No exercício da respectiva actividade, a R. apresentou ao A., em 15 de Fevereiro de 1999, orçamento descriminativo das obras a efectuar, dos materiais a aplicar e do respectivo preço para a realização da empreitada de construção de uma moradia, sita no terreno supra referido, conforme cópia que se junta e cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (Doc. 1);
4) Por efeito desse orçamento, foi acordado o contrato de empreitada entre o A. e a R. para a construção da referida moradia, pelo preço global de Esc. 13.737.000$00, e nas condições aí convencionadas, conforme confirmativo das condições de pagamento que se junta e cujo teor se dá aqui como integrado e reproduzido para todos os legais efeitos (Doc. 2);
5) Com a celebração do referido contrato, a R. obrigou-se a executar os serviços de mão de obra para a moradia do A., bem como a fornecer os respectivos materiais;
6) De acordo com o teor do referido contrato – que aqui se dá por reproduzido -, os serviços contratados consistiram em:
a) Construção da cave:
- Fazer todas as sapatas em sítio a indicar pelo projecto, com o ferro nele mencionado e carregadas com betão selicópio;
- fazer um viga em cima destas sapatas, com o ferro também no projecto mencionado;
- erguer todas as paredes da cave em blocos 0,20 e fazer os pilares no projecto mencionados e com caixa de ar de tijolo, 0.9;
- fazer um viga de travação em cima destas paredes para a colocação de placas de piso;
- colocar toda a placa de piso sendo esta em vigas de Vipral e em bobedinha de cimento, assim como fazer as escadas exteriores e interiores;
b) Construção do andar:
- erguer todas as paredes do andar em tijolo de 0.15, isto as exteriores, assim toda a caixa de ar e todas as divisões em tijolo de 0.9. A caixa de ar levará esferovite de 0,3 cm de grossura para um melhor isolamento;
- fazer uma viga de travação em cima das paredes exteriores para a colocação da placa de tecto, sendo esta em vigas de Vipral e em tijolo de barro;
- a placa de cobertura será em vigas de Vipral e com bobadilha de esferovite para um melhor isolamento de temperatura;
- colocar todos os pilares exteriores em sítios indicados em projecto, sendo estes em pedra amarela bujardada com desenho igual às obras já feitas pela R.;
- fazer as duas chaminés fora da placa de cobertura com medidas a indicar;
c) Acabamento da construção:
- serzitar toda a obra por fora assim como rebocar e o acabamento por fora será areado;
- arear todas as beiradas assim como as chaminés;
- fazer todo o ripado na placa de cobertura para o assentamento do telhado sendo este de barro natural marca Estrela de Alva;
- fazer todas as vedações das chaminés em chapa de zinco assim como os rufos nas cumeeiras também em chapa de zinco;
- os chapéus das chaminés serão feitos em telha igual ao telhado;
- rebocar todo o interior, quer tectos quer paredes;
- todos os tectos serão estocados com uma moldura à volta das paredes, iguais às obras já feitas pela R.;
- todas as paredes serão estanhadas;
- as escadas exteriores serão em pedra amarela amaciada, assim como as soleiras das janelas e portas, as escadas interiores ficarão em cimento;
- as varandas e os pátios das escadas serão em tijoleira;
- as paredes da cozinha e casas de banho terão azulejo até ao tecto, assim como os chãos destes e o chão da sala e corredor;
- as paredes que foram estanhadas serão para pintar com tinta CIN assim como os tectos serão para pintar com tinta própria de gesso;
- os chãos dos quartos serão em parqué ou soalho com preços abaixo mencionados;
- a rede de água quente será em tubo de cobre e de água fira em tubo hidronil, e os esgotos em PVC;
- a parte de electricista levará os pontos de luz, interruptores e tomadas, em sítios a indicar pelo proprietário com material de boa qualidade;
- todas as portas interiores serão em madeira de camba assim como o rodapé e os apainelados; nos guarda fatos as portas serão iguais às outras e levarão duas fiadas de gavetas;
- estas portas interiores serão portas foliadas decorativas;
- todas estas madeiras serão para levar uma mão de tapa poros e duas de verniz;
- os chãos dos quartos serão para envernizar com três mãos de verniz;
- todos os puxadores das portas interiores serão puxadores de boa qualidade mas dentro de padrão normal;
- todas as portas e janelas exteriores serão em alumínio lacado, com vidro duplo, com a cor do alumínio a combinar com o portão;
- todos os estores serão em alumínio silencioso com cor a combinar com o portão;
- o portão da garagem será também em alumínio lacado, de abrir, com três ou quatro folhas;
- todas as paredes da cave assim como tecto serão chapiscadas e será passada à talocha;
- o chão desta cave ficará em massa afagada;
- todas as paredes exteriores assim como beiradas serão para pintar com tinta plástica marca CIN e com três demãos;
- todas as caleiras serão em chapa de zinco com molde igual ao das obras feitas pela R. e pintadas em esmalte;
- o preço de Esc. 1.737.000$00 engloba toda a obra (grosso e fino);
- não faz parte do orçamento qualquer tipo de desaterro ou aterro;
7) Ainda na sequência do aludido contrato, e de acordo com o respectivo teor, que aqui se dá por reproduzido, os preços dos materiais que a R. se comprometeu a instalar na obra do A. foram os seguintes:
- Preços bases dos materiais, dos azulejos, tijoleiras, louças, soalho ou parquê:
- Azulejos – 1.800$00/m2;
- Tijoleira – 1.800$00/m2;
- Soalho ou parquê – 4.000$00/m2;
- Casa de banho do andar: louças, banheiras, torneiras, toalheiros – 160.000$00;
- Casa de banho da cave: louças, torneiras, toalheiros, base do chuveiro – 70.000$00;
8) O preço convencionado para a realização da referida empreitada foi de Esc. 13.737.000$00, a ser pago em tranches, conforme fossem sendo realizados os serviços contratados;
9) De acordo entre o convencionado entre A. e R. os pagamentos deveriam ser efectuados nas seguintes circunstâncias:
- 1ª Prestação: na assinatura do contrato e para compra de materiais – Esc. 1.000.000$00;
- 2ª Prestação: sapatas carregadas com vigas de cinta carregada – Esc. 800.000$00;
- 3ª Prestação: paredes da cave levantadas com placa de piso carregada – Esc. 1.500.000$00;
- 4ª Prestação: paredes do andar levantadas – Esc. 500.000$00;
- 5ª Prestação: placa do tecto carregada – Esc. 1.500.000$00;
- 6ª Prestação: placa de cobertura carregada – Esc. 1.500.000$00;
- 7ª Prestação: toda a caixa de ar levantada com divisões – Esc. 900.000$00;
- 8ª Prestação: toda a obra serzitada por fora e rebocada – Esc. 700.000$00;
- 9ª Prestação: todo o telhado assente com a obra areada por fora – Esc. 800.000$00;
- 10ª Prestação: todas as paredes interiores e tecto rebocados do andar – Esc. 300.000$00;
- 11ª Prestação: toda a obra do andar com tubos do electricista e fios metidos – Esc. 250.000$00;
- 12ª Prestação: toda a obra de picheleiro com tubos metidos ou seja a água quente, fria e esgotos – Esc. 250.000$00;
- 13ª Prestação: obra com tectos estucados no andar – Esc. 337.000$00;
- 14ª Prestação: para a compra de todos os azulejos e tijoleiras – Esc. 800.000$00;
- 15ª Prestação: toda a obra no andar estanhada nas paredes – Esc. 200.000$00;
- 16ª Prestação: toda a obra com alumínio no sítio – nas portas e janelas – Esc. 700.000$00;
- 17ª Prestação: todos os azulejos e tijoleiras assentes – Esc. 200.000$00;
- 18ª Prestação: toda a obra de carpinteiro pronta – Esc. 900.000$00;
- 19ª Prestação: todos os estores colocados no sítio – Esc. 250.000$00 e
- 20ª Prestação: todas as louças das casas de banho assentes e a obra pronta de electricista e toda pintada por fora e por dentro – Esc. 350.000$00 – conforme documento descriminativo das tranches de pagamento (doc. nº 2);
10) Na sequência do contrato supra referido a R. deu início à execução dos trabalhos e fez deslocar para o terreno materiais, ferramentas e pessoal manobrador;
11) O A. tinha urgência na conclusão dos trabalhos porque não tinha e não tem ainda hoje casa própria, residindo em casa arrendada;
12) O A., na sequência do contrato que celebrou com a R., entregou s esta a quantia de Esc. 11.287.000$00;
13) Em 9 de Março de 2001, o A. enviou à R., que o recebeu, o escrito que constitui documento nº 4, junto aos autos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
14) A quantia referida em 12) não engloba o IVA à taxa legal em vigor;
15) A R., em Dezembro de 2000, abandonou completamente a obra;
16) A R. deixou por concluir os seguintes trabalhos:
a) No exterior da habitação:
- rematar o telhado;
- meter caleiras nos beirais das telhas e os respectivos condutores;
- assentar todos os granitos e pilares em pedra;
- por portas e janelas na parte exterior em alumínio lacado branco com vidro duplo;
- por estores em alumínio silencioso lacado;
- serviço de picheleiro, meter tubo de gás da cozinha até à face da parede exterior;
- meter os esgotos da caixa de ar até à fossa, assentamento de loiças;
- dois portões da garagem em alumínio de três folhas, o pavimento das varandas e pátios em tijoleira;
- arear o fundo das escadas exteriores e cortar pilares de betão;
b) Na parte interior do rés-do-chão:
- assentar todos os materiais cerâmicos na parte inferior do andar;
- estanhar as paredes todas na parte inferior do andar;
- regularização do pavimento na parte inferior do andar;
- pintar a casa na parte inferior do andar e a parte exterior, tudo com tinta CIN;
- por portas, apainelados, rodapé e três roupeiros na parte inferior do andar;
- por soalho ou parquê nos quartos;
- rebocar e arear o quarto e regularizar o pavimento em cimento afagado;
- rebocar a casa de banho e assentar azulejo;
- rebocar e arear caixa de escadas e regularizar as escadas em cimento afagado;
17) E não forneceu diversos materiais para a obra no valor de, a saber; as tijoleiras a 1.800$00 m2; os azulejos a 1.800$00 m2; o soalho ou parquê a 4.000$00 m2; todos os materiais das casas de banho, a saber: casa de banho do andar: louças, banheira, torneiras, toalheiros, no valor de Esc. 160.000$00 e casa de banho da cave: louças, torneiras, toalheiros, base do chuveiro, no valor de Esc. 70.000$00;
18) Em finais do ano de 2000 ou princípios do ano de 2001, o A. tentou contactar a R. pelo menos pessoalmente no sentido de lhe solicitar a continuação da obra;
19) A R., apesar do teor do documento referido em 13), não iniciou a obra;
20) Em 26 de Abril de 2001, o A. pediu orçamento ao empreiteiro D.......... para a conclusão dos trabalhos e fornecimento dos materiais que a R. se havia comprometido a realizar e a instalar na obra e que deixou por fazer, orçamento este que se junta e cujo teor aqui se dá como integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (Doc. nº 5);
21) De acordo com o referido orçamento, a instalação, fornecimento e realização dos referidos trabalhos e materiais importa na quantia de Esc. 8.890.596$00, com IVA incluído à taxa legal em vigor;
22) Em 18 de Maio de 2001, o A. solicitou novo orçamento para o mesmo fim a outro empreiteiro, tendo este último importado na quantia de Esc. 9.525.600$00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (Doc. nº 6);
23) O abandono da obra por parte da R. implicou um agravamento significativo dos custos da sua realização, na medida em que impôs a instalação de novos andaimes, de um novo estaleiro de obra, a deslocação de ferramentas e materiais novos para a obra;
24) O A. sofreu um prejuízo com o abandono da obra por parte da R. no valor de pelo menos Esc. 5.907.750$00, valor este que resulta do custo adicional de Esc. 8.357.750$00 para a realização das obras em falta deduzido do preço que o A. teria de pagar à R. e que se encontra não pago, no valor de Esc. 2.450.000$00;
25) A R. deixou no local da obra uma grua;
26) Esta grua, para além de não pertencer ao A., estorvava-lhe e causava-lhe incómodos e prejuízos;
27) A R. não chegou a arrumar a dita grua;
28) O A. – em data não apurada – resolveu baixar a grua e proceder à sua desmontagem, arrumando todas as peças da obra;
29) Com a execução de tais tarefas o A. despendeu uma quantia monetária em valor concreto não determinado em custos de mão de obra das pessoas que procederam à sua desmontagem.

2. Sendo pelas conclusões que se determina o objecto do recurso, não podendo o Tribunal apreciar e conhecer de matérias que nelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso – artºs 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil –, a única questão suscitada é de saber se ao A. apelante assiste direito à indemnização que peticiona da R. pelos prejuízos que lhe advieram com o abandono da obra por parte da R., indemnização essa de, pelo menos, Esc. 5.907.750$00, valor este que resulta do custo adicional de Esc. 8.357.750$00 para a realização das obras em falta deduzido do preço que o A. teria de pagar à R. e que se encontra não pago, no valor de Esc. 2.450.000$00.
Entendeu-se na sentença recorrida que seguiu, grosso modo, a tese defendida no Ac. da RL de 23/02/95, CJ, Tomo I, pág. 143, que, tendo o A. estruturado a sua causa de pedir no direito à resolução do contrato, cumulando tal pretensão com uma pretensão indemnizatória, esta só pode assentar nos prejuízos decorrentes da celebração do contrato em causa nos autos (dano in contrahendo), ou seja, para a fixação do quantum indemnizatório só podia relevar a diferença entre a situação patrimonial actual do A. e aquela que provavelmente teria se não tivesse celebrado o contrato e, como tal, concluiu não ter o A. direito à pretendida indemnização resultante da diferença de preço entre o acordado e o que virá efectivamente a pagar pela efectiva realização da empreitada em causa.
Quid iuris?
É manifesto, face aos factos provados, estar-se perante um contrato de empreitada, que a lei – artº 1207º do CCivil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar sem outra indicação de origem) – prescreve como aquele pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra, mediante um preço, a realizar certa obra.
Trata-se de um contrato sinalagmático, isto é, do qual resultaram obrigações para a recorrida, como empreiteira, a de realizar a obra, e para o recorrente, dono da obra, a de pagar àquela o preço convencionado.
O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato – artº 1208º -, e o preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso contrário, no acto de aceitação da obra – artº 1211º, nº 2.
Ao contrato de empreitada aplicam-se não só as normas especiais previstas no artº 1207º e segs., como também as regras gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que com aquelas se não revelem incompatíveis.
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos no quadro dos princípios da boa fé envolvente de ambos os contraentes – artºs 406º, nº 1, e 762º, nº 2.
O devedor em geral cumpre a obrigação quando, de boa fé, realiza a prestação a que está adstrito e, a contrario, não cumpre a obrigação quando não realiza a prestação a que está vinculado.
Ao credor incumbe alegar e provar os factos integrantes do incumprimento da obrigação do devedor, e a este os factos reveladores de que tal não depende de culpa sua – artº 799º, nº 1.
Verificado o incumprimento do contrato por parte do devedor, assiste ao credor a faculdade da sua resolução, salvo se se tratar de mera situação de mora – artºs 432º, nº 1, 762º, nº 1, 804º, nº 2, e 801º, nº 1.
Com efeito, a lei expressa, por um lado, que tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação – artº 801º, nº 1.
E, por outro, se a obrigação tiver por fonte um contrato bilateral – como no caso dos autos -, independentemente do direito à indemnização, pode o credor resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a sua restituição por inteiro – artº 801º, nº 2.
Daqui decorre que o direito do credor à resolução do contrato está indelevelmente ligado à impossibilidade culposa da prestação do devedor (não cumprimento definitivo).
Casos há, porém, que não configurando uma verdadeira impossibilidade da prestação – casos em que a prestação devida, apesar de não ter sido efectuada no momento próprio, seria ainda possível – são todavia equiparados pela lei ao incumprimento definitivo. São as situações em que a prestação perdeu, com a demora, todo o interesse que tinha para o credor, e as que, depois de ter incorrido em simples demora no cumprimento, o devedor não realiza a prestação “dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor”.
Nestas hipóteses, configuradas no artº 808º, nº 1, a mora do devedor é equiparada ao não cumprimento definitivo da obrigação, conferindo, por isso, ao credor o direito à resolução do contrato.
Subsumindo a factualidade apurada aos preceitos legais citados, justificada se encontra a resolução, operada pelo A., do contrato de empreitada que celebrou com a R., por incumprimento definitivo por parte desta, já que ela não cumpriu o contrato, ou seja, não concluiu a empreitada pois, tendo-a abandonado completamente, inacabada, em Dezembro de 2000, não a iniciou, apesar do teor do escrito que o A. lhe enviou, e que ela recebeu, em 9 de Março de 2001, escrito esse nos termos do qual, além do mais, é referido que “...fixo a V. Exªs o prazo de 20 dias, contados a partir da recepção da presente, para que reiniciem os trabalhos na obra, prazo findo o qual, sem qualquer outro aviso, entendo como resolvido o contrato de empreitada celebrado...”.
É que, como refere Rosendo Dias José, Responsabilidade Civil do Construtor de Imóveis, págs. 10, 11 e 14, o artº 1222º disciplina a responsabilidade do empreiteiro após a entrega da obra, pressupondo que o empreiteiro entregue pronta uma obra que não tenha sido realizada nos termos devidos, ou seja, uma obra que tenha defeitos, mas, antes da entrega da obra, o empreiteiro está sujeito aos princípios comuns da responsabilidade.
Ora, a questão suscitada nas conclusões da alegação do apelante prende-se com a peticionada indemnização pelos prejuízos que diz ter sofrido em consequência do incumprimento definitivo do contrato por parte da R..
É seguro, como decorre do disposto nos artºs 798º e 801º, designadamente no nº 2 do último dos citados preceitos legais, que o não cumprimento definitivo do contrato de empreitada pelo empreiteiro confere ao dono da obra (no caso ao A.), a par do direito à resolução, o direito à indemnização pelos prejuízos sofridos.
Diferentemente, a indemnização a que alude o artº 1223º, que estipula que o exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais, reporta-se ao cumprimento defeituoso, destinando-se a compensar danos que tenham um nexo de causalidade com os vícios ou defeitos da obra – cfr. citado Ac. RL de 23/02/95.
A indemnização peticionada pelo A. funda-se no incumprimento definitivo do contrato, tendo o seu fundamento legal nos mencionados artºs 798º e 801º, e não no artº 1223º.
A distinção entre os dois tipos de indemnização tem particular importância pois, como referido no Ac. RL de 23/02/95, onde é citada diversa doutrina, é “...oppinio communis entre os autores que a indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido. Trata-se, pois, de indemnizar o dano in contrahendo e não o dano in contractu, ou seja, de indemnizar o prejuízo que o credor não sofreria se o contrato não tivesse sido celebrado”.
Lê-se no mesmo aresto que não faria sentido que o interessado resolvesse o contrato e, ao mesmo tempo, o fizesse valer, pedindo uma indemnização pelo seu não cumprimento.
Se o credor optar pela resolução do contrato tem apenas direito a ser indemnizado pelos danos negativos, pelos danos que não teria sofrido se não tivesse celebrado o contrato pois, sendo a resolução equiparada, quanto aos efeitos, à nulidade ou anulabilidade dos negócios jurídicos, tendo efeito retroactivo, as partes devem ficar na situação em que estariam se não tivessem celebrado o contrato e, como se refere no Ac. da RC de 8/2/00, CJ, Tomo I, pág. 8, “nestas circunstâncias, parece mais harmonioso com todo o regime vigente que em caso de opção voluntária do credor pelo accionamento do direito potestativo de resolução, em vez de exercitar o direito ao cumprimento contratual, sejam ressarcidos apenas os danos correspondentes ao interesse contratual negativo.
No mesmo sentido se pronuncia P. Romano Martinez, Contrato de Empreitada, pág. 214, onde afirma que, por força do artº 801º, nº 2, com a resolução do contrato, pode cumular-se um pedido de indemnização pelo interesse contratual negativo.
No caso dos autos, o A., com base na resolução do contrato, por incumprimento definitivo por parte da R., formula pedido indemnizatório destinado a reparar os prejuízos que lhe advieram da celebração do contrato e que não teria sofrido se o contrato não tivesse sido celebrado, ou seja, respeita ao dano in contractu.
Para fixação do quantum indemnizatório relevaria a diferença entre a situação patrimonial actual do A. e aquela que provavelmente teria se não tivesse sido celebrado o contrato – artºs 562º, nº 2, e 563º.
Porém, o A. não alegou factos capazes de servirem de suporte a tal indemnização pois faz radicar o seu pedido indemnizatório não em prejuízos decorrentes da celebração do contrato, mas antes resultantes do seu não cumprimento por parte da R. – artº 28º e seguintes da petição inicial e conclusões das alegações.
Do exposto resulta que não pode reconhecer-se-lhe o direito à peticionada indemnização sob pena de se cair na contradição resultante do facto de o credor optar pela resolução do contrato e, simultaneamente, pedir uma indemnização pelo seu não cumprimento, assim improcedendo as conclusões das alegações do apelante.

III. DECISÃO.
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em:
- Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença apelada e
- Condenar o apelante nas custas da apelação.

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Porto, 3 de Fevereiro de 2005
António do Amaral Ferreira
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha
Estevão Vaz Saleiro de Abreu