MEIO DE PROVA
SEGUNDA PERÍCIA
ADMISSIBILIDADE
PRESSUPOSTOS
INDEFERIMENTO
Sumário

I - A A segunda perícia prevista nos art.ºs 487.º e segs. do CPC, pressupõe que sejam alegadas, fundadamente, razões de discordância quanto ao relatório e destina-se a corrigir eventuais inexactidões do mesmo;
II - A expressão adverbial “fundadamente” significa que as razões da dissonância têm que ser, clara e seriamente, explicitadas, identificando-se as inexactidões (insuficiência, incoerência ou incorrecção) do relatório da primeira perícia, de modo a convencer que, podendo haver lugar à sua correcção técnica, esta implicará resultado diferente;
III – Embora não caiba ao tribunal a quo aprofundar o bem ou mal fundado da argumentação apresentada no requerimento para a realização da segunda perícia, o juiz pode e deve indeferir a realização da segunda perícia se concluir que a mesma tem carácter impertinente ou dilatório;
IV - O direito à prova não é um direito absoluto, sendo materialmente constitucionais alguns limites impostos por outros valores e interesses, como o da celeridade processual com vista à efectiva realização da Justiça.
(da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
1.1. J…, executado nos autos de execução ordinária para pagamento de quantia certa que lhe move o BANCO …, S.A., requereu, por requerimento de 11.02.2023, a realização de segunda perícia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 487.º do CPC, para apuramento do valor de mercado do imóvel penhorado naqueles autos sob a verba n.º 1.
Alegou, para tanto, que «(…) em caso algum o Executado poderá concordar com a utilização de um método comparativo que tenha por base os imóveis no mercado e não os imóveis, da mesma tipologia, características e localização efetivamente transacionados bem como a aplicação de qualquer fator de desvalorização considerando que a venda do imóvel aqui em causa, sem conceder, sempre ocorrerá em sede judicial».
1.2. Sobre tal requerimento, recaiu, em 03.04.2023, o seguinte despacho:
«O Sr. Perito Avaliador apresentou o relatório pericial e, tendo sido notificado do respectivo teor, o Executado J… apresentou reclamação e, subsidiariamente, requereu a realização de segunda perícia (vd. ref.ª 22337969 do p. e.).
Por despacho de 11.01.2023 determinou-se que o Sr. Perito prestasse os esclarecimentos solicitados (vd. ref.ª 141856514 do p. e.) e, nessa sequência, o Sr. Perito pronunciou-se nos termos constantes da ref.ª 22632369 do p. e..
Tendo sido notificado do teor dessa resposta, veio o Executado J… apresentar nova reclamação e requerer a realização de segunda perícia (vd. ref.ª 22750483 do p. e. (11.02.2023).
Analisando o relatório apresentado, complementado com os esclarecimentos entretanto prestados, verifica-se que o mesmo se mostra devidamente fundamentado, sendo certo que, na segunda reclamação apresentada, o Executado J…, no essencial, se limita a reiterar as razões de discordância face ao seu teor, mas não invoca nova deficiência, obscuridade ou contradição.
Assim sendo, indefere-se a reclamação contra os esclarecimentos apresentada pelo Executado.
Por outro lado, o Executado J…  pugna pela realização de segunda perícia com a utilização de um método comparativo que tenha por base os imóveis da mesma tipologia, características e localização efetivamente transacionados, defendendo que, para tanto, será necessário consultar as escrituras de compra e venda dos imóveis semelhantes identificados.
Mas tal diligência apenas irá introduzir maior delonga processual, uma vez que não é minimamente seguro que seja possível obter, num prazo razoável, tais escrituras referentes a imóveis de características semelhantes e com a mesma localização geográfica, de molde a estabelecer um novo termo de comparação, nem sequer é seguro que, caso fossem obtidas, que o resultado fosse substancialmente diverso daquele alcançado na perícia já realizada.
Assim sendo, por se considerar impertinente e dilatório, indefere-se o pedido de realização de segunda perícia.
Notifique».
1.3. Inconformado, apelou o Executado, pedindo a «revogação do despacho que indeferiu a realização daquele meio de prova e a sua substituição por acórdão que defira a sua realização», formulando as seguintes conclusões:
«i. O recurso ora interposto versa sobre o despacho proferido pelo Tribunal a quo a fls. …, de 03 de abril de 2023, o qual indeferiu o pedido de realização de uma segunda perícia cujo objeto incidia em determinar o valor de mercado do bem imóvel penhorado nos autos com o fundamento de que a realização daquela diligência implicaria “maior delonga, uma vez que não é minimamente seguro que seja possível obter, num prazo razoável, tais escrituras referentes a imóveis de características semelhantes e com a mesma localização geográfica, de molde a estabelecer um novo termo de comparação, nem sequer é seguro que, caso fossem obtidas, que o resultado fosse substancialmente diverso daquele alcançado na perícia já realizada”.
ii. Não se conformando o Executado com aquele despacho de indeferimento de realização da segunda perícia vem, o aqui Recorrente, dele interpor recurso com fundamento na violação das normas imperativas, nomeadamente do disposto no artigo 411º e 487º, n.º 1 do Código do Processo Civil e ainda do direito à prova constitucionalmente consagrado no artigo 2º e 20º da Constituição da República Portuguesa, pretendendo ver reapreciada a seguinte questão:
Saber se o Tribunal a quo podia indeferir o pedido de realização de uma segunda perícia justificando para tanto que tal diligência traria, no seu entendimento, maior delonga processual e que nem sequer é seguro que o resultado obtido seja substancialmente diverso do alcançado com a primeira perícia?
iii. No caso concreto o Recorrente alegou a existência de deficiências que não lhe permitiam concordar com o resultado da primeira perícia e requereu a realização de uma segunda perícia por não puder concordar, em face do que havia dito, com o resultado da primeira tendo alegado que o primeiro relatório partia de erros de pressuposto que não se aplicavam à venda judicial, que “uma análise comparativa pelo valor das efectivas transacções traduziria um valor mais ajustado à realidade na medida em que traria por base a comparação com vendas efectivamente realizadas” e que “a opção pelo método baseado na avaliação dos imóveis disponíveis no mercado viciará o valor base de venda do imóvel destes autos, caso o mesmo seja colocado à venda em sede executiva”.
iv. Os termos em que a segunda perícia pode ser requerida – dispostos no artigo 487º do Código do Processo Civil – determinam que a mesma possa ser realizada em caso de mera discordância com o teor da primeira - discordância essa que foi alegada e fundamentada nos autos nos requerimentos juntos pelo Recorrente – e os casos em que a segunda perícia pode ser indeferida são, por força do direito à prova, muito restritos, e fundam-se em casos de total e absoluta falta de fundamentação daquele pedido – que não foi o caso concreto – e do carácter dilatório da mesma.
v. A segunda perícia não pode ser indeferida pelo facto do Tribunal a quo discordar pura e simplesmente da sua realização alegando que “nem sequer é seguro que [com a realização da segunda perícia] o resultado fosse substancialmente diverso” porque o objetivo da perícia ou, neste caso, da segunda perícia, é precisamente apurar se, utilizando aquele método de análise, o resultado da perícia seria diferente.
vi. Nem pode o Tribunal a quo indeferir a realização de uma segunda perícia com fundamento na delonga processual que tal traria ao processo nem com as dificuldades de obtenção da documentação necessária à realização dessa perícia pois que, por um lado, o Recorrente é o principal interessado em ver a questão em discussão nestes autos resolvida mas não pode, em nome da celeridade processual, ver sacrificado o seu direito à prova.
vii. Não cabia ao Tribunal a quo indeferir a realização da perícia quer com fundamento da delonga processual, quer com fundamento das dificuldades de obtenção de documentação, quer com fundamento no facto de não ser seguro que “o resultado fosse substancialmente diverso daquele alcançado na perícia já realizada”, apreciação esta que cabe, em primeira análise, ao Perito que a viesse a realizar, citando-se o mencionado acórdão proferido no processo judicial n.º 937/19.3T8BGC-A.G1.
viii. O Tribunal a quo não diz que a segunda perícia não se justifica; o que afirma é que o processo não se compadece com delonga que daí decorrerá quando não é certo, nas suas palavras, que a segunda perícia, traga resultado diferente do da primeira, mas o certo é que o Tribunal a quo só pode indeferir a realização da segunda perícia por considerar a fundamentação insuficiente quando se mostrar, sem margem para dúvidas, que o pedido não se justifica sendo que apurar se os fundamentos e razões invocados têm razão de ser, é assunto que só depois da realização da nova perícia se pode colocar, conforme decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo judicial n.º 2847/05.2TBFAF-A.G1
ix. O direito à prova do aqui Recorrente, que se encontra constitucionalmente consagrado e que visa apurar o concreto valor de mercado de um dos bens penhorados nestes autos não pode ser constrangido por pretensas dificuldades de obtenção de documentação que venham a ser identificadas nem pela suposição do Tribunal a quo de que da segunda perícia “o resultado fosse substancialmente diverso daquele alcançado na perícia já realizada”,
x. Não pode o Recorrente ver um imóvel ser vendido por um preço inferior ao valor de mercado pura e simplesmente porque, no entendimento do Tribunal a quo, a realização de uma segunda perícia traria delonga processual e não assegura que venha a ser fixado valor diverso, não cabendo ao Tribunal a quo, supor sobre os potenciais resultados obtidos numa segunda perícia. Tal só será possível saber conhecendo o resultado da segunda perícia.
xi. É do interesse de todas as partes que o imóvel seja vendido pelo valor de mercado mais alto possível pelo que não se pode aceitar que sejam as partes prejudicadas por pretensas dificuldades na obtenção de documentação e delonga processual e por desconfianças quanto à alteração do resultado da segunda perícia.
xii. Acresce o facto do direito à prova do Recorrente não poder ceder perante pretensas dificuldades e falta de expectativas do Tribunal a quo incumbindo, inclusive, ao abrigo do princípio do inquisitório, previsto no disposto no artigo 411º do Código do Processo Civil, a realização das diligências necessárias ao apuramento da verdade que, in casu, se prende com a descoberta do valor de mercado da verba penhorada nestes autos, o que consubstancia um verdadeiro poder-dever do juiz, uma “incumbência” de tal modo que o seu não exercício faculta à parte requerente a possibilidade de recorrer do despacho de indeferimento.
xiii. Incide sobre o juiz um poder-dever de realizar ou ordenar, oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer bem como o que lhe foi requerido fundamentadamente, a realização da segunda perícia, tendo o Recorrente alegado as concretas razões pelas quais discordava das conclusões extraídas pela primeira perícia e da necessidade de realização de uma segunda não podendo a mesma, em qualquer caso, ser indeferida.
xiv. Não pode o Tribunal a quo indeferir a realização da segunda perícia com fundamento no facto de não ser sequer seguro que o resultado seja diferente da primeira pois que, saber se os fundamentos e razões invocados têm razão de ser, é uma apreciação que só depois da realização da nova perícia se pode colocar, não cabendo a Tribunal a quo fazer essa pré-apreciação para indeferir a realização de uma perícia.
xv. Ao indeferir a realização da segunda perícia, como fez o despacho de fls…., aqui recorrido, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 487º, o disposto no n.º 1 bem como o artigo 411º do Código do Processo Civil, e ainda o direito à prova constitucionalmente consagrado na Constituição da República Portuguesa, ínsito nos artigo 2º e 20º pelo que resta ao aqui Recorrente requerer a revogação do despacho que indeferiu a realização daquele meio de prova e a sua substituição por acórdão que defira a sua realização».
1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.5. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Decorre do disposto nos art.ºs 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, a questão essencial a decidir consiste, basicamente, em saber se deve ser admitida uma segunda perícia para apuramento do valor de mercado do imóvel penhorado.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Dos termos do processo executivo, decorrem provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
1. Em 27.05.2021, o Banco …, S.A. instaurou execução ordinária contra J… e Outros, para pagamento da quantia de €129.643,13, relativa a uma livrança;
2. Em 17.11.2021, foi penhorado o seguinte bem imóvel: «Prédio urbano, sito em …, composto de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com a área coberta de 140,1 m2 e área descoberta de 231,9 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo …. da freguesia de …, concelho de …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …», ao qual foi atribuído o valor de €121.749,25;
3. Por carta de 22.02.2022, o senhor agente de execução notificou exequente, executados e credor reclamante, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 812.º do CPC, para indicarem qual a modalidade da venda pretendida e o valor base de venda que atribuem ao referido bem penhorado;
4. Por requerimento de 03.03.2022, o credor reclamante requereu «(…) que tal venda seja efetuada por meio de Leilão Eletrónico, tendo como valor base o respetivo valor patrimonial, ou seja €121.749,25 (Cento e vinte e um mil, setecentos e quarenta e nove euros e vinte e cinco cêntimos), sendo o valor mínimo a anunciar ser de 85% de tal valor»;
5. Por requerimento de 07.03.2022, o executado, ora recorrente, indicou «a modalidade de venda através do leilão eletrónico e, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 812º do Código do Processo Civil, como valor base de venda, o montante de €650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros), considerando a situação actual do mercado imobiliário, a localização e enquadramento das vendas dos imóveis inseridos na zona em que o mesmo se situa, os acabamentos de excepcional qualidade do imóvel em causa e a avaliação de uma conceituada agência imobiliária»;
6. Por requerimento de 07.03.2022, o exequente requereu a «(…) venda judicial do imóvel penhorado nos autos, pelo valor base de €121.749,25, na modalidade de leilão eletrónico»;
7. Por requerimento de 07.03.2022, o executado/recorrente requereu:
«1. Não obstante o Executado desconhecer se o Credor supramencionado reclamou oportunamente os seus créditos nestes autos – do que o Executado ainda não foi notificado – certo é que o valor indicado limita-se a corresponder ao valor patrimonial do imóvel.
2. Sucede que o valor de mercado do mesmo é substancialmente superior, ascendendo ao indicado pelo Executado em sede própria, isto é, €650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros), traduzindo a situação actual do mercado imobiliário, a localização e enquadramento das vendas dos imóveis inseridos na zona em que o mesmo se situa, os acabamentos de excepcional qualidade do imóvel em causa e a avaliação de uma conceituada agência imobiliária.
3. Ademais, o próprio credor, há cerca de dois anos indicou ao Executado que o valor comercial do imóvel era muito superior ao valor patrimonial.
4. Sucede que o Senhor Agente de Execução deve fixar como valor base de venda o maior dos seguintes valores: a) valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos; b) valor de mercado.
5. O valor de mercado é substancialmente superior ao indicado pelo Novo Banco.
6. Sendo, aliás, do conhecimento público que um imóvel com as características do penhorado nestes autos nunca poderia valer o valor patrimonial indicado pela Novo Banco.
7. Sendo o seu valor de mercado muito superior.
8. Assim, sem prejuízo da indicação já feita pelo Executado, caso restem dúvidas ao Sr. Agente de Execução, deverá o mesmo promover as diligências necessárias à fixação do valor do bem de acordo com o valor de mercado, quando o considere vantajoso ou algum dos interessados o pretenda».
8. Por requerimento de 07.03.2022, o credor reclamante requereu: «notificado dos requerimentos do aludido executado, ambos datados de 07.03.2022, entende que, para procedência do valor base aí indicado, deverá o mesmo juntar aos presentes autos a avaliação a que faz referência, sob pena de prevalecer a regra consagrada na alínea a) do n.º 3 do art.º 812º do CPC»;
9. Por requerimento de 21.03.2022, o executado/recorrente juntou ainda aos autos um “estudo de mercado” elaborado pela empresa Remax, do qual resulta que o preço por metro quadrado de dois imóveis por si vendidos e situados na zona em que se insere o imóvel penhorado é de € 2.050,02, bem como cópia de um email remetido por funcionário do credor reclamante, do qual resulta que o imóvel penhorado tinha sido avaliado, em Dezembro de 2019, em € 272.120,00, referindo o executado que «(…) considerando que o imóvel penhorado tem 247,81 m2 (duzentos e quarenta e sete metro e oitenta e um centímetros), o valor de venda a considerar ascenderá, pelo menos, a €508.000,00 (quinhentos e oito mil euros) sendo a diferença para o valor indicado pelo Executado - €650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros) – referente aos acabamentos de particular qualidade e pormenor que o Sr. Agente de Execução teve oportunidade de verificar aquando da visita que fez ao imóvel»;
10. Por requerimento de 21.03.2022, o credor reclamante informou que «(…) na sequência dos requerimentos dirigidos aos autos pelo executado acima identificado, solicitou uma nova avaliação do imóvel penhorado nos autos e com hipoteca a seu favor, sendo que a mesma, elaborada por entidade avaliadora independente registada na CMVM. em 16.03.2022, apurou que o imóvel em apreço tem o valor de € 262.063.00»;
11. Por requerimento de 30.03.2022, o executado/recorrente impugnou este último valor;
12. Por requerimento de 31.03.2022, o executado/recorrente juntou um “relatório de análise comparativa de mercado” datado de 26.03.2022 elaborado por um agente, e um relatório de avaliação elaborado pela JLL Portugal, no qual se conclui pelo valor de mercado de €401.000,00, reportado a 24.03.2022;
13. Por requerimento de 01.04.2022, o credor reclamante juntou aos autos relatório de avaliação do imóvel, elaborado pela Contravalor, Consultores Avaliação, Lda., datado de 31.03.2022, no qual atribuiu ao imóvel penhorado o valor de mercado de € 262.063, 00;
14. Por decisão de 08.04.2022, o senhor agente de execução considerou, em face dos valores díspares apresentados pelas partes, que «se justifica que seja realizada à avaliação por perito inscrito na CMVM e que conste na lista oficial de peritos avaliadores»;
15. Em 24.11.2022, o perito nomeado pelo tribunal, apresentou relatório pericial, no qual atribuiu ao imóvel penhorado o valor de €350.000,00;
16. Por requerimento de 12.12.2022, o executado/recorrente apresentou reclamação contra o referido relatório e solicitou esclarecimentos, concluindo da seguinte forma:
«19. (…) requer a notificação do Exmo. Sr. Perito para:
• Fundamentar, justificar e demonstrar a forma de apuramento da percentagem aplicada ao factor de desvalorização considerando a total ausência de esclarecimento no que respeita à forma de apuramento desse valor;
• Fundamentar, justificar e esclarecer a opção pelo método de cálculo baseado nos imóveis disponíveis no mercado em detrimento de um método que tivesse por base o valor efectivo de venda dos imóveis transacionados;
• Esclarecer se, tendo optado pelo método de cálculo baseado na comparação das transações ocorridas para imóveis com a mesma tipologia, características e zona envolvente o valor apurado se alteraria e em que termos se alteraria.
20. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, por mera cautela de patrocínio, desde já se requer a realização de segunda perícia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 487º do Código do Processo Civil, tendo por base o mesmo objecto, considerando que em caso algum o Executado poderá concordar com a utilização de um método comparativo que tenha por base os imóveis no mercado e não os imóveis, da mesma tipologia, características e localização efetivamente transacionados»;
17. Em 26.01.2023, o senhor perito apresentou esclarecimentos;
18. Por requerimento de 11.02.2023, o executado/recorrente apresentou nova reclamação contra os esclarecimentos apresentados, onde conclui que «(…) considerando a reclamação apresentada e as razões de discordância mencionadas, desde já se requer a realização de segunda perícia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 487º do Código do Processo Civil, tendo por base o mesmo objecto, considerando que em caso algum o Executado poderá concordar com a utilização de um método comparativo que tenha por base os imóveis no mercado e não os imóveis, da mesma tipologia, características e localização efetivamente transacionados bem como a aplicação de qualquer fator de desvalorização considerando que a venda do imóvel aqui em causa, sem conceder, sempre ocorrerá em sede judicial»;
19. Sobre tal requerimento recaiu despacho, em 03.04.2023, com o seguinte teor:
«(…)
Analisando o relatório apresentado, complementado com os esclarecimentos entretanto prestados, verifica-se que o mesmo se mostra devidamente fundamentado, sendo certo que, na segunda reclamação apresentada, o Executado J…, no essencial, se limita a reiterar as razões de discordância face ao seu teor, mas não invoca nova deficiência, obscuridade ou contradição. Assim sendo, indefere-se a reclamação contra os esclarecimentos apresentada pelo Executado.
Por outro lado, o Executado J… pugna pela realização de segunda perícia com a utilização de um método comparativo que tenha por base os imóveis da mesma tipologia, características e localização efetivamente transacionados, defendendo que, para tanto, será necessário consultar as escrituras de compra e venda dos imóveis semelhantes identificados.
Mas tal diligência apenas irá introduzir maior delonga processual, uma vez que não é minimamente seguro que seja possível obter, num prazo razoável, tais escrituras referentes a imóveis de características semelhantes e com a mesma localização geográfica, de molde a estabelecer um novo termo de comparação, nem sequer é seguro que, caso fossem obtidas, que o resultado fosse substancialmente diverso daquele alcançado na perícia já realizada.
Assim sendo, por se considerar impertinente e dilatório, indefere-se o pedido de realização de segunda perícia».
20. Em 10.04.2023, o senhor agente de execução proferiu decisão de venda do imóvel penhorado, tendo decidido, além do mais, o seguinte:
«- Valor base: 350.000,00
- Valor a anunciar (85%): 297.500,00
Serão aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor de base»;
21. Por requerimento de 24.04.2023, o Executado apresentou reclamação, nos termos previstos no n.º 7 do art.º 812.º do CPC, quanto ao valor base de venda, alegando, em suma, ser o mesmo inferior ao valor de mercado do imóvel;
22. Sobre tal requerimento recaiu despacho em 26.05.2023, com o seguinte teor:
«(…)
Ora, o Executado veio alegar, antes de mais, a nulidade da decisão do Sr. AE, por falta de fundamentação.
Na decisão proferida pelo Sr. AE, sob a epígrafe “informações adicionais”, consta o seguinte:
“Tendo as partes sido devidamente notificadas para se pronunciar quanto à modalidade de venda e valor base a atribuir ao imóvel penhorado nos autos, vieram pronunciar-se da seguinte forma:
1) A Exequente indicou como valor base 121.749,25 euros que corresponde ao valor patrimonial tributário, determinado no ano de 2021;
2) O executado indicou como valor base 650.000,00 euros, tendo, no entanto, junto aos autos relatório de avaliação com data de 24-03-2022 que atribuí ao imóvel o valor de 401.000,00 euros;
3) O Credor Reclamante Banco …, S.A indicou como valor base 262.063,00 euros, sustentando tal valor com a junção de relatório de avaliação com a data de 31-03-2022.
Foram apresentados valores dispares pelas partes, pelo que foi requerida a avaliação por perito inscrito na CMVM e que conste na lista oficial de peritos avaliadores.
Foi apresentado relatório de avaliação pelo perito nomeado, que atribui ao imóvel o valor de 350.000,00€.
Nesta conformidade, decide-se fixar o valor de mercado do imóvel em 350.000,00€, pelo que foi aplicado o critério objetivo da alínea b) do n.º 3, do art.º 812.º do CPC.”
Do teor da decisão supra transcrito resulta, de forma clara, que a mesma se mostra fundamentada, ou seja, o Sr. AE considerou que os valores propostos pelas partes eram substancialmente divergentes e, perante essa divergência, optou pelo valor atribuído no relatório pericial elaborado por Perito independente, nomeado pelas partes.
O Executado pode não concordar com esses fundamentos, mas tal não é suficiente para imputar àquela decisão o vício de absoluta falta de fundamentação, que assim se julga improcedente.
Para além disso, o Executado defende que o Sr. AE não deveria ter proferido a decisão de venda sem se aguardar o desfecho do recurso interposto do despacho que indeferiu a realização da segunda perícia, mas tendo em conta o efeito atribuído ao recurso (meramente devolutivo), é manifesto que também aqui não lhe assiste razão.
No que concerne à questão de saber se o valor base de venda do imóvel foi (ou não) devidamente fixado, cumpre ter presente que o Executado começou por pugnar pela atribuição de um valor de mercado de €650.000, mas não consta dos autos qualquer elemento que permita sustentar de forma minimamente consistente tal valor.
De facto, até mesmo o relatório elaborado pela JLL Portugal, atribuiu ao imóvel em causa um valor de mercado de €401.000, reportado a Março de 2022, correspondente a uma diferença de €249.000, face ao valor indicado pelo Executado.
Acresce que, ao contrário daquele relatório, bem como daquele outro apresentado pelo Credor Reclamante, o relatório apresentado pelo Sr. Perito foi elaborado a pedido do Tribunal (e não das partes), por entidade absolutamente equidistante face aos interesses aqui em apreço.
O Sr. Perito é engenheiro civil, integrando a lista oficial de Peritos Avaliadores e demonstra conhecer a região onde o imóvel se encontra inserido e o respectivo mercado imobiliário. As razões por si apontadas para o valor da avaliação ser aquele e não outro, mostram-se explanadas no relatório, bem como mais desenvolvidas nos esclarecimentos por si prestados em 26.01.2023.
Conforme aí evidenciado, a atribuição do valor de mercado não é uma mera operação aritmética, nem pode ter em conta, exclusivamente, um factor (v.g. qualidade de construção), em detrimento de outros (v.g. localização). Para além disso, o preço pelo qual é anunciada a venda de um determinado imóvel (v.g. em sites da especialidade) não significa que, automaticamente, esse será o preço pelo qual será concretizada a venda, dependendo ainda, por vezes, da urgência que se tenha (ou não), na conclusão do negócio.
Acresce, ainda, que o Sr. Perito esclareceu o motivo pelo qual atribuiu a percentagem de 10% a título de margem de negociação, “face ao estado recente do mercado da habitação, particularmente nesta zona urbana do Concelho de …, a qual tem espaço para crescimento e diversos moradias remodeladas novas ou usadas, em comercialização”. De facto, uma maior oferta no mercado também afecta negativamente o preço de um bem.
A mera discordância do Executado quanto ao resultado da perícia não é fundamento bastante para afastar as suas conclusões. O Executado não invoca factos concretos que comprometam a forma como foi efectuada a perícia e que permitam considerar absolutamente inexacto o resultado obtido.
Assim sendo, entende-se que, ao acolher o resultado da perícia, a decisão do Sr. AE não merece qualquer censura.
Pelo supra exposto, face ao disposto no n.º 7 do art.º 812.º do Código de Processo Civil, decide-se julgar improcedente a reclamação apresentada pelo Executado, mantendo-se a decisão do Sr. AE que fixou o valor base da venda do imóvel penhorado em €350.000 (trezentos e cinquenta mil euros).
O valor a anunciar para venda deverá ser igual a 85% daquele valor base».
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Insurge-se o recorrente contra a decisão que indeferiu a realização da segunda perícia por si requerida, pugnando pela sua admissão.
Alega que fundamentou a sua discordância quanto ao teor da primeira perícia, pelo que, ao indeferir a segunda perícia com base no carácter dilatório da mesma e nas dificuldades de obtenção de documentação, o tribunal a quo violou os art.ºs 411.º e 487.º do CPC e o direito à prova constitucionalmente consagrado nos art.ºs 2.º e 20.º da CRP.
Cumpre, pois, analisar da admissibilidade da segunda perícia, que foi requerida, subsidiariamente, no próprio requerimento onde foi deduzida reclamação contra o relatório pericial.
Dispõe o art.º 487.º do CPC que:
«1 - Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
2 - O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade.
3 - A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta».
Resulta do regime legal citado que que a segunda perícia:
- tem por objecto os mesmos factos sobre que incidiu a primeira;
- pressupõe que sejam alegadas, fundadamente, razões de discordância quanto ao relatório da primeira perícia;
- destina-se a corrigir eventual inexactidão dos resultados da primeira perícia.
Desta forma, a segunda perícia não é uma nova perícia, antes visando, apenas, a correcção de eventual inexactidão dos resultados da primeira.
O que a justifica é a necessidade ou a conveniência de submeter à apreciação de outro perito ou peritos os factos que já foram apreciados, por o primeiro perito os ter visto mal ou ter emitido sobre eles juízos de valor que não merecem confiança e não satisfazem.
Daí que o pedido de segunda perícia tenha que ser fundamentado com as razões por que a parte discorda da primeira perícia.
Efectivamente, não basta requerer a segunda perícia, sendo exigido que se explicite, claramente, os pontos em que existe discordância relativamente aos resultado da primeira perícia, com apresentação das razões por que se entende que esse resultado deve ser diferente (cfr. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, II, 2.ª ed., p. 554).
Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual.
Refira-se que a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo Tribunal (art.º 489.º do CPC), pelo que, ao consagrar a possibilidade de realização de segunda perícia, pretendeu tão somente o legislador a dissipação de dúvidas sérias que pudessem decorrer da primeira perícia, por forma a que as mesmas não subsistam na percepção de factos com relevância para a decisão de mérito
Como se escreveu no acórdão do STJ de 25.11.2004, in www.dgsi.pt., «III. A expressão adverbial "fundadamente", significa precisamente que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia.  IV. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira».
No mesmo sentido, o acórdão da RG de 12.07.2016, in www.dsgi.pt, entendeu que «2) A segunda perícia referida nos art.ºs 487º e sgs, CPC, pressupõe que sejam alegadas fundadamente razões de discordância quanto ao relatório, tem por objecto os mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir eventual inexactidão. 3) Tal alegação consiste na invocação, clara e explícita, de sérias razões de discordância da parte, não porque o resultado alcançado contraria ou não satisfaz os seus interesses, mas por, nele e no relatório em que assenta, existir inexactidão (insuficiência, incoerência e incorrecção) dos respectivos termos, maxime quanto à forma como operaram os conhecimentos especiais requeridos sobre os factos inspeccionados e ilações daí extraídas, de modo a convencer que, podendo haver lugar à sua correcção técnica, esta implicará resultado susceptível de diversa e útil valoração para a boa decisão da causa».
Também o acórdão da RP de 27.01.2020, in www.dgsi.pt., considerou que «I - A segunda perícia que, regulada nos art.ºs 487º a 489º, do CPC, se destina a corrigir a eventual inexatidão dos resultados da primeira (nº 3, do art.º 487º, do CPC), não é uma nova e autónoma perícia, antes o seu objeto se tem de conter no âmbito da primeira perícia realizada, movendo-se dentro das questões de facto já, aí, averiguadas. II - Com a consagração da possibilidade de realização de segunda perícia, visou o legislador tão só possibilitar a dissipação de concretas dúvidas sérias que possam decorrer da primeira perícia, relativas a específicas questões suscetíveis de levar a um resultado distinto daquele que foi alcançado na primeira perícia, para que possam não pairar na perceção de factos relevantes para a decisão de mérito. III - Para tanto, e não sendo lícito realizar no processo atos inúteis (art.º 130º, do CPC), impõe-se que sejam densificadas, com fundamentos sérios, as razões da discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, ficando a admissibilidade da segunda perícia dependente dessa fundada alegação, em requerimento tempestivamente apresentado (nº 1, do art.º 487º, do CPC), sem que o requerente tenha, contudo, de provar essas razões, pois que tal resultado apenas seria a alcançar com a realização da diligência requerida. IV - Ao pronunciar-se sobre o meio de prova proposto, o tribunal tem, para além de analisar da efetiva afirmação de razões de dissonância (eventual inexatidão nos resultados da primeira que careçam de correção), de verificar se os motivos de discordância são, objetivamente, aptos a alcançar resultado distinto do da primeira perícia» (cfr, no mesmo sentido, os acórdãos da RC de 08.07.2021, e da RE de 14.10.2021., ambos in www.dgsi.pt).
Evidenciou este último aresto que: «esta exigência de fundamentação imposta às partes que requeiram a segunda perícia decorre de duas ordens de razões: a primeira, de natureza processual, ou seja, impedir que seja utilizada como "mero expediente dilatório" ou "mera chicana processual"; a segunda, de natureza substantiva, apontar e precisar as razões da discordância com o resultado da primeira perícia, as quais não podem deixar de incidir sobre eventuais inexactidões, insuficiências ou contradições de que padeça a primeira perícia».
No caso vertente, as razões da dissensão do recorrente traduzem-se, apenas, numa discordância quanto à metodologia seguida.
Com efeito, no relatório da primeira perícia adoptou-se o método comparativo de valores de mercado de venda, entendendo o recorrente que deveria ter sido feita uma análise comparativa dos valores das vendas efectivamente realizadas de imóveis da mesma tipologia, características e localização. Para além disso, entende o recorrente que não poderá aplicar-se qualquer factor de desvalorização, considerando que a venda do imóvel ocorrerá em sede judicial.
Saliente-se que o recorrente reclamou do relatório pericial, tendo sido deferida essa reclamação e prestados esclarecimentos que reputamos por claríssimos, objectivos e desinteressados, mas nem com estes ficou satisfeito, tendo reiterado o pedido de realização de segunda perícia.
Sucede que o recorrente não aponta qualquer inexactidão no resultado da primeira perícia, nem identifica aspectos não suficientemente esclarecidos, limitando-se a manifestar a sua discordância relativamente ao método utilizado no juízo técnico feito.
Tal como salientou o tribunal a quo, «(…) o relatório apresentado pelo Sr. Perito foi elaborado a pedido do Tribunal (e não das partes), por entidade absolutamente equidistante face aos interesses aqui em apreço. O Sr. Perito é engenheiro civil, integrando a lista oficial de Peritos Avaliadores e demonstra conhecer a região onde o imóvel se encontra inserido e o respectivo mercado imobiliário. As razões por si apontadas para o valor da avaliação ser aquele e não outro, mostram-se explanadas no relatório, bem como mais desenvolvidas nos esclarecimentos por si prestados em 26.01.2023».
Ora, no caso dos autos, o senhor perito procedeu a uma observação técnica (vistoria) independente do objecto da perícia e relatou, clara e objectivamente, no relatório final apresentado o resultado dessa observação, explicitando os pressupostos e critérios da sua avaliação, em moldes que não oferecem quaisquer dúvidas e que resultam coerentes e convincentes.
Já as razões da discordância avançadas pelo recorrente assentam em opiniões e avaliações subjectivas e em meras conjecturas (vendas de imóveis) não objectivadas através de factos que evidenciem a séria probabilidade de se terem verificado.
Com efeito, ignora-se se foram, efectivamente, realizadas vendas de imóveis da mesma tipologia, características e localização, o que o recorrente não demonstra, como lhe competia, já que pugna pela consideração dessas vendas.
De resto, as fragilidades do método proposto pelo recorrente são enormes, como bem refere o senhor perito nos esclarecimentos prestados: «onde conseguir, com adequada informação complementar (áreas, estado de conservação, materiais aplicados, aspecto estético, etc), o resultado de negócios efectivos?» e qual a «garantia de que foi efectivamente o valor de venda, não foi de favor, não teve objectivo de fuga ao fisco? Garantia de que o valor passado, equivale a valor futuro?».
Não pode, pois, deixar de acompanhar-se o tribunal recorrido quando refere que «(…) não é minimamente seguro que seja possível obter, num prazo razoável, tais escrituras referentes a imóveis de características semelhantes e com a mesma localização geográfica, de molde a estabelecer um novo termo de comparação, nem sequer é seguro que, caso fossem obtidas, que o resultado fosse substancialmente diverso daquele alcançado na perícia já realizada».
Ainda que a segunda perícia pudesse basear-se, apenas, nas divergências relativas à metodologia seguida, sempre a mesma seria de indeferir, pelas razões invocadas pelo tribunal recorrido na despacho a que se alude no n.º 22 dos factos provados, com as quais concordamos: «(…) a atribuição do valor de mercado não é uma mera operação aritmética, nem pode ter em conta, exclusivamente, um factor (v.g. qualidade de construção), em detrimento de outros (v.g. localização). Para além disso, o preço pelo qual é anunciada a venda de um determinado imóvel (v.g. em sites da especialidade) não significa que, automaticamente, esse será o preço pelo qual será concretizada a venda, dependendo ainda, por vezes, da urgência que se tenha (ou não), na conclusão do negócio. Acresce, ainda, que o Sr. Perito esclareceu o motivo pelo qual atribuiu a percentagem de 10% a título de margem de negociação, “face ao estado recente do mercado da habitação, particularmente nesta zona urbana do Concelho de Sobral de Monte Agraço, a qual tem espaço para crescimento e diversos moradias remodeladas novas ou usadas, em comercialização”. De facto, uma maior oferta no mercado também afecta negativamente o preço de um bem. A mera discordância do Executado quanto ao resultado da perícia não é fundamento bastante para afastar as suas conclusões. O Executado não invoca factos concretos que comprometam a forma como foi efectuada a perícia e que permitam considerar absolutamente inexacto o resultado obtido».
Enfim, as razões invocadas pelo recorrente são insusceptíveis de fundamentar dúvida séria e objectiva sobre a correção do juízo pericial emitido pelo perito no relatório que elaborou, não bastando, para abalá-lo, a formulação de meras conjecturas sobre outras vendas, eventualmente, efectuadas.
Acresce que não assiste qualquer razão ao recorrente quando defende que o tribunal a quo não poderia indeferir a realização da segunda perícia com fundamento na delonga processual.
É que, como se demonstrou no citado acórdão da RP de 27.01.2020, a exigência de fundamentação das razões de discordância visa, desde logo, evitar segundas perícias desnecessárias, inúteis e dilatórias.
Não se trata de ajuizar do mérito da argumentação apresentada pelo recorrente ou do seu bem ou mal fundado (o que não constitui motivo de indeferimento – cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in CPC Anotado, I, 2018, p. 547), mas sim de avaliar o carácter impertinente e/ou dilatório da segunda perícia, vedando-se a sua realização no caso de impertinência, desnecessidade, irrelevância ou da sua natureza meramente dilatória.
Veja-se, neste sentido, o acórdão da RG de 14.02.2019, in www.dgsi.pt: «o requerimento da parte a solicitar a realização da segunda perícia pode ser indeferido pelo tribunal, se se considerar que na primeira perícia o perito já respondeu de forma clara e completa aos quesitos formulados (…). Não temos dúvidas em afirmar que a realização da segunda perícia é sindicável pelo tribunal, considerando-se, nomeadamente, que a primeira perícia deu já cumprimento ao pedido da parte e que nela se respondeu já às questões solicitadas, embora não possam ainda ser emitidos juízos de valor sobre o resultado da mesma. A intervenção do tribunal deve aqui limitar-se a aferir se a prova pericial – a primeira perícia – cumpriu já os desideratos (…). Ou seja, a parte tem o dever de justificar o motivo por que pretende a realização da segunda perícia – quais as razões por que discorda da primeira -, competindo ao tribunal verificar se ela tem razão de ser – se existem inexactidões nos resultados da primeira que careçam de correcção. Ela é, por isso sindicável, como o são, no geral, todas as provas requeridas pelas partes – devendo o tribunal emitir sobre as mesmas um juízo, não só de legalidade, se elas são legalmente admissíveis –, mas também se elas são pertinentes e têm por objecto a prova dos factos que se propõem provar. Isso mesmo resulta, cremos que de forma clara, do disposto no art.º 476.º n.º 1 do CPC, ao ali se referir que “Se entender que a diligência não é nem impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”, acrescentando o n.º 2 que “Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-a a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade».
Também o acórdão da RP de 27.01.2020, já citado, considerou que «aliás, se relativamente à primeira perícia e face ao estatuído no art. 476º nº1 e 2 do CPC, o juiz pode indeferir o requerimento por a diligência ser impertinente ou dilatória e indeferir questões suscitadas pelas partes por desnecessárias, inadmissíveis ou irrelevantes, nenhum sentido faria que o não pudesse fazer, com a mesma amplitude em relação a outra perícia (a segunda), que verdadeiramente é repetição, total ou parcial, da primeira, que tem por objeto a averiguação das mesmas questões de facto sobre que incidiu a primeira e se destina a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta, regendo-se a segunda pelas disposições aplicáveis à primeira (art.º 488.º)».
De resto, e contrariamente ao defendido pelo recorrente - numa clara postura de “atirar em todas as frentes” -, ao indeferir o pedido de realização de segunda perícia, o tribunal a quo não violou os art.ºs 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, os limites impostos, adjectivamente, ao direito à prova, corolário do direito à tutela jurisprudencial efectiva, constitucionalmente consagrado, são com ele, perfeitamente, conformes.
Conforme se escreveu, lapidarmente, no acórdão da RP de 27.01.2020, já citado, «não sendo o Direito à prova um direito absoluto, tem de comportar os limites que lhe são impostos por outros direitos e interesses, como o da celeridade processual com vista à efetiva realização da Justiça, pois que uma justiça não célere de verdadeira justiça se não trata, sendo, também, tais limites um mecanismo de racionalização do sistema judiciário, para evitar o seu colapso, decorrente de exageros de proposição de prova, incompatíveis com uma célere e racional produção da mesma. E os limites impostos a tal direito, que não é, pois, um direito absoluto, são materialmente constitucionais, desde que assegurado o respeito pelo princípio da proporcionalidade, o que se verifica no caso da segunda perícia, adjetivamente regulada nos artigos 487º a 489º, sempre admissível quando, devidamente, justificada em razões fundadas, para salvaguardar verdadeiras inexatidões de resultados da primeira perícia, fechando o regime consagrado a porta a manobras meramente impertinentes ou dilatórias, adjetiva e constitucionalmente não queridas».
No mesmo sentido, pronunciou-se o acórdão da RC de 26.02.2019, in www.dgsi.pt: «1.- As partes podem oferecer ou requerer quaisquer provas (licitas) que entendam necessárias para provar os factos que alegam em sustentação dos direitos afirmados, ou para contraprova dos factos aduzidos pela contraparte que ponham em crise tais direitos.  2.- O direito à prova constitucionalmente reconhecido (art.º 20.º da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios. 3.- Porém, tal não significa que todas as diligências requeridas devam ser deferidas, porque apenas o deverão ser desde que legalmente admissíveis, pertinentes e não tenham cariz dilatório».
Também o acórdão da RG de 12.07.2016, in www.dgsi.pt., concluiu que «Embora o critério de decisão sobre a indicação e produção de meios de prova seja essencialmente o da própria parte, pode vedar-se a sua iniciativa no caso de impertinência, desnecessidade ou irrelevância ou da natureza meramente dilatória do oferecido ou requerido».
Assim, embora o critério de decisão sobre a indicação e produção de meios de prova seja, essencialmente, o da própria parte, pode cercear-se a sua iniciativa em casos de impertinência, desnecessidade ou irrelevância do meio de prova oferecido ou requerido (por si mesmo ou pela matéria de facto que com ele se visa demonstrar) ou da sua natureza meramente dilatória, como sucede no caso sub judice.
Destarte, conclui-se, que a segunda perícia é, no caso dos autos, inadmissível, improcedendo as conclusões do recorrente.
O Recorrente suportará as custas do recurso por ter ficado vencido (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, todos do CPC).
V – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
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Lisboa, 22.06.2023
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
Amélia Ameixoeira
Octávio Diogo