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FILIAÇÃO
APELIDO
ALTERAÇÃO
Sumário
Recusado pelo Conservador do Registo Civil o pedido de averbamento de alteração de apelidos do nome de um menor, formulado pelos seus pais após o estabelecimento da filiação posteriormente ao assento de nascimento, só aqueles são considerados “interessados” e, consequentemente, só eles podem interpor recurso da recusa, nos termos do nº 1 do art. 286º do CRC.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
Em 10.10.2003 nasceu, na freguesia de ........., um menor a quem foi posto o nome de B.........., tendo sido registado na Conservatória do Registo Civil daquela cidade em 16.10.2003, como filho de C.......... e sem menção de paternidade.
No âmbito da averiguação oficiosa de paternidade que correu termos no .. Juízo de competência especializada cível do Tribunal daquela comarca, o indigitado à paternidade, D.........., ouvido, em 21/05/2004, pelo Ministério Público, em auto de declarações conjuntas com a mãe do menor, referiu que estava na disposição de perfilhar o B.........., e, “pelos dois, pai e mãe do B.........., foi requerido que o nome do mesmo fosse alterado para B1..........”.
No termo de perfilhação, lavrado nos serviços do Ministério Público junto do referido Tribunal, em 21/05/2004, o perfilhante, após ter reconhecido ser o pai de B.........., “(...) requereu, com o acordo da mãe do menor, a alteração do nome do seu filho para B1..........”.
Foi remetida certidão do termo de perfilhação e do auto de declarações conjuntas à Conservatória do Registo Civil de .........., solicitando-se o averbamento de tal perfilhação e da requerida alteração de nome ao assento de nascimento do B........ .
E o Exm.º Sr. Conservador do Registo Civil procedeu ao averbamento da perfilhação, mas recusou o averbamento de alteração do nome do menor B.......... .
Porque o Mº Pº tivesse manifestado a pretensão de interpor recurso da recusa do averbamento da alteração do nome, o Ex.mo Conservador especificou os motivos da recusa nos seguintes termos:
- A escolha do nome próprio e dos apelidos do filho pertence aos pais. Porém, como a filiação está sujeita a registo, só é atendível e invocável após a feitura do averbamento da perfilhação.
- A alteração do nome ao abrigo das situações contempladas no n.º 2 do art.º 104.º do Código do Registo Civil só pode ser feita a requerimento (não mera declaração) apresentado em Conservatória. Requerimento que, quando verbal, deve ser reduzido a auto, o chamado auto requerimento (n.º 3 do mesmo art.º 104.º).
- A menção, no termo de perfilhação, de que “mais requereu, com o acordo da mãe do menor, a alteração do nome do seu filho para B1..........”, não parece satisfazer os requisitos enunciados no n.º 3 do art. 104º.
- Da leitura das disposições legais, nomeadamente da O.T.M., não resulta que caiba no âmbito da A.O.P. algo mais além da descoberta do pai biológico.
O Mº Pº apresentou, oportunamente, a petição de recurso em que, após contestar os motivos de recusa invocados, pediu se determinasse a realização do averbamento de alteração do nome do menor.
O Senhor Conservador do Registo Civil, sustentando a recusa, arguiu a excepção de ilegitimidade do Ministério Público para recorrer e, para o caso de assim não se entender, pugnou pela improcedência do recurso.
Foi, a final, proferida sentença, em que se considerou ter o Ministério Público legitimidade para intentar recurso da recusa e, na procedência do recurso, determinou-se a realização do averbamento da alteração do nome do B.......... para B1.......... no assento de nascimento n.º ...., de 2003, da Conservatória do Registo Civil de .......... .
Inconformado, recorreu agora o Sr. Conservador do Registo Civil, tendo formulado as seguintes Conclusões:
1. O Ministério Público não é parte legitima, porque não foi o requerente do acto recusado, nem podia ser, nem representa o menor “in casu” (artº 26°, n° 1 e artº 494° - e), do C.P.C.).
2. Não há nenhum interesse público na alteração do nome por efeito da perfilhação, uma vez que nenhuma norma a impõe, mas apenas a permite (artº 1875° do C.C. e art.º 103° n° 2 d) do C.R.C.).
3. E só é admitida quando se conjuga nesse sentido a vontade de ambos os progenitores, pelo que é fácil acontecer a inviabilidade da alteração, nomeadamente quando a filiação fica estabelecida contra a vontade de um dos progenitores (mesmo art.º 1875°).
4. Os poderes/deveres emergentes da filiação não são atendíveis antes da mesma se encontrar estabelecida e registada porque, antes de ser lavrado o registo, ela não pode ser invocada (art.º 1797° do C.C.) Isto apesar de, feito o registo, se produzir efeitos desde o nascimento (n° 2 do mesmo artigo).
5. A alteração do nome não sujeita a autorização ministerial depende de requerimento, não de simples declaração (n° 3 do art.º 104° do C.R.C.), sendo certo que este código faz distinção entre “declaração” e “requerimento”
6. Não cabe no âmbito das AOP cuidar da alteração do nome do perfilhado, conforme resulta, “a contrario”, do disposto nos art.ºs 202° e 207° da OTM.
7. Parece-nos, assim, que a douta sentença recorrida violou os art.ºs 26°, n° 1 e 494°, alínea e) do C.P.C. e não interpretou correctamente o disposto nos art.ºs 1875° e 1797° do C.C. e o art.º 103° n° 2, alínea b) e o n° 3 do art.º 104°, estes últimos do C.R.C.
Pede que, no provimento do recurso, se altere a decisão recorrida, julgando-se o Ministério Público parte ilegítima, não se conhecendo, portanto, do mérito da causa, ou, assim não se entendendo, se revogue a ordem de efectuar o averbamento de alteração do nome.
Contra-alegou o Ministério Público, pugnando pela confirmação da sentença.
Foi proferido despacho de sustentação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II.
A situação de facto a ter em consideração é a que supre se deixou transcrita, nada havendo a acrescentar.
III.
Sendo o âmbito do objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, impõe-se, antes de mais, conhecer da questão da legitimidade, ou não, do Ministério Público para interpor recurso da recusa do Conservador.
Vejamos:
Estatui o n.º 1 do art.º 286.º do Código Registo Civil que, “quando o conservador se recusar a efectuar algum registo nos termos requeridos ou a praticar qualquer acto da sua competência, o interessado pode interpor recurso para o juiz da comarca (...)”.
Tal normativo terá de ser conjugado com o disposto nos arts. 103º e 104º do CRC e 1875º do CC.
Dispõe o citado art. 1875º:
1. O filho usará apelidos do pai e da mãe ou só de um deles.
2. A escolha do nome próprio e dos apelidos do filho menor pertence aos pais; na falta de acordo, decidirá o juiz, de harmonia com os interesses do filho.
3. Se a maternidade ou paternidade forem estabelecidas posteriormente ao registo de nascimento, os apelidos do filho poderão ser alterados nos termos dos números anteriores.
Também a al. e) do nº 2 do art. 103º do CRC prescreve que “Os apelidos são escolhidos entre os que pertençam a ambos ou só a um dos pais do registando (...)”.
Resulta, pois, desses artigos que os pais gozam de alguma liberdade na composição do nome dos filhos, designadamente no que concerne aos apelidos, que podem ser só do pai ou só da mãe.
E, no caso de estabelecimento da filiação posteriormente ao registo de nascimento, podem os apelidos ser alterados (alteração que pode consistir na substituição, adicionamento, supressão ou alteração da ordem dos elementos fixados na composição originária), mas apenas a requerimento de ambos os pais, ou por um com o consentimento do outro.
Ou seja, nada na lei obriga à alteração, a qual terá de ser feita exclusivamente por vontade expressa de ambos os pais. Nada obsta a que o menor continue a usar apenas o apelido, ou apelidos, que já constem do seu nome.
O menor, ou o Mº Pº - em representação daquele ou do Estado - não podem exigir, ou requerer, que os apelidos sejam alterados.
Nos termos do art. 104º do CRC, o nome fixado no assento de nascimento, em princípio, só pode ser modificado mediante autorização do Ministro da Justiça.
Tal regra, porém, sofre excepções, como é o caso, entre outras, de alteração fundada em estabelecimento da filiação posteriormente ao assento (al. a) do nº 2 do art. 104º), hipótese em que o averbamento de alteração “é efectuado a requerimento do interessado (...)” (nº 3 do mesmo art.).
“Interessados” são, no caso, os progenitores do menor, já que, como se disse, só eles podem requerer a alteração do nome do menor seu filho.
E daí que só eles possam ser considerados “interessados”, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 286.º do Código Registo Civil, ou seja, para interpor recurso da recusa de averbamento da alteração do nome.
A alteração dos apelidos do menor não corresponde a um qualquer interesse público supra-individual que justifique a intervenção do Estado. E estando na disponibilidade dos pais o requerer, ou não, a alteração, logicamente que também estará vedado ao Mº Pº, agindo em representação do menor - o qual não tem um “direito próprio” a que o nome seja alterado – requerer a alteração e consequente averbamento no registo.
É claro que a situação não se altera pelo facto de, no caso em apreço, o pedido de alteração haver sido feito através dos serviços do Ministério Público, pois que, ao fim e ao cabo, quem efectiva e juridicamente requereu, e podia requerer, a alteração e subsequente averbamento foram os pais do menor.
Se o pedido de alteração dos apelidos e averbamento tivesse sido feito directamente pelos pais do menor na Conservatória do Registo Civil, e houvesse sido recusado, como justificar a legitimidade do Mº Pº para interpor recurso? Podendo aqueles conformar-se com a recusa, qual o interesse de ordem pública ou do próprio menor que legitimaria uma tal intervenção?
Concluindo: recusado pelo Conservador do Registo Civil o pedido de averbamento de alteração de apelidos do nome de um menor, formulado pelos seus pais após o estabelecimento da filiação posteriormente ao assento de nascimento, só aqueles são considerados “interessados” e, consequentemente, só eles podem interpor recurso da recusa, nos termos do nº 1 do art. 286º do CRC.
Carece, pois, o Mº Pº de legitimidade para aquele efeito, procedendo, assim, a excepção arguida pelo Recorrente.
E, na procedência dessa excepção, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.
IV.
Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, concede-se provimento ao recurso, declarando-se não ter o Mº Pº legitimidade para recorrer, e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, subsistindo, assim, a decisão do Sr. Conservador do Registo Civil.
Sem custas.
Porto, 3 de Fevereiro de 2005
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo