EMBARGOS À EXECUÇÃO
DESISTÊNCIA DA INSTÂNCIA
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
Sumário

I - São diferenciados e distintos os efeitos decorrentes da desistência da instância e da desistência do pedido, pois, enquanto neste é o próprio direito material que decessa ou se extingue, naquela a extinção limita-se ou baliza-se aos autos onde a mesma é apresentada;
II – no âmbito incidental da habilitação de cessionário apenas se produzem efeitos de natureza meramente processual, sem que exista interferência com a discussão do direito controvertido que constitui o objecto da causa;
III - com efeito, as decisões naquele proferidas não extravasam o âmbito incidental próprio, não tendo efeitos na acção declarativa ou executiva principal, ou seja, visando aquele incidente a mera modificação dos sujeitos da lide, os efeitos daí decorrentes possuem natureza meramente processual, no mesmo não se comportando qualquer discussão ou decisão a propósito do direito em controvérsia que constitui o próprio objecto da causa principal ;
IV - a desistência do pedido apresentada em incidente de habilitação de cessionário, por quem figura como habilitando (e não habilitado, inexistindo ainda decisão acerca da pretensão afirmada), apenas pode ter o efeito extintivo do direito que era reclamado ou exercido, isto é, o direito de, naquela instância executiva, ser declarado, mediante habilitação, como cessionário;
V – efectivamente, não deve considerar-se que tal desistência do pedido tenha a capacidade ou potencialidade de afectar o direito de crédito executivo que era discutido na acção principal, e que não constituía o objecto controvertido em apreciação naquele incidente da instância;
VI – ademais, admitir que um habilitando a cessionário pudesse, ainda nessa qualidade e sem que tivesse sido apreciada a (im)procedência da pretensão e declarado como cessionário, dispor do direito em litígio na acção principal, contrariaria todas as regras legalmente prescritas, pois estar-se-ia a legitimar que um terceiro pudesse, de motu próprio, operar a extinção do direito de crédito invocado na acção executiva principal ;
VII - com a evidente agravante deste terceiro nunca poder vir a ser declarado como habilitado cessionário, o que significaria o reconhecimento da sua disponibilidade perante o direito de outrem, ou seja, do direito afirmado pelo credor/exequente.

Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do art.º 663º, do Cód. de Processo Civil

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
           
I – RELATÓRIO

1 – Por apenso à execução para pagamento de quantia certa sob o nº. 2523/21.9T8OER:
- T…,
deduziu oposição à execução, mediante embargos, tendo formulado o seguinte petitório:
a) Que seja absolvida da instância e do pedido;
b) Que seja determinada a suspensão da execução com dispensa de caução;
c) Que seja ordenado o levantamento imediato da penhora;
d) Que lhe sejam devolvidas as quantias que, entretanto, lhe foram penhoradas.
Alegou, em síntese, que:
=> Não se entende o que pretende o Exequente, pois está a ser peticionado à Executada, pelo menos em duas (senão três) acções distintas, e sem mais, o mesmo valor e a mesma quantia com a mesma causa de pedir;
=> O que constitui a verificação de excepção dilatória de listispendência;
=> No caso sub judice, está especialmente em causa o requisito da identidade da causa de pedir, sem prejuízo de um verdadeiro e claro abuso de direito;
=> Acresce ao exposto a “cessão invocada” assente em empréstimos, a qual é nula e de nenhum efeito;
=> Com efeito, estamos a falar de tornas advenientes de partilha por divórcio e, na realidade, o devedor tem a faculdade de opor ao cessionário a nulidade do negócio que serviu de base à cessão de créditos;
=> Nenhum documento foi anexo, sendo que o requisito de forma não foi cumprido, o que determina a nulidade do eventual negócio;
=> Sem prejuízo da sua simulação;
=> É falso que a executada/embargante deva ao exequente/embargado a quantia de €71 588,43 referente às tornas;
=> Com efeito, o Exequente esqueceu-se que existem créditos a compensar a P…, os quais devem ser descontados nas tornas a pagar por esta, conforme descrito no mapa de partilhas, homologado por douta sentença transitada em julgado;
=> Efetivamente, de acordo com aquele mapa de partilha, a executada é credora da quantia de €34.441,28, e esta, por sua vez, é devedora de J… no montante de €24.853,19, quantias estas, que devem ser compensadas entre ambos;
=> O que significa que, à quantia de €71.588,43 a pagar pela executada a J…, deve ser descontada na sua meação o respetivo crédito na quantia de €9.558,09 (nove mil quinhentos e cinquenta e oito euros e nove cêntimos), €34.441,28 - €24.853,19, o que perfaz um valor de tornas de €120.440,51 (cento e vinte mil quatrocentos e quarenta euros e cinquenta e um cêntimos) ;
=> Por outro lado, como o Exequente não pode desconhecer, em 18/12/2019, no âmbito do processo n.º 589/06.0TBCSC-E, as partes reconheceram e acordaram que os valores referentes às pensões de alimentos vencidas, bem como as despesas educacionais, médicas e medicamentosas, teriam de ser descontadas no valor das tornas a pagar ao exequente, acordo este, homologado pelo Tribunal;
=> Assim, ao valor das tornas a pagar pela Executada deverão ser descontadas todas as pensões de alimentos devidas às menores, vencidas desde outubro de 2014 até à presente data (outubro de 2020), o que perfaz a quantia de € 24.700,00 (vinte e quatro mil e setecentos euros), conforme estipulado na ata de conferência datada de 18/12/2019;
=> Ainda de acordo com aquela ata de conferência, deverão ser descontadas às tornas as despesas com educação, no montante de €12.349,60 (valor este que constitui metade do valor total de €24.699,20, o que, a dividir pelas duas partes na proporção de 50% a cada um, dá aquela quantia), e as despesas médicas e medicamentosas no montante de €6.334,72 (que igualmente correspondem a metade do valor de €12.669,44, que, a dividir pelas duas partes na proporção de 50% a cada um, dá aquela quantia), despesas essas, contabilizadas, pelo menos desde o mês de fevereiro de 2008, até à presente data, conforme decretado por douta sentença datada 20/06/2008 no âmbito dos autos principais de divórcio ;
=> Ou seja, como se referiu, a Executada deve ser compensada na quantia total de €18.684,82 (dezoito mil seiscentos e oitenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos), valor que naturalmente se descontará ao montante das tornas a pagar;
=> Acresce que, a executada liquidou, ainda, uma dívida de J… referente a uma ação executiva que lhe foi instaurada, que correu termos no Tribunal da Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Oeiras – Juízo de execução, Juiz 2, sob o processo n.º 2432/14.8TBCSC, de forma a poder cancelar uma penhora que incidia sobre o imóvel que lhe foi adjudicado, no montante de €11.013,56 (onze mil e treze euros e cinquenta e seis cêntimos), quantia esta, que, deve também, ser descontada ao valor das tornas a liquidar ao exequente ;
=> A Executada deve, pois, ser compensada por todos os créditos que liquidou pelo exequente, e que, como supra se expôs, totalizam €54.398,38 (cinquenta e quatro mil trezentos e noventa e oito euros e trinta e oito cêntimos);
=> O que significa que, a Executada não deve a quantia peticionada no requerimento executivo, mas antes, o montante de € 66.042,13 (sessenta e seis mil quarenta e dois euros e treze cêntimos) a título de tornas.
=> A obrigação é, assim, ilíquida, sendo que a liquidez da obrigação exequenda é requisito de admissibilidade da acção executiva;
=> O que constitui fundamento de oposição à execução, nos termos da alínea e), do art.º 729º, do Cód. de Processo Civil, pois a iliquidez não foi suprida na fase introdutória de execução;
=> não estamos perante uma sentença de condenação “stricto sensu”, mas sim, de uma sentença que reconheceu direitos aos interessados, facto que, nos termos do disposto no n.º 1 e al. a) do n.º 2 do art.º 550 do CPCivil, determina que a execução baseada em decisão judicial executada no próprio processo, siga a forma ordinária;
=> Forma essa que, como resulta do disposto no art.º 726 do CPCivil, obriga a que o processo seja concluso ao Juiz para despacho liminar, o que, não se verificou no caso concreto, facto que, determina a irregularidade da instância nos termos da referida norma legal;
=> Pelo que o ora invocado constitui, assim, fundamento de oposição à execução, nos termos descritos na al. c) do art.º 729 do CPCivil, o que se invoca para todos os efeitos e consequências legais;
=> Acresce que com o recebimento dos presentes embargos, deverá suspender-se o prosseguimento da execução, uma vez que, foi impugnada a liquidação da obrigação exequenda, bem como, a inexistência de pressuposto processual de que depende a regularidade da instância executiva, nomeadamente a inexistência de despacho liminar, justificando-se, assim, essa suspensão sem prestação de caução;
=> Na sequência da presente execução, o exequente penhorou um depósito bancário, titulado pela executada, identificação nº 001800033954557020, do Banco Santander Totta, S.A., no valor de €63.536,78;
=> O valor da dívida exequenda não corresponde ao valor que o exequente alega;
=> Além do mais, não se compreende, e muito menos, se aceita, que o exequente requeira, ainda, a condenação da executada a pagar-lhe juros de mora, quando, como não pode desconhecer, esta não foi condenada a pagar tais juros ;
=> Face ao que antecede, verifica-se também um excesso de penhora, o que, não é legalmente admissível face ao que se dispõe, designadamente no n.º 3 do art.º 735 do CPCivil;
=> Assim, porque a divida da executada ao exequente, é inferior à quantia que lhe foi penhorada, esta penhora deve ser imediatamente levantada, ao abrigo do disposto no art.º 735 do C. P. Civil.
2 – Admitidos liminarmente os embargos e notificado o Exequente/Embargado J…, nos termos e para os efeitos do prescrito no nº. 2 do art.º 732º, do Cód. de Processo Civil, veio apresentar contestação, aduzindo, em resumo, o seguinte:
=> em 24.07.2020, o ex-cônjuge da executada, celebrou um contrato de cessão de créditos com o ora Exequente /embargado, através do qual o Cedente transmitiu parcialmente o crédito de tornas (67.617,47 €) que detinha sobre a Executada;
=> Em 09.10.2020, veio o cessionário J… requerer no Proc. 3241/20.0T8OER do Juízo de Execução de Oeiras – J1, a Habilitação de Adquirente ou Cessionário;
=> Atendendo à argumentação expendida pela executada na contestação à Habilitação de Adquirente / Cessionário, o Habilitando ponderou a questão da eventual legitimidade e entregou naqueles autos, em 05.05.2021, um requerimento a declarar a desistência da instância relativamente à habilitação requerida;
=> em 13.05.2021, apresentou um novo requerimento a declarar a desistência do pedido, requerendo a sua homologação, referindo, até, expressamente que reservava o direito de requerer ao Tribunal as providências executivas adequadas para operar o pagamento coercivo do seu crédito em processo executivo próprio, não estando por isso em causa a preclusão do seu direito substantivo, mas tão só a sua opção processual pela habilitação naquela instância executiva;
=> Pedido que foi objecto de Sentença, notificada em 16.06.2021, que julgou válida a desistência e, declarou extintos os autos de habilitação de cessionário;
=> Como é consabido, pelo contrato de cessão de créditos, o Adquirente / Cessionário, recebeu do Credor / Cedente, o direito de que este era titular;
=> Inexistindo qualquer excepção de litispendência, faltando zelo e rigor da embargante, pois como esta e os seus mandatários sabem, no Proc. 2592/21.1T8OER a correr termos no Juízo de Execução de Oeiras – Juiz 1, o qual nada tem a ver com o presentes autos, a Exequente e o crédito não são os mesmos;
=> Relativamente ao vertido pela embargante no art.º 25º da sua oposição, como esta bem sabe ou deveria saber, no âmbito do inventário para partilha de bens subsequente ao divórcio, o credor de tornas, perante o incumprimento reiterado, displicente e arguto daquela, lançou mão, em 30.06.2020, da forma simplificada de execução prevista no art.º 1378º, nº 3 do C.P.C. ( versão do D.L. 329-A/95 de 12 de Dezembro, ao abrigo do qual foi tramitado o Processo de Inventário nº 589/06.0TBCSC – C , que correu termos no Tribunal de Família e Menores de Cascais ) ;
=> Não tendo, todavia, o Tribunal proferido, em tempo, despacho sobre o requerimento apresentado pelo então credor de tornas, permitindo à embargante, à total revelia daquele, celebrar um contrato promessa de compra e venda, com eficácia real, da fracção que lhe tinha sido adjudicada em partilha, tendo-a prometido vender pelo preço de 465.000,00€ e recebido, naquela data de 31.08.2020, 460.000,00€ a título de sinal;
=> Ora, não podendo os autos prosseguir com vista à venda do bem adjudicado, não restou outra hipótese ao credor de tornas, senão a de recorrer a outro meio processual, a acção executiva, com vista ao recebimento do seu crédito, conforme exposto no requerimento enviado aos autos de inventário em 09.12.2020;
=> O Embargado reconhece que, de acordo com o que resulta do mapa de partilha, terá que ser operada a compensação entre dívidas de cônjuges, devendo descontar-se na sua meação o valor de 9.558,09€;
=> Assume também o Embargado, conforme plasmado na cláusula 5ª do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 24.07.2020, que ao valor das tornas a pagar relativamente ao crédito que lhe foi cedido, se haverá que descontar o montante de 24.700,00€, devidos pelas pensões de alimentos em dívida às filhas do Cedente;
=> Bem como o montante de 11.231,34€, resultante do cancelamento de uma penhora da Unicre que incidia sobre o imóvel adjudicado em partilha à embargante;
=> Relativamente às despesas de educação foi acordado entre as partes e homologado por sentença de 20.06.2008 que: “ IX. Serão igualmente repartidas em partes iguais por ambos os progenitores as despesas das matrículas anuais nos estabelecimentos de ensino que as menores frequentem, bem como as respeitantes a visitas de estudo, sendo certo que se no futuro houver uma alteração substancial no valor da matrícula resultante de mudança de estabelecimento de ensino a mãe assegurará o diferencial de tais despesas”;
=> Ou seja, relativamente a estas despesas de educação, são apenas a repartir em partes iguais as despesas com as matrículas anuais e as despesas as visitas de estudo das menores;
=> Ora, a Embargante indica despesas de educação no montante de 12.349,60€, não fazendo prova alguma a que despesas se refere o referido montante;
=> Assim como não faz prova da notificação de tais despesas ao progenitor com junção das respectivas facturas;
=> Sendo certo que apenas são da responsabilidade do progenitor metade das despesas identificadas na cláusula IX do acordo;
=> Também, no que se refere às despesas de saúde, do Acordo de RRP homologado por sentença de 20.06.2008, ficou a constar que: “ VIII. As despesas de saúde, médicas e medicamentosas, respeitantes às menores e que não sejam comparticipadas serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores, mediante apresentação das respectivas facturas, dentro do prazo de trinta dias sobre a facturação”;
=> Relativamente a estas despesas de saúde vem a Embargante indicar como sendo da responsabilidade do progenitor, a verba de 6.334,72€;
=> Todavia, a Embargante, uma vez mais, não faz prova alguma das facturas a que correspondem tais despesas, assim como, também, não faz prova da notificação ao progenitor das facturas a que se referem tais despesas “no prazo de trinta dias sobre a facturação” conforme fixado no acordo;
=> Donde resulta que não há lugar a desconto nas tornas relativamente às despesas invocadas pela Embargante, nos termos expostos;
=> O que significa que, apenas assiste à Embargante o direito a ser compensada pelas despesas que identifica, nos montantes de 9.558,09€ + 24.700,00€ + 11.231,34€, no total de €45.489,43.
Conclui, requerendo que a oposição seja julgada parcialmente improcedente, por não provada, com as legais consequências.
3 – Designada data para a realização da audiência prévia, veio esta a realizar-se, conforme acta datada de 14/10/2022, na qual foi proferido o seguinte DESPACHO:
Fica o embargado notificado para, querendo e em 10 dias, se pronunciar quanto ao caso julgado formado pela sentença homologatória do pedido de desistência no apenso C do proc 3241/20.0 T8OER-C - J1.
Notifique”.
4 – Correspondendo ao convite, veio o Embargado/Exequente apresentar pronúncia com o seguinte teor:
“1. No processo executivo identificado – Proc. n. 3241/.0TBOER - resulta absolutamente evidente que o Exequente é apenas e só P…, nunca tendo o ora Embargante sido parte nessa acção.
2. Antes da entrada em juízo da referida execução em 07.09.2020, o crédito detido por P… sobre a ora Embargante, já havia sido integralmente cedido, em 24.06.2020, parte ao Embargado e outra parte à B…, RL.
3. Por tal facto, o ora Embargado requereu naquele processo a sua habilitação como parcial sucessor do aí exequente P…, por o crédito constante da sentença, levada pelo primitivo credor à execução contra a devedora, T…, lhe ter sido em parte cedido.
4. Assim é que, através de Incidente de Habilitação, procurou o ora Embargado intervir no referido processo como parte, por forma a suprir a falta de legitimidade do Exequente, P…, que, àquela data, já não era titular de qualquer crédito.
5. No referido Incidente de Habilitação, foi pelo ora Embargado – naquele processo habilitando – apresentado o seguinte pedido:
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exª doutamente suprirá, requer que se digne a julgar o Requerente J…, devidamente habilitado, em substituição do anterior Credor/Exequente P…, devendo para tanto, nos termos dos art.ºs 263º e 356º do C.P.C., mandar notificar a parte contrária para contestar.”
(Nota: este processo executivo iniciou-se nos próprios autos do Proc. n.º 589/06.0TBCSC.1 e posteriormente foi distribuído ao Juízo de Execução de Oeiras, passando a tramitar sob o n.º de proc. 3241/20.0TBOER)
6. No entanto, analisada a questão e a contestação apresentada pela Embargante naquela acção, veio o ora Embargado entender que não era possível sanar a questão da falta de legitimidade da referida execução porquanto a mesma era singular e originária – isto é, o Exequente inicial (P…) à data da entrada da execução, já não era o detentor do crédito.
7. Neste sentido, sem que tivesse sido proferida qualquer decisão relativa ao incidente de habilitação – ou seja, sem que o ora Embargado, nesse mesmo processo, tivesse sido habilitado e, portanto, substituído o primitivo Exequente no pedido – o mesmo requereu a desistência da instância relativa à pretensão processual de habilitação.
8. Notificada para se pronunciar sobre o requerido, a Executada nada disse – nem no prazo legal nem fora dele – certamente por entender que já se havia pronunciado de forma esclarecedora na contestação do incidente.
9. Para obviar a mais delongas, o ora Embargado (naquele processo Habilitando), decidiu “retirar o pedido de habilitação” à posição de exequente naqueles autos, desistindo do mesmo.
10. De facto, no âmbito da referida execução, jamais o ora Embargado foi parte da mesma pelo que é impossível que o mesmo tivesse desistido do pedido substantivo e, portanto, de ver o seu crédito realizado!!!
11. E, para que não restassem dúvidas sobre o alcance da declaração de desistência do pedido de habilitação que apresentou, o ora Embargado fê-lo nos seguintes termos:
J…, habilitando nos autos à margem identificados, na sequência da sua declaração de desistência da instância relativa à pretensão de habilitação por sucessão inter vivos na parte do direito de crédito do exequente que lhe fora cedido por contrato de cessão de créditos de 24 de Julho de 2020, conforme documento junto aos autos, e dado que a requerida/executada ainda se não pronunciou a propósito, vem, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art.º 286.º do CPC, dar sem efeito o seu requerimento com a Refª: 38774635, e declarar a desistência do pedido de habilitação formulado, pondo, assim, termo à sua pretensão de fazer valer os seus direitos de cessionário do crédito, no âmbito da acção executiva a que foi apenso o incidente de habilitação.
Reserva-se naturalmente o ora desistente o direito de requerer ao Tribunal as providências executivas adequadas para operar o pagamento coercivo do seu crédito, em processo executivo próprio, não estando, por isso, em causa a preclusão do direito substantivo do requerente, mas tão só a opção processual pela habilitação nesta instância executiva.
Atento o exposto, requer-se a V. Exa. a homologação desta desistência por sentença, nos seus precisos termos, conforme o disposto no nº 3 do artigo 290º CPC.”
12. E foi esta declaração que foi homologada pelo Mmo. Juiz, nos seus precisos termos (artigo 290.º, n.º 3, do CPC), obviamente após atentamente examinada pelo tribunal, mas também pela parte contrária – a requerida no pedido de habilitação - notificada que foi do seu conteúdo na data da expedição do requerimento, tudo como resulta do ponto 27. do requerimento executivo dos autos em apreço, em conjugação com a transcrita declaração de desistência.
13. De facto, o ora Embargado, ao desistir do pedido processual de habilitação, foi absolutamente claro e esclarecedor – não existindo margem para equívocos – de que, apesar do requerido, tal jamais poderia significar a pretensão de desistir do seu direito de crédito sobre a ora Executada.
14. Analisado o pedido formulado de desistência da habilitação naqueles autos, foi proferida sentença de homologação nos precisos termos requeridos.
15. Nem o tribunal, nem a parte contrária, nem obviamente o ora Embargado, viram no texto homologado uma declaração de vontade do desistente de “renunciar” ao crédito que lhe fora cedido.
16. Nem obviamente isso poderia fazer qualquer sentido, atenta a expressa afirmação em contrário do autor da declaração de desistência, no documento enviado ao tribunal, que os seus destinatários não podiam deixar de ter entendido perfeitamente.
17. E atente-se em que, se tal interpretação da declaração de desistência em apreço foi a que fica explicitada – não podia nunca a mesma ter o efeito de renúncia ao direito substantivo pelo ora Embargado.
18. Mais, a mesma interpretação foi inequivocamente mantida pela Embargante/ Executada nos presentes autos, já que, na petição de embargos apresentados, entre os vários fundamentos que aduz para pôr em causa a regularidade e a procedência do pedido executivo, não está nenhuma invocação do alegado facto extintivo da obrigação exequenda!
19. De facto, é incompreensível que o douto Juiz sustente que o disposto no n.º 1 do art.º 285.º do CPC implica, no caso concreto de que trata o seu despacho, a extinção da obrigação exequenda, em face da claríssima afirmação de vontade em sentido inverso, expressa na declaração de desistência da ora apelante no requerimento de habilitação.
20. Na verdade, é manifesto que o pedido de habilitação dado sem efeito pela desistência operada ocorreu num processo declarativo instrumental, que poderia, em abstracto, conduzir a assunção da qualidade de parte activa numa execução movida por outrem.
21. Ora, pela sua própria natureza instrumental, este pedido jamais - em momento algum - se pode confundir com o pedido executivo!!! 22. Enquanto não fosse decidido favoravelmente o incidente declarativo de habilitação e transitada em julgado a sentença de habilitação, o ora Embargado (habilitando naquela acção) estaria “a bater à porta”, mas não teria entrado ainda, a nenhum título e em nenhuma qualidade, na instância executiva.
23. Tal facto resulta de forma expressa e clara do próprio pedido de habilitação que foi feito no incidente!
24. O direito que precludiu foi o de a requerente da habilitação formular novo pedido de habilitação com o mesmo conteúdo naqueles autos. Mas não precludiu qualquer outro!
25. Veja-se que o ora Embargado, naquela acção executiva nunca chegou sequer a ser parte e, portanto, nunca foi reconhecido como titular do pedido aí formulado!
26. O único titular do direito de desistir do pedido substantivo sempre foi P…, o qual foi Exequente na referida acção!
27. Neste mesmo sentido, veja-se o vertido no Ac. da Relação de Évora, de 7.11.2019, relatado por Mário Silva e disponível em www.dgsi.pt:
2. O incidente de habilitação de adquirente ou cessionário visa a modificação nos sujeitos da lide, apenas produzindo efeitos de natureza meramente processual, ao nível das partes que se defrontam na lide, sem interferir com a discussão do direito que constitui o objeto da causa, tal como é configurado pelo pedido e pela causa de pedir.” (sublinhado e negrito nossos)
28. No mesmo sentido, veja-se o vertido no Ac. da Relação do Porto, de 08.11.2021, relatado por Eugénia Cunha e disponível em www.dgsi.pt:
Deste modo, a finalidade do incidente de habilitação e os efeitos jurídicos por este produzidos na ordem jurídica são meramente processuais, resumem-se a operar a substituição da parte primitiva na ação pendente (autor ou réu) pelo sucessor deste, em caso de falecimento ou extinção dessa parte, ou pelo adquirente da coisa ou do direito em litígio nessa ação em caso de transmissão dessa coisa ou direito, não comportando o incidente de habilitação qualquer discussão sobre a relação de direito substantivo em litígio na ação principal.”
29. Ainda a este respeito, veja-se o que refere de forma clara o Ac. da Relação de Guimarães, datado de 21.06.2018, relatado por Maria Cristina Cerdeira e disponível em www.dgsi.pt:
I) O incidente de habilitação de adquirente ou cessionário visa, apenas, produzir modificação nos sujeitos da lide, apenas produzindo efeitos de natureza meramente processual, ao nível das partes que se defrontam na lide, sem interferir com a discussão do direito que constitui o objecto da causa, tal como é configurado pelo pedido e pela causa de pedir.
30. De facto, a jurisprudência sobre o presente tema é absolutamente unânime!
31. Ora, tendo o ora Embargante explicitado o alcance da desistência de forma tão clara, em sentido contrário ao da desistência de reclamar o seu crédito em processo executivo próprio, dúvidas não podem subsistir quanto ao entendimento do Juiz do processo executivo que homologou a desistência do pedido de habilitação (3241/20.0T8OER-C).
32. Assim, o sentido com que a declaração foi homologada só pode ter sido o que cristalinamente dela resulta, e foi essa sentença de homologação, com esse alcance, que transitou em julgado.
33. Conferir o significado oposto à declaração de desistência, ignorando o sentido que o Tribunal afirmou ao homologá-la, e que os seus destinatários – requerente e requerida no incidente – seguramente, e bem, lhe atribuíram e atribuem, seria, neste sentido, uma verdadeira ofensa ao caso julgado!
34. Carece, assim, de fundamento, pelos motivos expostos, a excepção de caso julgado”.
Conclui, no sentido de prosseguimento dos autos de execução, em virtude de “ser absolutamente evidente a inexistência de excepção de caso julgado quanto à matéria dos autos”.
5 – A Embargante/Executada veio responder a tal pronúncia, aduzindo o seguinte:

“1. Não é verdade o alegado pelo exequente no ponto dois do seu requerimento, como, aliás, este muito bem sabe, uma vez que o crédito por si reclamado NÃO foi integralmente cedido por “P…”, pois, a executada não foi notificada do contrato de cessão de créditos, assim como, também NÃO foi, dos termos do negócio celebrado entre o cedente e o cessionário.
2. E, mesmo que a cessão de créditos tivesse operado, o que não foi apreciado no âmbito do incidente de habilitação de cessionário, que correu termos no processo n.º 3241/20.0T8OER-C, Juízo de Execução de Oeiras - Juiz 1, a verdade, é que, o exequente, antes que fosse proferida qualquer decisão sobre o incidente de habilitação de cessionário declarou nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art.º 286 do CPCivil, A DESISTÊNCIA DO PEDIDO DE HABILITAÇÃO formulado, pondo, assim, termo à sua pretensão de fazer valer os seus direitos de cessionário do crédito.
3. Ora, a desistência do pedido declarado pelo exequente no âmbito daquele incidente, veio a ser homologado por douta sentença datada de 15/06/2021, já transitada em julgado.
4. Na verdade, no âmbito do processo 2592/21.1T8OER-A, que correu termos neste Juízo e Tribunal, na sequência de um requerimento executivo instaurado pelos mandatários do exequente, também eles, alegadamente cessionários de “P…”, também estes desistiram do pedido no âmbito do incidente de habilitação de cessionários que correu termos sob o Apenso B do processo n.º 3241/20.0T8OER, tendo sido doutamente decidido em 22/03/2022, que, nos termos do n.º 1 do art.º 285 do CPCivil, que, a embargada, ao desistir do pedido deixou de poder formular novo pedido por efeitos da extinção de crédito invocado o qual se extinguiu com a sentença de homologação da desistência do pedido
5. O mesmo acontece no caso dos presentes autos, ou seja, o exequente desistiu do incidente de habilitação de cessionário que correu termos neste Tribunal e Juiz 1, sob o apenso C do processo n.º 3241/20.0T8OER, e consequentemente o direito de crédito invocado no âmbito dos presentes autos, também ele se extinguiu.
6. Ou seja, não tem razão o exequente quanto ao alegado nos art.ºs 9 e seguintes do seu requerimento, pois, a desistência do pedido “é o negócio unilateral através do qual o autor reconhece a falta de fundamento do pedido formulado. A desistência do pedido representa o reconhecimento pelo autor de que a situação jurídica alegada não existe ou se extinguiu, arrastando consigo a extinção da situação jurídica que pretendia tutelar (art.º 295, n.º 1), ou constitui a situação que o autor negava” (neste sentido, “Prof. Miguel Teixeira de Sousa”, Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 205 e 206).
7. Na verdade, a desistência do pedido no âmbito do Apenso C do Processo n.º 3241/20.0T8OER, fez extinguir o direito que o autor pretendia fazer valer através da ação, tornando inútil o prosseguimento da causa.
8. Portanto, o exequente ao desistir do pedido no âmbito do incidente de habilitação de cessionário, desistiu do direito de crédito que eventualmente detivesse sobre a executada.
9. Por isso, contrariamente ao que alega o exequente, o eventual direito de crédito sobre a executada precludiu, não só, quanto à possibilidade de apresentar novo incidente de habilitação de créditos, mas, também, quanto ao seu direito de reclamar nessa qualidade, qualquer crédito à executada, pois o mesmo extinguiu-se com a desistência do pedido homologado por douta sentença já transitada em julgado.
10. Assim, mantem-se atual a jurisprudência fixada pelo Assento n.º 6/88 do STJ (cfr. Ac. STJ de 15/06/1988, DR. I Série, de 01/08/88), segundo o qual “o desistente do pedido de simples apreciação prescinde do conhecimento do respetivo direito e, por isso, o caso julgado impedi-lo-á de estruturar nele um pedido de condenação”. Extinguindo-se por desistência o pedido, extingue-se também a relação processual, dado o seu carácter instrumental face ao direito substantivo.
11. Ou seja, resulta claramente do normativo inserto no art.º 283, n.º 1 do CPCivil, que «O autor pode, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele, como o réu pode confessar todo ou parte do pedido».
12. Por seu turno, dispõe o art.º 285, n.º 1 do CPCivil que “A desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer
13. E, portanto, a declaração de desistência do pedido no âmbito do incidente de habilitação de cessionário do exequente, não se consubstanciou como o exequente desesperadamente vem defender, APENAS na impossibilidade de instaurar novo incidente, MAS TAMBÉM, extinguiu o direito de crédito que pretendia reclamar à executada.
14. Verifica-se, assim, com a homologação por sentença da desistência do pedido transitada em julgado, a exceção de caso julgado.
15. O trânsito em julgado imprime à decisão carácter definitivo. Uma vez transitada em julgado, a decisão não pode ser alterada. Ao caso julgado está, assim, inerente a ideia de imutabilidade ou de estabilidade. O fim do caso julgado é o de evitar a reprodução ou contradição de uma dada decisão transitada em julgado.
16. A exceção do caso julgado traduz-se em «a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objetivo ou à atuação dos direitos subjetivos privados correspondentes, mas também à paz social» (neste sentido “Prof. Manuel de Andrade”, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, págs. 305-306).
17. O caso julgado, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, e conduz à absolvição da instância (art.º 576.º, n.º 2 do CPCivil)”.
Conclui, no sentido da verificação da excepção de caso julgado e, consequentemente, se determine a sua absolvição do pedido, e a extinção da presente execução.
6 – Por requerimentos de 03/11/2022 e 07/11/2022, veio o Embargado/Exequente juntar aos autos Acórdão proferido por este Tribunal da Relação alegadamente esclarecedor relativamente à questão suscitada, bem como pronunciar-se acerca da resposta apresentada pela Embargante/Executada.
7 – Em 30/11/2022, foi proferido saneador-sentença, no qual foi proferida a seguinte DECISÃO:
Decisão
Pelo exposto, declara-se extinta a execução.
Custas pelo embargado.
Registe e notifique”.
8 – Inconformado com o decidido, o Exequente/Embargado interpôs recurso de apelação, em 20/01/2023, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, o Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que ora se reproduzem, na íntegra):
“a) Vem o presente recurso interposto do despacho do Sr. Juiz a quo que, no supra identificado apenso A da Execução movida pelo ora Apelante (esta com o Proc. nº 2523/21.9T8OER) - ou seja, na oposição por Embargos deduzida pela Executada - declarou extinta a execução, por alegada extinção do direito de crédito de que a Exequente reclama o pagamento coercivo.
b) Ora, tal despacho é, salvo melhor opinião, desde logo, nulo, porque se funda num alegado facto extintivo da obrigação exequenda, que a executada, nos embargos que deduziu não invocou nem sequer por remissão para o requerimento executivo, como era seu ónus, caso subscrevesse (e nunca subscreveu) o entendimento de que a Exequente havia desistido em outra instância executiva do direito substantivo que coercivamente pretende fazer valer nesta instância executiva.
c) É incorrecta a conclusão do despacho sob recurso, quando afirma que o direito de crédito invocado se extinguiu com a sentença de homologação da desistência do pedido, proferida na execução” que correu termos sob o n.º 3241/20.0TBOER”.
d) Não houve qualquer desistência dos autos de execução, mas sim num apenso – o Apenso C do processo de Execução Proc. 3241/20.0TBOER - em que o ora Recorrente requereu a sua habilitação como parcial sucessor do aí exequente, P…, por o crédito constante da sentença, levada pelo primitivo credor à execução contra a devedora, T…, aqui Executada/Embargante, lhe ter sido em parte cedido.
e) Nessa execução, o ora apelante nunca chegou a ser parte, tendo o requerimento de habilitação processual sido deduzido numa execução instaurada pelo primitivo credor num momento em que este já tinha cedido totalmente o seu crédito. Cedeu uma parte ao ora apelante, e outra parte, na mesma data, à B…, RL para pagamento de honorários de advocacia.
f) A execução promovida pelo primitivo credor deu entrada em tribunal em 07/09/2020, sendo que o crédito fora integralmente cedido - parte ao ora apelante, parte a outrém - em 24/06/2020, isto é, a execução foi instaurada por quem já não era credor da executada.
g) Os cessionários, em dois requerimentos de habilitação autónomos, dando origem aos anexos B e C da execução, entenderam, num primeiro momento, que seria possível regularizar a situação processual requerendo a habilitação, nos termos e para os efeitos do artigo 356º do CPC.
h) Esta tentativa de abreviar a cobrança coerciva dos seus créditos, aproveitando a execução pendente foi imediatamente contestada, e bem, pela executada, já que manifestamente a habilitação, ou seja, a tomada da posição do exequente naqueles autos de execução pressupunha a cessão de um direito litigioso, o mesmo é dizer, em momento superveniente à instauração da execução pelo primitivo credor, nos termos do artigo 356º do CPC, e atenta a própria natureza das coisas.
i) Antes que houvesse decisão, inevitavelmente desfavorável à sua pretensão de habilitação, os requerentes decidiram optar pela desistência da instância, sobre a qual a executada não se pronunciou, certamente porque entendeu que já se pronunciara esclarecedoramente na contestação do incidente.
j) Para obviar a mais delongas, os habilitandos, porque, em boa verdade, não pretendiam – nem isso faria sentido! - reformular naquela execução o pedido de intervenção processual que erradamente haviam feito, e porque a instância declarativa do apenso não era jamais regularizável em seu proveito, decidiram “retirar o pedido” de habilitação à posição de exequentes naqueles autos, desistindo do mesmo.
k) Para que não restassem dúvidas sobre o alcance da declaração de desistência que apresentou, o ora apelante - no contexto acabado de explicitar – fê-lo nos termos literalmente transcritos no ponto 14.º das Alegações, donde resulta claríssima a vontade de desistir tão só do pedido de habilitação naqueles autos, que sempre seria votado ao insucesso, e de fazer valer o seu direito substantivo em execução autónoma, como desde o início deveria ter feito.
l) Foi esta declaração que foi homologada pelo Mmo. Juiz, nos seus precisos termos (artigo 290º, nº 3, do CPC), obviamente após atentamente examinada pelo tribunal (mesmo preceito), mas também pela parte contrária – a requerida no pedido de habilitação -, notificada que foi do seu conteúdo.
m) Nem o tribunal, nem a parte contrária, nem obviamente o ora Apelante, viram no texto homologado uma declaração de vontade do desistente de “renunciar” ao crédito que lhe fora cedido. Nem obviamente isso poderia fazer qualquer sentido, atenta a expressa afirmação em contrário do autor da declaração de desistência, no documento enviado ao tribunal, que os seus destinatários não podiam deixar de ter entendido perfeitamente.
n) Tal interpretação da declaração de desistência em apreço foi inequivocamente mantida pela Embargante/Executada nos embargos sub judice, já que, na petição de embargos, entre os vários fundamentos que aduz para pôr em causa a regularidade e a procedência do pedido executivo, não está nenhuma invocação do alegado facto extintivo da obrigação exequenda, que o Sr. Juiz a quo pretende ver na desistência do pedido de habilitação que fora homologado pelo Juiz competente, nos termos expostos.
o) Cabe ao executado, nos embargos, o ónus de alegar os factos que considere extintivos da obrigação exequenda, nos termos e para os efeitos do artigo 729º do CPC, requerendo, com esse fundamento, entre outros que considere verificados, a procedência dos embargos. Não compete ao Juiz substituir-se ao executado no cumprimento desse ónus.
p) Ao fazê-lo, o Sr. Juiz a quo foi além do que a lei lhe permite, violando, assim, salvo melhor opinião, o disposto no artigo 615º, nº 1, als. d) e e) do CPC, aplicável ex vi do artigo 613 , nº 3, do mesmo diploma, e tornando nulo o seu despacho, que, assim, desde logo por este motivo, entendemos que deverá ser revogado.
q) Mesmo que se entenda que o Sr. Juiz a quo poderia ter procedido à invocação do fundamento de extinção da execução nos embargos da forma que o fez, sem que a embargante suscitasse a questão, hipótese que só por mera cautela de patrocínio se admite, ainda assim, entendemos decisivamente que o despacho sub judice não tem sustentação nos factos em que se louva, atento o direito aplicável.
r) É incompreensível que o Sr. Juiz a quo sustente que o disposto no nº 2 do artigo 285º do CPC implica, no caso concreto de que trata o seu despacho, a extinção da obrigação exequenda, em face da claríssima afirmação de vontade em sentido inverso, expressa na declaração de desistência do ora apelante nos autos de habilitação.
s) O pedido de habilitação dado sem efeito pela desistência operada ocorreu num processo declarativo instrumental, pela sua própria natureza e objecto, que se não se pode confundir com o pedido executivo.
t) A execução a que foi apensado configura-se como res inter alios, para a requerente da habilitação processual. Enquanto não fosse decidido favoravelmente o incidente declarativo, o requerente estava “a bater à porta” da instância executiva. Como nunca lá chegou a entrar, nunca poderia ter desistido do pedido executivo, com a declaração que fez.
u) O direito que precludiu foi o de o requerente da habilitação formular novo pedido com o mesmo conteúdo naqueles autos. Mas não precludiu qualquer outro!
v) Tendo explicitado o alcance da desistência de forma tão clara, em sentido contrário ao propugnado pelo despacho sob recurso, se o Mmo. Juiz que procedeu à homologação da desistência tivesse tido o mesmo entendimento do Sr. Juiz a quo, nunca poderia ter procedido à homologação, pela simples razão de que o desistente estaria, ao mesmo tempo, e no mesmo documento escrito, a expressar a vontade de desistir do direito substantivo e o seu contrário.
w) Assim, o sentido com que a declaração foi homologada só pode ter sido o que cristalinamente dela resulta, e foi essa sentença de homologação, com esse alcance, que transitou em julgado.
x) Carece, assim, de fundamento, pelos motivos expostos, a afirmação feita pelo Sr. Juiz a quo no seu despacho sob recurso, de que ocorreu a causa extintiva da obrigação que invoca para declarar extinta a execução.
y) Ao fazê-lo, o despacho em apreço - caso, por hipótese, se não considere nulo pelas razões primeiro aduzidas - sempre viola, por erro de interpretação e aplicação, o artigo 285º do CPC, bem como o artigo 290º, nº 3, do mesmo diploma, que consagra o Juiz como garante do controle da legalidade e validade da desistência, que tem que surgir para o tribunal como acto perceptível e de sentido unívoco.
z) Questão exactamente idêntica à decisão que ora se recorre, foi suscitada pelo mesmo Juiz a quo no processo executivo apresentado pela B…, RL contra a ora Executada que corre termos sob o n.º 2592/21.1T8OER-A.L1, tendo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, datado de 27.10.2022 e relatado por Paulo Fernandes da Silva, sido esclarecedor no sentido da execução prosseguir porque em nenhuma momento se poderá entender que a Exequente pretendeu desistir do pedido”.
Conclui, no sentido da revogação da decisão, “seja pela nulidade invocada, seja por falta de fundamento legal, com a consequência de a execução e os apensos existentes retomarem os seus termos, por nada justificar a decisão de extinção da execução”.
9 – A Recorrida/Embargante não apresentou contra-alegações.
10 – O recurso foi admitido por despacho datado de 06/03/2023, como apelação, a subir nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
11 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.

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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do art.º 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do art.º 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pelo Recorrente Embargado/Exequente, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se, fundamentalmente, no seguinte:
a) Da NULIDADE do DESPACHO RECORRIDO, por verificação da causa inscrita no art.º 615º, nº. 1, alíneas d) e e), ex vi do nº. 3, do art.º 613º, ambos do Cód. de processo Civil;
b)  No âmbito do ENQUADRAMENTO JURÍDICO, da inexistência do facto extintivo do direito de crédito exequendo.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade ponderável é a que resulta do relatório enunciado, à qual, ao abrigo do disposto no nº. 4, do art.º 607º, ex vi do nº. 2, do art.º 663º, ambos do Cód. de Processo Civil, em virtude de se mostrar com relevância para o conhecimento da questão em controvérsia, se adita a seguinte:

A) Em 09/10/2020, J…, instaurou, por apenso ao processo nº. 589/06.0TBCSC.1 (posteriormente distribuído ao Juízo de Execução de Oeiras, onde passou a tramitar sob o nº. 3241/20.0T8OER), Habilitação de Adquirente ou Cessionário, apresentando requerimento no qual alegou o seguinte:
1. Em 24 de Julho de 2020, foi celebrado um contrato de cessão de créditos, entre P…, na qualidade de Cedente e, J…, na qualidade de Cessionário, - Conforme documento que ora se junta como Documento 1 e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
2. Contrato em que foi transmitido o crédito parcial de tornas que o cedente detém sobre a executada.
3. Como negócio jurídico contratual a cessão de créditos é válida e eficaz entre as partes independentemente da sua eficácia em relação à devedora.
4. A validade da cessão depende da inexistência de vício formal ou substancial e a sua eficácia entre os contraentes é imediata, a menos que estes tenham estipulado em contrário.
5. Porém, a lei faz depender a eficácia da cessão em relação à devedora do conhecimento que esta tenha de que o crédito foi cedido, embora não imponha como condição para a eficácia, a autorização da devedora, impondo sim, como regra geral, que ela já saiba que o seu credor cedeu o crédito a outrem.
6. Do art.º 583° do Código Civil resulta que o que torna a cessão eficaz em relação à devedora é o facto de esta a conhecer e esse conhecimento pode revelar-se de várias maneiras entre as quais a notificação efectuada por um dos contraentes da cessão.
7. Nesse sentido, o cessionário enviou carta com A/R ( em 04.08.2020 ), dirigida para a residência da Devedora Cedida, datada de 03.08.2020 (cfr. folha n° 3 do documento 1 e documentos 2 e 3, que se juntam e se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais ).
8. A qual, apesar de depositada nos CTT, não foi por aquela levantada, conforme se pode constatar através do site dos CTT, digitando no lugar próprio o código constante dos impressos de registo.
9. Gorada a tentativa de notificação extra-judicial da Devedora Cedida, com o propósito supra referido, foi efectuada, no dia 26.08.2020, pelas 19h30, a notificação pessoal da Devedora Cedida, através do Agente de Execução Francisco Pina Patuleia, tendo aquela recusado receber a nota de notificação e dos documentos que esta capeava, conforme Observações na primeira folha do Doc. 1: "A notificanda encontrava-se na esplanada do restaurante Cantinho da Guia, sito no R/C do prédio onde habita. Declarou não querer receber a notificação, após telefonema à sua Advogada e que não aceitava a cessão de créditos".
10. Embora seja entendimento da jurisprudência dominante de que a recusa no recebimento da nota de notificação do Agente de Execução e dos documentos que esta capeava, equivale a notificação, à cautela o Cedente enviou em 01.09.2020 ao Proc. 589/06.0TBCSC — C — Inventário/ Partilha de Bens em Casos Especiais, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste- Juízo de Família e Menores de Cascais- Juiz 1, requerimento (Doc. 4) a solicitar a notificação da Devedora Cedida, acompanhado do contrato de cessão de créditos, com a advertência de que deverá liquidar o correspondente crédito à Cessionária.
11. Notificação que, em última instância, sempre ocorrerá com a notificação do requerimento inicial de Habilitação e respectivos documentos juntos aos autos, sendo irrelevante que a Executada venha alegar não tenha dela tido anterior conhecimento ou dado o seu consentimento.
12. Neste sentido, veja-se o acórdão do supremo tribunal de justiça SJ200406030008152, in www.dqsi.bt, de 03/06/2004: "A notificação ao devedor ( prevista no art. 583° do C.C. ) de que o seu credor cedeu o crédito a outrem pode ser feita através da citação para a acção proposta pelo credor-cessionário contra o devedor....";
Conclui, no sentido de se julgar o “Requerente J…, devidamente habilitado, em substituição do anterior Credor/Exequente P…, devendo para tanto, nos termos dos arts. 263° e 356° do C.P.C., mandar notificar a parte  contrária para contestar”.

B) Tal processo veio a assumir o nº. 3241/20.0T8OER-C, no âmbito do qual, em 13/05/2021, o Requerente Habilitando J... apresentou requerimento com o seguinte teor:
J…, habilitando nos autos à margem identificados, na sequência da sua declaração de desistência da instância relativa à pretensão de habilitação por sucessão inter vivos na parte do direito de crédito do exequente que lhe fora cedido por contrato de cessão de créditos de 24 de Julho de 2020 , conforme documento junto aos autos, e dado que a requerida/executada ainda se não pronunciou a propósito, vem , nos termos e para os efeitos do n.° 2 do art.º 286.º do CPC, dar sem efeito o seu requerimento com a Refa: 38774635, e declarar a desistência do pedido de habilitação formulado, pondo, assim, termo à sua pretensão de fazer valer os seus direitos de cessionário do crédito, no âmbito da acção executiva a que foi apenso o incidente de habilitação.
Reserva-se naturalmente o ora desistente o direito de requerer ao Tribunal as providências executivas adequadas para operar o pagamento coercivo do seu crédito, em processo executivo próprio, não estando, por isso, em causa a preclusão do direito substantivo do requerente, mas tão só a opção processual pela habilitação nesta instância executiva.
Atento o exposto, requer-se a V. Exa. a homologação desta desistência por sentença, nos seus precisos termos, conforme o disposto no n° 3 do artigo 290° CPC”.
C) Nessa sequência, foi proferida, em 15/06/2021, a seguinte SENTENÇA:
“Nestes autos de habilitação de cessionário instaurados por J…, veio este desistir do pedido.
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O tribunal é competente. As partes têm personalidade e capacidadejudiciária, bem como legitimidade.
Não há excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.
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A desistência não importou afirmação de vontade relativamente a direitos indisponíveis.
Assim, considerando o seu objecto e a qualidade dos intervenientes, declaro, nos termos do art.º 290°, n° 1, 283°, 1, 285°, 1, e 286°,2, do Cód. Proc. Civil, válida a desistência, e como tal declaro extintos os presentes autos de habilitação de cessionário.
Custas pelo desistente,— art.º 537º, nº 1, CPC
Notifique e registe”.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
                    
I) DA NULIDADE DE SENTENÇA POR EXCESSO DE PRONÚNCIA e POR CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO, nos quadros do art.º 615º, nº. 1, alíneas d) e e), do Cód. de Processo Civil

Invoca o Apelante que o despacho recorrido é, desde logo, nulo, “porque se funda num alegado facto extintivo da obrigação exequenda, que a executada, nos embargos que deduziu não invocou nem sequer por remissão para o requerimento executivo, como era seu ónus, caso subscrevesse (e nunca subscreveu) o entendimento de que a Exequente havia desistido em outra instância executiva do direito substantivo que coercivamente pretende fazer valer nesta instância executiva”.
Assim, é incorrecta a conclusão inserta no despacho sob recurso, “quando afirma que o direito de crédito invocado se extinguiu com a sentença de homologação da desistência do pedido, proferida na execução” que correu termos sob o n.º 3241/20.0TBOER”, pois não existiu “qualquer desistência dos autos de execução, mas sim num apenso – o Apenso C do processo de Execução Proc. 3241/20.0TBOER - em que o ora Recorrente requereu a sua habilitação como parcial sucessor do aí exequente, P…, por o crédito constante da sentença, levada pelo primitivo credor à execução contra a devedora, T…, aqui Executada/Embargante, lhe ter sido em parte cedido”.
Ademais, “para que não restassem dúvidas sobre o alcance da declaração de desistência que apresentou, o ora apelante - no contexto acabado de explicitar – fê-lo nos termos literalmente transcritos no ponto 14.º das Alegações, donde resulta claríssima a vontade de desistir tão só do pedido de habilitação naqueles autos, que sempre seria votado ao insucesso, e de fazer valer o seu direito substantivo em execução autónoma, como desde o início deveria ter feito”.
E, aduz, foi esta declaração “que foi homologada pelo Mmo. Juiz, nos seus precisos termos (artigo 290º, nº 3, do CPC), obviamente após atentamente examinada pelo tribunal (mesmo preceito), mas também pela parte contrária – a requerida no pedido de habilitação -, notificada que foi do seu conteúdo”.
Donde, “nem o tribunal, nem a parte contrária, nem obviamente o ora Apelante, viram no texto homologado uma declaração de vontade do desistente de “renunciar” ao crédito que lhe fora cedido. Nem obviamente isso poderia fazer qualquer sentido, atenta a expressa afirmação em contrário do autor da declaração de desistência, no documento enviado ao tribunal, que os seus destinatários não podiam deixar de ter entendido perfeitamente”.
Ora, tal interpretação da declaração de desistência “foi inequivocamente mantida pela Embargante/Executada nos embargos sub judice, já que, na petição de embargos, entre os vários fundamentos que aduz para pôr em causa a regularidade e a procedência do pedido executivo, não está nenhuma invocação do alegado facto extintivo da obrigação exequenda, que o Sr. Juiz a quo pretende ver na desistência do pedido de habilitação que fora homologado pelo Juiz competente, nos termos expostos”.
Com efeito, “cabe ao executado, nos embargos, o ónus de alegar os factos que considere extintivos da obrigação exequenda, nos termos e para os efeitos do artigo 729º do CPC, requerendo, com esse fundamento, entre outros que considere verificados, a procedência dos embargos”, sendo certo que “não compete ao Juiz substituir-se ao executado no cumprimento desse ónus”.
Donde, ao fazê-lo, “o Sr. Juiz a quo foi além do que a lei lhe permite, violando, assim, salvo melhor opinião, o disposto no artigo 615º, nº 1, als. d) e e) do CPC, aplicável ex vi do artigo 613 , nº 3, do mesmo diploma, e tornando nulo o seu despacho, que, assim, desde logo por este motivo, entendemos que deverá ser revogado”.

Apreciemos:

Enunciando as causas de nulidade da sentença, prescrevem as alíneas d) e e), do nº. 1, do art.º 615º, ser “nula a sentença quando:
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (sublinhado nosso).
 Por sua vez, o n.º 2, do art.º 608º, prevendo acerca das questões a resolver e sua ordem, referencia que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Por sua vez, estipulando acerca dos limites da condenação, referencia o nº. 1, do art.º 609º, igualmente do Cód. de Processo Civil, que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.

No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)” [2] [3].
Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades” [4].
A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.
A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” [5].

As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”.
Como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, sendo o segundo atinente ao excesso de pronúncia
Neste, em correspondência com o citado 2º segmento, do nº. 2 do art.º 608º, “encontra-se vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de excepções que não sejam do seu conhecimento oficioso” [6].
No excesso de pronúncia, e a nulidade daí resultante de excesso de pronúncia de facto, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [7], “não é de conhecimento oficioso, só podendo o tribunal que proferiu a decisão anular (parcialmente) a sentença com esse fundamento, sobre requerimento da parte (art.º 196º).
Embora este vício seja impressivo, por representar uma ostensiva violação do matricial princípio dispositivo, é por esta mesma razão que não se justifica o seu conhecimento oficioso. Se o vencido renuncia a invocar a inadmissibilidade da pronúncia sobre o facto essencial – o que está na sua disponibilidade (art.º 264º) -, sujeita-se á sua consideração pelo tribunal ad quem na base factual do julgamento de direito”.

Na pronúncia ultra petitum enunciada na transcrita alínea e), do nº. 1, do art.º 615º, ocorre violação do “princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância”, ao não serem observados “os limites impostos pelo art.º 609-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido” [8].
Não pode, deste modo, o juiz, “ultrapassar na sentença os limites do pedido (ou dos pedidos deduzidos), em violação do princípio dispositivo. É que lhe impõe o nº. 1 do art.º 609º; a condenação em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido, ex-vi da al. e) do nº. 1 do art.º 615º”.
Assim, não pode o juiz, “sob pena de nulidade, condenar ultra-petitum, ou seja, em quantidade superior ou em objecto (qualidade) diversos dos constantes do pedido”, sendo exemplo de condenação em objecto diverso o caso do “autor pedir a restituição da coisa comodatada e a sentença condenar o réu a entregar-lhe uma outra coisa em substituição daquela ou a prestar um outro facto que não o da entrega da coisa”. Bem como o exemplo de que “tendo o autor pedido o reconhecimento do seu direito de propriedade por ter adquirido, por compra, certo prédio, não pode o juiz, na sentença, reconhecer esse direito com fundamento em que o ter adquirido por sucessão, ainda que os factos em que se baseie tenham sido alegados, a outro título, no processo” [9].
Ora, este “balizamento cognitivo (…) é operado pelo objeto do processo (pedido e causa de pedir) tal como definido (a título principal) pelo autor na petição inicial”.
O mesmo autor, sustentado no entendimento de Miguel Mesquita [10], advoga, no que á presente causa de nulidade concerne, o que apelida de “flexibilização do princípio do pedido”, tendo por base a necessidade de ponderação “do princípio da efectividade (eficiência/eficácia)”, bem como tendo “sempre presente o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes da justa medida e da proibição do excesso”.
Tal adopção determina que “seja de reconhecer ao juiz a faculdade de «sugerir (ex-officio) uma modificação do pedido» e em que, por tal, «o princípio do pedido deva ser suavizado ou mitigado» quando o autor requeira unicamente certa providência que os factos alegados e provados demonstrem revestir-se de um carácter demasiado drástico ou oneroso”.
Ora, um dos campos de intervenção do julgador situa-se ao nível dos “poderes/deveres do juiz com vista ao aperfeiçoamento dos articulados (art.º 591º, nº. 1, al. c)) ou mesmo os seus poderes instrutórios dimanados do princípio do inquisitório (art.º 411º)”.
Todavia, conclui-se, “«qualquer desvio, na sentença, relativamente ao pedido exigirá sempre o prévio respeito pelos princípios da cooperação, do contraditório e do dispositivo e da igualdade das partes»”, devendo sempre o tribunal “«trabalhar com base nos factos alegados, não abrindo a porta a novos factos sob pena de violação do princípio do dispositivo»” [11] [12].
Deste modo, “o juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes”.
Pelo que “não pode condenar em objecto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa ; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto ; se o pedido respeita á entrega duma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu ; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo)” [13].

Ora, no caso concreto, entendeu a decisão apelada ter ocorrido “extinção do direito de crédito invocado” na execução, em virtude de ter considerado que a desistência do pedido apresentada no âmbito do apenso de habilitação de cessionário, no qual, alegadamente, o mesmo exequente/embargado já havia pretendido exercer o seu direito de crédito, já havia operado aquela extinção através da sentença homologatória da desistência do pedido.
Ora, conforme se referenciou em douto aresto desta mesma Relação e Secção – Processo nº. 2592/21.1T8OER-A.L1, Relator: Paulo Fernandes da Silva, citado e junto pelo Recorrente e cuja publicação desconhecemos -, em situação com total semelhança à presente, deve-se “entender que a declarada extinção da execução constante da decisão recorrida assenta na autoridade do caso julgado: foi em virtude da prolação da referida sentença homologatória proferida nos autos de habilitação de cessionário, entretanto transitada em julgado, que o Tribunal recorrido declarou «extinta a execução».
Ora, o caso julgado constitui uma exceção dilatório de conhecimento oficioso, conforme artigos 577.º, alínea i), e 578.º, ambos do CPCivil, e, relativamente à ação executiva, artigos 726.º, n.º 2, alínea b), e 734.º, n.º 1, do mesmo CPCivil.
Nestes termos, considerando a apontada natureza oficiosa da matéria em causa, não pode concluir-se que o Tribunal recorrido conheceu de questão que não podia conhecer e, pois, que houve excesso de pronúncia da sua parte, como pretende a Recorrente”.
Por outro lado, no que respeita ao aludido enquadramento no vício inscrito na alínea e), resulta evidente e apodítico inexistir qualquer condenação (que nem sequer se equaciona) que extravase o quantum do pedido deduzido, ou que tenha incidido sobre objecto diferenciado do contido no mesmo pedido.
Pelo que, não se pode aludir, com razão, que a decisão apelada tenha conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento ou que o Tribunal a quo, na decisão sob sindicância, tenha conhecido de questão ou objecto diferenciado do pedido.
O que determina, sem ulteriores delongas, concluir-se no sentido da decisão recorrida não estar maculada pelas apontadas causas de nulidade, com legal inscrição nas alíneas d) e e), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, assim improcedendo a sua invocação e, consequentemente, a inviabilidade das conclusões recursórias apresentadas.


II) DA INEXISTÊNCIA do FACTO EXTINTIVO do DIREITO de CRÉDITO EXEQUENDO


A decisão sob sindicância referenciou, em súmula, o seguinte:
- O Embargado /Exequente já pretendeu exercer o seu direito de crédito, num outro processo executivo, através do incidente de habilitação;
- Sendo que, neste processo, requereu a desistência do pedido, que foi homologada por sentença;
- Atento o disposto no nº. 1, do art.º 285º, do Cód. de Processo Civil, não pode pretender que, ao desistir do pedido, pretendia apenas desistir da instância incidental (de habilitação de cessionário);
- O Embargado/Exequente deixou de poder formular novo pedido de habilitação nessa instância;
- O que sucede não por efeito da desistência da instância (que sempre permitiria a renovação do pedido de habilitação);
- Mas sim por efeito da extinção do direito de crédito invocado com a sentença de homologação da desistência do pedido, proferida na execução;
- O que determina a extinção da execução, e consequente prejudicialidade no conhecimento das excepções de nulidade da cessão e compensação.

Em aditamento ao já supra exposto aquando da invocação das nulidades da decisão, o Apelante, referencia, ainda e em resumo, que:
- resulta de todo incompreensível que a decisão apelada “sustente que o disposto no nº 2 do artigo 285º do CPC implica, no caso concreto de que trata o seu despacho, a extinção da obrigação exequenda, em face da claríssima afirmação de vontade em sentido inverso, expressa na declaração de desistência do ora apelante nos autos de habilitação”;
- com efeito, o pedido de habilitação dado sem efeito pela desistência operada “ocorreu num processo declarativo instrumental, pela sua própria natureza e objecto, que se não se pode confundir com o pedido executivo”;
- ou seja, a execução à qual foi apensada o incidente de habilitação “configura-se como res inter alios, para a requerente da habilitação processual. Enquanto não fosse decidido favoravelmente o incidente declarativo, o requerente estava “a bater à porta” da instância executiva. Como nunca lá chegou a entrar, nunca poderia ter desistido do pedido executivo, com a declaração que fez”;
- pelo que o único direito que precludiu “foi o de o requerente da habilitação formular novo pedido com o mesmo conteúdo naqueles autos”, e não qualquer outro;
- acresce que tendo o ora Apelante, naqueles autos, “explicitado o alcance da desistência de forma tão clara, em sentido contrário ao propugnado pelo despacho sob recurso, se o Mmo. Juiz que procedeu à homologação da desistência tivesse tido o mesmo entendimento do Sr. Juiz a quo, nunca poderia ter procedido à homologação, pela simples razão de que o desistente estaria, ao mesmo tempo, e no mesmo documento escrito, a expressar a vontade de desistir do direito substantivo e o seu contrário”;
- desta forma, carece de fundamento o referenciado no despacho recorrido no sentido de ter ocorrido “causa extintiva da obrigação que invoca para declarar extinta a execução”;
- existindo, assim, “erro de interpretação e aplicação, o artigo 285º do CPC, bem como o artigo 290º, nº 3, do mesmo diploma, que consagra o Juiz como garante do controle da legalidade e validade da desistência, que tem que surgir para o tribunal como acto perceptível e de sentido unívoco”.

Vejamos.

A instância “inicia-se pela proposição da ação” e, citado o réu, “deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei” – artigos 259º, nº. 1 e 260º, ambos do Cód. de Processo Civil.
Uma das causas da sua extinção é “a desistência”, sendo que “a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer”, enquanto que a “desistência da instância apenas faz cessar o processo que se instaurara” – artigos 277º, alín. d) e 285º, do mesmo diploma.
Em ambas as situações de desistência ocorre extinção da instância, evidenciando-se, todavia, que “o princípio é de que a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer. E, logicamente, visto que tal desistência envolve, com a renúncia à pretensão enunciada, o reconhecimento de que não lhe assiste o direito invocado”.
Por seu lado, a desistência da instância “apenas faz cessar o processo que se instaurara”, enquanto que “a relação material controvertida permanece íntegra” – Ary de Almeida Elias da Costa e outros, Código de Processo Civil Anotado e Comentado, 3º Volume, Almedina, Coimbra, 1974, pág. 621 e 622.
Nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa – Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, pág. 332 e 333 -, “a desistência do pedido tem o mesmo efeito que teria uma sentença desfavorável ao autor, formando a sentença homologatório caso julgado material impeditivo da invocação do mesmo direito noutra ação entre os mesmos sujeitos. (…..).
A desistência de instância produz apenas efeitos relativos, ao nível da extinção da instância, sem obstar a que o autor intente outra ação com o mesmo objeto e contra o mesmo sujeito, embora não lhe possam aproveitar os efeitos produzidos pela instauração da primeira ou pela citação do réu no campo da caducidade e da prescrição, atento o disposto no art.º 372º, n.º 1, do CC. O mesmo se diga quanto aos demais efeitos civis a que se reporta o art.º 279°, n.º 2, do CPC”.
Evidencia-se, deste modo, de forma clara serem diferenciados e distintos os efeitos decorrentes da desistência da instância e da desistência do pedido, pois, enquanto neste é o próprio direito material que decessa ou se extingue, naquela a extinção limita-se ou baliza-se aos autos onde a mesma é apresentada.

Conforme enunciado, prevendo o art.º 260º, do CPC, o princípio da estabilidade da instância, acrescenta a alínea a), do art.º 262º, relativa às modificações subjectivas, que “a instância pode modificar-se quanto às pessoas: em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por ato entre vivos, na relação substantiva em litígio”.
Estipula o normativo seguinte – 263º -, nos seus nºs. 1 e 2, no que concerne à legitimidade do transmitente – substituição deste pelo adquirente, que:
 “1 – no caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.
2 – A substituição é admitida quando a parte contrária esteja de acordo e, na falta de acordo, só deve recusar-se a substituição quando se entenda que a transmissão foi efectuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária”.
A habilitação do adquirente ou cessionário encontra-se, por sua vez, prevista formalmente através de incidente próprio, regulado no art.º 356º, o qual dispõe que:
“1 - A habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio, para com ele seguir a causa, faz-se nos termos seguintes:
a) Lavrado no processo o termo da cessão ou junto ao requerimento de habilitação, que é autuado por apenso, o título da aquisição ou da cessão, é notificada a parte contrária para contestar; na contestação pode o notificado impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo;
b) Se houver contestação, o requerente pode responder-lhe e em seguida, produzidas as provas necessárias, é proferida decisão; na falta de contestação, verifica-se se o documento prova a aquisição ou a cessão e, no caso afirmativo, declara-se habilitado o adquirente ou cessionário.
2 - A habilitação pode ser promovida pelo transmitente ou cedente, pelo adquirente ou cessionário, ou pela parte contrária; neste caso, aplica-se o disposto no número anterior, com as adaptações necessárias”.
Como excepção ao enunciado princípio da estabilidade da instância, o incidente de habilitação destina-se, fundamentalmente, “a comprovar a aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou de um complexo de direitos ou de situações jurídicas, pode ser feita por via notarial ou por via judicial, isto é, através de escritura pública (habilitação notarial) ou no âmbito de um processo judicial (habilitação judicial)”.
Sendo dois os tipos da habilitação-incidente (em contraposição à habilitação-acção e habilitação-legitimidade), traduzida na habilitação por sucessão mortis causa e por sucessão inter-vivos, esta tem natureza facultativa [14] e encontra-se plasmada no transcrito art.º 356º, “não gerando ipso jure a suspensão da instância, uma vez que o transmitente ou cedente continua a deter legitimidade para a causa até à habilitação do adquirente ou cessionário (art.º 263º, nº. 1)”.

In casu, a desistência da instância, e posteriormente do pedido, apresentada por J… nos autos de habilitação de cessionário, onde figurava como habilitando, reportava-se efectivamente a tal instância incidental, na qual havia formulado pedido no sentido de ser julgado devidamente habilitado, em substituição do anterior credor/exequente P….
Ou seja, a pretensão que o requerente habilitando aí havia exercido correspondia a petitório de substituição processual, a operar nos quadros do art.º 356º, do Cód. de Processo Civil, relativamente a direito em litígio, na pendência de processo de execução que havia sido instaurado pelo alegado cedente/transmitente.
Donde, adiantamos desde já, a desistência do pedido apresentada, por quem figurava como habilitando (e não habilitado, inexistindo ainda decisão acerca da pretensão afirmada), apenas poderia ter o efeito extintivo do direito que era reclamado ou exercido, isto é, o direito de, naquela instância executiva, ser declarado, mediante habilitação, como cessionário.
Não devendo, assim, considerar-se que tal desistência do pedido tivesse a capacidade ou potencialidade de afectar o direito de crédito executivo que era discutido na acção principal, e que não constituía o objecto controvertido em apreciação naquele incidente de instância.
Tal conclusão logra, ainda, suportar-se em dois outros distintos argumentos: um de natureza geral e outro de natureza particular.
Por um lado, no que ao primeiro concerne, admitir que um habilitando a cessionário pudesse, ainda nessa qualidade e sem que tivesse sido apreciada a (im)procedência da pretensão e declarado como cessionário, dispor do direito em litígio na acção principal, contrariaria todas as regras legalmente prescritas, pois estar-se-ia a legitimar que um terceiro pudesse, de motu próprio, operar a extinção do direito de crédito invocado na acção executiva principal.
Com a evidente agravante deste terceiro nunca poder vir a ser declarado como habilitado cessionário, o que significaria o reconhecimento da sua disponibilidade perante o direito de outrem, ou seja, do direito afirmado pelo credor/exequente. O que é destituído de todo o sentido.
Por outro lado, no que ao segundo argumento concerne, o Requerente habilitando, ora Embargado/Exequente, na desistência do pedido apresentada, foi clarividente e enfático, declarando a pretensão de “desistência do pedido de habilitação formulado” e que assim colocava “termo à sua pretensão de fazer valer os seus direitos de cessionário do crédito, no âmbito da acção executiva a que foi apenso o incidente de habilitação”.    
Tendo, ainda, o cuidado de ressalvar (parecendo antecipar futuro entendimento divergente) que se reservava do “direito de requerer ao Tribunal as providências executivas adequadas para operar o pagamento coercivo do seu crédito, em processo executivo próprio”, pelo que não estava “em causa a preclusão do direito substantivo do requerente, mas tão só a opção processual pela habilitação nesta instância executiva”.
Pelo que, perante tal expressa limitação e circunscrito balizamento da desistência apresentada, aceitar que a sentença homologatória tivesse o alcance defendido na decisão recorrida, seria, como bem enfatiza o Recorrente, aceitar “que o desistente estaria, ao mesmo tempo, e no mesmo documento escrito, a expressar a vontade de desistir do direito substantivo e o seu contrário”, o que sempre deveria inviabilizar qualquer juízo homologatório.

Aqui chegados, analisemos, ainda, o entendimento jurisprudencial (parte dos arestos são referenciados nas alegações recursórias, em reprodução do já indicado pelo Embargado aquando da provocada pronúncia escrita acerca da existência de caso julgado formado pela sentença homologatória do pedido de desistência no enunciado processo de habilitação de cessionário).
Sumariou-se no Acórdão da RG de 21/06/2018 – Processo nº. 7153/15.1T8GMR-B.G1, Relatora: Maria Cristina Cerdeira, in www.dgsi.pt – que o incidente de habilitação de adquirente ou cessionário “visa, apenas, produzir modificação nos sujeitos da lide, apenas produzindo efeitos de natureza meramente processual, ao nível das partes que se defrontam na lide, sem interferir com a discussão do direito que constitui o objecto da causa, tal como é configurado pelo pedido e pela causa de pedir.
II) - Deste modo, estando pendente uma acção, mostra-se indiferente à decisão do incidente de habilitação de adquirente ou cessionário o facto de, nessa acção, já ter sido proferida sentença, sendo certo que o habilitado, sucedendo na posição processual do transmitente ou do cedente, passa a exercer os mesmos direitos e fica sujeito ao cumprimento das mesmas obrigações processuais que àquele competiam, sem interferir com o objecto da causa” (sublinhado nosso).
Defendeu-se no Acórdão desta Relação e Secção de 05/07/2018 – Processo nº. 26902/13.6T2SNT.L1-2, Relatora: Maria José Mouro, in www.dgsi.pt -, após citação de Salvador da Costa, que “tendo os incidentes de habilitação que constituem os apensos C e D ao processo de inventário efeitos de natureza meramente processual, as decisões que neles foram proferidas não valem nestes autos de acção declarativa.
Obviamente que a decisão que pôs fim ao apenso C aos autos de inventário supra referidos, considerada a verificação da impossibilidade superveniente da lide, apenas poderia constituir caso julgado formal, tendo um valor intraprocessual.
Mas também a decisão que no apenso D declarou os requerentes (…) habilitados para na qualidade de adquirentes do quinhão hereditário da interessada MM...... e no seu lugar prosseguirem os ulteriores termos do processo de inventário, constitui tão só caso julgado formal uma vez que recaiu unicamente sobre a relação processual, não havendo decidido sobre o mérito de uma causa. A decisão proferida nesse incidente não produz efeitos fora do processo de inventário, não se impondo nestes autos de acção declarativa.
Não se verifica o supra referido efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção – excepção de caso julgado - desde logo porque não teve lugar uma primeira acção sobre a controversa questão” (sublinhado nosso).
No Acórdão da RE de 07/11/2019 – Processo nº. 1898/18.1T8PTM-E1, Relator: Mário Silva, in www.dgsi.pt -, citando-se Salvador da Costa - Incidentes da Instância, 2013, 6ª edição, Almedina, p. 217 -, referencia-se que “o transmitente, alienada a coisa objeto do litígio, embora já sem interesse na ação, por ter deixado de ser o sujeito ativo da relação substantiva, continua a ter legitimidade ad causam até ao seu termo, configurando-se a sua posição como a de substituto processual do adquirente até que ocorra a sua habilitação.
Todavia, importa ter em conta que este incidente visa a modificação dos sujeitos na lide, pelo que os seus efeitos são de natureza meramente processual, ou seja, não comporta a discussão e decisão sobre o direito que constitui o próprio objeto da causa” (sublinhado nosso).
Acrescenta, citando aresto da RG de 24/04/2019 – Processo nº. 4490/16.1T8GMR-A.G1, Relator: José Alberto Moreira Dias -, que “«atentas as finalidades prosseguidas pelo incidente de habilitação, que como se disse, se reconduzem a efeitos meramente processuais, na medida em que visa tão-somente, produzir a modificação subjetiva dos sujeitos em determinada lide pendente, sem interferir com a discussão do direito que constitui o objeto daquela, tal como é configurado pelo pedido e causa de pedir», não comportando, por isso, a discussão e decisão sobre o direito que constitui o próprio objeto da causa, estando, aliás, os habilitados por sentença transitada em julgado, obrigados a aceitar a causa no estado em que esta se encontrar” (sublinhado nosso).
Tal entendimento é igualmente acolhido no aresto da RP de 08/11/2021 – Processo nº. 13775/18.1T8PRT-B.P1, in www.dgsi.pt -, no qual se consignou que “a admissibilidade da habilitação de adquirente, incidente regulado no art.º 356º e v. art.º 263º, depende da verificação dos seguintes pressupostos:
i) a pendência de uma ação;
ii) a existência de uma coisa ou de um direito litigioso;
iii) a transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da ação, por ato entre vivos;
iv) e o conhecimento da transmissão durante a ação.
Resulta do referido artigo que, se na pendência da causa ocorrer a transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, pode através do meio, incidental, aí regulado ser substituída, na causa principal, quem operou essa transmissão por aquele que dela beneficiou.
Deste modo, a finalidade do incidente de habilitação e os efeitos jurídicos por este produzidos na ordem jurídica são meramente processuais, resumem-se a operar a substituição da parte primitiva na ação pendente (autor ou réu) pelo sucessor deste, em caso de falecimento ou extinção dessa parte, ou pelo adquirente da coisa ou do direito em litígio nessa ação em caso de transmissão dessa coisa ou direito, não comportando o incidente de habilitação qualquer discussão sobre a relação de direito substantivo em litígio na ação principal (sublinhado nosso).
Referenciemos, ainda, o sumariado no recente aresto desta Relação de 21/03/2023 – Processo nº. 317/13.4TYLSB-S.L1-1, Relatora: Fátima Reis Silva, in www.dgsi.pt -, no qual se exarou não dever confundir-se “o negócio jurídico de transmissão da coisa, direito ou dever em litígio com a substituição processual que se opera quando o cessionário requer e vê deferida a habilitação.
2– O incidente de habilitação de adquirente ou cessionário apenas produz a modificação nos sujeitos da lide, colocando o adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio no exato lugar e na posição processual que o cedente ocupava no processo, para que a causa prossiga entre os atuais titulares da relação jurídica controvertida.
3–O habilitado, sucedendo na posição processual do cedente, passa a exercer os mesmos direitos e fica sujeito ao cumprimento das mesmas obrigações processuais que àquele competiam, sem interferir com o objeto da causa” (sublinhado nosso).

Decorre do exposto, em reforço do já sustentado, que no âmbito incidental da habilitação de cessionário apenas se produzem efeitos de natureza meramente processual, sem que exista interferência com a discussão do direito controvertido que constitui o objecto da causa.
Efetivamente, as decisões naquele proferidas não extravasam o âmbito incidental próprio, não tendo efeitos na acção declarativa ou executiva principal, ou seja, visando aquele incidente a mera modificação dos sujeitos da lide, os efeitos daí decorrentes possuem natureza meramente processual, no mesmo não se comportando qualquer discussão ou decisão a propósito do direito em controvérsia que constitui o próprio objecto da causa principal.
Ora, tendo por base tal entendimento, e nos termos já supra sufragados, não é pertinente o entendimento adoptado na decisão sob apelo, no sentido da desistência do pedido apresentado naquele incidente, e sua consequente homologação, ter como necessário efeito a afectação do direito em controvérsia na acção-base ou principal, e, in casu, determinar a extinção do direito de crédito invocado na pendente acção executiva.
Nas palavras do citado aresto desta Relação e Secção de 27/10/2022 (em processo totalmente idêntico, com a mesma Embargante/Executada, mas diferenciada Exequente/Embargada), “mais importante do que a qualificação jurídica conferida e as normas jurídicas aludidas é a pretensão substancial subjacente e neste domínio é manifesto que a aqui Recorrente pretendeu tão-só fazer extinguir os mencionados autos de habilitação de cessionário e não o direito de crédito subjacente àquela habilitação.
Nestes termos, porque justificado numa desistência de pedido inexistente, carece de fundamento a decisão recorrida, não podendo, em função do exposto, concluir-se como ela «que o direito de crédito ( ... ) invocado [pela aqui Recorrente] se extinguiu com a sentença de homologação de ( ... ) 15-VI- 21, proferida na execução 3241/20» e, assim, declarar-se extinta a execução” (sublinhado nosso).

Por todo o exposto, e sem ulteriores delongas, perante a manifesta insustentabilidade da decisão sob sindicância, mais não resta do que formular juízo de procedência, nesta parte, da pretensão recursória, determinante da revogação da decisão apelada/recorrida, e consequente comando de prosseguimento dos presentes autos de oposição à execução, mediante embargos.

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Nos quadros do art.º 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Recorrida/Apelada no presente recurso, é responsável pelo pagamento das custas da presente apelação.


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IV. DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Apelante/Exequente/Embargado J…, em que figura como Apelada/Embargante/Executada T…;
b) Em consequência, revoga-se a decisão recorrida/apelada, determinando-se o prosseguimento dos ulteriores termos processuais dos presentes autos de oposição á execução, mediante embargos;
c) Custas da presente apelação a cargo da Embargante/Apelada/Recorrida – cf., art.º 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.

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Lisboa, 22 de Junho de 2023
Arlindo Crua
António Moreira
Carlos Gabriel Castelo Branco

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[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599.
[3] Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368.
[4] Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102.
[5] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601.
[6] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372.
[7] Ob. cit., pág. 606.
[8] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 737.
[9] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372.
[10] RLJ, Ano 143º, Novembro-Dezembro de 2013, nº. 3983, pág. 129 a 151.
[11] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372 a 375.
[12] Acerca da disponibilidade da tutela jurisdicional a operar pelo princípio do dispositivo, através das modificações objectivas da instância, por alteração do pedido e da causa de pedir, nos termos dos artigos 264º e 265º, ambos do Cód. de Processo Civil, cf., José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., Vol. 1º, 4ª Edição, pág. 40.
[13] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 67 e 68.
[14] Nas palavras do Juiz Santos Silveira – Questões Subsequentes em Processo Civil, pág. 359 -, citado por Ary Elias da Costa e outros – Código de Processo Civil Anotado e Comentado, 4ª Volume, Almedina, 1974, pág. 291 -, “a habilitação, ao invés do que sucedia no caso de transmissão mortis causa, apresenta-se-nos, aqui, com carácter facultativo, no sentido de que não é condição sine qua non do prosseguimento da demanda”.