PENHORA
LEVANTAMENTO DA SUSPENSÃO
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário

I) Para que a execução cível, sustada nos termos do artigo 794.º, n.º 1, do CPC (por existência de prévia penhora do mesmo bem imóvel, efetuada em processo de execução fiscal) possa prosseguir, no que respeita à concretização da venda do bem também aí penhorado, mostra-se necessário que nos encontremos, de facto, perante uma tal situação de “paralisação”, que justifique o levantamento da sustação antes determinada e a renovação da instância executiva declarada extinta.
II) Nessa medida, bem se compreende que o Tribunal deva averiguar, junto da execução fiscal, se a execução fiscal se encontra suspensa e se o está por força do disposto no artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, na redação dada pela Lei n.º 13/2016, de 26 de maio;
III) Sendo a informação constante dos autos insuficiente para decidir se a presente execução cível pode, ou não, prosseguir os seus termos, cumprirá ao Tribunal averiguar, ao abrigo do dever de gestão processual (cfr. artigo 6.º, n.º 1, do CPC), se a execução fiscal se encontra suspensa e se o está por força do disposto no artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, na redação dada pela Lei n.º 13/2016, de 26 de maio.
IV) Só obtida que seja uma tal informação, poderá ser determinado o eventual levantamento da sustação antes determinada, com renovação da execução extinta, ou, decidido o respetivo indeferimento.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

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1. Relatório:
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1. Na presente execução sumária, para pagamento de quantia certa, em que figura como exequente, BANCO SANTANDER TOTTA, S.A. (sucedendo ao primitivo exequente BANIF – BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A.), identificado nos autos e onde são executados VM e JC, também identificados nos autos, o exequente veio requerer o pagamento da quantia de €386.424,52, com fundamento em “Escritura” (dois empréstimos – n.º … e n.º …), tendo alegado no requerimento executivo, os seguintes “Factos”:
“(…) 1.º No exercício da sua actividade creditícia, no dia 06/08/2010, o BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., ora Exequente celebrou com os Executados VM e JC, na qualidade de mutuários, o Contrato de Mútuo com Hipoteca no valor de €355.000,00, ao qual foi atribuído o n.º de operação …, conforme título executivo que ora se junta como documento n.º 1 que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2.º Tal contrato foi formalizado através de escritura pública outorgada pelo Cartório Notarial de Sintra a cargo da notária AR.
3.º Em que ficaram definidos os termos contratuais do empréstimo e da respectiva hipoteca, bem assim no clausulado do Documento Suplementar anexo ao Contrato.
4.º Os mutuários confessaram-se desde logo devedores da referida quantia de €355.000,00.
5.º Em garantia do capital mutuado, juros e despesas da operação acima referida, os Executados constituíram a favor do Exequente hipoteca voluntária sobre o prédio urbano, composto de moradia unifamiliar composta de cave, rés-do-chão, primeiro andar e duplex com piscina e logradouro, sito em Lugar do Arneiro – lote .., Rua …, n.º …, freguesia de S. Domingos de Rana, concelho de Cascais, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número … e inscrito na matriz sob o artigo ….
6.º A referida hipoteca encontra-se registada na Primeira Conservatória do Registo Predial de Cascais pela seguinte inscrição:
- Ap. 5034, de 2010/08/06 para garantia do capital mutuado no valor de €355.000,00, assegurando-se o montante máximo de €493.805,00 – cfr. documento n.º 2 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
7.º Em 20 de Novembro de 2012, o Exequente acordou com os mutuários alterar o prazo do empréstimo, passando a ser de 351 meses, nos termos melhor descritos no documento n.º 3 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
8.º Sucede que os Executados deixaram de cumprir as suas obrigações de natureza pecuniária emergentes da referida operação, deixando de pagar as prestações mensais a que estavam obrigados, a partir de 06/06/2015.
9.º Apesar de interpelados por diversas vezes pelo Exequente para regularizarem a situação devedora, os Executados, desde então não pagou ou amortizou as dívidas emergentes daquele contrato, considerando-se o mesmo resolvido, razão pela qual assiste direito ao Exequente para instaurar a presente execução contra os ora Executados.
10.º Por outro lado, e relativamente ao contrato acima identificado, o não pagamento de uma prestação implica o vencimento de todas as demais, estando assim vencidas todas as prestações resultantes da referida operação.
11.º Para além do referido valor, tem ainda o Exequente direito a exigir o pagamento dos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, às referidas taxas acrescidos do imposto de selo.
12.º Os Executados são assim devedores ao Exequente desde o momento a partir do qual entraram em incumprimento, do valor de €331.893,00, cujo pagamento ora se reclama.
13.º Quantia a que acrescem os juros de mora calculados desde a data do respectivo incumprimento, à taxa contratual de 7,70%, acrescida da sobretaxa de 3% ao ano, a título de cláusula penal, no valor de €17.194,83, a que acresce o imposto do selo no valor de €687,80 e despesas e comissões no valor de €215,09.
14.º Pelo que o crédito do Exequente, reportado a esta data, ascende a €349.990,72, a que acrescem os juros vincendos até integral pagamento. Acresce que,
15.º No exercício da sua actividade creditícia o BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., ora Exequente, em 23 de Novembro de 2012, celebrou com os Executados VM e JC, na qualidade de mutuários, um Contrato de Empréstimo, no valor de €38.000,00 (trinta e oito mil euros), ao qual foi atribuído o n.º …, e do qual os Executados se confessaram desde logo devedores, conforme Documento que ora se junta como n.º 4, que constitui o título executivo, e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
16.º O referido contrato foi celebrado pelo prazo de 15 anos, foi ainda estipulado que o empréstimo venceria juros sobre o capital em dívida, de acordo com o indexante da Euribor a 3 meses, acrescido de um spread de 3% sendo que, a taxa nominal anual em vigor era de 3,208%, a que correspondia uma taxa anual efectiva de 3,26% (Decreto-Lei nº 220/94, de 23 de Agosto).
17.º Em garantia do capital mutuado, respectivos juros e demais encargos resultantes do contrato, os Executados, constituíram, por escritura, celebrada na data de 23/11/2012, Hipoteca sobre o prédio urbano supra descrito no artigo 5.º - conforme escritura que ora se junta como documento n.º 5 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
18.º Em caso de incumprimento das obrigações emergentes do contrato, foi conferida a faculdade do Exequente em declarar a sua resolução exigindo de imediato todo o montante em dívida, cf. Documento n.º 4 já junto.
19.º Sucede que, os Executados deixaram de cumprir as suas obrigações de natureza pecuniária emergentes desta Operação, a partir de 23/06/2015, considerando-se o mesmo resolvido, razão pela qual assiste direito ao Exequente para instaurar a presente Acção Executiva contra os ora Executados.
20.º Apesar de interpelados por diversas vezes para regularizar as situações devedoras, os Executados, mutuários, desde então, desde então não pagaram ou amortizaram as dívidas emergentes daquele contrato.
21.º Os Executados são assim devedores ao Exequente, desde a data em que entraram, em incumprimento e se venceram todas as demais prestações, sendo que, reportado a esta data, ascende a €36.433,80, sendo €34.692,82 a título de capital, €1.622,08 a título de juros de mora, à taxa contratual de 7,70%, acrescida de 3%, a título de cláusula penal, nos termos das cláusulas 4.ª do contrato de mútuo junto como documento n.º 4 já junto, imposto de selo sobre os juros no valor de €64,90 e despesas e comissões no valor de €54,00.
22.º O prédio urbano supra identificado continua onerado com a inscrição hipotecária nos exactos termos em que a mesma foi constituída a favor do aqui Exequente, porquanto este não renunciou àquela garantia, nem tão pouco foi ressarcido da dívida por ela garantida.
23.º O contrato de mútuo já junto como Doc. n.º 4 foi celebrado na data de 23/11/2012 e, como tal, em data anterior à entrada em vigor do actual C.P.C. pelo que, em obediência ao princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, constitui título executivo extrajudicial, nos termos do artigo 46.º n.º 1 alínea c) do C.P.C. de 1961 – cfr. douto no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, de 23 de Setembro, com força obrigatória geral, que incidiu sobre o disposto no artigo 703.º do C.P.C. e artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, no que concerne aos títulos executivos de formação anterior ao actual C.P.C..
24.º O crédito do Exequente é certo, líquido e exigível e está suficientemente titulado.
25.º Termos em que, se requer o pagamento pelos Executados da quantia global de €386.424,52 acima melhor discriminada, acrescida de juros vincendos e respectivo imposto de selo, seguindo-se os ulteriores termos legais até efectivo e integral pagamento.
26.º Nos termos do artigo 541.º do C. P. C., as custas da execução são pagas em primeiro lugar pelo produto dos bens penhorados, pelo que o Exequente requer ainda que ao montante da quantia exequenda acresça o valor da remuneração devida ao Senhor Agente de Execução a título de Despesas e Honorários, a taxa de justiça e outras despesas que vierem a ser suportadas pelo Exequente ao longo do processo”.
Juntou, nomeadamente, escritura de “COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA”, datada de 06-08-2010, onde os mutuários, ora recorridos, declararam, nomeadamente, que o prédio adquirido - prédio urbano sito no n.º … da Rua … em São Domingos de Rana, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob a ficha n.º … da Freguesia de S. Domingos de Rana e inscrito na respetiva matriz com o artigo … da referida Freguesia – “se destina à sua habitação própria e permanente”.

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2. Em 27-11-2015 o referido prédio foi penhorado nos presentes autos, penhora que foi objeto de registo nessa data.

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3. Relativamente ao mencionado imóvel pende no registo predial penhora, efetuada em 18-04-2015 e registada em 15-04-2015, de que é sujeito ativo a Fazenda Nacional, referente ao processo de execução fiscal n.º … – S. F. Elvas.

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4. Em 24-10-2017, a Agente de Execução proferiu decisão do seguinte teor:
“DECISÃO
Considerando que sobre o bem imóvel descrito no auto de penhora ora elaborado, já impende penhora anterior, há lugar à sustação da presente execução nos termos do disposto no artigo 794º do CPC, na redação conferida pela Lei 41/2013 de 26 de Junho.
• A primeira penhora encontra-se registada em 15/04/2015 no processo de execução fiscal Nº …, a correr termos no Serviço de Finanças de Elvas.
Atendendo ao preceituado no nº 1 do artigo 752º no que respeita ao bem supra mencionado, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 794º, a sustação integral determina a extinção da presente execução, sem prejuízo do disposto no nº 5 do artigo 850º, todos do Código de Processo Civil, pelo que por ora, não se procede ao cancelamento da penhora registada por ordem dos presentes autos.”.

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5. Em 20-11-2017, a exequente – então BANIF-Banco Internacional do Funchal, S.A. – apresentou nos autos de execução requerimento de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) 1. A Requerente desconhecia a existência do Processo de Execução Fiscal n.º …, a correr termos no Serviço de Finanças de Elvas.
2. Pelo que, caso o pagamento em sub-rogação da divida do Executado não seja exequível, a Requerente irá apresentar a devida reclamação de créditos. Não obstante,
3. Cumpre referir que atendendo ao montante da dívida Exequenda, que ascende a €468.360,00, comparativamente com o valor patrimonial do Imóvel, cfr. Caderneta Predial Urbana, que se junta e se dá por reproduzida, de €170.789,18, é manifesta a insuficiência deste para conseguir o fim da execução.
4. Termos em que se REQUER A V. EXA. SE DIGNE RECONHECER A INSUFICIÊNCIA DO BEM IMÓVEL PENHORADO, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO N.º 1 DO ARTIGO 752.º DO CPC e, consequentemente, ser ordenado o ofício às seguintes entidades com vista ao ressarcimento da dívida exequenda:
1) Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social e D.G.I. — Direção Geral dos Impostos, para vir aos autos informar qual a entidade empregadora dos Executados constante dos respetivos registos, o domicílio fiscal/ endereço por eles indicado, bem como, para vir aos autos informar a existência de quaisquer direitos ou créditos penhoráveis, ordenando-se a penhora de todo e qualquer crédito fiscal e/ou perante a Segurança Social, de que os Executados sejam titulares;
2) Conservatória do Registo Automóvel, para vir aos autos indicar se existe algum veículo automóvel registado em nome dos Executados;
3) Instituto de Gestão do Crédito Público, para que proceda à penhora de todo e qualquer crédito de que os Executados sejam titulares, titulados por certificados de aforro, obrigações ou outros títulos;
4) Instituto de Seguros de Portugal, para que informe se os Executados são titulares de qualquer seguro capitalizável, de forma a penhorar o respectivo montante, o que desde já se requer seja ordenado.
Mais requer a V. Ex.a que seja oficiado o Banco de Portugal no sentido de esta instituição vir indicar aos presentes autos quais são as contas bancárias em que os Executados figuram como titulares, com vista a penhora de depósitos bancários, nos termos do art.º 780.º do CPC”.
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6. Em 25-01-2018 foi proferido despacho, nomeadamente, do seguinte teor:
“Requerimento do exequente, de 08.11.2017 (ref.ª 11044154):
Indefiro o requerido, porquanto, atenta a causa da extinção da execução (art.º 794º, nº 4, do CPC), a renovação da instância apenas pode ocorrer quando o exequente indique os concretos bens a penhorar, o que não sucede quando, como no caso vertente, se limita a requerer a realização de diligências com vista a apurar da existência de bens ou direitos penhoráveis (art.º 850º, nº 5, do CPC). Na verdade, e tal como resulta dos autos, não foi possível, apesar das diligências oportunamente efectuadas pelo agente de execução, apurar a existência de outros bens susceptíveis de penhora que não o que determinou a sustação integral da execução e a sua consequente extinção, não se destinando o preceito legal aplicável à presente fase processual (o já referido nº 5 do art.º 850º) à realização de pesquisas ou pedidos de informação com tais desideratos.
Nestes termos, impõe-se o arquivamento dos autos.
Notifique”.

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7. Em 03-10-2022, a exequente apresentou em juízo requerimento de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) I – Questão prévia
1. Por força da deliberação extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, no dia 20/12/2015, foi aplicada ao Banif – Banco Internacional do Funchal, S. A. (Banif) uma medida de resolução mediante a qual parte dos direitos e obrigações respeitantes aos seus ativos foi transferida para o Banco Santander Totta, S. A. (BST), conforme melhor se alcança do Doc. 1 que se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
2. O BST, para todos os efeitos legais e contratuais, sucedeu nos direitos e obrigações transferidos do Banif.
II – Do levantamento da sustação
3. Nos presentes autos foi penhorado o imóvel – prédio urbano descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º … da freguesia de S. Domingos de Rana - sobre o qual incide penhora prévia fiscal, conforme certidão predial que se junta como Doc. 2 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
4. Motivo pelo qual foi proferida decisão de sustação nos termos do disposto no artigo 794.º do CPC.
5. Sucede que, face à emergente alteração de paradigma dos Tribunais quanto à pendência das penhoras fiscais, com suspensão das respetivas execuções, tem vindo a ser entendimento jurisprudencial que os autos prossigam com as diligências tendentes à venda do imóvel, devendo proceder-se à citação das Finanças para reclamar créditos.
6. A ratio legis do artigo 794.º do CPC, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado, como dos credores, postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual.
7. Com o estatuído no n.º 1 pretende-se evitar que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem que ser única e, em princípio, há-de fazer-se nos processos em que os bens foram penhorados em primeiro lugar.
8. Sucede que, o processo de execução fiscal com penhora prévia data de 2013, encontrando-se pendente na presente data - há quase 10 anos - a aguardar a conclusão de um processo de contencioso apresentado, conforme Docs. 3 e 4 que se juntam e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
9. Ora, nas palavras do Acórdão do STJ, de 09.06.2005 (processo n.º 05B1358) [disponível in www.dgsi.pt], pretendeu o legislador «aproveitar o decurso de duas execuções em plena actividade na sua tramitação e onde foi penhorado o mesmo bem, remetendo o modo de pagamento coercivo da obrigação para aquele processo que maior funcionalidade e maior comodidade concede ao exequente e sem causar dano ao executado. Por isso é que só se justificará a reclamação do crédito exigido na execução sustada, desde que a execução para onde se remete a reclamação desse crédito esteja em condições de poder efectivar, com a usual normalidade, esta assinalada prerrogativa do credor exequente».
10. Daí que, nesta perspetiva, seja de entender, por um lado, que só se verifica utilidade no regime do citado artigo 794.º, n.º 1, se ambas as execuções se encontram a correr termos, pois só assim é que o exequente/reclamante pode obter o pagamento dos seus créditos por via executiva.
11. E, por outro lado, que suspensa ou por qualquer modo “parada” a execução na qual o credor exequente deve ir reclamar o seu crédito, por força do artigo 794.º, n.º 1, do CPC, deve prosseguir a instância da execução que havia sido sustada, nos termos deste mesmo artigo.
12. A verdade é que, encontrando-se a execução fiscal “parada”, em consequência do processo de contencioso apresentado, que impede a Autoridade Tributária de promover a venda, nesse processo, do imóvel penhorado, deve prosseguir a presente instância de execução.
13. Assim, afigura-se que, inviabilizado na execução fiscal o mecanismo de tutela do direito do credor garantido, deverá determinar-se o levantamento da sustação dos presentes autos para que se providencie pelas diligências tendentes à venda do imóvel penhorado, com citação de credores, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de verificação e graduação de créditos.”.
Com o referido requerimento anexou 4 documentos, entre eles se encontrando dois emails remetidos pelo Serviço de Finanças de Elvas à exequente, um em 05-04-2022 – de onde consta: “Exmos. Senhores, Em resposta ao mail infra, informo que não há nenhuma previsão para a data da venda do imóvel penhorado, porque ainda não se encontra concluído um processo de contencioso apresentado” – e o outro em 27-06-2022 – de onde consta: “Exma. Senhora, Em resposta ao mail infra, informo que a venda ainda não se fez devido a estar a aguardar-se a conclusão de um processo de contencioso apresentado”.

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8. Os executados pronunciaram-se sobre o requerimento de 03-10-2022, concluindo pelo indeferimento da pretensão do exequente.

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9. Após, em 11-11-2022 foi proferido despacho do seguinte teor:
“Requerimento de 3-X-22 e resposta de 17-X-22: Encontrando-se a execução extinta desde 2018, não se verificando qualquer dos casos previstos no artigo 850º do CPC, e não tendo havido nenhuma alteração legislativa significativa, não há fundamento legal para revogar a sustação (devendo a reclamante exercer os seus direitos no processo de execução fiscal) – motivo por que se indefere o requerido.
Sem custas (atenta a simplicidade).
Notifique – e re-arquive”.
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10. Não se conformando com a referida decisão, dela apela a exequente, pugnando pela sua revogação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. O Tribunal a quo decidiu pelo indeferimento do levantamento da sustação, com vista à renovação da execução e prosseguimento dos autos, o que, ressalvando o devido respeito, não valora convenientemente os factos concretos e a prova produzida, nem faz correta interpretação e aplicação da lei ao caso aplicável.
B. Nos presentes autos foi penhorado o imóvel – prédio urbano descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º … da freguesia de S. Domingos de Rana - sobre o qual incide penhora prévia fiscal, motivo pelo qual foi proferida decisão de sustação integral nos termos do disposto no artigo 794.º do CPC e foi extinta a execução.
C. Sucede que, face à emergente alteração de paradigma dos Tribunais quanto à pendência das penhoras fiscais, com suspensão das respetivas execuções, tem vindo a ser entendimento jurisprudencial que os autos prossigam com as diligências tendentes à venda do imóvel, devendo proceder-se à citação das Finanças para reclamar créditos.
D. Razão pela qual a exequente/recorrente submeteu ao Tribunal a questão do levantamento da sustação por se apresentar como questão prévia à possibilidade da renovação da execução e prosseguimento dos autos.
E. Pois é precisamente a decisão de levantamento da sustação que permite que os autos prossigam com as diligências de venda do imóvel penhorado.
F. A ratio legis do artigo 794.º do CPC, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado, como dos credores, postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual.
G. Com o estatuído no n.º 1 pretende-se evitar que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem que ser única e, em princípio, há-de fazer-se nos processos em que os bens foram penhorados em primeiro lugar.
H. Sucede que, o processo de execução fiscal com penhora prévia data de 2013, encontrando-se pendente na presente data - há quase 10 anos - a aguardar a conclusão de um processo de contencioso.
I. Ora, nas palavras do Acórdão do STJ, de 09.06.2005 (processo n.º 05B1358) [disponível in www.dgsi.pt], pretendeu o legislador «aproveitar o decurso de duas execuções em plena actividade na sua tramitação e onde foi penhorado o mesmo bem, remetendo o modo de pagamento coercivo da obrigação para aquele processo que maior funcionalidade e maior comodidade concede ao exequente e sem causar dano ao executado. Por isso é que só se justificará a reclamação do crédito exigido na execução sustada, desde que a execução para onde se remete a reclamação desse crédito esteja em condições de poder efectivar, com a usual normalidade, esta assinalada prerrogativa do credor exequente».
J. Daí que, nesta perspetiva, seja de entender, por um lado, que só se verifica utilidade no regime do citado artigo 794.º, n.º 1, se ambas as execuções se encontram a correr termos, pois só assim é que o exequente/reclamante pode obter o pagamento dos seus créditos por via executiva.
K. E, por outro lado, que suspensa ou por qualquer modo “parada” a execução na qual o credor exequente deve ir reclamar o seu crédito, por força do artigo 794.º, n.º 1, do CPC, deve prosseguir a instância da execução que havia sido sustada, nos termos deste mesmo artigo.
L. A verdade é que, encontrando-se a execução fiscal “parada”, em consequência do processo de contencioso apresentado, que impede a Autoridade Tributária de promover a venda, nesse processo, do imóvel penhorado, deve prosseguir a presente instância de execução.
M. Assim, afigura-se que, inviabilizado na execução fiscal o mecanismo de tutela do direito do credor garantido, deve determinar-se o levantamento da sustação dos presentes autos para que se providencie pelas diligências tendentes à venda do imóvel penhorado, com citação de credores, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de verificação e graduação de créditos.
N. Entende o exequente/recorrente que o Tribunal a quo deveria ter decidido sobre o pedido de levantamento da sustação, pois tal apresenta-se como pressuposto necessário à renovação da execução e prosseguimento dos autos.
O. Por todo o supra exposto, concluiu-se, s.m.o., que não assiste razão ao entendimento do douto Tribunal, devendo ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, devendo julgar-se procedente o pedido de levantamento da sustação, com vista ao prosseguimento da instância executiva”.

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11. O executado contra-alegou concluindo pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida.

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12. Em 11-04-2023 foi proferido despacho de admissão do recurso interposto.

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13. Foram colhidos os vistos legais.

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2. Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
Em face do exposto, identifica-se a seguinte questão a decidir:
A) Se deveria o Tribunal recorrido ter deferido a pretensão do exequente com vista à renovação da presente execução (extinta nos termos do artigo 794.º do CPC), por se encontrar “paralisado” o processo de execução fiscal em que foi penhorado bem imóvel, anteriormente à penhora que teve lugar no presente processo?

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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso, em função do que consta dos autos, os elencados no relatório.

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4. Fundamentação de direito:

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A) Se deveria o Tribunal recorrido ter deferido a pretensão do exequente com vista à renovação da presente execução (extinta nos termos do artigo 794.º do CPC), por se encontrar “paralisado” o processo de execução fiscal em que foi penhorado bem imóvel, anteriormente à penhora que teve lugar no presente processo?
No caso, por ocorrência de penhora anterior, promovida pela Fazenda Nacional, em processo de execução fiscal, sobre o mesmo bem imóvel penhorado nos presentes autos, o Agente de Execução sustou a execução – por decisão de 24-10-2017 – em conformidade com o disposto no artigo 794.º do CPC e veio a extinguir a execução, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, mas, não procedeu ao cancelamento da penhora, atento o regime resultante do artigo 850.º, n.º 5, do CPC.
Pelo requerimento de 03-10-2022, a exequente requereu o prosseguimento da presente execução, invocando que, por um lado, só se verifica utilidade no regime do citado artigo 794.º, n.º 1, se ambas as execuções se encontram a correr termos, pois só assim é que o exequente/reclamante pode obter o pagamento dos seus créditos por via executiva e, por outro lado, que encontrando-se a execução fiscal “parada”, em consequência de processo de contencioso apresentado, que impede a Autoridade Tributária de promover a venda, nesse processo, do imóvel penhorado, concluiu que deve prosseguir a presente instância de execução.
O Tribunal recorrido, apreciando tal pretensão, veio a indeferir a mesma, nos termos da decisão recorrida, por se entender que a execução estava extinta desde 2018 e que, em face do requerimento da exequente, não se verificava “qualquer dos casos previstos no artigo 850º do CPC (…), não tendo havido nenhuma alteração legislativa significativa”, pelo que a exequente deveria exercer os seus direitos no processo de execução fiscal.
A apelante contesta esta decisão.
Vejamos:
Dispõe o artigo 794.º do CPC – com a epígrafe “Pluralidade de execuções sobre os mesmos bens” - o seguinte:
“1- Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
2 – Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante.
3 – Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.
4 – A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º”.
O referido artigo 850.º do CPC – referente às situações de “Renovação da execução extinta” - dispõe que:
“1 - A extinção da execução, quando o título tenha trato sucessivo, não obsta a que a ação executiva se renove no mesmo processo para pagamento de prestações que se vençam posteriormente.
2 - Também o credor reclamante, cujo crédito esteja vencido e haja reclamado para ser pago pelo produto de bens penhorados que não chegaram, entretanto, a ser vendidos nem adjudicados, pode requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, a renovação desta para efetiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito.
3 - O requerimento faz prosseguir a execução, mas somente quanto aos bens sobre que incida a garantia real invocada pelo requerente, que assume a posição de exequente.
4 - Não se repetem as citações e aproveita-se tudo o que tiver sido processado relativamente aos bens em que prossegue a execução, mas os outros credores e o executado são notificados do requerimento.
5 - O exequente pode ainda requerer a renovação da execução extinta nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo anterior, quando indique os concretos bens a penhorar, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior”.
De acordo com o disposto no artigo 849.º, n.º 1, al. e), do CPC, entre outras situações, a execução extingue-se “no caso referido no n.º 4 do artigo 794.º”.
Pretende-se impedir, com o regime instituído pelo artigo 794.º do CPC, que os mesmos bens do executado possam ser vendidos em processos executivos distintos, gerando interesses conflituantes e insegurança jurídica, garantindo-se, desta forma, a realização de uma única venda ou adjudicação, “a ser efetuada no processo onde os bens foram penhorados em primeiro lugar” (assim, Marco Carvalho Gonçalves; Lições de Processo Civil Executivo, 4.ª ed., Almedina, p. 534).
Conforme se deu conta no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-04-2018 (Pº 65/14.8T8VLN-D.G1, rel. MARIA CRISTINA CERDEIRA): “O pressuposto da sustação prevista neste preceito legal é pender “mais de uma execução sobre os mesmos bens”. Essa pendência tanto pode ser de execução comum, como de execução fiscal, caso em que a ulterior reclamação de créditos deve fazer-se no processo de execução tributária, ao abrigo do disposto nos art.ºs 239 e seguintes do CPPT, incluindo o respectivo art.º 240º, nº. 4”.
Ou, dito de outro modo: “A sustação de uma execução ao abrigo do art.º 794.º do CPC pressupõe que o imóvel penhorado esteja já onerado com penhoras efetuadas no âmbito de outras execuções ainda pendentes e que aquelas penhoras sejam mais antigas” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-09-2020, Pº 3165/19.4T8STB-B.E1, rel. CRISTINA DÁ MESQUITA).
A sustação é feita mediante informação enviada ao processo pelo agente de execução, nos 10 dias subsequentes à realização da penhora posterior ou do conhecimento da penhora anterior (cfr. artigo 720.º, n.º 7, do CPC). Notificado da sustação, o exequente optará entre a manutenção da penhora relativamente ao bem apreendido noutro processo ou desistirá de tal penhora. Na primeira hipótese, o exequente tem o ónus de reclamar o seu crédito no processo cuja penhora tenha prioridade, no prazo de dez dias a contar da notificação da sustação (cfr. artigos 794.º, n.º 2, 788.º, n.º 3 e 240.º, n.º 4, do CPPT).
Assim, “o art.º 794º nº 3 [do CPC] faculta ao exequente é uma opção: ou mantém a penhora no bem que já foi penhorado no outro processo, ficando a sua execução sustada e reclamando no processo em que foi efectuada a penhora em primeiro lugar o seu crédito; ou desiste da penhora relativamente ao bem penhorado e indica outros em sua substituição” (cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-10-2014, Pº 7048/08.5TBALM-A.L1-6, rel. ANTÓNIO MARTINS).
A exequente reporta-se, todavia, a uma “alteração de paradigma dos Tribunais quanto à pendência das penhoras fiscais, com suspensão das respetivas execuções”, considerando que “tem vindo a ser entendimento jurisprudencial que os autos prossigam com as diligências tendentes à venda do imóvel, devendo proceder-se à citação das Finanças para reclamar créditos” (cfr. conclusão C) das alegações de recurso).
Efetivamente, em 23 de maio de 2016 foi publicada a Lei n.º 13/2016, cujo objeto é assim definido no seu art.º 1.º:
“A presente lei protege a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado.”
A referida Lei alterou, nomeadamente, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), cujos artigos 219.º e 244.º passaram a ter a seguinte redação:
“Artigo 219.º (Bens prioritariamente a penhorar)
1 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 4 e 5, a penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente.
2 - Tratando-se de dívida com privilégio, e na falta de bens a que se refere o número anterior, a penhora começa pelos bens a que este respeitar, se ainda pertencerem ao executado e sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 157.º.
3 - (Revogado.)
4 - Caso a dívida tenha garantia real onerando bens do devedor por estes começará a penhora que só prosseguirá noutros bens quando se reconheça a insuficiência dos primeiros para conseguir os fins da execução.
5 - A penhora sobre o bem imóvel com finalidade de habitação própria e permanente está sujeita às condições previstas no artigo 244.º.
6 - Quando exista plano de pagamento em prestações devidamente autorizado, e a execução fiscal deva prosseguir os seus termos normais, pode a penhora iniciar-se por bens distintos daqueles cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização, quando indicados pelo executado e desde que o pagamento em prestações se encontre a ser pontualmente cumprido.
Artigo 244.º (Realização da venda)
1 - A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.
2 - Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.
3 - O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.
4 - Nos casos previstos no número anterior, a venda só pode ocorrer um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.
5 - A penhora do bem imóvel referido no n.º 2 não releva para efeitos do disposto no artigo 217.º, enquanto se mantiver o impedimento à realização da venda previsto no número anterior, e não impede a prossecução da penhora e venda dos demais bens do executado.
6 - O impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente prevista no n.º 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado.”.
Assim, após a entrada em vigor da Lei n.º 13/2016, de 26 de maio, passou a ficar impossibilitada a venda, a impulso da Autoridade Tributária, dos imóveis destinados exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, com a exceção prevista no seu nº 3.
Mas, a proibição da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim, prevista no n.º 2 do art.º 244.º do CPPT, apenas diz respeito à venda a impulso da administração fiscal e destinada ao pagamento coercivo de dívidas fiscais do devedor.
Assim, tal proibição de venda, não se aplica às dívidas do devedor de outra natureza.
Contudo, embora não seja possível a venda do imóvel do devedor por impulso da Autoridade Tributária, certo é que, a penhora efetuada no âmbito da execução fiscal se mantém, pois que o CPPT não prevê, para tal situação (proibição de venda do bem para pagamento coercivo de dívidas fiscais) o levantamento dessa penhora, ou a suspensão da execução fiscal.
No caso dos autos, efetuada a penhora do imóvel, foi sustada a execução, vista a existência de penhora anterior, no âmbito de uma execução fiscal.
A questão que se coloca em face deste regime é, pois, a de saber em que execução o credor que viu a execução civil por si proposta sustada, nos termos do artigo 794.º do CPC, devido à existência de penhora anterior do prédio em execução fiscal poderá obter a venda? Se na execução civil ou comum? Ou se, na execução fiscal?
A questão não tem merecido uniformidade nas decisões dos nossos tribunais superiores, podendo dizer-se que há duas teses contrárias, a este propósito:
- Uma, que defende que o artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, deve ser interpretado restritivamente, considerando que a impossibilidade legal da venda do imóvel penhorado só ocorre nos casos em que a Autoridade Tributária seja o único interveniente no processo fiscal, nada obstando a que se proceda à venda na execução fiscal por impulso do credor comum; e
- Outra, que considera que o credor reclamante não pode prosseguir com a execução fiscal sustada, por estar legalmente impedido no âmbito desse processo, pelo artigo 244.º, n.º 2, do CPPT de, designadamente requerer a prossecução desta para a realização da venda, devendo prosseguir a execução comum, com a citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos.
Muito embora se descortine uma tendência que se afigura maioritária, admitindo a possibilidade de prosseguimento da execução comum sustada, aí sendo citada a Fazenda Nacional para ser admitida a reclamar os seus créditos e efetuada graduação do mesmos, que viabilize o ulterior pagamento na execução comum pelo produto da venda do imóvel.
Sobre o ponto, pela sua clareza, citem-se as considerações expendidas, a propósito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-09-2021 (Pº 5766/20.9T8ALM-A.L1-6, rel. ADEODATO BROTAS, onde se sumariou que, “se na execução cível for penhorado imóvel que constitua casa de morada de família do executado e se sobre esse imóvel incidia já registo de penhora anteriormente efectuada em execução fiscal – execução esta que se encontra suspensa face ao art.º 244º nº 2 do CPPT (redacção da Lei 13/2016) - não há lugar à sustação da execução cível, nos termos do art.º 794º nº 1 CPC, visto que o imóvel não pode ser vendido naquela execução fiscal, devendo ser vendido na execução cível mediante prévia convocação de credores incluindo a Fazenda Nacional”):
“(…) Desenham-se duas teses sobre a questão.
Uma, a que chamaremos de primeira, minoritária na jurisprudência, baseando-se na posição doutrinária de Delgado de Carvalho (As alterações Introduzidas pela Lei 13/2016 no CPPT e na LGT e sua repercussão no concurso de credores, blog do IPPC) com a concordância posterior de Teixeira de Sousa (blog do IPPC, Jurisprudência 2020 (91), defende que a impossibilidade de venda em execução fiscal de imóvel que constitua casa de morada de família, estabelecida no art.º 244º nº 2 do CPPT, na redacção dada pela Lei 13/2016, apenas se dirige à Autoridade Tributária (AT) não se estendendo aos demais credores que por isso podem promover a venda na execução fiscal. Baseia-se, assim, esta primeira tese, numa interpretação restritiva do art.º 244º nº 2 do CPPT em termos de essa restrição à venda do imóvel que seja casa de morada de família apenas se aplica quando na execução fiscal não existem outros credores.
Alinhando por esta tese, pode ver-se o acórdão da Rel. Coimbra, de 24/10/2017 (Sílvia Pires) [Pº 249/13.6TBSPS-A.C1] – no qual se estribou o despacho ora sob recurso – que defendeu:
“VII–A solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2 que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias.
VIII– Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.”
Também a decisão sumária da Rel. Coimbra, de 08/04/2019 (Falcão de Magalhães) [Pº 1325/16.9T8ACB.C1.] alinha no mesmo sentido.
Igualmente o acórdão da Rel. Coimbra, de 13/11/2019 (Pires Robalo) [Pº 7389/17.0T8CBR-A.C1] defende que:
“VI- A resposta há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2, que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação, a venda da penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda, dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias.”
Identicamente, o acórdão da Rel. Porto, de 08/03/2019 (Anabela Dias da Silva) [Pº 11128/11.1TBVNG-C.P1] entendeu que:
“III - Não contendo o CPPT uma norma idêntica à prevista no n.º2 do art.º 850.º do C.P.Civil, tratando-se de uma lacuna da lei, ela terá de ser suprida por interpretação analógica, e assim será permitir que o credor que tenha reclamado o seu crédito na execução fiscal, mesmo que a venda para efeitos fiscais se não possa realizar (art.º 244.º nº2 do CPPT), promova a venda, tudo numa situação análoga e com as necessárias adaptações.”
O Prof. Teixeira de Sousa (Blog do IPPC, Jurisprudência 2020(91)), após alertar que “…Em termos práticos, a oposição entre as duas orientações em confronto não é grande, porque tudo se resume a saber em que execução -- se na fiscal, se na cível -- se vai realizar a venda do imóvel penhorado…”, opina que:
“…O que o regime legal impede é que a Autoridade Tributária promova a venda do imóvel para pagamento de um crédito próprio; mas nada obsta a que, uma vez reclamado um crédito na execução fiscal e nela vendido o imóvel, o crédito da Autoridade Tributária seja pago. O regime legal visa proteger o devedor perante a Autoridade Tributária, e não a favorecer um credor desse mesmo devedor através da renúncia à satisfação do crédito fiscal por essa Autoridade…”
Já a segunda tese, largamente maioritária na jurisprudência, tem entendimento diverso, em termos de defender que se na execução cível for penhorado imóvel que constitua casa de morada de família do executado e se sobre esse imóvel incidir registo de penhora anterior efectuada em execução fiscal, não há lugar à sustação da execução cível, nos termos do art.º 794º nº 1 CPC, visto que o imóvel não pode ser vendido na execução fiscal dada a restrição de venda estabelecida pelo art.º 244º nº 2 do CPC, na redacção da Lei 13/2016, devendo ser vendido na execução cível mediante prévia convocação de credores incluindo a Fazenda Nacional.
Neste sentido, sem ser exaustivo, podem ver-se:
-Acórdão da Rel. Porto, de 22/10/2019 (Márcia Portela) [Pº 8590/18.5T8PRT-B.P1], que defende:
“Quando em execução cível for penhorado imóvel que constitua a casa de morada de família do executado e sobre ele incida penhora com registo anterior realizada em execução fiscal, não podendo o imóvel ser vendido na execução fiscal em virtude do estabelecido na Lei n.º 13/2016, não há lugar à suspensão da execução cível nos termos do artigo 794.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
II- Nessa situação, a AT deverá ser admitida, após a citação prevista no artigo 786.º, n.º 1, alín. b), do Código de Processo Civil, a reclamar o seu crédito na execução comum para aí ser graduado no lugar que lhe competir para ser pago pelo produto da venda do imóvel nesta execução.”
-Acórdão da Rel. Lisboa, de 22/10/2020 (Jorge Leal) [Pº 5729/19.7T8LRS-A.L1-2], com o seguinte sumário:
“I.-Por força do disposto no n.º 2 do art.º 244.º do CPPT, se o imóvel penhorado pelas Finanças, no âmbito de execução fiscal, se destinar exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, e estiver efetivamente afetado a esse fim, não haverá lugar (no processo de execução fiscal) à realização da sua venda (posto que não se verifique nenhuma das exceções previstas nos n.ºs 3 e 6 do art.º 244.º).
II.- Nesse caso, se o mesmo imóvel tiver sido objeto de penhora mais recente em execução comum, esta não deve ser suspensa ao abrigo do n.º 1 do art.º 794.º do CPC, mas deve prosseguir, sendo a Fazenda Pública citada para aí reclamar os seus créditos.”
-Acórdão da Rel. Lisboa, de 05/11/2020 (Manuel Rodrigues) [Pº 3911/18.3T8ALM.A.L1-6], com o seguinte sumário:
“I- A existência de penhora sobre imóvel efectuada em execução fiscal e registada a favor da Autoridade Tributária, com registo anterior à efectuada numa execução comum, não obsta ao prosseguimento desta execução com a venda desse bem, quando na execução fiscal tal venda não pode ocorrer, por força do disposto no n.º 2 do art.º 244.º do Código de Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), por o imóvel constituir habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar.
II- Este regime apenas proíbe a venda do imóvel afecto à habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar no âmbito da execução fiscal.
III- Na situação referida no ponto I, não obsta ao prosseguimento da execução comum o disposto no n.º 1 do artigo 794.º do Código de Processo Civil já que o mesmo pressupõe que o processo onde ocorreu a primeira penhora se encontre a correr os seus termos e pretende evitar a execução simultânea do mesmo bem, o que não ocorre no caso em análise.
IV- Estando vedada a venda do imóvel na execução fiscal suspensa e não tendo aplicação ao caso o disposto no n.º 1 do artigo 794.º do Código de Processo Civil, deve a mesma ter lugar na execução comum.
V- Impondo-se, neste caso, que seja promovida a citação da Autoridade Tributária para reclamar o seu crédito (art.º 786.º, n.º 1, alínea b), do CPC) o que a suceder determinará que seja oportunamente graduado no lugar que lhe competir (art.º 791.º do CPC”.
No mesmo sentido, acórdão da Rel. Lisboa, de 21/05/2020 (Carla Mendes) [Pº 19356/18.2T8SNT-B.L1-8] “-Sustada a execução comum por existência de penhora registada anteriormente em sede de execução fiscal e encontrando-se esta última suspensa (art.º 244/2 CPPT), nada impede o prosseguimento daquela (execução comum), com vista à venda do bem imóvel, podendo a Fazenda Nacional reclamar nesta (execução comum) o seu crédito, que será objecto de verificação e graduação de créditos, com vista ao ressarcimento do crédito do credor (s) exequente, afastando-se a aplicação do art.º 794/1 CPC.”
E ainda o acórdão da Rel. Lisboa, de 04/06/2020 (Nelson Borges Carneiro) [Pº 13361/19.9T8SNT-A.L1-2].
Na Relação de Coimbra, podem ver-se no mesmo sentido, por exemplo, acórdão de 18/12/2019 (Manuel Capelo) [Pº 205003/10.1YIPRT.1.C1]; acórdão de 01/06/2021 (Fernando Monteiro) [Pº 2106/20.0T8SRE-A.C1].
Na Relação de Évora, entre outros, o acórdão de 05/11/2020 (Conceição Ferreira) [Pº 1271/15.3T8SLV.E1] com o seguinte sumário:
“A operacionalidade do regime previsto no artigo 794.º do CPC tem como pressuposto que o exequente possa reclamar o seu crédito na execução em que a penhora do bem ocorreu em primeiro lugar e que a venda desse bem não esteja proibida, de modo a obter a satisfação do seu crédito pelo produto da venda.”
E ainda o acórdão de 12/07/2018 (Maria João Faro) [Pº 893/12.9TBPTM.E1], bem como o acórdão da mesma Relação, de 30/05/2019 (Tomé Ramião) [Pº 402/18.6T8MMN.E1].
Na Relação de Guimarães, entre outros, o acórdão 17/01/2019 (Alexandra Rolim Mendes) [Pº 956/17.4T8GMR-C.G1], acórdão de 12/09/2019 (Alcides Rodrigues) [o acórdão em questão tem a data de 30-05-2019, proferido no processo n.º 2677/10.0TBGMR.G1] com o seguinte sumário:
“I- Verifica-se uma desarmonia entre o regime consagrado no n.º 2 do art.º 244º do CPPT – nos termos do qual proíbe, em sede de execução fiscal, a venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim – e o previsto no n.º 1 do art.º 794º do CPC – que, em caso de dupla penhora sobre os mesmos bens, determina a sustação, quanto a estes, da execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
II- Considerando que:
- o CPTT não prevê o impulso da execução fiscal por parte dos credores reclamantes;
- para haver lugar à intervenção na execução onde o bem foi primeiro penhorado é necessário ainda que essa execução esteja numa situação dinâmica, a correr os seus termos processuais normais;
- a Lei n.º 13/2016, de 23 de maio, impede efetivamente que em tais processos de execução fiscal, instaurados por iniciativa da Autoridade Tributária e Aduaneira, haja lugar à venda de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado fora dos casos aí previstos.
III- Carecendo, por isso, os credores reclamantes de tutela judiciária através da reclamação dos créditos no processo de execução fiscal, na medida em que se sobrepõe o impedimento da realização da venda, a única alternativa lógica e viável que se revela é o levantamento da sustação da execução comum respetiva.
IV- Não havendo norma expressa que o preveja, nem regra para caso análogo, impõe-se que o julgador recorra ao processo de integração da lacuna através da analogia iuris (cfr. art.º 10º, n.º 3 do Código Civil), tal como:
- No caso de na execução prioritária ser legalmente sobrestada a venda do bem penhorado, deve ser declarada a cessação da sustação da execução cuja penhora tenha sido realizada posteriormente, segundo a ordem de antiguidade, com as consequências legais.
V- Assim, a execução comum na qual está penhorado um imóvel que constitui a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar poderá prosseguir a sua marcha não obstante incidir penhora, com registo anterior, sobre o mesmo bem em execução fiscal, no âmbito da qual está proibido proceder à realização da venda do imóvel por força do disposto no n.º 2 do art.º 244º do CPPT, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2016, de 23/05.”
Também o STJ, chamado a pronunciar-se sobre a questão, tomou posição no acórdão de 23/01/2020 (Rosa Tching) [Pº 1303/17.0T8AGD.B.P1.S1] com o seguinte sumário:
“I.- Da conjugação do disposto no artigo 671.º, n.º 2, alínea a), com o preceituado no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), ambos do Código de Processo Civil, resulta que pode ser objeto de revista o acórdão da Relação que aprecie decisão interlocutória sobre questão de natureza adjetiva quando o mesmo «esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme». II. A ratio legis da norma do artigo 794º, nº1 do Código de Processo Civil, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa relação de dinâmica processual ou, pelo menos, a possibilidade do dinamismo da execução em que primeiramente ocorreu a penhora sobre o mesmo bem e em que o credor deve fazer a reclamação do seu crédito. III. Não está nessa situação de dinamismo processual a execução fiscal em que a Autoridade Tributária está impedida, nos termos do disposto no artigo 244º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, de promover a venda do imóvel penhorado por este constituir a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar. IV. Tendo sido suspensa, nos termos do disposto no artigo 794º, nº1 do Código de Processo Civil, a execução comum em que foi penhorado imóvel do executado destinado exclusivamente a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar e sobre o qual incide penhora com registo anterior realizada em execução fiscal e encontrando-se esta execução parada por a Autoridade Tributária não poder promover a venda deste imóvel, em virtude do impedimento legal constante do artigo 244º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, impõe-se determinar o levantamento da sustação da execução comum, que deve prosseguir os seus termos, com citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos na execução comum.”
Para além das decisões citadas no Acórdão ora transcrito, seguiram ainda a primeira tese, as seguintes decisões (elencadas por ordem cronológica crescente):
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16-05-2019 (Pº 2075/17.4T8SLV.E1, rel. MARIA DA GRAÇA ARAÚJO): “Sustada uma execução por o bem aí penhorado já o ter sido no âmbito de execução fiscal, aquela execução não pode prosseguir enquanto for possível que o processo de execução fiscal evolua para a fase da venda do bem penhorado”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-05-2020 (Pº 367/16.9T8CVL-C.C1, rel. ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO): “I – A Lei 13/2016, de 23 de Maio, veio alterar o art.º 244.º do CPPT, tendo em vista como resulta do seu art.º 1.º, a protecção da casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado.
II - A aparente desarmonia do regime em causa criada pelo n.º 2 do art.º 244º do CPPT só resulta da interpretação deste preceito que, forçosamente não pode ser literal, sendo manifesto que nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das ações executivas cíveis. Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente/recorrente terá que reclamar o seu crédito e o direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado.
III - Assim, a solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2, que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda, dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias.
IV - Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.
V - Tanto mais que a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada, atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º, n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior.
VI - Advogamos a posição/tese de que a interpretação do art.º 244º, n.º 2, do CPPT, de que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo, não viola qualquer preceito legal ou constitucional.
VII - No caso presente o exequente/recorrido é um credor com garantia real sobre o bem penhorado na execução fiscal, logo foi citado para os termos da mesma, nos termos dos art.ºs 239.º e 240.º do CPPT. Tendo aí reclamado o seu crédito, dúvidas não temos de que a autoridade fiscal terá de dar início ao procedimento de venda do bem penhorado, por força do n.º 1 do art.º 244.º do CPPT, embora esteja impedida de ter, com tal venda, o objectivo de pagamento coercivo dos créditos fiscais, mas não poderá ignorar o legítimo pagamento dos créditos reclamados e que venham a ser verificados, reconhecidos e graduados conforme lhes competir”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-11-2020 (Pº 12475/18.7T8SNT-A.L1-8, rel. LUÍS CORREIA DE MENDONÇA): “1. Depois da Lei n.º 13/2016, de 23 de maio, a venda judicial da casa de habitação permanente do executado passou a ter particulares restrições.
2. A protecção da habitação do executado apenas se faz nos casos em que se sacrifica a posição do fisco, mas não a dos demais credores.
3. Pendendo duas execuções contra o mesmo executado, com sucessivas penhoras em cada uma delas do mesmo imóvel, de valor patrimonial tributário não superior a € 574.323,00 efectivamente afecto à habitação do devedor, e do seu agregado familiar, e sendo a penhora fiscal a primeira penhora em tempo, a Administração Fiscal não pode promover, nos casos aí contemplados, a venda desse bem, mas o artigo 244.º, 2, do CPPT não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25-11-2021 (Pº 555/14.2T8PTG-A.E1, rel. JOSÉ MANUEL BARATA): “I.- A execução sustada ao abrigo do disposto no artigo 794.º/1, do C.P.Civil não confere ao exequente a faculdade de pedir a venda do imóvel penhorado em sede de execução civil, mesmo que na execução fiscal se aguarde o desenvolvimento de um acordo de pagamento.
II.- Incumbe ao exequente aguardar que, no processo fiscal, se atinja a fase da venda ou desistir da execução do bem que deu origem à sustação da execução e nomear outros bens à penhora – Artigos 794.º/3 e 809.º do CPC”.
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13-01-2022 (Pº 5935/17.9T8VNF-C.G1, rel. JOSÉ CRAVO): “Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado”.
E alinharam com a segunda tese, ainda, os seguintes arestos:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-09-2017 (Pº 1420/16.4T8VIS-B.C1, rel. FONTE RAMOS): “1. A ratio legis da norma do art.º 794º do CPC, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de protecção tanto do devedor executado, como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual.
2. Com o estatuído no seu n.º 1 pretende-se evitar que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens`; a liquidação tem de ser única e, em princípio, há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar.
3 Inexistindo inércia da Fazenda Nacional na tramitação da execução fiscal (com penhora prioritária) mas, apenas, a consequência decorrente do regime jurídico que impede a venda, nesse processo, de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado (art.º 244º, n.º 2 do CPPT, na redacção conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23.5), afigura-se que, inviabilizado na execução fiscal mecanismo algum de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum (o credor reclamante, neste caso credor hipotecário, não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma), não resta alternativa ao levantamento da sustação da execução comum para que se providencie pela actuação conducente à realização da venda no processo executivo cível, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de graduação”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06-12-2018 (Pº 2267/16.3T8STB-B.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO): “A penhora de um bem em execução comum que antes fora penhorado numa execução fiscal que se mostra pendente determina a suspensão da primeira e o exequente comum deverá reclamar o seu crédito na execução fiscal”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-02-2019 (Pº 985/15.2T8AGH-A.L1-6, rel. CARLOS MARINHO): “O disposto no n.º 1 do art.º 794.º do Código de Processo Civil deve ser lido como referindo a pendência de execuções efectivas com potencialidade de atingirem o seu fim último de materialização coerciva de direitos, incidentes sobre os mesmos bens, o que afasta do seu âmbito as execuções definitivamente inviabilizadas antes de atingirem a sua finalidade última face ao disposto no n.º 2 do art.º 244.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-05-2019 (Pº 2132/17.7T8VCT-B.G1, rel. FERNANDA PROENÇA FERNANDES): “I. Não existindo inércia da Fazenda Nacional na tramitação da execução fiscal (com penhora prioritária) mas, apenas, a consequência decorrente do regime jurídico que impede a venda, nesse processo, de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado (art.º 244º, n.º 2 do CPPT, na redacção conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23.5), deve levantar-se a sustação da execução comum.
II. Não será de aplicar o disposto pelo art.º 850º nº 2 do Código de Processo Civil à execução fiscal (que como resulta do art.º 2º al. e) do CPPT, seria aplicável subsidiariamente), pois que tal norma exige, para que o credor reclamante possa requerer a renovação da execução, que esta esteja extinta, extinção essa que não ocorreu.
III. Ao prosseguimento da execução comum, onde foi efectuada a segunda penhora, não obsta o disposto no art.º 822º do C. Civil, já que, a A.T. pode vir reclamar o seu crédito nesta outra execução, devendo para isso ser notificada ao abrigo do preceituado no art.º 786º do Código de Processo Civil, sendo o seu crédito graduado no lugar que lhe competir”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-09-2019 (Pº 1183/18.9T8SNT.L1-2, rel. PEDRO MARTINS): “Se o processo fiscal, em que foi feita uma penhora anterior de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, não pode levar à venda do imóvel, por força do impedimento do art.º 244/2 do CPPT na redacção dada pela Lei 13/2016, o processo comum onde foi feita a penhora posterior não deve ser suspenso, mas sim prosseguir para a venda, notificando-se a AT para reclamar os créditos fiscais na execução comum”;
- Ac. do TRL de 22-10-2019 (Pº 2270/07.4TBVVFX-B.L1, rel. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA): “I.–No que tange à articulação entre o disposto no art.º 794º, nº1, do Código de Processo Civil, com art.º 244º, nº2, do CPPT, existem duas posições em confronto.
II.–Segundo uma, o art.º 244º, nº 2, do CPPT, deve ser interpretado restritivamente no sentido de que a impossibilidade legal de venda do imóvel penhorado só ocorre nos casos em que a Autoridade Tributária seja o único interveniente no processo fiscal, nada obstando a que se proceda a essa venda na execução fiscal por impulso do credor comum.
III.–A esta posição contrapõe-se outra, segundo a qual o credor reclamante não pode prosseguir com a execução fiscal sustada, nomeadamente requerer o prosseguimento da execução e diligências de venda, a qual está legalmente impedida no âmbito desse processo fiscal pelo art.º 244º, nº2, do CPPT, devendo prosseguir a execução comum, com citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos.
IV.–Os argumentos que sustentam a segunda tese são mais impressivos e pertinentes, sendo que esta segunda tese foi sancionada pelo Tribunal Constitucional que, nos Acórdãos nºs. 610/2017 e 329/2019, bem como na decisão sumária nº 728/2018, considerou que o artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, configura um impedimento à venda judicial do imóvel penhorado no âmbito do processo de execução fiscal, mas não nos autos de execução comum”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23-04-2020 (Pº 91/14.7TBBNV-B.E1, rel. VÍTOR SEQUINHO): “A execução sustada relativamente a um imóvel com penhora anterior em execução fiscal deverá prosseguir se, nesta última, o mesmo imóvel não puder ser objecto de venda devido ao disposto no n.º 2 do artigo 244.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-05-2020 (Pº 2342/16.4T8AGD-B.P1, rel. JOÃO PROENÇA): “I - Quando sobre o imóvel penhorado em execução cível incide penhora com registo anterior, no âmbito de uma execução fiscal onde o imóvel penhorado não pode ser vendido por se tratar de casa de morada de família do executado (Lei 13/2016), não deve ser sustada a execução cível, nos termos do artigo 794.º, n.º 1, CPC.
II - Sendo impossível a venda do imóvel na execução fiscal por força do disposto no artigo 244.º, n.º 2, CPPT, por se tratar de casa de morada de família, cessa a razão de ser do artigo 794.º, n.º 1, Código de Processo Civil, devendo a AT reclamar o seu crédito na execução comum, após a citação prevista no artigo 786.º, n.º 1, alínea b), para ser graduado no lugar que lhe competir”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-09-2020 (Pº 3165/19.4T8STB-B.E1, rel. CRISTINA DÁ MESQUITA): “O regime especial constante do n.º 2 do artigo 244.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2016, de 23.05, em caso algum pode obstar à venda de prédio penhorado em processo executivo civil, ainda que o mesmo constitua a habitação permanente do executado e/ou do seu agregado familiar”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2021 (Pº 5729/19.7T8LRS-A.L1.S1, rel. TIBÉRIO NUNES DA SILVA): “I. De acordo com o disposto no nº 2 do art.º 244º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), não ocorrendo alguma das excepções previstas nos nºs 3 e 6 do mesmo artigo, não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim.
II. Se um imóvel, nessas condições, tiver sido objecto de penhora, primeiro numa execução fiscal e depois numa execução comum, esta não deve ser suspensa, nos termos do n.º 1 do art.º 794.º do CPC, sendo a Fazenda Pública citada para nela reclamar os seus créditos.
III. A ratio legis da norma do artigo 794º, nº 1 do Código de Processo Civil, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de protecção tanto do devedor executado como dos credores exequentes, vai no sentido de que ambas as execuções se encontrem numa relação de dinâmica processual ou, pelo menos, que se verifique a possibilidade de prossecução daquela em que a penhora for mais antiga, o que não acontece com a execução fiscal, face ao impedimento decorrente do mencionado art.º 244º, nº 2, do CPPT”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-06-2021 (Pº 936/17.0T8PRT-B.P1, rel. AUGUSTO DE CARVALHO): “I - O artigo 244º, nº 2, do CPPT, na redação dada pela Lei nº 13/2016, visa proteger a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado.
II - A proteção da casa de morada de família que aquele normativo pretende prosseguir é de exclusiva aplicação aos processos de execução fiscal, não tendo a virtualidade de impedir que outro credor com penhora, ainda que posterior, sobre o mesmo imóvel, promova na execução comum a realização da venda, distribuindo-se o produto da mesma, de acordo com o que resultar da sentença de graduação dos créditos”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23-09-2021 (Pº 1474/19.1T8LLE.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO): “Quando sobre o imóvel penhorado em execução cível incide penhora com registo anterior, no âmbito de uma execução fiscal onde o imóvel penhorado não pode ser vendido por se tratar de casa de morada de família do executado, ainda que previamente haja sido sustada, a execução cível deve prosseguir nos termos do n.º 1 do artigo 794.º do Código Civil”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2021 (Pº 906/18.0T8AGH.L1.S1, rel. JORGE DIAS): “I - Por força do disposto no nº 2, do art.º 244º, do CPPT (Código de Processo e de Procedimento Tributário), quando a penhora incidiu sobre imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, a Administração Fiscal não pode promover a venda desse bem.
II - Assim como não pode promover a venda nesse processo, um credor (exequente em execução comum sustada nos termos do art.º 794º do CPC) que nesse processo tenha reclamado o seu crédito.
III - Verificar-se-á um cerceamento dos direitos do credor exequente o “obrigá-lo” a reclamar o seu crédito em execução (comum ou fiscal) que se encontra suspensa por período temporal superior a 10 anos, na sequência de acordo de pagamento.
IV - A razão da norma do artigo 794º, nº 1 do CPC, prevenindo a certeza jurídica de que apenas se verifica uma adjudicação ou venda relativamente ao mesmo bem, também implica que se verifique a possibilidade de prossecução normal da execução em que a penhora for mais antiga, o que não acontece em execução suspensa por longo período temporal como o é um período de mais de 10 anos, assim como não acontece em execução fiscal, quando se verifica o impedimento decorrente do art.º 244º, nº 2, do CPPT”;
-Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2021 (Pº 421/21.5T8SRE-A.C1,rel. ARLINDO OLIVEIRA): “I) Penhorado em execução cível um imóvel que constitua a casa de morada de família dos executados e sobre o qual incide uma outra penhora anterior realizada no âmbito de um processo de execução fiscal na qual tal imóvel não pode ser vendido a requerimento da Fazenda Nacional (artigo 244.º, n.º 2, do CPPT), o exequente cível que tenha reclamado o seu crédito na execução fiscal não pode prosseguir com esta a fim de nela ser vendido o imóvel penhorado.
II) Na situação referira em I), o artigo 794.º, n.º 1, do CPC, não obsta a que a execução cível prossiga a fim de nela se promover a venda do imóvel penhorado, com citação da Fazenda Nacional, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 788.º do CPC, para, querendo, reclamar os seus créditos”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-06-2022 (Pº 639/21. 0T8SRE-A.C1, rel. MÁRIO RODRIGUES DA SILVA): “I - O artigo 244º, nº 2, do CPPT, na redação dada pela Lei nº 13/2016, visa proteger a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado.
II - A proteção da casa de morada de família que aquele normativo pretende prosseguir é de exclusiva aplicação aos processos de execução fiscal, não impedindo que outro credor com penhora, ainda que posterior, sobre o mesmo imóvel, promova na execução comum a realização da venda”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-2022 (Pº 639/21.0T8SRE-A.C1.S1, rel. VIEIRA E CUNHA, com declaração de voto de vencido da Cons. ANA PAULA LOBO): “I – O disposto no art.º 244.º n.º2 do CPPT, na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2016 de 23 de Maio, aplicável exclusivamente à execução fiscal, estabelece que não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afecto a esse fim.
II – Conjugando a norma em causa com a do art.º 794.º n.º1 do CPCiv, “execução pendente”, para efeitos do disposto nesse art.º 794.º n.º1 do CPCiv, é aquela que se encontra a correr os seus termos normais, opondo-se à execução que não chegou ao pagamento da quantia exequenda, nem se perspectiva que o possa ser, na vigência da lei que lhe é aplicável – designadamente, a execução fiscal parada, por impossibilidade de venda do bem, enquanto habitação própria e permanente do devedor.
III - O art.º 794.º n.º1 do CPCiv não é de aplicar à execução onde, num primeiro momento, se verificou a penhora de bem idêntico, mas que, posteriormente, ficou parada pela proibição, imposta por lei, da venda do bem penhorado – nesse caso, a execução que ficou sustada, à luz da norma do art.º 794.º n.º 1 do CPCiv, deve prosseguir os respectivos termos”.
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-10-2022 (Pº 5729/19.7T8LRS-A.L1-2, rel. JORGE LEAL): “I. Por força do disposto no n.º 2 do art.º 244.º do CPPT, se o imóvel penhorado pelas Finanças, no âmbito de execução fiscal, se destinar exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, e estiver efetivamente afetado a esse fim, não haverá lugar (no processo de execução fiscal) à realização da sua venda (posto que não se verifique nenhuma das exceções previstas nos n.ºs 3 e 6 do art.º 244.º).
II. Nesse caso, se o mesmo imóvel tiver sido objeto de penhora mais recente em execução comum, esta não deve ser suspensa ao abrigo do n.º 1 do art.º 794.º do CPC, mas deve prosseguir, sendo a Fazenda Pública citada para aí reclamar os seus créditos”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-12-2022 (Pº 175/20.2T8AGH.L1-7, rel. ISABEL SALGADO): “1. Face ao disposto no artigo 244º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), caso o imóvel penhorado no âmbito de execução fiscal esteja afecto exclusivamente à habitação própria e permanente do executado devedor, ou do seu agregado familiar, não haverá lugar à sua venda (não se verificando nenhuma das excepções previstas nos n.ºs 3 e 6 daquele dispositivo).
2. Na circunstância de sobre o mesmo imóvel recair penhora mais recente, da qual beneficia o credor em execução comum, cessa o pressuposto da sustação previsto no artigo 794º, nº1, do CPC, devendo prosseguir termos para a venda do imóvel, em ordem à efectiva satisfação do seu crédito, no lugar em que for graduado.
3. Inexistindo no CPPT preceito equivalente ao disposto no artigo 850º do CPC, não pode o credor comum reclamante requerer na execução fiscal o prosseguimento para satisfação do seu crédito; tal interpretação agilizada dos preceitos legais em oposição, permite ultrapassar o impasse ocasionado, com a salvaguarda da tutela efectiva do direito do credor comum”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-03-2023 (Pº 564/20.2T8ANS-B.C1, rel. FONTE RAMOS): “Inexistindo inércia da Fazenda Nacional na tramitação da execução fiscal (com penhora prioritária) mas, apenas, a consequência decorrente do regime jurídico que impede a venda, nesse processo, de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado (art.º 244º, n.º 2 do CPPT, na redação conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23.5), e inviabilizado na execução fiscal mecanismo algum de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum (que não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma), não resta alternativa ao levantamento da sustação da execução comum para que se providencie pela atuação conducente à realização da venda no processo executivo cível, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de graduação. Entendimento contrário, postergaria os mais elementares princípios do processo executivo e afrontaria, necessariamente, o direito de propriedade privada constitucionalmente garantido e a garantia do credor à satisfação do seu crédito (art.º 62º, n.º 1 da CRP), tornando, pelo menos, desproporcionadamente mais difícil ou onerosa a satisfação do direito do exequente (com violação do art.º 18 da CRP)”.
Esta última orientação é também a perfilhada por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 209), referindo que o disposto “no artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, configura um impedimento à venda judicial do imóvel penhorado que apenas vigora no âmbito do processo de execução fiscal, e já não no processo de execução comum”. Acrescentando-se que, em face do “teor taxativo do n.º 2 do art.º 244.º do CPPT (“não há lugar à realização de venda”), o credor reclamante não pode prosseguir com a execução fiscal sustada, nomeadamente para requerer o prosseguimento da execução e da venda, por estar legalmente impedida no âmbito do processo tributário, e o CPPT não prevê o prosseguimento da execução fiscal por impulso dos credores reclamantes, faltando uma norma equivalente ao art.º 850.º, n.º 2. Assim, estando suspensa a execução fiscal, não pode funcionar o regime previsto no art.º 794.º, n.º 1, que tem como pressuposto a ausência de qualquer impedimento legal ao prosseguimento normal da execução prioritária”.
Parece-nos ser esta (a segunda tese) a orientação que melhor corresponde à conjugação interpretativa dos aludidos preceitos legais, à sua ratio e à dos regimes jurídicos que, na matéria, disciplinam o processo civil e o processo tributário.
De facto, considerando a previsão do mencionado artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, afigura-se que o legislador visou impedir a venda de imóvel que constitua casa de morada de família do executado “…no âmbito de processos de execução fiscal” (conforme decorre do preâmbulo da Lei n.º 13/2016, de 26 de maio).
Tal impedimento de venda “não é meramente subjectivo, porque não é estabelecido em função do exequente (a Autoridade Tributária), mas, antes, um impedimento objectivo processual, estabelecido em função do processo: não pode ter lugar a venda de imóvel que seja casa de morada de família no âmbito de processo de execução fiscal, salvo no caso de o próprio executado/penhorado requerer a cessação do impedimento da venda na execução fiscal (art.º 244º nº 6 do CPPT) ou se o valor tributável do imóvel se enquadrar na “taxa máxima prevista para aquisição de prédio urbano ou fracção de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria permanente em sede de imposto sobre transmissões onerosas de imóveis.” (art.º 244º nº 3 do CPPT)” (assim, o referido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-09-2021 (Pº 5766/20.9T8ALM-A.L1-6, rel. ADEODATO BROTAS).
Assim, o credor cível que tenha ido reclamar créditos no âmbito da execução fiscal, não pode requerer nessa execução fiscal, a venda do imóvel penhorado que seja casa de morada de família, sendo certo que, inexiste no Processo de Execução Fiscal norma semelhante ao art.º 850º nº 2 do CPC – cfr. sobre o ponto, os Acórdãos do STA, de 15-02-2007, Pº 01065/06, rel. JORGE DE SOUSA; de 27-06-2007, Pº 0446/07, rel. ANTÓNIO CALHAU; e de 03-02-2016, Pº 087/15, rel. ANA PAULA LOBO). A única situação em que no processo de execução fiscal se admite que a execução fiscal prossiga por iniciativa de credor particular é o caso de sub-rogação, isto é, quando terceiro paga a dívida exequenda (cfr. art.º 92.º n.º 2 do CPPT), a qual não se verifica na situação em apreço.
Ressalvado o aludido caso da sub-rogação, a tramitação no processo de execução fiscal deve ser promovida pelo órgão da execução fiscal durante a “fase administrativa” (artigos 10.º n.º 1, al. f) e 152.º n.º 1 do CPPT) e pelo representante da Fazenda Pública na “fase judicial” (art.º 15.º n.º 1 al. a) e n.º 2, do CPPT).
Se o executado pagar voluntariamente a dívida fiscal exequenda, a execução extingue-se, só prosseguindo para satisfação dos interesses dos credores reclamantes no caso de o pagamento ter ocorrido após a venda do bem penhorado (artigos 264.º n.º 1 e 265.º n.º 3 do CPPT).
Ora, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-10-2020 (Pº 5729/19.7T8LRS-A.L1-2, rel. JORGE LEAL): “se o credor comum considerar, como a nós nos parece, que não tem jus à prossecução da execução fiscal nos termos já acima referidos, não faz sentido compeli-lo a reivindicá-la perante o órgão de execução fiscal e, depois, perante a autoridade jurisdicional (da 1.ª instância e, eventualmente, depois em sede de recurso para o TCA competente e/ou para o STA)”.
Ou seja, conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-2022 (Pº 639/21.0T8SRE-A.C1.S1, rel. VIEIRA E CUNHA), “não faz sentido aplicar a previsão do art.º 794.º n.º1 do CPCiv a uma execução anterior que não pode prosseguir.
Tanto como é desrazoável ter que afirmar que o credor comum, numa simples situação de potencial concorrência de execuções, não encontra protecção na legislação ordinária, havendo que recorrer à norma constitucional.
A verdade é que execução pendente, para efeitos do disposto no art.º 794.º n.º 1 do CPCiv, é aquela que se encontra em movimento, isto é, a correr os seus termos normais.
Execução pendente opõe-se a execução simplesmente parada, que não chegou ao seu fim normal de pagamento da quantia exequenda, nem se perspectiva que o possa ser, na vigência da lei que lhe é aplicável – designadamente, a execução fiscal parada, por impossibilidade de venda do bem, enquanto habitação própria e permanente do devedor”.
Contudo, para que a execução cível, sustada nos termos do artigo 794.º, n.º 1, do CPC (por existência de prévia penhora do mesmo bem imóvel, efetuada em processo de execução fiscal) possa prosseguir, no que respeita à concretização da venda do bem também aí penhorado, mostra-se necessário que nos encontremos, de facto, perante uma tal situação de “paralisação”, que justifique o levantamento da sustação antes determinada e a renovação da instância executiva declarada extinta.
E, nessa medida, bem se compreende que o Tribunal deva averiguar, junto da execução fiscal, os pressupostos de facto que poderão determinar o levantamento da sustação da execução, decretada ao artigo do artigo 794.º, n.º 1, do CPC.
Entre esses pressupostos conta-se o de aferir, por um lado, se o imóvel penhorado está “destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim” (cfr. artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, na redação dada pela Lei n.º 13/2016, de 26 de maio) e não se trate de imóvel “cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis” (cfr. artigo 244.º, n.º 3, do CPPT, porque se for esta a situação, a impossibilidade de realização de venda do imóvel prevista no n.º 2 do art.º 244º do CPPT não se aplica) e, por outro lado, apurar se a penhora efetuada no processo de execução fiscal se vai manter e o bem penhorado aí vai ser vendido.
Ora, os presentes autos não evidenciam a realização de qualquer diligência no sentido de se apurar em que estado se encontra, presentemente, a execução fiscal.
De facto, parece-nos insuficiente para aquilatar da ocorrência de uma situação que justifique o levantamento da sustação da execução nos termos deste normativo, quer os argumentos expendidos na decisão recorrida – de que não ocorre situação a que se refere o artigo 850.º do CPC - , quer a mera circunstância de a Autoridade Tributária informar que a execução fiscal aguarda a conclusão da resolução de “um processo de contencioso apresentado”, assim como o é, o mero facto de a execução fiscal pender “há quase 10 anos”.
Isso mesmo se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-11-2019 (Pº 1860/18.4T8AGD-A.P1, rel. JOÃO VENADE): “Para se determinar se uma execução para pagamento de quantia certa deve ou não manter-se suspensa em relação a um bem imóvel primeiramente penhorado em execução fiscal e que constitui casa de morada de família do executado (artigos 794.º, n.º 1, do C. P. C. e 244.º, do C. P. P. T.), tem o tribunal onde aquela corre de averiguar, sem prejuízo do dever das partes em o esclarecerem, se a penhora efetuada no processo fiscal se vai manter e se o bem vai ser vendido para pagamento do crédito exequendo aí reclamado”.
Conforme se expendeu na fundamentação deste aresto: “(…) se por qualquer motivo a exequente Fazenda Nacional não diligencia pelo levantamento da penhora, na nossa visão, não pode o tribunal na execução comum desde logo decidir pelo seu prosseguimento.
Estando em causa uma penhora que não pode subsistir e pode violar os acima indicados preceitos legais (artigos 219.º, n,º 5 e 244.º, n.º 2, do C. P. P. T.) e/ou a persistência numa venda que não pode ser efetuada, essa conclusão tem de ser retirada na execução fiscal e não na execução comum por esta não ter competência para aferir a prática de atos processuais noutros processos e, no caso, de outra jurisdição.
O exequente pode eventualmente estar a ser lesado pelo incumprimento das regras relativas à penhorabilidade e venda do bem por não obter o pagamento do seu crédito (em primeira linha quem é o lesado é o executado cujo bem foi penhorado) mas a procura da cessação dessa violação é alheia ao processo comum não tributário.
Na execução tributária podem ocorrer situações que venham a permitir a penhora e subsequente venda (por exemplo, discutir-se na execução fiscal se o imóvel é a residência permanente do executado, qual o seu valor patrimonial à data da penhora, apuramento da existência do crédito exequendo ou, tendo havido reclamação de créditos, aceitar-se a nível de execução tributária que essa execução pode prosseguir para pagamento dos créditos reclamados e também do crédito do Estado – J. H. Delgado de Carvalho, «As alterações introduzidas pela lei n.º 13/2016, de 23/5, no Código de Procedimento e de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária e as suas repercussões no concurso de credores», página 10, blog do IPPC de 11/07/2016 -.).
E seja nestas últimas situações ou noutras em que se coloque a hipótese de que o bem pode ser penhorado e vendido, seja quando não se cumpre a legalidade tributária e não se afaste o vício, não tem o tribunal do processo executivo comum competência para determinar que ocorre tal eventual vício ou que pode a execução prosseguir sem estarem preenchidos os pressupostos para que a execução possa deixar de estar suspensa (deixando de haver penhora ou deixando de a execução fiscal estar a prosseguir para a venda desse bem).
Pode suceder, como referimos, que a penhora na execução fiscal se mantenha e aí se prossiga para a venda desse bem para pagamento também do crédito reclamado e nessa situação a execução comum tem de se manter suspensa.
A lei é clara ao impor que havendo mais do que uma penhora sobre um bem o exequente tem de reclamar o seu crédito na execução mais antiga – citado artigo 749.º, n.º 1, do C. P. C. -; para se determinar se subsiste esta situação, tem de ser o processo executivo onde primeiro se realizou a penhora a aferir se no outro processo a penhora se mantém ou se não se vai proceder à venda do bem penhorado.
Se os serviços competentes para a execução fiscal afirmarem que levantaram a penhora ou que não se vai proceder à venda do bem penhorado, então o tribunal da execução comum já pode concluir que não há a pendência de uma execução sobre os mesmos bens pois o exequente declarou que não se pretende pagar à custa desse bem duplamente penhorado e pode então fazer prosseguir a execução.
No caso concreto, apesar de o recorrente afirmar que os serviços de Finanças entendem que, nos termos do artigo 244.º, n.º 2, do C. P. P. T. (na redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2016 de 23/05), não há lugar à realização da venda do imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado, quando o mesmo esteja afeto a esse fim, o certo é que (daquilo a que temos acesso) não consta dos autos essa informação provinda do processo executivo fiscal nem que tal entendimento abranja créditos reclamados nessa mesma execução fiscal.
Importa que esses serviços esclareçam se afinal a penhora se mantém ou não e/ou se a venda se realiza ou não e qual tomada de posição em relação à reclamação de créditos que foi efetuada – se prossegue ou se fica impedida de prosseguir -.
Sem essa informação, a execução comum não pode prosseguir mas também não se pode nem decidir se a sustação da execução se mantém nem ainda se pode alterar o objeto da penhora; é necessário aferir o que vai suceder à penhora primeiramente realizada e depois é que se pode ponderar qual a decisão a tomar.
Se eventualmente a informação for omitida, restará às partes interessadas diligenciar pela atuação junto da exequente fiscal, mantendo-se os autos suspensos até que algo se demonstre que pode fazer cessar a mesma suspensão”.
A informação constante dos autos – materializada apenas nos dois emails remetidos pelo Serviço de Finanças de Elvas à exequente – é insuficiente para decidir se os presentes autos de execução cível podem ou não prosseguir os seus termos, desconhecendo este Tribunal se a execução fiscal se encontra inelutavelmente “paralisada”.
Só obtida que seja uma tal informação, poderá ser determinado o eventual levantamento da sustação antes determinada, com renovação da execução extinta, ou, decidido o respetivo indeferimento.
Cumprirá, pois, obter a informação pertinente que habilite o Tribunal a decidir sobre o requerimento apresentado pela exequente em 03-10-2022.
Assim, conclui-se que, “a decisão recorrida não pode manter-se pois o tribunal recorrido (sem prejuízo dos deveres das partes em especial do exequente, impulsionador principal dos autos), ao abrigo do dever de gestão processual - artigo 6.º, n.º 1, do C. P. C. - tem primeiro de averiguar se o «bem» se mantém penhorado, se assim se vai manter e ainda se vai ou não ser vendido na execução fiscal e se se visa que os credores venham a ser pagos com o produto dessa venda e só depois, obtendo a informação, pode concluir se a suspensão que foi determinada se se deve manter ou se os autos devem prosseguir” (cfr., o citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-11-2019,Pº 1860/18.4T8AGD-A.P1, rel. JOÃO VENADE; e, em igual sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-10-2022 (Pº 2446/17.6T8PDL.L1-7, rel. MICAELA DA SILVA SOUSA).
As considerações precedentes podem sintetizar-se nas seguintes proposições conclusivas:
- Para que a execução cível, sustada nos termos do artigo 794.º, n.º 1, do CPC (por existência de prévia penhora do mesmo bem imóvel, efetuada em processo de execução fiscal) possa prosseguir, no que respeita à concretização da venda do bem também aí penhorado, mostra-se necessário que nos encontremos, de facto, perante uma tal situação de “paralisação”, que justifique o levantamento da sustação antes determinada e a renovação da instância executiva declarada extinta;
- Nessa medida, bem se compreende que o Tribunal deva averiguar, junto da execução fiscal, se a execução fiscal se encontra suspensa e se o está por força do disposto no artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, na redação dada pela Lei n.º 13/2016, de 26 de maio;
- Sendo a informação constante dos autos insuficiente para decidir se a presente execução cível pode, ou não, prosseguir os seus termos, cumprirá ao Tribunal averiguar, ao abrigo do dever de gestão processual (cfr. artigo 6.º, n.º 1, do CPC), se a execução fiscal se encontra suspensa e se o está por força do disposto no artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, na redação dada pela Lei n.º 13/2016, de 26 de maio; e
- Só obtida que seja uma tal informação, poderá ser determinado o eventual levantamento da sustação antes determinada, com renovação da execução extinta, ou, decidido o respetivo indeferimento.

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De acordo com tudo o exposto, a apelação procederá, devendo ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que, sem prejuízo de outra informação que possa entretanto advir aos presentes autos de execução, averigue junto do processo de execução fiscal n.º … – S. F. Elvas, se a penhora aí efetuada se mantém e se, mantendo-se, o bem vai ser vendido (com indicação da sua finalidade e valor), para depois, consoante o que se apurar, se decidir no tribunal recorrido em relação à manutenção ou não da suspensão da execução, nos termos do artigo 794.º, n.º 1, do CPC.

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De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
O princípio da causalidade também funciona em sede de recurso, devendo a parte vencida nele ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado (cfr., Salvador da Costa; As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., Almedina, p. 8).
Em conformidade, a responsabilidade tributária incidirá sobre os recorridos/executados, que decaíram, para este efeito, integralmente, no presente recurso - cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.

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5. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Secção Cível, em revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que, sem prejuízo de outra informação que possa entretanto advir aos presentes autos de execução, averigue junto do processo de execução fiscal n.º … – S. F. Elvas, se a penhora aí efetuada se mantém e se, mantendo-se, o bem vai ser vendido (com indicação da sua finalidade e valor), para depois, consoante o que se apurar, se decidir no tribunal recorrido em relação à manutenção ou não da suspensão da execução, nos termos do artigo 794.º, n.º 1, do CPC.
Custas pelos recorridos/executados.
Notifique e registe.

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Lisboa, 22 de junho de 2023.

Carlos Castelo Branco
Pedro Martins
Higina Maria Almeida Orvalho da Silva Castelo