I - Só o tribunal da última decisão determina qual a parte responsável pelas custas sendo que a parte não condenada a final fica dispensada do pagamento do remanescente.
II - Não sendo as questões submetidas à apreciação do tribunal, em qualquer das instâncias, de complexidade anormal e sendo correta a conduta processual das partes, em processo com valor de € 384 835,66, respeitante a ação de indemnização de danos sofridos em acidente de viação, justifica-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em 75%.
AA, divorciada, contribuinte fiscal n.o ...96, residente na Rua ... ..., veio intentar esta ação declarativa sob a forma comum (para efetivação de responsabilidade civil em consequência de acidente de viação) contra Fidelidade, Companhia de Seguros SA, com sede no ... ..., em consequência de acidente de viação ocorrido no dia 15 de Agosto de 2013 em ..., ....
Na 1ª Instância foi proferido o seguinte despacho:
“Tudo ponderado, nos termos expostos e ao abrigo das disposições legais acima referidas, julgo a acção parcialmente procedente, por também parcialmente provada e, consequentemente, decido:
A- Condenar a ré Fidelidade – Companhia de Seguros SA, a pagar à autora AA, a quantia global de 253.415,66 euros (duzentos e cinquenta e três mil quatrocentos e quinze euros e sessenta e seis cêntimos), sendo 50.000,00 euros a título de danos não patrimoniais e 203.415,66 euros a título de danos patrimoniais, quantia global esta acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até pagamento;
B- Ao valor acima referido, será deduzido o montante recebido pela autora a título de arbitramento de reparação provisória (art. 388 nº 3 do Código de Processo Civil, cfr. processo apenso);
C- Absolver a ré do demais peticionado pela autora.”
Inconformada a ré interpôs, recurso de apelação que mereceu a seguinte deliberação do Tribunal da Relação:
“Acordam, pois, os juízes que compõem a 3ª Secção (2ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, em conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, com a consequente condenação da Apelante /Ré a pagar à Apelada /Autora a quantia global de € 150.273,66 (cento e cinquenta mil, duzentos e setenta e três euros e sessenta e seis cêntimos) acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos calculados nos termos supra descritos, até integral pagamento.”
Agora, inconformada a autora com o decidido pela Relação, interpõe recurso de Revista para este STJ e, sendo proferido acórdão com o seguinte dispositivo.
“Pelo exposto acordam, no STJ e 1a Secção Cível, em julgar procedente o recurso e, consequentemente, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a sentença quanto aos segmentos analisados.
Custas pela recorrida.”
“Os presentes autos contêm apenas, em termos de articulados, a petição inicial, a contestação, o articulado de liquidação/ampliação do pedido e a respetiva resposta, não tendo sido deduzidos outros articulados supervenientes ou quaisquer incidentes, tendo em conta que a prova produzida não excedeu a prova comummente existente em qualquer ação de valor igual ou inferior aos citados € 275.000,00, tendo ainda em consideração que o tempo médio de inquirição de cada uma das testemunhas não ultrapassou a normalidade, que apenas se realizou uma sessão de julgamento, que a matéria em discussão nos autos (responsabilidade civil extracontratual) não é especialmente complexa, acrescendo ainda o facto de a conduta processual das partes não merecer qualquer censura por ter sido irrepreensível e colaborante, crê-se que o montante dos € 1.632,00 pagos pela R. a título de taxa de justiça inicial, acrescidos dos € 816,00 mais € 510,00 pagos pela R. com cada uma das alegações nos dois recursos interpostos, um pela R., outro pela A., é proporcional ao serviço prestado, pelo que se requer a Vossas Excelências se digne proferir despacho a determinar a dispensa do pagamento de taxa de justiça remanescente, nos termos do art. 6º, nº 7, 2ª parte do RCP.
Caso assim não se entenda, sempre o valor remanescente a pagar deverá ser substancialmente reduzido em respeito ao já citado princípio da proporcionalidade.”
Notificado o Magistrado do Ministério Público pronunciou-se concluindo:
I- A pronúncia acerca da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente não pode contemplar a atividade processual desenvolvida na 1.ª e 2.ª instâncias;
II- Deve indeferir-se a peticionada dispensa do pagamento de taxa de justiça remanescente, por a mesma não ser devida.
Questão prévia.
A requerente pede a dispensa (total e subsidiariamente parcial/proporcional) do pagamento do remanescente da taxa de justiça, abrangendo todo o processo (taxas em todas as instâncias).
O Magistrado do Ministério Público entende que o requerimento só deve atender à taxa correspondente ao recurso de revista, porque o conhecimento lato sensu é da competência da 1ª Instância.
Tendo (o relator) já seguido entendimento igual ao expressado pelo Ministério Público, alteramos tal entendimento.
Mas, das três teses sobre qual o tribunal competente para analisar o requerimento de dispensa do pagamento da taxa remanescente temos como mais coerente com o sistema a que entende que a competência cabe ao tribunal da última decisão.
Esta é a posição seguida por esta 1ª Secção, conforme jurisprudência mais recente e, por todos referimos o acórdão de 29-03-2022, no Proc. nº 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1, “III. Cabe ao último grau de jurisdição apreciação da dispensa/redução da taxa de justiça devida não só nesse órgão (no caso de revista, o STJ) mas também na dos graus precedentes, abarcando toda a tramitação.”
Só o tribunal da última decisão determina qual a parte responsável pelas custas sendo que a parte não condenada a final fica dispensada do pagamento do remanescente.
É o que resulta do nº 9, do art. 14 do RCP, alterado através da Lei no 27/2019 de 28/3, dando-lhe a seguinte redação:
“9 - Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final”.
Neste aresto se remete a fundamentação para o acórdão deste STJ de 20/12/2021, no processo nº 2104712.8 TBALM.L1S1, que refere: “Neste contexto, parece mais correta a tese segundo a qual o último órgão jurisdicional que intervém deve apreciar não apenas a dispensa ou redução da taxa de justiça no respetivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes, como se reconheceu explicitamente nos Acs. do STJ, de 24-5-18, 1194/14 e de 8-11-18, 567/11, em www.dgsi.pt.
Aliás, esta é a única solução que se harmoniza com o regime da taxa de justiça remanescente que agora emerge do no 9 do art. 14o do RCP que recentemente foi introduzido, nos termos do qual a parte totalmente vencedora na ação - o que apenas se revela com o trânsito em julgado da decisão - fica desonerada do pagamento da taxa de justiça remanescente.
Este preceito revela que a condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das instâncias, com efeitos designadamente na exigibilidade da taxa de justiça remanescente, assume sempre natureza provisória, ficando a sua exigibilidade ou a sua quantificação dependente dos resultados futuros. Por isso, terminando o processo na Relação ou, depois, no Supremo, o apuramento da quantia devida a título de taxas de justiça remanescente, assim como a identificação do interessado a quem é de imputar a responsabilidade pelo seu pagamento estão condicionados pelo resultado que a final vier a ser declarado”.
O art. 6º nº 7 RCP que define o critério para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça está a pressupor um juízo de valoração global do processo, logo só pode ser feito com a decisão final, pelo que o argumento da autonomia dos recursos para efeito das custas (arts. 527º nº 1 CPC e 1 nº 2 RCP) não parece ser consistente, pois que uma coisa é a tributação autónoma em cada um dos graus de jurisdição, outra a dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça. É certo que a taxa de justiça integra as custas (art. 3º nº1 RCP), mas do que se trata não é da dispensa da taxa em cada um dos graus, mas da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a € 275.000,00.
E casos pode haver em que na 1a Instância não há lugar a aplicação de taxa remanescente e a pode haver nos recursos de apelação e de revista.
Suponhamos um procedimento cautelar com verificação de pressuposto que torne o recurso sempre admissível. Nesse caso não há lugar a taxa remanescente na 1a Instância, porque aí, é aplicável a tabela II-A anexa ao RCP, conforme art. 7º, nº 4 e, a taxa remanescente só tem lugar quando aplicável a tabela I, que é a sempre aplicável aos recursos, conforme nº 2 do referido art. 7º.
Pelo que não faria sentido conferir, à 1a Instância, o conhecimento da dispensa ou não, do pagamento do remanescente da taxa de justiça em processo no qual, nessa instância, não se aplica essa regra.
Assim que se toma conhecimento do requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, relativamente ao processo como um todo, ou seja, das taxas de justiça devidas nas instâncias onde correu o processo.
O valor processual fixado é de 384.835,66€, despacho de 17-06-2021 (que alterou o anterior valor fixado de 33540.51€, fixado pelo despacho de 11-03-2015 e que correspondia ao valor indicado na petição).
Nos termos do nº 7 do art. 6º do RCP o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta exceto se o juiz, de forma fundamentada, o dispensar, total ou parcialmente.
A requerente termina o seu requerimento pedindo que seja dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ou que seja tido em conta o princípio da proporcionalidade.
É sobre este pedido que o Tribunal tem de se pronunciar, em termos de procedência (total ou parcial) ou, improcedência.
Atualmente (vigência do RCP) a taxa de justiça corresponde à contrapartida devida pelo impulso processual de cada parte, sendo fixada em função do valor e complexidade da causa – Cfr. art. 6º, n.º 1, do RCP e art. 529º, n.º 2, do CPC.
E o art. 1º do RCP, no seu n.o 2 refere que a taxa de justiça incide sobre cada processo autónomo tributável, considerando-se como tal, cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso.
O art. 6º do RCP estabelece as regras gerais de fixação da taxa de justiça correspondente ao caso concreto e, o art. 7º do mesmo diploma estabelece as regras especiais, sendo que as regras gerais abarcarão todas as situações não previstas nas regras especiais.
Verificando-se o exagero ou desproporcionalidade entre a taxa remanescente e a especificidade da situação (complexidade da causa e trabalho produzido) há sempre a possibilidade de ser requerida, ou decidida oficiosamente, a dispensa (total ou parcial) do pagamento dessa taxa remanescente.
Concretizando:
Alega a requerente:
- O valor da presente ação é de €384.835,66, excedendo o valor de € 275.000,00 estabelecido no n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
- As partes têm mantido uma conduta processual correta, não tendo havido quaisquer manobras dilatórias que prejudicassem o normal andamento do processo.
- A causa não acarretou especial complexidade.
Vem sendo entendimento da jurisprudência que a norma constante do nº 7 do artº 6º do RCP (Regulamento das Custas Processuais) deve ser interpretada no sentido de o juiz poder corrigir o montante da taxa de justiça quando o valor da ação ultrapasse o montante máximo fixado como limite de cálculo da taxa de justiça com base no valor da causa (€275.000) e, dispensar (ou não) o pagamento da totalidade ou de uma parte, do remanescente da taxa de justiça devida a final, ponderando as circunstâncias do caso concreto (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), servindo de orientação os princípios da proporcionalidade e da igualdade.
Ou seja, o RCP estabelece um sistema misto de cálculo final da taxa de justiça processual, que assenta somente no valor da ação até um certo limite máximo e na possibilidade de correção da taxa de justiça para menos (dispensa total ou parcial do remanescente) quando se trate de processo de valor tributário assinalável (superior àquele limite máximo de €275.000), e que não seja considerado de excecional complexidade.
O STJ, no acórdão, de 12-12-2013, no Proc. n.o 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1 refere: O Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 34/2008, de 26 de Dezembro – que sucedeu ao Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.o 224-A/96, de 26 de Novembro - procurou adequar “o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da Justiça nos respectivos utilizadores”.
E acrescenta, “Esta possibilidade de graduação prudencial do montante das custas devidas nos procedimentos de valor especialmente elevado só veio a ser consagrada pela Lei n.o 7/2012, de 13 de Fevereiro, que aditou ao artigo 6.º do RCP um n.º 7 em que, em estreito paralelismo a norma que figurava no artigo 27.º, n.º 3, do CCJ, se prevê: «Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento»”.
No caso dos autos temos que:
- Trata-se de processo em que a autora peticiona indemnização contra a seguradora da responsável pelo acidente de viação, do qual resultaram danos.
- O processo foi tramitado normalmente em 1a Instância, culminando na sentença proferida, após audiência de julgamento.
- No recurso de apelação as questões a analisar e decidir respeitavam:
“São três as questões a dilucidar no presente recurso, como se alcança das alegações da Apelante.
Desde logo, a primeira questão prende-se com a fixação do dano patrimonial decorrente da perda de capacidade de ganho da Autora e do dano biológico;
A segunda questão prende-se se com o dano não patrimonial;
Finalmente a última questão é atinente à fixação da data da contabilização dos juros moratórios fixados.”
No recurso de revista a recorrente questionou:
- O juízo equitativo efetuado pelo tribunal recorrido na fixação do montante indemnizatório pelas consequências patrimoniais da afetação da capacidade geral ou funcional de trabalho para a autora em consequência do acidente;
- O valor da indemnização atribuída a título do dano não patrimonial que veio a ser atribuído pelo tribunal recorrido;
Assim, e ponderando o valor da causa, que excede 5 vezes a fração de 25000,00€, e da utilidade económica dos interesses a ela associados (indemnização a lesada em acidente de viação), julga-se adequado dispensar a requerente Fidelidade Companhia de Seguros SA, em 75% do remanescente da taxa de justiça a considerar na conta a final, aplicável em todas as instâncias.
I- Só o tribunal da última decisão determina qual a parte responsável pelas custas sendo que a parte não condenada a final fica dispensada do pagamento do remanescente.
II- Não sendo as questões submetidas à apreciação do Tribunal, em qualquer das instâncias, de complexidade anormal e sendo correta a conduta processual das partes, em processo com valor de 384.835,66€, respeitante a ação de indemnização de danos sofridos em acidente de viação, justifica-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em 75%.
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam na 1ª Secção do STJ em deferir ao requerimento da recorrida Fidelidade Companhia de Seguros SA, dispensando-a do pagamento de 75% do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a € 275000,00.
Sem custas, por o requerimento ser deferido sem oposição.
Lisboa, 30 de maio de 2023
Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro Relator
Jorge Arcanjo – Juiz Conselheiro 1º adjunto
Manuel Aguiar Pereira – Juiz Conselheiro 2º adjunto