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EXECUÇÃO
PERSI
COMUNICAÇÃO
ÓNUS DE PROVA
FIADOR
Sumário
1.–A integração no PERSI e a sua extinção devem ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente/devedor incumpridor através de comunicação em suporte duradouro, tal como decorre dos arts. 3º, al. h), 14º, nº 4, e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25 de Outubro;
2.–Esse suporte duradouro pode ser uma carta em papel remetida pelo correio ou uma comunicação por correio electrónico, não sendo necessário o envio de carta registada com aviso de recepção;
3.–O ónus de alegação e prova do envio e recepção das comunicações devidas ao devedor incumpridor e exigidas pelo PERSI recai sobre a entidade financeira;
4.–Quanto ao fiador, a instituição de crédito tem de informar o fiador do incumprimento do devedor principal, e interpelá-lo ao cumprimento e ainda informá-lo que pode solicitar a sua integração no PERSI, quais as condições para que tal ocorra e ainda que está obrigada a integrar esse fiador no PERSI, caso este o solicite, cfr. art. 21º, nºs 2 e 2 do DL 227/2012, de 25 de Outubro;
5.–Estas informações têm carácter imperativo, não podendo ser afastadas por qualquer outra forma de conhecimento dos montantes em dívida.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I.–RELATÓRIO
1.–Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A., Sucursal Em Portugal intentou acção executiva sumária contra A [Alexandre……], B [Helia……] e C [Pedro……], apresentando como título executivo escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, na qual os executados A e B tiveram intervenção na qualidade de mutuários e o executado C , na qualidade de Fiador. 2.–Na sequência de várias diligências, foi proferido o seguinte despacho:
“Considerando o regime imperativo consagrado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que se afigura aplicável [artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b)], e o disposto no seu artigo 18.º, n.º 1, alínea b), e nos artigos 576.º, n.º 2, e 578.º, primeira parte, do CPC, convido a exequente a documentar nos autos, no prazo de 10 dias:
- a abertura, tramitação e encerramento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) e sua efetiva comunicação aos executados mutuários;
- o cumprimento ao disposto no artigo 21.º do citado decreto-lei, em relação ao executado fiador e, tendo este exercido a faculdade aí prevista, a abertura, tramitação e encerramento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), e sua comunicação ao mesmo executado”. 3.–Juntou o exequente vários documentos, tendo o executado Pedro Bras defendido que o exequente “não juntou nenhum documento que consubstancie o cumprimento ao disposto no art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25 de outubro, em relação ao executado fiador”. 4.–Foi proferido despacho, no qual, ao abrigo do disposto no art 734º do CPC, se julgou “verificada a excepção dilatória inominada de preterição de sujeição dos Executados mutuários ao PERSI e de violação do dever de informação ao Executado fiador” e se rejeitou a execução. 5.–É deste despacho que o Exequente recorre, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“a)-Desde logo, o Exequente, aqui recorrente, não se conforma com a decisão que versou sobre a matéria de Direito, uma vez que, cumpriu com as formalidades que se impugnam pelo DL 227/12 de 25/10. b)-O recorrente enviou cartas de integração no PERSI em 02/03/2021, para os recorridos mutuários e em janeiro e Maio de 2021 para o fiador, bem como as cartas de extinção por falta de colaboração em 17/03/2021. c)-Aliás os recorridos mutuários nunca solicitaram a integração deles no PERSI nem pretenderam resolver o assunto quanto ao incumprimento, pois era o fiadora que ia fazendo os pagamentos. d)-As respetivas cartas para os mutuários foram enviadas para a única morada que o aqui recorrente tem conhecimento e que pertence ao imóvel hipotecado. e)-Mais, o DL 227/2012 de 25 de outubro, não obrigada a que o meio de notificação seja por carta regista com aviso de receção, indicado apenas que deverá ser através de um suporte duradouro. f)-Já quanto à violação do dever de informação ao fiador, que alegadamente o aqui Recorrente terá praticado, o mesmo não poderá concordar, pois se por um lado as cartas de integração do PERSI foram enviadas, por outro, g)-Com a citação do fiador para a presente execução, sempre ocorreu a interpelação para pagamento da divida, sendo esta exigível, afastando assim a regra do artigo 782.º e fazendo funcionar o regime do artigo 781.º, com o vencimento total das prestações. h)-Veja-se a esse propósito os Acórdão do STJ de 11/03/2021, Processo 1366/18.1T8AGD-B.P1.S1 e ainda o 1366/18.1T8AGD-A.P1 de 08/09/2020, “onde se entendeu que, embora não tenha havido lugar à interpelação do fiador, há que ter em conta que entretanto ocorreu a sua citação para os termos da execução, pelo que, pelo menos, a partir dessa data há que considerar que o fiador embargante se constitui em mora, o que significará a inexigibilidade a este dos juros de mora anteriores à citação, nenhum efeito advindo, contudo, da ausência de interpelação no tocante à exigência do capita, juros remuneratórios, despesas e comissões. i)- Considera-se assim que a citação para a execução constitui interpelação bastante para pagamento, assistindo à Exequente o direito de exigir (solidariamente com a devedor principal) dos fiadores o pagamento da totalidade das prestações que, por força do estatuído no artigo 781.º do CC se venceram (e não apenas as já vencidas e não pagas até à data da instauração da execução), com a contabilização dos juros moratórios a partir daquela citação, despesas e comissões devida j)-Assim, deveria o tribunal a quo, ter considerado que o recorrente cumpriu com as formalidades devendo como tal a execução ser admitida!”.
6.–Em contra-alegações, o Executado defendeu a improcedência do recurso.
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II.–QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso são:
- apurar se foram efectuadas as comunicações exigidas no âmbito do PERSI;
- apurar se existiu violação do dever de informação ao fiador.
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III.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a atender no presente recurso são os que resultam do relatório supra.
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IV.–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face às questões a decidir, passemos à sua apreciação por ordem lógica.
Insurge-se o apelante com a decisão recorrida, porquanto entende que cumpriu com as formalidades previstas no DL 227/12 de 25 de Outubro, tendo enviado cartas de integração no PERSI para os mutuários e para o fiador, bem como as cartas de extinção por falta de colaboração.
Apreciando.
O DL 227/2012, de 25 de Outubro veio instituir o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), estabelecendo os princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários, mais criando uma rede extrajudicial de apoio no âmbito da regularização dessas situações de incumprimento de contratos de crédito. (cfr. art. 1º).
Por forma a apoiar estas situações de incumprimento, este diploma prevê a adopção célere de medidas susceptíveis de prevenir o incumprimento, mais impedindo as instituições bancárias de, no período compreendido entre a data de integração do cliente no PERSI e a extinção, por qualquer motivo, deste procedimento, resolver o(s) contrato(s) de crédito com fundamento em incumprimento; intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação dos respectivos créditos; ceder esses créditos, ainda que parcialmente, e transmitir a terceiro a sua posição contratual.
Por esse motivo, sendo obrigatória a integração de cliente bancário no PERSI, quando verificados os seus pressupostos, a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (cfr. art. 18º, nº1, al. b) do Decreto-Lei nº 227/2012).
Por seu turno, o art. 2º deste diploma determina que este se aplica “aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários: a)-Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria; b)-Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel; c)-Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo; d)-Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato; e)-Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês”.
Igualmente importante para a questão em apreço é o art. 3º, al. a) que estabelece que “Para efeitos do presente diploma, entende-se por: (..) a) «Cliente bancário» o consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito”.
Donde, este regime jurídico apenas será aplicável ao caso dos autos, caso os apelantes possam ser considerados como consumidores nos termos do citado DL 67/2003.
O art. 1º-B da Lei 67/2003, de 8 de Abril define como consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei 24/96, de 31 de Julho.
Considerando o texto da Directiva 1999/44/CE, que refere que consumidor é qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional, tem sido entendido que o conceito de consumidor para a Lei 67/2003 deve restringir-se a esta acepção mais restrita, afastando do mesmo as pessoas colectivas, porquanto apenas pode estar em causa o uso privado dos bens adquiridos.
Como refere o Prof. Calvão da Silva, in “Venda de Bem de Consumo”, 4ª ed., 2010, Almedina, pág. 55 e ss., consumidor é a pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado – uso pessoal, familiar ou doméstico – de modo a satisfazer necessidades pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens ou serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa.
Quer isto dizer, que, mesmo entendendo que o DL 67/2003 pode ser extensivo às pessoas colectivas, ter-se-ia, sempre, e, essencialmente, de atender à utilização dada ao bem ou serviço adquirido, protegendo aqueles que adquirem bens para uso privado, no âmbito da sua utilização pessoal ou familiar. Ou seja, fundamental para se aferir da aplicação do regime jurídico decorrente do DL 67/2003 é determinar se o bem ou serviço em causa se destinam a uma utilização alheia à actividade profissional ou comercial do adquirente, já que o objectivo da lei em causa é proteger a parte mais fraca na relação comercial existente. Neste sentido, vide Ac TRL, de 12-10-2017, proc. 6776/15.3T8ALM.L1, relator Isoleta Almeida Costa, em www.dgsi.pt, e demais jurisprudência e doutrina aí citada.
Como se diz em tal acórdão, “Consumidor será assim para efeitos da referida lei qualquer pessoa singular que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional (pessoa singular), desde que não atuando no âmbito da sua atividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar”.
Donde, o DL 67/2003, de 8 de Abril é aplicável apenas ao consumidor, entendido este, nos termos da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, como qualquer pessoa singular que actue com objectivos não respeitantes à sua actividade comercial ou profissional, ou seja que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar.
Face a este enquadramento jurídico, tem de se entender que o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) instituído pelo DL 227/2012, de 25 de Outubro, apenas é aplicável aos contratos elencados no seu art. 2º desde que celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo.
Tal como resulta do DL 227/2012, de 25 de Outubro, o PERSI comporta uma fase inicial, uma fase de avaliação e proposta e uma fase de negociação, descritas nos arts. 14º, 15º e 16º do citado DL, extinguindo-se nos termos previstos no art. 17º.
Por outro lado, resulta do nº 1 do art. 18º deste diploma que no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento, de intentar acções judiciais para a satisfação do crédito, de ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito ou de transmitir a terceiro a sua posição contratual.
Com interesse para os autos, importa referir que quer a integração no PERSI, quer a sua extinção, devem ser informadas ao cliente bancário através de comunicação em suporte duradouro.
Com efeito, o art. 14º, nº 4 estabelece que “No prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro”, sendo que o art. 17º, nº 3 prevê que “A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento”.
De salientar que, nos termos do nº 4 do citado art. 17º, “A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1” (a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento).
Por sua vez, o art. 3, al. h) preceitua que se entende-por “suporte duradouro” “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”.
Donde, a instituição de crédito só pode instaurar acção judicial destinada à cobrança do crédito após a extinção do PERSI, a qual deve ser comunicada nos termos previstos no citado art. 17º, nº 3.
Por este motivo, tem sido entendido que “a comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da ação, declarativa ou executiva, constituindo a sua falta exceção dilatória insuprível que determina a extinção da instância (art. 576, nº 2, do C.P.C.), exceção essa de conhecimento oficioso” (Ac. TRL de 05-01-2021, proc. 105874/18.0YIPRT.L1-7, relator Conceição Saavedra).
Assim, e no seguimento das normas referidas, a integração do executado no PERSI e a respectiva extinção devem ser devidamente comunicadas ao devedor, em suporte duradouro, ou seja, através de um instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.
Por outro lado, constitui ónus da exequente demonstrar a existência das comunicações efectuadas, o seu envio e a sua recepção pelo executado, sendo importante recordar que as mesmas se assumem como declarações receptícias, nos termos e para os efeitos do art. 224º, nº 1 do CC.
Como se refere no Ac. TRL supra citado, “… o suporte da informação ao cliente poderá ser o papel (uma carta remetida pelo correio) ou um e-mail.
Mas essa é a forma da comunicação que a lei estabelece.
Coisa distinta é a prova do envio dessas comunicações e da sua receção pelos destinatários, que competirá ao credor (art. 342, nº 1, do C.C., desde logo porque, como dissemos, se trata de uma condição de admissibilidade da ação), entendendo-se que estão em causa declarações receptícias, nos termos e para os efeitos previstos no art. 224 do C.C. (posto que o DL nº 227/2012 impõe que a integração no PERSI e a extinção do procedimento sejam comunicadas, através de suporte duradouro, pela instituição de crédito ao cliente)”.
Por outro lado, e como se defende no Ac. TRE de 21-05-2020, proc. 715/16.1T7ENT.B.E1, relator Tomé de Carvalho, a instituição bancária não está obrigada a utilizar correio registado com aviso de recepção para cumprir a obrigação legal decorrente dos preceitos citados.
Também no Ac. TRL de 14-07-2022, proc. 6804/14.0T8ALM-C.L1-2, relator Carlos Castelo Branco, onde se faz uma resenha exaustiva da jurisprudência relativa ao regime jurídico do PERSI, se pode ler que “É uniforme o entendimento de que a preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso, não dependendo de invocação da correspondente exceção – de não integração no PERSI – no prazo concedido para a apresentação da defesa (tendo plena aplicação, a parte final do n.º 2 do artº 573º do CPC, que descarta a aplicação do princípio da preclusão).
(…)
Por outro lado, uma vez que, a integração do devedor no PERSI e a ulterior extinção daquele procedimento constituem verdadeiras condições da ação executiva - condições objectivas de procedibilidade da execução – a instauração desta determina que seja verificado se tal condição da ação se mostra reunida.
E, dúvidas não há, no sentido de que a prova da integração do devedor no PERSI e extinção do procedimento e a sua comunicação a este, realizada em suporte duradouro (designadamente, carta ou email), recai sobre o exequente. E compreende-se que assim seja, uma vez que, enquanto a instituição de crédito não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade de encontrar uma solução extrajudicial para a situação de mora, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não pode recorrer à via judicial para fazer valer o seu crédito, nos termos já apontados, na decorrência do previsto no artigo 18.º, n.º 1, al. b) do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro.
Assim, o prévio cumprimento dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva movida por uma entidade financeira contra um devedor consumidor.
Ao invés, a instauração de acção executiva sem que se mostrem verificada a referida condição objectiva de procedibilidade gera a verificação de uma excepção dilatória inominada, que, como se viu, é de oficioso conhecimento, conduzindo à absolvição da instância (cfr. artigos 576.º, n.ºs. 1 e 2, 577.º e 578.º do CPC)”.
Nos presentes autos, o tribunal recorrido entendeu que “O Exequente não juntou aos autos qualquer documento comprovativo da recepção daquelas cartas (nem requereu a produção de prova tendo em vista a sua demonstração), sendo que o Executado PB impugnou a sua recepção e os demais Executados foram citados editalmente, sendo a sua revelia inoperante.
De qualquer modo, nenhuma destas cartas se reporta ao incumprimento alegado no requerimento executivo.
De facto, as referidas cartas são relativas a incumprimentos do contrato que terão ocorrido em 31.12.2020, 28.02.2021 e 30.04.2021, sendo que no requerimento executivo se invocou o incumprimento do pagamento das prestações vencidas em Dezembro de 2021 e Janeiro de 2022 e era quanto a estas que o Exequente teria de demonstrar o cumprimento dos deveres previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25.10., o que não foi feito.
Não estando demonstrado o cumprimento das normas legais imperativas supra aludidas, cujo ónus recaía sobre o Exequente, não poderia este, sem mais, intentar execução contra os Executados”.
Defende a apelante que o tribunal recorrido errou na apreciação feita, face à validade das comunicações efectuadas.
Como já se expôs, quer a integração do executado no PERSI, quer a sua extinção devem ser devidamente comunicadas ao devedor, em suporte duradouro, cabendo ao exequente a prova da existência dessas comunicações, do seu envio e da sua recepção pelo executado. Ou seja, para além da comunicação, é indispensável que esteja comprovada essa comunicação.
Importa também não esquecer que estão em causa declarações receptícias, nos termos e para os efeitos do art. 224º do CC.
E por outro lado, relembre-se que “consensual é também na jurisprudência o entendimento de que é sobre a entidade financeira que incide o ónus de alegação e prova de que procedeu às comunicações devidas ao devedor incumpridor e exigidas pelo PERSI” (Ac. TRL de 17-02-2022, proc. 29942/20.5YIPRT.L1-6, relator António Santos, onde se efectua uma minuciosa análise da questão).
No caso vertente, foram juntas aos autos cópias de cartas enviadas aos executados, as quais se assumem como um “suporte duradouro”, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 14º, nº 4 e 17º, nº 3 do DL 227/2012, de 25 de Outubro.
Com efeito, e tal como se referiu, a comunicação em causa pode ser em papel ou por email, não sendo necessário o envio de carta registada com aviso de recepção.
Ora, para além de se observar a forma da comunicação estabelecida na lei, é ainda necessário que seja feita a prova do envio dessas comunicações e da sua recepção pelos destinatários. Isto é, o exequente tem de comprovar essa comunicação, demonstrando que a mesma foi levada ao conhecimento do seu destinatário.
No caso dos autos, isso não sucedeu.
Não se nega que as cópias juntas aos autos podem ser consideradas como princípio de prova do seu envio, mas as mesmas, desacompanhadas de outros meios de prova que as viessem comprovar, não demonstram o seu envio e posterior recepção pelos executados.
Ora, no caso dos autos, não logrou o exequente, ora apelante, carrear para os autos elementos que demonstrem que as comunicações relativas ao PERSI tenham sido levadas ao conhecimento do seu destinatário.
Acresce que, como bem se refere na decisão recorrida, as cópias juntas aos autos referem-se a incumprimentos do contrato que terão ocorrido em 31-12-2020, 28-02-2021 e 30-04-2021, sendo que no requerimento executivo se invocou o incumprimento do pagamento das prestações vencidas em Dezembro de 2021 e Janeiro de 2022, pelo que não podem as aludidas missivas referir-se à mesma realidade, não se assumindo, pois, como comunicações válidas nos termos da legislação aplicável, mormente quanto aos executados mutuários (Alexandre Diogo da Silva Viana Cândido e Hélia Augusta Sequeira Correia).
Defende ainda o apelante que o dever de informação do fiador não foi violado, porquanto as cartas de integração do PERSI foram enviadas e ainda porque “Com a citação do fiador para a presente execução, sempre ocorreu a interpelação para pagamento da divida, sendo esta exigível, afastando assim a regra do artigo 782.º e fazendo funcionar o regime do artigo 781.º, com o vencimento total das prestações” (Cls. g).
No que se refere ao envio das cartas de integração do PERSI, face a tudo quanto se expôs supra, naturalmente que não assiste qualquer razão ao apelante, aqui se dando por reproduzido todas as considerações efectuadas.
Relativamente à interpelação do fiador mediante a citação para a execução, e que o apelante entende que afasta o regime geral que decorre do art. 782º do CC, parece-nos que não será aqui aplicável tal regime.
Senão, vejamos.
Nos termos do art. 781º do CC, “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Dispõe o art. 782º do mesmo diploma que “A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol. II, pág. 33, em anotação ao art. 782º, “A perda do benefício do prazo também não afecta terceiros que tenham garantido o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias pessoais e reais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos”.
Como nos ensinam estes autores, “O artigo 782.º, quanto às obrigações a prazo, estabelece um princípio que é extensivo aos co-obrigados do devedor e a terceiros que tenham constituído qualquer garantia a favor do crédito. Não lhes pode ser imposta a perda do benefício do prazo (cfr. arts. 780.º e 781.º), o que traduz um desvio da regra do artigo 634.º” (vol. I., pág. 651).
Também no Ac. TRC de 03-07-2012, proc. 1959/11.8T2OVR-A.C-1, relator Carlos Querido, se pode ler que “Como refere Mário Júlio de Almeida Costa, a perda do benefício do prazo traduz-se no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário exclusivo ou conjunto do prazo estipulado, não sendo extensiva aos garantes da obrigação, nos precisos termos do artigo 782.º do Código Civil.
Conclui o autor citado: “A lei abrange nesta excepção mesmo os co-obrigados solidários, o que logo decorre do regime de solidariedade, «maxime» a respeito dos meios de defesa pessoais. Assim como, quanto à exclusão da eficácia da perda do benefício do prazo relativamente a terceiro que haja garantido o crédito, se não distingue entre garantias reais e pessoais”.
Uma primeira conclusão se retira do regime legal enunciado: aos opoentes (fiadores) não é extensiva a perda do benefício do prazo, face ao disposto no artigo 782.º do Código Civil. No entanto, a norma citada tem natureza supletiva, de acordo com o entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, vigorando nesta matéria o princípio da liberdade contratual genericamente enunciado no artigo 405.º do Código Civil.
Em harmonia com tal princípio, a regra prevista no artigo 782.º, que prevê a inaplicabilidade da perda do benefício do prazo (nomeadamente) aos fiadores, considera-se afastada sempre que as partes convencionem de modo diverso, o que ocorreria in casu se os fiadores (ora opoentes) tivessem consignado nos títulos a renúncia ao aludido benefício.
Nesse sentido, vejam-se os seguintes arestos: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.05.2007; acórdão da Relação de Lisboa, de 6.06.2002; acórdão da Relação de Lisboa, de 19.11.2009”.
Donde, e na síntese feliz do Ac. TRP de 11-05-2021, proc. 475/04.9TBALB-A.P1, relator José Igreja Matos, “o regime previsto no art. 781º do Código Civil (CC) não se aplica aos fiadores por força do preceituado no art. 782º do mesmo diploma legal. Estatui-se neste preceito que “a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.” Consequentemente, quanto às obrigações a prazo, este artigo estabelece um princípio que impede, para estes destinatários, a perda do benefício do prazo (cite-se a este propósito, tal como o faz o acórdão de que fomos signatários, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 652).
Destarte, a perda do benefício do prazo com a falta de pagamento de uma das prestações nunca se estende ao fiador, salvo se for convencionado expressamente o afastamento desse regime legal, atenta a natureza supletiva deste art. 782º do CC”.
Por outro lado, não se estendendo ao fiador a perda do benefício do prazo, tem este de ser interpelado para a satisfação imediata da totalidade das prestações em dívida, para obstar à realização coactiva da prestação. Ou seja, e como se explica neste último aresto “a renúncia do fiador ao benefício da excussão prévia, bem como a sua constituição como principal pagador, não relevam para o efeito de se considerar também afastado o princípio contido no art. 782º do Cód. Civil, no sentido de dispensar a comunicação ao fiador da perda do benefício do prazo que se verificasse relativamente ao mutuário”.
Aqui chegados, coloca-se a questão de saber se a interpelação admonitória dos fiadores pode considerar-se realizada com a citação para a execução, afastando, dessa forma, a regra do art. 782º e fazendo funcionar o regime do art. 781º, com vencimento da totalidade das prestações, ou se é necessária uma interpelação extrajudicial nesse sentido.
A questão não é pacifica.
Assim, alguma doutrina e jurisprudência admite que a citação para a acção executiva basta para que se efectue tal interpelação. Neste sentido, veja-se Ac. STJ de 11-03-2021, proc. 1366/18.1T8AGD-B.P1.S1, relator Fernando Baptista, onde se faz referência a vários arestos neste sentido e que conclui que “a interpelação admonitória dos Fiadores pode considerar-se realizada com a citação para a execução, dessa forma afastando a regra do artigo 782.º e fazendo funcionar o regime do artigo 781.º, com vencimento da totalidade das prestações (…), mas com ressalva no que tange aos juros de mora que aos fiadores possam ser exigidos, pois que, dada a ausência da já aludida prévia interpelação por banda da credora, tais juros moratórios contar-se-ão, somente, a partir da citação”.
Por seu turno, outra parte da jurisprudência entende que essa citação não permite ao fiador a oportunidade de pagar as prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas, o que determina a necessidade de interpelação extrajudicial do fiador por parte do credor. Neste sentido, Ac. STJ de 11-05-2022, proc. 1511/19.0T8STB-A.E1.S1, relator Isaías Pádua, onde se pode ler que “a citação judicial da fiadora, levada a efeito credora/ora exequente na ação executiva que contra si instaurou, não tem a virtualidade, por não ser o meio idóneo para o efeito, de substituir a interpelação (prévia) que, no caso, se impunha que aquela levasse a efeito junto da última, no sentido de a mesma perder o benefício de prazo de que goza (à luz do artº. 782º). Neste sentido, vide, entre outros, o Ac. do STJde 29-11-2016, proc. n.º 100/07.6TCSNT-A.L1.S1 – e demais jurisprudência nele citada – disponível em www.dgsi.pt.”.
Ora, no caso dos autos, independentemente da posição que se adopte, constata-se que é irrelevante ter existido ou não a citação do fiador para os termos da execução.
Com efeito, cumpre salientar que o art. 21º, nºs 2 e 3 do DL 227/2012, de 25 de Outubro prevê que a instituição de crédito tem de informar o fiador do incumprimento do devedor principal, e interpelá-lo ao cumprimento e ainda que pode solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício.
Estas regras assumem carácter imperativo não podendo ser afastadas mediante a citação posterior para a execução. No sentido do seu carácter imperativo, veja-se Ac. TRE de 06-10-2016, proc. 4956/14.8T8ENT-A.E1, relator José Manuel Galo Tomé de Carvalho e Ac. TRP de 27-06-2022, proc. 5480/16.0T8PRT-A.P1, relator Pedro Damião e Cunha.
Neste último aresto pode ler-se que “Sempre que esteja em causa um contrato de crédito no âmbito do Regime Geral que tenha como garantia uma fiança, o fiador deve ser informado do atraso do cumprimento e dos respectivos montantes em dívida. Trata-se apenas e só de um dever de informar o fiador no prazo de 15 dias da mora no cumprimento da obrigação principal (n.º 1 do art.21.º do Regime Geral).
A possibilidade de o fiador ser incluído no PERSI está também prevista (n.º 2 do art. 21.º do Regime Geral). No entanto, os casos em que o fiador poderá ser integrado no PERSI dependerão sempre de duas condições: que este tenha sido interpelado para cumprir a obrigação principal, e que, na sequência daquela interpelação, o fiador tenha solicitado a sua integração no PERSI no prazo de 10 dias a contar da data de interpelação.
No entanto, no momento de interpelação para o cumprimento da obrigação principal, a instituição de crédito tem o dever de informar o fiador da possibilidade de requerer a sua integração no PERSI e das condições em que tem esse direito.
A integração do fiador em PERSI segue procedimento igual para os mutuários com as devidas adaptações.
O PERSI desenvolvido com o fiador deverá ser um procedimento autónomo do que é aplicado ao cliente bancário (mutuário).
Uma vez que é condição de aplicação do PERSI ao fiador, a sua interpelação para cumprir, poderá estar em causa uma de duas realidades: i) já foi dado o benefício da excussão prévia e é vez de o fiador responder pela dívida ou ii) estaremos no caso que será prática recorrente, no âmbito de contratos de crédito desta natureza, em que existe cláusula de renúncia ao benefício da excussão prévia, o que permite à instituição de crédito exigir o cumprimento directamente ao fiador.
Ora, como decorre do exposto, o legislador, prevê ainda, quanto aos fiadores (qualidade que aqui assumem os Embargantes/recorrentes), que “não basta à instituição de crédito informar os fiadores do incumprimento do devedor principal, e interpelá-los ao cumprimento – que foi o que a Embargada aqui fez; com essa interpelação, nos termos do art. 21°, nº 3 do Decreto-Lei nº227/2012, a instituição de crédito está obrigada a informar o fiador de que este pode solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício; e está obrigada a integrar esse fiador no PERSI, caso este o solicite (artº 21°, nº2, do Decreto-Lei nº 227/2012)
– a omissão da informação ao fiador de que este pode solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício, por parte da instituição de crédito; e
– a falta de integração do fiador no PERSI, pela instituição de crédito, quando solicitado por este à instituição de crédito; constituem violação de normas de carácter imperativo, que configuram, também, excepções dilatórias atípicas ou inominadas, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção”. V. Ac. da RE de 06-10-2016 (proc. 4956/14.8T8ENT-A.E1) - José Tomé de Carvalho)”.
Quer isto dizer que a citação do fiador para os termos da acção executiva se assume como irrelevante para efeitos de apurar a validade das comunicações efectuadas ao fiador no âmbito do DL 227/2012, de 25 de Outubro, podendo apenas ser relevante para efeitos do montante em dívida.
Ou seja, independentemente de se considerar que a interpelação admonitória do fiador se possa considerar realizada com a citação para a execução, afastando, dessa forma, a regra do art. 782º e fazendo funcionar o regime do art. 781º, com vencimento da totalidade das prestações, como defende o apelante, nunca poderá a execução prosseguir se as comunicações ao fiador previstas no citado DL 227/2012 não forem válidas.
E, para serem válidas, estas comunicações têm de constar de um suporte duradouro, incumbindo à entidade financeira o ónus de alegação e prova do envio e recepção dessas comunicações.
No caso dos autos, uma vez que as comunicações relativas ao PERSI e as informações a transmitir ao fiador funcionam como uma condição de admissibilidade da acção, cuja falta consubstancia uma excepção dilatória insuprível que determina a extinção da instância (art. 576, nº 2 do CPC), não existindo essa comunicação e sendo violado o dever de informação ao executado fiador, tem-se de concluir pela existência de uma excepção dilatória inominada, como bem fez o tribunal recorrido.
Concluindo, entende-se que o despacho recorrido não merece qualquer censura, sendo improcedentes as conclusões do apelante.
Custas pelo apelante, cfr. art. 527º do CPC.
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V.–DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, confirmando o despacho recorrido.
Custas pela apelante, cfr. art. 527º do CPC.
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Lisboa, 20 de Junho de 2023
Ana Rodrigues da Silva Edgar Taborda Lopes Carlos Oliveira