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EXECUÇÃO
AGENTE DE EXECUÇÃO
REMUNERAÇÃO ADICIONAL
PRESSUPOSTOS
NEXO DE CAUSALIDADE
TRANSACÇÃO
Sumário
I.–Conforme jurisprudência predominante, o Agente de Execução só tem direito a remuneração adicional mediante a demonstração da ocorrência de um nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pelo Agente de Execução e a satisfação da quantia exequenda, no todo ou em parte.
II.–Tendo a execução e os embargos findado na sequência de transação, nos termos da qual exequente/embargado e executada/embargante desistiram reciprocamente dos pedidos formulados na execução e nos embargos de executado, não estando demonstrado que o exequente tenha recebido da executada qualquer valor monetário, não pode afirmar-se que a atividade do Agente de Execução – de forma atual ou potencial – tenha assumido relevância para o êxito da ação executiva do ponto de vista do exequente, não sendo devida remuneração adicional.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
Em 30.9.2022, AB instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa contra CD, SAD, sendo o título executivo uma “Confissão de dívida por documento particular autenticado”, datada de 21.7.2022, nos termos da qual se narra que AB interveio na negociação da venda de um jogador de futebol, sendo que «Em função de tal acordo e em virtude dos serviços que foram prestados por AB (…), que se consubstanciaram na formalização do acordo de transferência do Jogador entre a Devedor e o Fenerbahce Sport Club, a Devedora obrigou-se a pagar a AB (…) uma compensação financeira no valor de 113.750 € (…)».
Em 12.10.2022, foi ordenada a citação da executada.
Em 8.11.2022, a executada deduziu longos embargos de executado em que conclui com o pedido de extinção da instância com fundamento na inexistência do crédito exequendo reclamado.
Nos embargos, em 6.12.2022, foi proferido despacho de recebimento dos embargos com suspensão da execução (Artigo 733º, als. b) e c), do Código de Processo Civil).
Em 30.12.2022, embargante e embargado apresentaram requerimento com o seguinte teor:
«AB, Exequente embargado nos autos à margem referenciados, e aí devidamente identificado, e CD, S.A.D., Executada embargante nos autos à margem referenciados e aí também devidamente identificada, informam expressamente os autos que chegaram a acordo para colocar um termo ao litígio subjacente à presente execução e embargos, pelo que vêm, junto de V. Exa, apresentar os termos desse acordo, mais requerendo a sua homologação, o que fazem nos seguintes termos: 1.–Embargante/Executada e Embargado/Exequente acordaram em cessar imediatamente todas as situações litigiosas existentes entre ambos; 2.–Nesta medida a Embargante/Executada vem expressamente desistir dos presentes embargos e de todos os pedidos ali formulados, no pressuposto concomitante de ocorrer a desistência da execução com a verificação simultânea de todas as condições elencadas infra; 3.–O Embargado/Exequente compromete-se a emitir a favor da Embargante/Executada nota de crédito no valor de € 131.950,00 referente à fatura n.º FT 2022/3 no mesmo valor; 4.–Para os devidos e legais efeitos, nomeadamente, entre outros, mas sem limitar contabilísticos e fiscais, a Embargante/Executada compromete-se a entregar ao Embargado/Exequente impreterivelmente e no prazo máximo de 12 horas após a sua emissão e entrega pelo Embargado/Exequente, a referida nota de crédito devidamente assinada e carimbada pela Embargante/Executada, com aposição da data correspondente ao ano – 2022 – em que a predita nota de crédito será emitida; 5.–A falta de cumprimento do prescrito no número anterior implica o pagamento pela Embargante/Executada da quantia de € 18.200,00 a título de cláusula penal correspondente ao valor já pago pelo Embargado/Exequente a título de IVA pela referida fatura. 6.–Nessas supra descritas condições o Embargado/Exequente desiste expressamente da presente execução da qual os presentes embargos estão dependentes valendo para tal a junção aos autos executivos do presente acordo – o que desde já se requer - que nele – processo executivo – produzirá todos os seus efeitos; 7.–Em consequência de tudo quanto supra exposto Embargante/Executada e Embargado/Exequente reconhecem expressa e reciprocamente que todas as contas/litígios se encontram saldadas/sanados quer no que diz respeito à relação sub iudice, quer em relação a toda e qualquer outra relação comercial, laboral ou de qualquer outra índole mantida entre ambas as partes; 8.–Mais acordam as partes que repartem entre si, na proporção de 50%-50%, equitativamente, a assunção pelo pagamento das custas e encargos do processo executivo, bem como das custas inerentes à dedução de embargos, incluindo-se, no âmbito da instância executiva, as despesas e honorários que se venham a mostrar legalmente devidos ao agente de execução, prescindindo ambas de custas de parte.
Termos em que requerem as partes a V. Ex. a junção aos autos do presente acordo e em consequência requerem a extinção da execução e dos presentes embargos.»
Em 5.1.2023, foi proferido o seguinte despacho:
«Nos presentes embargos e no processo de que são dependência as partes vieram transacionar quanto à totalidade dos objetos das duas causas.
Pelo exposto, e em conformidade com o disposto nos artºs.283°, nº.2, 284º e 290°, nºs.1 e 3, todos do Código de Processo Civil, quer pela qualidade dos intervenientes, quer pelo objeto do processo, julgo válida, por sentença, a transação que antecede, condenando e absolvendo as partes nos seus precisos termos...e, para lá disso, homologando as desistências dos pedidos que constituem objetos destes embargados e da execução principal, que, assim, se extinguem, o que declaro.
As custas dos processos serão pagas conforme acordado - artº.537°, nº.2 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique...integrando uma certidão deste despacho na execução e ali se dando dela conhecimento ao solicitador de execução.»
Em 29.12.2022, o AE apresentou nota de honorários, nos termos da qual se arroga direito a € 4.750,16 por remuneração adicional.
AB e CD, S.A.D., respetivamente Exequente e Executada, apresentaram reclamação dessa nota de honorários, peticionando que seja declarada a ilicitude e a inexigibilidade da remuneração adicional do AE, com todas as legais consequências.
Em 27.3.2023, foi proferido o seguinte despacho:
«AB intentou esta execução contra CD, Sad.... desta pretendendo com isso obter o pagamento de €133.858,76.
FHG, nomeado AE nos autos, aceitou o encargo e logo iniciou funções com o enquadramento e limites legais que a lei enforma.
Procedeu à citação da executada e ... na sequência dessa à penhora que verteu em auto datado de 17.11.2022, por via da qual apreendeu para os autos a quantia de €140.772,93 que a executada tinha depositada em conta do Banco Santander Totta, SA. - refª 4900003.
A execução foi suspensa, por despacho proferido nos embargos que à mesma correram por apenso, datado de 6.12.2022.
Por despacho de 5.1.2023, proferido nos embargos, homologou-se a transação alcançada pelas partes e, com ela, extinguiram-se, por desistência dos respetivos pedidos, tanto os embargos como a execução...sendo a custas devidas por conta de ambos os processos da responsabilidade de exequente e executada na proporção de 50% para cada qual.
Nessa sequência o Sr. AE extingui os autos - refª 5004897 - e, nessa sequência, apresentou às partes a respetiva nota discriminativa atinentes e custas e honorários - refªs 5004891 de 27.1.2023, 5004893 de 27.1.2023, 5007348 de 30.1.2023 e 5009745 de 31.1.2023.
Dessa nota de honorários vieram as partes - refª 5033102 de 13.2.2013 e 5034657 de 14.2.2023 - reclamar, apenas no que toca à verba reclamada pelo AE como remuneração adicional.
Entendem os reclamantes que tal verba não é devida porque a execução extinguiu-se por desistência do pedido que a sustinha ... por isso sem que se encontre o nexo de causalidade que a lei entende haver de existir para que seja devida.
Respondeu o Sr. AE através da peça com a refª 5045994 de 20.2.2023, referindo, para o que aqui importa:
“(.../...) Decorrido esse prazo o AE, realizadas as respetivas pesquisas, logrou o aqui AE penhora de bens, através de penhoras de créditos e contas bancárias, em montante suficiente para garantir o crédito exequente. (doc. 1,2). Acontece que, Notificada a executada, após essas penhoras, para se opor à mesma, cuja dívida já se encontrava garantida, pela penhora, conforme auto que foi junto, apressou-se esta a transacionar o pagamento desta dívida com o exequente, nada a opor, até porque se trata de um direito das partes. Assim, Porque entendem as partes que uma transação vincula todos, mesmo os não intervenientes na negociação, tratou de “convencionar” o direito do AE aos seus honorários e ao reembolso das despesas por ele praticadas, que para o efeito, foi solicitado ao AE (via telefone e enviada via e-mail, ao Exmo. Mandatário da exequente) a nota discriminativa das despesas e honorários, em 29/12/2022, o que deixa de ser uma surpresa para o executado, tal como menciona logo no seu ponto 1. Em bom rigor, as partes tiveram conhecimento dessa conta no dia 29/12/2022, nota essa que não reclamaram no prazo de dez dias, o que me leva a entender que esta reclamação seja extemporânea, E, não obstante a extemporaneidade, Fê-lo com desconhecimento total da lei. E isto porque, Os preceitos que regulam os honorários do AE, são preceitos taxativos, isto é, não obedecem a quaisquer critérios subjetivos, seja de quantidade ou qualidade de trabalho, esforço físico ou intelectual, se estava sol ou chovia ou ainda se estava calor ou fazia frio e, Não admite também analogias com diversas outras situações que tenham ocorrido com a executada ou com outra congénere, se se trata de assuntos (processos) que nada têm a ver com o caso sub judice. Não obstante, VEJAMOS: Artigo 50º Honorários do AE 1- Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 a 4, o AE tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos. 2-Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao AE uma remuneração adicional, que varia em função: a)-do valor recuperado ou garantido; b)-do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido; c)-da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar. 6- Para os efeitos do presente artigo entende-se por: a)-«Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo AE ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente; b)-«Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global. (…) 9- O cálculo da remuneração adicional efetua-se nos termos previstos na tabela do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. MAIS, Artigo 51º Pagamento 1-Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os honorários referidos no artigo anterior são pagos ao AE no termo do processo ou procedimento, ou quando seja celebrado entre as partes acordo de pagamento em prestações. Mais recentemente vem defender os tribunais, nomeadamente pelo acórdão do TRP, Proc. nº 3559/16.7T8PRT-B. P1, em que por unanimidade entendem o seguinte: Estabelece, por sua vez, que para este efeito se entende por “valor recuperado” o valor do dinheiro restituído ou entregue, do produto da venda, da adjudicação ou dos rendimentos consignados, pelo AE ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente, e por “valor garantido” o valor dos bens penhorados ou da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global. Instaurada a ação executiva e iniciados os atos de apreensão de bens para futura e se necessária venda coerciva dos mesmos, todo o produto que se venha a obter para satisfação do direito do credor é “sequência” da atuação do AE. E ainda que para esse desfecho este possa ter contribuído mais (v.g. quando o produto resulta da venda dos bens que ele realizou depois de ter praticado todos os atos anteriores), ou menos (v.g quando o executado para evitar a venda decide pagar voluntariamente a dívida), não parece possível afirmar que a atuação do AE foi totalmente irrelevante para a obtenção do referido produto. A nosso ver, resulta da redação do artigo 50.º da Portaria que desde que haja produto recuperado ou garantido a remuneração adicional é sempre devida, exceto numa situação, a de nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado este efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução (n.º 12), caso em que a intervenção do AE foi apenas para realizar a citação, ato que não é exclusivo nem específico da ação executiva, pelo que se pode entender que a intervenção do agente que é própria da execução coerciva ainda não se iniciou. O critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, sucesso que ocorre sempre que na sequência dessas diligências, realizadas pelo AE, se conseguir recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou ao menos, penhorar bens, obter a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou que seja firmado um acordo de pagamento, sendo certo que neste último caso o sucesso depende (da medida) do cumprimento do acordo (n.º 8). O legislador apenas excluiu a remuneração adicional nos casos em que a citação antecede a realização às penhoras e o executado efetua o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução, por presumir que nessa situação, não tendo ainda sido realizadas penhoras e devendo estas realizar-se apenas após a concessão de prazo para o pagamento voluntário, a atuação do AE foi totalmente indiferente para a obtenção do pagamento e não gerou qualquer expectativa em relação à remuneração devida pelo seu envolvimento do processo. Em todas as demais situações em que haja valor recuperado ou garantido, a remuneração adicional é devida, ainda que a extinção da execução decorra de ato individual do devedor (pagamento voluntário), de ato conjunto de credor e devedor (acordo de pagamento) ou mesmo de um ato do próprio credor (desistência da execução, cf. n.º 2 do artigo 50.º). É esse, cremos, o sentido do que se fez constar na exposição de motivos da Portaria (cf., neste sentido, o acórdão da Relação do Porto de 02.06.2016, inwww.dgsi.pt. que aqui seguimos de perto). Chegados aqui, conclui-se com toda a clareza que nada na lei propõe a apreciação subjetiva para calculo dos honorários do AE, apenas factos: 1.–Execução ordinária com quantia exequenda no valor de 133.858.76€. 2.–Crédito exequendo garantido pela penhora de valores no montante de 140.000,00€. 3.–Notificação após penhora - caso não transacionasse, o passo seguinte seria o pagamento, como transacionou restituiu-se os valores. Acresce ainda que, os preceitos acima referidos retiram às partes a disponibilidade para “combinarem” ou “acordarem” o montante dos honorários a pagar ao AE, qualquer que seja a avaliação que os mesmos façam do trabalho do mesmo AE. Aliás, se assim não fosse, teria o executado/reclamante que requerer um arbitramento e acompanhá-lo do respetivo laudo emitido pela Ordem - o que não é o caso!! Nesta conformidade, se vem pugnar pelo indeferimento total desta reclamação, por anómala, desconforme com a lei e com o Direito e ainda sem qualquer fundamento de outra natureza.”.
Os reclamantes, pela peça com a refª 5074702, de 8.3.2023, mantiveram os fundamentos da sua reclamação, não vendo qualquer valia na posição explanada pelo Sr. AE.
Aqui chegados...mau grado a posição dos reclamantes...a verdade é que assiste razão ao Sr. AE.
Efetivamente, no caso dos autos ... o AE, no cumprimento da sua função e através de atos próprios do seu múnus, a penhora que levou por diante, garantiu para os autos o valor pecuniário suficiente ao pagamento do montante reclamado na execução.
Esta realidade transcende as razões que levaram à extinção da execução e ao acordo alcançado pelas partes para esse fito.
Ao AE impunha-se que encontrasse forma de fazer confluir nos autos meios bastantes ao pagamento do crédito reclamado sem dever ou lhe caber sequer considerar a valia desse crédito que é coisa a ele alheia.
O AE...recebido o encargo, penhorou para os autos e aqui ficara cativos, fundos suficientes ao pagamento do crédito reclamado...não podendo ele, na fase em que apenas lhe restava fazer a entrega do valor penhora do ao credor, ser prejudicado porque as partes acordaram no sentido de extinguirem a execução.
Como decorre do art°. 50°, n°.5, al. a) da Portaria n°. 282/2013, de 29 de agosto... Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao AE uma remuneração adicional, que varia em função...do valor recuperado ou garantido, encarregando-se a lei, no mesmo artigo e no n°.6, al. b) de dizer que... «Valor garantido» é o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
O nexo de causalidade que a lei exige...só pode ser a relação existente entre a penhora e o destino dela e já não no que toca ao pagamento efetivo...pois, se não houvesse pagamento ou qualquer consignação, mau grado o trabalho levado por diante, coisa que sempre pode advir da desistência da execução, estava encontrava a forma e não se pagar ao AE e não é certamente isso que a lei quer.
Como bem refere o AE, resulta da redação do artº.50º da Portaria a que vimos fazendo referência que, desde que haja produto recuperado ou garantido, a remuneração adicional é sempre devida, exceto numa situação, a de nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado este efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução, caso em que a intervenção do AE foi apenas para realizar a citação, ato que não é exclusivo nem específico da ação executiva, pelo que se pode entender que a intervenção do agente que é própria da execução coerciva ainda não se iniciou.
Assim...indefiro a reclamação.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou a executada, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES: A.–« O presente recurso é interposto do despacho proferido em 27.03.2023, o qual indeferiu a reclamação oportunamente deduzida, e conjuntamente por Exequente e Executada, quanto à legalidade da rubrica/parcela exigida - remuneração adicional - constante da nota discriminativa de honorários e despesas elaborada pelo AE. B.–A aqui Recorrente não se conforma com tal entendimento, que para mais afronta diretamente jurisprudência superior, dado que num caso absolutamente idêntico (desistência da execução e desistência dos embargos de executado) se entendeu, sem censura ou mácula, não haver lugar à remuneração adicional do AE. C.–A Recorrente crê nesta conformidade que houve erro na interpretação e execução do disposto, inter alia, nos artigos 50.°, n.º 5, alínea a), n.º 6, alíneas a) e b), 51.°, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, n.º 3 do artigo 8.° e n.ºs 2 e 3 do artigo 9.°, ambos do CC. D.–Destarte convém ter presente que: (i) a remuneração adicional atribuída ao AE pressupõe inelutavelmente um nexo de causalidade entre a atividade concretamente desenvolvida pelo AE e o resultado obtido (favorável) na execução e (ii) que esse resultado obtido tenha conduzido à satisfação dos direitos do exequente, por via do pagamento dos seus créditos (no todo ou em parte), dada ser essa a teleologia do preceito e que justifica a «premiação» do AE. E.–Com efeito, na presente execução, tal como é do perfeito conhecimento do AE, ocorreu a extinção da mesma com fundamento na desistência formulada pelo Exequente, que recusou cobrar o respetivo crédito exequendo, mais se comprometendo (o que já se verificou) a emitir uma nota de crédito para anular total e irreversivelmente a fatura preteritamente emitida e inicialmente posta a pagamento, cujo montante estava subjacente à causa de pedir executiva. F.–Ou seja, embora tal não esteja alegado e muito menos provado (não podia), não existiu qualquer acordo simulatório ou conluio entre o Exequente e a Executada, através do qual a segunda tivesse realizado (ou vá realizar no futuro) qualquer pagamento a favor do primeiro (à margem deste processo executivo) para assim fintarem as custas do processo, e designadamente os honorários que se mostrassem devidos ao AE. G.–Simplesmente o Exequente anulou a fatura na origem da alegada dívida, emitiu uma nota de crédito e reconheceu expressamente que não era devido o pagamento dessa responsabilidade, não era devido total e definitivamente, nisso mesmo consistindo (com verdade) a desistência da execução. H.–Donde, qualquer abstrata reivindicação de honorários a título de remuneração adicional (a premiar o esforço ou contributo meritório do AE para a recuperação da quantia exequenda) nem tem qualquer lugar, como é apodítico, nos presentes autos, já que lhe falha perentoriamente o pressuposto: recuperação de qualquer quantia exequenda. I.–E dado que não foi esse o espírito do legislador - remunerar extraordinariamente o AE só porque foi nomeado, como se o pagamento adicional dos honorários fosse uma decorrência automática da sua indicação, e/ou realização de penhora, mas sim porque por ação sua foi cobrado o crédito exequendo - o que, como vimos já (e se resquício de dúvida), não ocorreu, e por desistência do pedido. J.–Aliás, se aplicado o raciocínio expendido no despacho recorrido, nunca seria possível defendê-lo, num caso semelhante e identitário quanto aos seus efeitos finais, como seria o julgamento procedente dos embargos de executado, com reconhecimento da inexigibilidade do crédito exequendo, K.–Ou seja, a final, nenhum crédito exequendo seria declarado e reconhecido como exigível e lícito, pelo que mesmo tendo já ocorrido preteritamente a ordem de penhora (de quaisquer ativos e/ou rendimentos do executado), também nunca se poderia assimilar tal situação à de quantia recuperada ou garantida para efeitos de atribuição da remuneração adicional do AE (dado que nenhum pagamento o Exequente recebeu), como é bom de ver. L.–Aliás, não poderia ser de outra forma, sob pena de chegarmos a um resultado injusto, iníquo e inaceitável, em que se trataria de forma igual uma execução que culmina com o pagamento do crédito exequendo e sua entrega ao Exequente, e outra que findou (e por sinal, até prematuramente) por desistência do pedido, sem recuperação/entrega de quaisquer montantes. M.–E note-se que a jurisprudência tem sido firme quanto ao âmbito restrito de aplicação da remuneração adicional, pelo que não pode um AE fazer-se remunerar extraordinariamente (ou segundo uma variante percentual de ganho - indexando os honorários ao valor do crédito exequendo), de forma automática e apriorística, sob pena de frustrar-se o disposto no artigo 50.° da referida portaria e o princípio da proporcionalidade com assento no artigo 18.° da CRP e do principio do processo equitativo e justo- artigo 20.° da CRP - ele mesmo corolário do princípio do Estado de Direito Democrático), violações materiais do Direito supra ordinário, que ora se invocam novamente. N.–Isto mesmo na hipótese (não é manifestamente o caso dos autos) em que há prosseguimento da instância executiva e efetiva-se a cobrança do crédito exequendo, designadamente através de acordo/transação diretamente estabelecida entre as partes, visando o pagamento (alcançado) da dívida titulada na execução (sem intervenção causal do AE), note-se que mesmo nestas situações a jurisprudência não reconhece ao AE, se não tiver havido qualquer intervenção sua com nexo de causalidade sobre o resultado obtido, o direito a qualquer remuneração adicional, O.–E tão pouco se mostra injusta ou desleal tal interpretação, exatamente porquanto o AE nunca deixa de receber a sua remuneração fixa, a que tem direito pela prática dos atos prototípicos que realizou na instância executiva. P.–Ora, aqui chegados, perante uma execução cessada prematuramente por vontade do Exequente, que desistiu (in totum) do pedido, podemos facilmente inferir que nenhuma quantia foi recuperada (nem podia ser segundo esta premissa), como é lógico, falhando assim todo e qualquer pressuposto de atribuição de uma eventual remuneração adicional, donde apenas o AE pode aspirar à remuneração fixa que lhe assiste, Q.–E atente-se ainda que (cf. artigo 51.° da Portaria n.º 282/2013), os honorários do AE são pagos no termo do processo, o que obviamente também inculca a ideia que são liquidados diretamente através do produto arrecadado na execução a reverter para o exequente, pois que recuperado é/deve ser lido como entregue e adjudicado ao exequente, R.–E não simplesmente penhorado, pois que se assim fosse, então bastaria ao legislador exprimir-se a valor recuperado sendo sinónimo e igual a valor penhorado, o que não é manifestamente o caso (cf. n.ºs 2 e 3 do artigo 9.° do CC). S.–Devendo nessa conformidade ordenar-se a retificação da nota discriminativa elaborada pelo AE, eliminando o valor autoatribuído a título de remuneração adicional, no montante de €5.842,69, por não se mostrar devido in casu, pelo que o despacho aqui em crise não se poderá manter na ordem jurídica.
Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, sempre com o mui douto amparo de V. Exas., requer-se a revogação do despacho recorrido, pelos fundamentos ex ante expostos, substituindo- se por outro em conformidade com o peticionado, designadamente reconhecendo e declarando a ilicitude e a inexigibilidade da remuneração adicional do AE, com todas as legais consequências, com o que se fará a devida e costumeira JUSTIÇA!»
O Agente de Execução pugnou pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito. Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana LuísaGeraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, FonsecaRamos, 971/12).
Nestes termos, a questão a decidir consiste em saber se é devida a remuneração adicional reclamada pelo Agente de Execução.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Em matéria de remuneração adicional do Agente de Execução, rege o Artigo 50º da Portaria nº 282/2013, de 29.8 nestes termos:
Artigo 50.º
Honorários do agente de execução 1–Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 a 4, o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos. 2–Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que não haja lugar a citação prévia do executado e se verifique após a consulta às bases de dados que não existem bens penhoráveis ou que o executado foi declarado insolvente, caso o exequente desista da instância no prazo de 10 dias contados da notificação do resultado das consultas apenas é devido ao agente de execução o pagamento de 0,75 UC. 3–Quando o exequente requeira a realização de atos que ultrapassem os limites previstos nos pontos 1 e 2 da tabela do anexo VII da presente portaria, são devidos pelo exequente pela realização dos novos atos os seguintes valores: a)- 0,25 UC por citação ou notificação sob forma de citação por via postal, efetivamente concretizada; b)-0,05 UC por notificação por via postal ou citação eletrónica; c)-0,5 UC por ato externo concretizado (designadamente, penhora, citação, afixação de edital, apreensão de bem, assistência a abertura de propostas no tribunal); d)-0,25 UC por ato externo frustrado. 4–Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, quando haja lugar à entrega coerciva de bem ao adquirente, o agente de execução tem direito ao pagamento de 1 UC, a suportar pelo adquirente, que poderá reclamar o seu reembolso ao executado. 5– Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função: a)-Do valor recuperado ou garantido; b)-Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido; c)-Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar. 6–Para os efeitos do presente artigo, entende-se por: a)-«Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente; b)-«Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global. 7–O agente de execução tem ainda direito a receber dos credores reclamantes uma remuneração adicional pelos valores que foram recuperados pelo pagamento ou adjudicação a seu favor. 8–Em caso de incumprimento do acordo de pagamento em prestações ou do acordo global, a comunicar pelo exequente, o agente de execução elabora a nota discriminativa de honorários e despesas atualizada tendo em consideração o valor efetivamente recuperado, afetando o excesso recebido a título de pagamento de honorários e despesas ao pagamento das quantias que venham a ser devidas, sem prejuízo de, no termo do processo, restituir ao exequente o saldo a que este tenha direito. 9–O cálculo da remuneração adicional efetua-se nos termos previstos na tabela do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. 10–Nos casos em que, na sequência de diligência de penhora de bens móveis do executado seguida da sua citação seja recuperada ou garantida a totalidade dos créditos em dívida o agente de execução tem direito a uma remuneração adicional mínima de 1 UC, quando o valor da remuneração adicional apurada nos termos previstos na tabela do anexo VIII seja inferior a esse montante. 11–O valor da remuneração adicional apurado nos termos da tabela do anexo VIII é reduzido a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução.
12–Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional.
(…)»
Nos termos do Anexo VIII:
Remuneração adicional
(Valor sujeito a IVA à taxa legal em vigor)
O valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50.º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
Este quadro legal tem dado azo a controvérsia jurisprudencial no que tange à definição dos requisitos essenciais que devem ocorrer para que seja devida a remuneração adicional ao Agente de Execução.
No nosso entender, o aresto que analisa a questão de forma mais profunda e tecnicamente adequada, merecendo a nossa inteira adesão, é o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.1.2022, Maria João Vaz Tomé, 9317/18, de que extratamos as seguintes partes:
«5.–O art. 50.º da Portaria n.º 282/2013 distingue, pois, entre remuneração fixa (n.os 1-4) e remuneração variável (n.os 5-16), estabelecendo para elas regras diferentes: enquanto o valor da primeira se determina mediante o recurso ao Anexo VII, o da segunda define-se com base no Anexo VIII. 6.–A questão em apreço não tem sido, todavia, objeto de uma resposta pacífica por parte da jurisprudência das Relações, como, de resto, se depreende da recensão apresentada no acórdão recorrido. 7.–De um lado, entende-se que “a remuneração adicional do agente de execução prevista na Portaria n.º 282/2013, de 29.08, é sempre devida desde que haja produto recuperado ou garantido, exceto, nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado, se este efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução”. O agente de execução tem direito à remuneração adicional ainda que a extinção da execução resulte de ato individual do devedor (pagamento voluntário), de ato conjunto de credor e devedor (acordo de pagamento) ou, até, de ato do próprio credor (desistência da execução). Para fundamentar esta posição, invocam-se os elementos teleológico (retirado da exposição de motivos da Portaria n.º 282/2013) e gramatical da interpretação da lei, assim como a natureza mista da remuneração do agente de execução. 8.–De outro lado, a posição atualmente dominante considera, tal como o acórdão recorrido, que a atribuição da remuneração adicional depende da existência como que de um nexo de causalidade entre a atividade concretamente desempenhada pelo agente de execução e o êxito da ação executiva – i.e., a cobrança ou garantia do crédito exequendo. Deve, pois, aferir-se se a atividade do agente de execução foi processualmente relevante para a obtenção do resultado final, atendendo-se à sua “eficiência e eficácia”. 9.–Importa referir ainda uma posição como que intermédia ou mitigada, segundo a qual, desde que hajam sido efetuadas no processo executivo diligências concretas dirigidas à cobrança coerciva do crédito exequendo, o resultado obtido, ainda que por acordo das partes, deve presumidamente ser considerado como ocorrendo na sequência da atividade desenvolvida pelo agente de execução. 10.–Segundo o Supremo Tribunal de Justiça, em caso de a ação findar com a celebração, pelas partes, de um acordo de pagamento:
“I–Nas execuções de pagamento de quantia certa, é devida ao agente de execução a remuneração adicional prevista na Portaria nº 282/2013, desde que haja produto recuperado ou apreendido, nos termos do art. 50º, nºs 5 e 6, sempre que se evidencie que para o resultado contribuíram as diligências promovidas pelo agente de execução; II– O direito do agente de execução àquele pagamento não depende de ter tido intervenção direta nas negociações entre o exequente e o executado que levaram a uma transação, na qual foi acordado o valor da dívida e as condições de pagamento.” 11.–Pode dizer-se que a remuneração adicional ou variável do agente de execução visa premiá-lo pela “eficiência e eficácia” na recuperação ou garantia do crédito exequendo (quanto mais cedo esta ocorrer, maior será, em termos relativos, a remuneração adicional). 12.–Tal como afirma a Recorrente nas suas alegações, o art. 50.º, n.º 12, da Portaria n.º 282/2013, apenas exclui expressamente o direito à remuneração adicional nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução. Omite, ao disciplinar o regime aplicável a tal remuneração adicional, o estabelecimento de qualquer outro fator condicionante do recebimento da remuneração adicional, como seja a existência de uma contribuição causal – direta ou tão somente indireta - do agente de execução para o sucesso do pleito executivo. 13.–Contudo, interpretar consiste em retirar do texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento. O elemento gramatical (letra da lei) e o elemento lógico (espírito da lei) têm sempre que ser utilizados conjuntamente. Não pode haver uma modalidade de interpretação gramatical e uma outra lógica, pois que o enunciado linguístico, que é a letra da lei, é apenas um significante, portador de um sentido (espírito) para que nos remete. 14.–O texto constitui o ponto de partida da interpretação (art. 9.º, n.º 1, e n.º 2, do CC). O intérprete deve, em princípio, optar por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no pressuposto de que o legislador soube exprimir com correção o seu pensamento (art. 9.º, n.º 3, do CC). 15.–O elemento racional ou teleológico da interpretação da lei (art. 9.º, n.º 1, do CC) consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste objetivo constitui um auxílio da maior relevância para determinar o sentido com que a norma deve valer. O esclarecimento da ratio legis revela a "valoração" ou ponderação dos diversos interesses em jogo que a norma regula e, por conseguinte, o peso relativo dos mesmos interesses, a preferência de um deles em detrimento do outro traduzida na solução consagrada na norma. 16.–Deste modo, reveste-se, nesta sede, de particular relevância, levar em devida linha de conta a razão de ser da referida distinção entre remuneração fixa e variável. 17.–De acordo com o preâmbulo da Portaria n.º 282/2013:
“(…) procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução. Este regime visa, em última linha, tornar mais simples e mais célere a fiscalização da atividade dos agentes de execução, no que respeita a esta matéria em particular, e promover uma mais rápida ação em caso de atuações desconformes” (sublinhado nosso); “com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso, que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte das execuções é de valor reduzido, prevê-se a atribuição de um valor mínimo ao agente de execução quando seja recuperada a totalidade da dívida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação”. 18.–Segundo o acórdão recorrido: “A remuneração fixa ou funcional visa compensar o trabalho de acordo com o ofício desempenhado, independentemente dos resultados, estando os encargos dessa retribuição previamente firmados, caracterizando-se pela sua inflexibilidade. A remuneração variável ocorre em função dos resultados, habilidades ou competências, integrando elementos distintos, havendo uma componente base e uma componente de incentivos, podendo ainda integrar uma componente de benefícios (v.g. seguros de vida, saúde, subsídio de refeições). Por último, podemos ter ainda uma remuneração estratégica, que possibilita uma combinação equilibrada dos distintos modos de remuneração anteriormente assinalados, mas alinhando os mesmos com as finalidades corporativas ou organizacionais, atendendo-se aos proveitos obtidos pelo grupo e não apenas pessoalmente, mas diferenciando a participação individual. E esta assenta nos seguintes pilares: equidade e consistência remuneratória (i), de acordo com as responsabilidades atribuídas e capacidades demonstradas; alinhamento com a estratégia corporativa (ii), permitindo um nível sustentável de desempenho; competitividade (iii), de modo a proporcionar a escolha do mérito; valorização do desempenho em função dos resultados (iv), governação clara e coerente dos procedimentos (v)”. 19.–A previsão da atribuição da referida remuneração na sequência das diligências empreendidas pelo agente de execução permite concluir que essa retribuição pressupõe o desenvolvimento de uma atividade deste profissional funcionalmente orientada ao sucesso da execução. 20.–A descoberta desta "racionalidade" inspiradora do legislador na fixação do regime jurídico da remuneração adicional do agente de execução permite definir o alcance da norma do art. 50.º, n.º 12, da Portaria n.º 282/2013, como abrangendo também a falta de contribuição causal do agente de execução para o êxito do pleito como causa de exclusão dessa remuneração. 21.–No que toca ao elemento sistemático, deve levar-se em linha de conta a norma enquanto harmonicamente integrada na unidade do sistema jurídico (art. 9.º, n.º 1, do CC). Está em causa o princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica. Este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Baseia-se no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem, por princípio, a um pensamento unitário. 22.–Deste modo, importa levar em devida linha de conta que o legislador estabelece regras de cálculo da retribuição adicional que não abstraem da concreta intervenção do agente de execução para o sucesso da lide executiva. 23.–De acordo com o art. 173.º, n.º 2, do EOSAE, a remuneração variável do agente de execução encontra-se “dependente da consumação dos efeitos ou dos resultados pretendidos” com a sua atuação. Variando a remuneração adicional em função do valor recuperado ou garantido, do momento processual em que o montante é recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar (art. 50.º, n.º 5, da Portaria n.º 282/2013), o respetivo cálculo efetua-se nos termos previstos na tabela do anexo VIII (art. 50.º, n.º 9). De resto, o legislador, em função do sucesso integral da lide executiva - traduzido na obtenção da totalidade do crédito exequendo subsequente à realização de diligências de penhora -, pretendeu garantir um valor mínimo de remuneração adicional ao agente de execução, correspondente a 1UC, num caso em que, pela aplicação das regras gerais, o montante dessa remuneração seria inferior (art. 50.º, n.º 10); e reduziu essa remuneração a metade nos casos em que atuação do agente de execução (v.g., através da realização de uma penhora) assume relevância secundária na realização coativa do crédito exequendo, considerando que o exequente, em momento prévio à instauração da execução, já era titular do direito de ser pago pelo valor do bem garantido com preferência sobre os demais credores que não dispusessem de garantia equivalente (art. 50.º, n.º 11). 24.–Acresce que, no anexo VIII da Portaria n.º 282/2013, o legislador refere que o valor da remuneração adicional do agente de execução se destina a premiar a “eficácia e eficiência” da recuperação ou garantia de créditos na execução. 25.–A ponderação dos diversos cânones hermenêuticos permite afirmar a exigência da verificação como que de um nexo causal entre a atividade do agente de execução e a realização (ainda que voluntária) do crédito exequendo enquanto requisito da remuneração adicional. O an e o quantum desta remuneração estão dependentes da atividade desenvolvida pelo agente de execução com vista à obtenção da quantia exequenda, surgindo o resultado dessa atividade como conditio sinequa non da mesma retribuição. Assim, o resultado obtido pelo exequente de modo alheio à atividade empreendida pelo agente de execução, em virtude de não ter havido qualquer contributo da sua parte, direto ou indireto, para a obtenção da quantia exequenda, não permite atribuir-lhe o direito à remuneração adicional. 26.–Não pode, mediante o argumento a contrario, deduzir-se da disciplina estabelecida para certos casos no art. 50.º, n.º 12, da Portaria n.º 282/2013 (“Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional”), um princípio-regra de sentido oposto para os casos não abrangidos pela norma. Na verdade, não se mostra adequado, a partir da regra contida no art. 50.º, n.º 12, deduzir-se a contrario que os casos que ela não contempla na sua hipótese seguem um regime oposto. Conforme resulta dos diversos cânones hermenêuticos, não se afigura apropriado atribuir ao agente de execução o direito à remuneração adicional nos casos em que a sua atividade não assume relevância – atual ou potencial – para o sucesso da lide executiva. De qualquer modo, se tal preceito – reconhecimento do direito à remuneração adicional em todas as hipóteses não contempladas no art. 50.º, n.º 12 – se pudesses deduzir, a contrario, sempre careceria de uma redução teleológica. A norma restritiva seria, com efeito, exigida pelo fim da regulação. Só assim esse preceito, que se deduziria da regra contida no art. 50.º, n.º 12, concebido demasiado amplamente, se reconduziria e seria reduzido ao âmbito de aplicação que lhe corresponde segundo o fim da regulação ou a conexão de sentido do mesmo preceito. Tal resulta do imperativo de justiça de tratar desigualmente o que é desigual, de proceder às diferenciações postuladas pela valoração. 27.–Por outro lado, a restrição de uma norma pela via da sua redução teleológica pode ser acompanhada da ampliação do âmbito de aplicação de outra norma. Por consequência, poderia, alternativamente, proceder-se à interpretação extensiva do art. 50.º, n.º 12, da Portaria n.º 282/2013. Tratar-se-ia de uma extensão teleológica, pois que a própria razão de ser da lei postula a aplicação a casos que não são diretamente abrangidos pela letra da lei mas são compreendidos pela finalidade da mesma. Está em causa a plena realização do fim da regra legal. Pretende-se também evitar uma contradição de valoração que não se afigura justificável. 28.–Não pode igualmente descurar-se que “os pagamentos devidos ao AE representam um custo do processo executivo, tal como prevê expressamente o art.º 541.º do CPC, sendo que a obrigação da parte em suportar os custos do processo tem de ser razoável, proporcionada e adequada, o que também por esta via somos levados a concluir que a contribuição efetiva do AE com a sua atividade para o resultado do processo tem de estar associada à remuneração adicional por ele reclamada”. 29.–Por último, em ordem à atribuição da remuneração adicional, a apreciação da relevância – atual ou potencial - da intervenção do agente de execução para a satisfação do crédito exequendo não pode deixar de ser casuística.»
Também relevante e pertinente foi a abordagem adotada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2021, Ferreira Lopes, 3252/17, cujo sumário é o seguinte: I–Nas execuções de pagamento de quantia certa, é devida ao agente de execução a remuneração adicional prevista na Portaria nº 282/2013, desde que haja produto recuperado ou apreendido, nos termos do art. 50º, nºs 5 e 6, sempre que se evidencie que para o resultado contribuíram as diligências promovidas pelo agente de execução; II–O direito do agente de execução àquele pagamento não depende de ter tido intervenção direta nas negociações entre o exequente e o executado que levaram a uma transação, na qual foi acordado o valor da dívida e as condições de pagamento.
Na jurisprudência dos Tribunais das Relações, a tese predominante é, de facto, a que exige um nexo de causalidade entre a atividade promovida pelo Agente de Execução e o valor recuperado e garantido. Assim:
Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.9.2019, Arlindo Crua, 6186/15, de 4.2.2020, Diogo Ravara, 8177/17, de 23.2.2021, Cristina Maximiano, 3830/14, de 25.2.2021, Castelo Branco, 22785/19, de 28.3.2023, Micaela Sousa, 5893/19, de 11.5.2023, Inês Moura, 335/14;
Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.9.2020, Rosália Cunha, 5149/19, de 11.2.2021, Maria Anjos Nogueira, 2806/17 ;
Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 16.12.2020, Correia Gomes, 9317/18, de 10.10.2022, Domingos Fernandes, 2697/15.
A tese do carácter presuntivo teve acolhimento, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.3.2023, Luís Cravo, 223/14, onde se afirma: Sendo certo que, desde que tenham sido efetuadas no processo executivo diligências concretizadas no sentido da cobrança coerciva do crédito exequendo, a recuperação que venha a efetuar-se, ainda que por via de acordo entre as partes, deve presumidamente ser tida como ocorrendo na sequência dessa atividade promovida pelo agente de execução.
Posto isto e fazendo a devida análise casuística.
Mediante o requerimento formulado em 30.12.2022, exequente/embargado e executada/embargante formalizaram acordo, nos termos do qual desistiram reciprocamente dos pedidos formulados na execução e nos embargos de executado. Nos termos assim acordados, não está demonstrado que o exequente tenha recebido da executada qualquer valor monetário, mesmo inferior ao inicialmente reclamado no requerimento executivo. Tanto assim que a Embargante/Executada se comprometeu a entregar ao Embargado/Exequente nota de crédito no valor de € 131.950,00 referente à fatura n.º FT 2022/3 no mesmo valor, fatura essa referida no requerimento executivo.
Neste contexto, não pode enunciar-se que o exequente tenha logrado recuperar e/ou garantir o pagamento da quantia exequenda, muito pelo contrário. Dito de outra forma, face a este factualismo não pode afirmar-se que a atividade do Agente de Execução – de forma atual ou potencial – tenha assumido relevância para o êxito da ação executiva do ponto de vista do exequente.
Assim sendo, não assiste direito ao Agente de Execução à remuneração adicional.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão de 27.3.2023, consignando-se que o Agente de Execução não tem direito a remuneração adicional.
Custas pelo apelado na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).
Lisboa, 20.6.2023
Luís Filipe Sousa Cristina Silva Maximiano Cristina Coelho