UNIÃO DE FACTO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO DE ARRENDATÁRIO
PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
Sumário

I. Em caso de rutura da união de facto, a posição de arrendatário no contrato de arrendamento que incida sobre a casa de morada de família pode ser transferida para o outro membro da união por acordo entre os companheiros, homologado por juiz ou conservador do registo civil, sem que o senhorio seja chamado a consentir na modificação subjetiva operada na relação arrendatícia; esta norma decorre do artigo 1105.º do CC, aplicável à união de facto, com as necessárias adaptações, por via do disposto no artigo 4.º da Lei 7/2001; permite-se, desta forma e nestas circunstâncias, uma cessão da posição contratual sem o consentimento do outro contratante (o senhorio), em afastamento da a regra geral contida no n.º 1 do artigo 424.º do CC.
II. A norma do artigo 1105.º do CC prevê diretamente casos de divórcio e de separação judicial de pessoas e bens, casos nos quais existe ab initio uma certeza sobre a situação de vida em comum dada pelo contrato de casamento e seu inerente registo; se em tais casos tem de haver uma decisão judicial ou uma homologação de acordo por autoridade judicial ou administrativa para que se opere a transmissão do arrendamento, por maioria de razão, ao aplicar-se o artigo 1105.º do CC, com as necessárias adaptações, a situações de união de facto, tem de exigir-se também que o acordo seja chancelado por uma daquelas autoridades.
III. A norma contida no n.º 1 do artigo 1096.º do CC é integralmente supletiva: a renovação do contrato de arrendamento celebrado com prazo certo apenas se fará por períodos sucessivos de igual duração, ou de três anos se esta for inferior, nos casos em que as partes não tenham acordado sobre o prazo da renovação (ou os prazos das renovações) de modo diverso, nomeadamente, por períodos inferiores a três anos (sem prejuízo do disposto no artigo 1097.º, n.º 3, do CC).

Texto Integral

Acórdão os juízes na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
GS, interessada nos presentes autos de Procedimento Especial de Despejo deduzidos por ZR, S.A. contra DC, notificada do despacho de 1 de fevereiro de 2023 que julgou improcedentes as exceções de inexistência de título de desocupação e de uso indevido do procedimento especial de despejo, e com ele não se conformando, interpôs o presente recurso.

A compreensão do litígio e do objeto do recurso demanda um resumo dos autos:
ZR, S.A., proprietária e senhoria da fração “D” (correspondente ao 1.º esq.) do prédio sito na Azinhaga…, Lote 1, , Fogueteiro, e Rua…, n.ºs …, freguesia de Amora, concelho do Seixal, intentou no  Balcão Nacional do Arrendamento procedimento especial de despejo contra o arrendatário DC, na medida em que, findo o contrato de arrendamento por oposição à renovação, o arrendatário não lhe entregou a fração.
Com efeito, conforme contrato de arrendamento junto aos autos, em 01/08/2013, o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, Solução Arrendamento, representado pela sua gestora NORFIN – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliários, S.A., deu de arrendamento ao requerido, DC, solteiro, para habitação permanente, com prazo certo, a fração autónoma “D”, a que corresponde o 1.º esquerdo, com acesso pelo número 30 do prédio em propriedade horizontal sito na Rua…, em Amora-Seixal – domicílio convencionado no contrato –, descrita na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o número …/Amora e inscrita na matriz predial urbana com o Artigo …, com prazo de duração inicial de 5 anos, renovável por 1 ano, salvo denúncia das partes.
O imóvel locado foi comprado pela requerente por escritura pública de 30/09/2021, encontrando-se a aquisição registada, conforme certidão predial e cópia da escritura pública juntas aos autos.
Por carta com data de 21/02/2022, registada com aviso de receção, enviada em 23/02/2022 para o domicílio convencionado, e efetivamente recebida pelo destinatário DC (no aviso de receção consta ter sido recebido pelo próprio e assinado “DC”), a requerente opôs-se à renovação do contrato de arrendamento.
No entanto, o imóvel não foi entregue, o que motivou o presente procedimento.

Notificado o requerimento inicial do procedimento especial de despejo ao requerido, por carta recebida no arrendado por GS, veio esta juntar requerimento no qual alegou, em suma, ter vivido no locado em união de facto com o requerido durante vários anos, desde que o mesmo foi arrendado pelo seu então companheiro, e que requereu apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de patrono para deduzir oposição ao procedimento de despejo.

O Balcão Nacional do Arrendamento, entendendo que GS não tinha legitimidade para deduzir a pretendida oposição, por não ser parte nos presentes autos, converteu o requerimento de despejo em título para desocupação do locado.
Em 05/12/2022, o agente de execução fez uma primeira deslocação ao local do imóvel e, em virtude de não se encontrar presente o requerido, deixou um aviso, com a informação de que iria proceder à entrega do imóvel à requerente no dia 06/01/2023.

Tomando conhecimento do aviso do AE com a data da efetivação do despejo, GS apresentou requerimento, alegando, sumariamente, o seguinte:
Vivia com o requerido em união de facto quando o contrato foi celebrado e apenas não interveio nele por desconhecimento das implicações legais; em 2016, terminou o relacionamento com o requerido, tendo este deixado de viver no imóvel em questão, passando a exponente a assumir, em exclusivo, o pagamento da renda mensal devida à senhoria.
Considera que, tendo o requerido deixado o locado que consubstanciava a casa de morada de família, o contrato dos autos transmitiu-se por mero efeito da lei à aqui interessada, o que foi comunicado, segundo afirma, à primitiva senhoria e à própria requerente.
Deste modo, entende que o procedimento devia ter sido deduzido contra si e não contra o requerido, e que o título de desocupação do locado não lhe é oponível.
Pede que seja declarado nulo todo o processado.
Caso se entenda que não assume a qualidade de arrendatária, considera que a requerente fez uso indevido do procedimento especial de despejo, porquanto visa a entrega do locado sem que exista um contrato de arrendamento entre a GS e a requerente.
Conclui que o requerimento devia, então, ter sido recusado.
Finalmente, alega que padece de doença reumática inflamatória crónica, sob terapêutica imunossupressora, apresentando insuficiência respiratória crónica com necessidade de oxigenoterapia de longa duração. Em virtude dessa patologia, desde 2018, que tem uma incapacidade permanente global de 78,3%.
Por outro lado, refere que é natural de São Tomé, não tendo familiares em Portugal que lhe possam fornecer uma habitação.
Ademais, tem uma filha menor de idade a seu cargo e aufere parcos rendimentos – prestação social para inclusão no montante mensal de €264,32 e o complemento de dependência de €96,26, num total de €360,58.
Invoca, ainda, o regime processual transitório previsto no artigo 6.º-E, n.º 7, alínea c), da Lei n.º 1-A/2020, alegando que, em virtude da entrega do locado, seria colocada numa situação de grave fragilidade, fruto dos sérios problemas de saúde que padece.
Despacho recorrido
Por despacho de 01/02/2023, foi julgado improcedente o requerimento da interessada, no que respeita à invalidade do título de desocupação do locado e à impropriedade do procedimento especial de despejo utilizado.
Realçam-se os seguintes dados de facto constantes desse despacho e com relevo para a apreciação da causa:
- GS e o requerido viveram em união de facto no imóvel agora propriedade da requerente e arrendado pela sua antecessora ao requerido.
- Em 2016, GS e o requerido deixaram de viver em união de facto, tendo acordado entre si que GS continuaria a habitar a casa, encarregando-se de pagar as rendas.
- GS juntou para prova de alegada comunicação à senhoria da invocada transmissão do arrendamento apenas os seguintes dois emails, remetidos por mc...@hipoges.com e pt...@hipoges.com para GS@hotmail.com, dos quais consta o seguinte:
• Email de 27.12.2021, remetido por mc...@hipoges.com:
«Exmo. Sr.
Segue em anexo a carta enviada por correio com os dados de pagamento.
Solicito envio dos comprovativos de pagamento desde 09/2021»
• Email de 20.03.2022, remetido por pt...@hipoges.com:
«Bom dia Sr. GS.
No seguimento da sua comunicação, em anexo, verificamos que os valores reclamados foram liquidados à antiga sociedade proprietária.
Dessa forma, de forma a regularizarmos os pagamentos, encaminhamos o processo internamente, aguardando a compensação dos montantes pela antiga sociedade proprietária. (…)».
- Dos emails juntos por GS não resulta que aquela tenha comunicado à senhoria, nem à primitiva, nem à atual a transmissão da posição de arrendatário do Requerido para si (a mesma refere que é a única titular da conta bancária indicada para efeitos de débito direto da renda mensal devida pelo arrendamento, portanto não se estranha que, sendo ela desde início que procede ao pagamento da renda, os emails referentes ao pagamento das rendas tenham sido enviados para si).
Quanto à requerida suspensão da desocupação, foram ordenadas diligências no mesmo despacho, não tendo a questão sido ali decidida e não sendo, portanto, objeto deste recurso.

A interessada não se conformou com a improcedência do seu requerimento – no que respeita à invalidade do título de desocupação do locado e à impropriedade do procedimento especial de despejo utilizado – e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«1. O presente Recurso é interposto do douto Despacho de fls…, datado de 1 de fevereiro de 2023, que julgou improcedentes as exceções dilatórias de inexistência de título de desocupação e de uso indevido do procedimento especial de despejo.
2. Nesta senda, concluiu o Tribunal a quo que, após a cessação da união de facto que uniu a aqui Apelante ao primitivo arrendatário, estes celebraram um acordo por via do qual o locado foi atribuído à Apelante, para aí continuar a residir com a filha menor de ambos, operando-se a transmissão da posição de arrendatário para a aqui apelante, ao abrigo do artigo 1105.º do Código Civil aplicável ex vi artigo 4.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio.
3. Porém, defendeu o Tribunal a quo que a transmissão da posição de arrendatário é ineficaz em relação à Apelada, por não ter sido comunicada a esta ou à primitiva senhoria.
4. Considera, no entanto, a Apelante que resulta provada que efetivou tal comunicação quer ao primitivo senhorio, quer com os contactos que teve com o atual senhorio, atenta a prova documental carreada para os autos, que permite depreender que sempre foi a aqui Apelante que contactou com os senhorios, efetuando os pagamentos diretamente a estes e com o conhecimento dos mesmos (vide docs. n.ºs 2 e 3 juntos ao Requerimento da Apelante de 28-12-2022).
5. Nunca a Apelada, ou a primitiva senhoria, se opuseram ou, sequer, questionaram a presença exclusiva da Apelante no imóvel a partir de 2016, ano em que o Requerido e ex-companheiro da Apelante abandonou o locado, devendo-se entender que esta foi aceite, ainda que tacitamente, como arrendatária.
Sem prescindir,
6. Mesmo que assim não fosse, o que não se concede, sempre se teria de concluir que falta de comunicação da transmissão por rutura da união de facto nunca poderia ter como efeito a ineficácia da mudança subjetiva em relação ao senhorio, atenta a proteção especial conferida à casa de morada de família.
7. Neste sentido, entendeu o Legislador que, a partir do momento em que existe um acordo entre os unidos de facto, este acordo produz efeitos e é eficaz perante o senhorio, independentemente de ser comunicado ao mesmo, solução que se depreende, não só pela falta de ausência de norma expressa que imponha esta comunicação, mas inclusive da evolução histórica que antecedeu o artigo 1105.º do Código Civil.
8. Com efeito, o atual artigo 1105.º do Código Civil – que, recorda-se, visa proteger a casa de morada de família, garantindo que esta se mantém na esfera de um dos unidos de facto, independentemente da vontade e conhecimento do locador – não prevê a exigência que a modificação subjetiva operada deva ser comunicada ao senhorio, sob pena de ineficácia.
9. Portanto, a exigência de uma formalidade que a própria Lei não exige levaria a uma solução jurídica absolutamente incoerente, incompreensível e, além disso, violadora do direito à habitação, previsto no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, bem como contrária a própria teleologia do regime em análise.
10. Por conseguinte, a transmissão da posição de arrendatário para a aqui apelante é eficaz em relação ao senhorio, por força do artigo 1105.º do Código Civil aplicável ex vi artigo 4.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, independentemente de a senhoria ter sido ou não notificada de tal facto.
Por outro lado,
11. Considerando-se a transmissão da posição de arrendatário eficaz em relação ao senhorio, ora porque houve comunicação, ora porque esta não é condição de eficácia à mesma, apenas se pode concluir que o título de desocupação criado na fase injuntiva do procedimento especial de despejo é ineficaz em relação à Apelante.
12. Desde logo, o presente procedimento especial de despejo deveria ter sido deduzido contra a Apelante, e não contra o seu ex-companheiro, uma vez que o direito ao arrendamento foi transmitido, por acordo com este, para a esfera jurídica da Apelante, na sequência da cessação da união de facto.
13. Consequentemente, a falta de notificação da Apelante, real arrendatária do locado, para deduzir oposição representa uma violação do disposto no artigo 15.º-D do N.R.A.U., o que inquina irremediavelmente a validade do título de desocupação, consubstanciando uma nulidade processual que invalida todo o processado, nos termos do artigo 191.º do C.P.C., a qual implica, naturalmente, que não se tenha formado título de desocupação válido.
14. Acresce dizer que, não tendo a Apelante sido notificada para deduzir oposição nos termos e para os efeitos do artigo 15.º-D do N.R.A.U., o referido título de desocupação foi produzido à sua revelia, hipótese que sempre representaria, salvo melhor e douta opinião, uma manifesta violação do princípio da proibição da indefesa, previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
15. Por fim, não sendo o Requerido o real arrendatário fruto da transmissão supramencionada, igualmente se conclui que a comunicação da senhoria de oposição à renovação junta aos autos é ineficaz, por não ter sido dirigida à real arrendatária, a aqui Apelante, e, portanto, por violação do disposto nos artigos 9.º e 10.º do N.R.A.U.
16. Consequentemente, não sendo a oposição à renovação eficaz perante a real arrendatária, o contrato de arrendamento renovou-se no seu termo, sendo, por isso, a aqui Apelante titular de um título de ocupação legítimo.
Sem prescindir,
17. Mesmo na eventualidade de se entender que a aqui Apelante não assume a qualidade de arrendatária, o que não se concede e que apenas se coloca como mero dever de patrocínio judiciário, sempre se dirá que a Apelada fez uso indevido do procedimento especial de despejo, porquanto o mesmo visa a entrega do locado sem que – pelo menos, na perspetiva da Apelada – exista um contrato de arrendamento entre a Apelante e a Apelada.
18. Ora, é um pressuposto substantivo que a ocupação do imóvel pelo Requerido tenha sido fundada na existência de um contrato de arrendamento, não sendo lícito à Requerente, aqui apelada, fazer uso do procedimento quando a posse do imóvel se funda em qualquer outro título que não uma relação locatícia.
19. Com efeito, a entender-se que o contrato de arrendamento não se transmitiu para a Apelante, então não se poderia dizer que esta ocupava o imóvel enquanto arrendatária, e, por essa razão, deveria a Apelada ter laçando mão aos meios de reação judiciais para o efeito, como, por exemplo, a ação de reivindicação da propriedade, mas já não o procedimento especial de despejo.
Sem prescindir,
20. Sempre se dirá que o contrato de arrendamento sub judice não cessou no dia 30 de julho de 2022, ao contrário do que parece resultar da missiva junta aos autos pela Apelada e datada de 21 de fevereiro de 2022.
21. Com efeito, de acordo com a Cláusula Segunda, n.º 1, do Contrato de Arrendamento junto aos autos, o prazo inicial de duração do contrato de arrendamento foi de 5 (cinco) anos, tendo este tido início em 01 de Agosto de 2013.
22. Devidamente compulsado o prazo de duração inicial, tem-se que o período inicial de duração cessou no dia 31 de julho de 2018, tendo aí iniciado o período de renovação.
23. Não obstante resultar do contrato que o período de renovação teria a duração de 1 (um) ano, a verdade é que o artigo 1096.º, n.º 1 do Código Civil, na redação conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Dezembro, estabelece um imperativo mínimo, segundo o qual, não tendo as partes excluído contratualmente a renovação automática, o período de renovação não pode ter duração inferior a 3 (três) anos, posição que tem sido seguida pelos nossos tribunais superiores (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8 de abril de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 795/20.5T8VNF.G1, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25 de Janeiro de 2023, proferido no âmbito do processo n.º 3934/21.5T8STB.E1, disponível em www.dgsi.pt) e pela doutrina (Maria Olinda Garcia, «Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019», Revista Julgar, março de 2019, p. 11).
24. Assim sendo, devidamente compulsado o prazo de 3 (três) anos, o primeiro período de renovação, que se iniciou em 1 de agosto de 2018, cessou em 31 de julho de 2021, iniciando-se, uma vez que nenhuma das partes se opôs, o segundo período de renovação, também este de 3 (três) anos, com início em 1 de agosto de 2021 e que apenas terminará no dia 31 de julho de 2024.
25. Consequentemente, a oposição à renovação apresentada pela Apelada, através de missiva datada de 21 de fevereiro de 2022, não poderia ter como consequência a cessação do contrato na data nela indicada.
Sem prescindir,
26. Mesmo que não se entenda que o artigo 1096.º, n.º 1 do Código Civil estabelece um imperativo mínimo, o que não se concede, sempre se dirá que a oposição à renovação deduzida pela Apelada é ineficaz, uma vez que não cumpriu o prazo de pré-aviso mínimo.
27. Com efeito, tendo o contrato sido celebrado em agosto de 2013, mormente se pode concluir que, à data de fevereiro de 2022, este já tinha atingido uma duração superior a 6 (seis) anos, pelo que a oposição deveria ser comunicada com um pré-aviso de 240 dias (cf. artigo 1097.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil).
28. Renovando-se o contrato pelo prazo contratualmente estabelecido de 1 (um) ano, tem-se que o período de renovação em vigor, à data de fevereiro de 2022, tinha o seu termo em 31 de julho de 2022, pelo que a comunicação da senhoria de oposição à renovação teria de ter sido efetuada até 3 de dezembro de 2021, o que não aconteceu in casu.
29. Por conseguinte, o contrato de arrendamento dos autos renovou-se em 31 de julho de 2022, tendo a Apelante, pelo menos, direito a permanecer no locado até ao dia 31 de julho de 2023.
30. Sendo certo que a inobservância do prazo de pré-aviso determinou, in casu, a manutenção da relação locatícia, o que, igualmente, obsta o recurso ao procedimento especial de despejo, configurando, por isso, exceção dilatória de conhecimento oficioso de uso indevido do procedimento especial de despejo.
31. Nestes termos, salvo melhor opinião, deverá a douta decisão sob censura ser revogada e substituída por outra que declare extinto o procedimento especial de despejo, com as demais consequências legais.
O Despacho sob censura violou, entre outros, os seguintes preceitos legais:
- Artigos 20.º e 65.º da Constituição da República Portuguesa;
- Artigos 1096.º, 1097.º, 1105.º, 1106.º e 1107.º do Código Civil;
- Artigo 4.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio;
- Artigo 15.º-D do Novo Regime do Arrendamento Urbano.
Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser
considerado procedente o presente Recurso, devendo revogar-se o douto Despacho sob censura e substituí-lo por outro que decrete a extinção do procedimento especial de despejo, assim se fazendo a costumada e tão necessária JUSTIÇA!»
  
Não há contra-alegações a considerar (por extemporaneidade das que foram juntas).

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões:
§ A decisão de facto deve ser alterada, passando a considerar-se que houve comunicação à senhoria de uma transmissão da posição de arrendatário?
§ Operou-se a transmissão da posição do arrendatário DC no contrato de arrendamento para a apelante GS, na sequência de rutura da união de facto entre ambos?
§ Consequentemente, não tendo a apelante sido citada para o procedimento especial de despejo, inexiste título de desocupação válido?
§ Caso se entenda não ter havido transmissão do arrendamento, o procedimento especial de despejo foi indevidamente utilizado?
§ A oposição à renovação não foi feita com a antecedência de lei?
§ A oposição à renovação foi intempestiva?

II. Fundamentação de facto
Os factos a considerar são os que constam do relatório, incluindo os que constam do despacho recorrido acima listados e que se mantêm porquanto explicado no ponto 1.

III. Apreciação do mérito do recurso
1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O recorrente pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto, devendo em tal caso observar as regras contidas no artigo 640.º do CPC.
Segundo elas, e sob pena de rejeição do respetivo recurso, o recorrente deve especificar:
- Os pontos da matéria de facto de que discorda;
- Os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida;
- A decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No caso dos autos, atentamente lidas as alegações de recurso, devemos reconhecer que a recorrente não foi da maior clareza na impugnação da decisão de facto, quer porque não autonomizou a matéria em título nas suas alegações de recurso, quer porque nunca sequer afirmou, de modo expresso, pretender impugnar a decisão de facto.
No entanto, nos primeiros parágrafos da parte I.A das alegações e no n.º 3 das conclusões, a recorrente afirma que o tribunal a quo considerou que a transmissão da posição de arrendatário de DC para GS não foi comunicada à senhoria; e, em ulteriores parágrafos da parte I.A das alegações e no n.º 4 das conclusões, a recorrente defende que se deve considerar que essa comunicação foi feita, com base nos docs. n.ºs 2 e 3 juntos ao requerimento da apelante de 28/12/2022.
Nestas alegações e conclusões está concretizado o cumprimento dos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, constantes do artigo 640.º do CPC: especificação da matéria de facto de que discorda; indicação dos meios probatórios que impõem decisão diversa; e, explicitação da decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre a questão de facto em causa.

Analisando os documentos nos quais a recorrente sustenta a sua posição – docs. n.ºs 2 e 3 juntos ao requerimento de 28/12/2022 (que surge na plataforma Citius num ficheiro com a Ref. 34581744, Ato Processual Outros, Apresentante Balcão Nacional do Arrendamento, Data 29/12/2022) – constata-se que:
- O doc. n.º 2 contém os dados bancários da conta da CGD …500, titulada por GS; e,
- O doc. n.º 3 contém dois emails, um remetido por mc...@hipoges.com e outro por pt...@hipoges.com, ambos para GS@hotmail.com, e ambos com info.arrendados@hipoges.com em cc, dos quais consta o seguinte:
• Email de 27.12.2021, remetido por mc...@hipoges.com:
«Exmo. Sr.
Segue em anexo a carta enviada por correio com os dados de pagamento.
Solicito envio dos comprovativos de pagamento desde 09/2021»
• Email de 20.04.2022, remetido por pt…@hipoges.com:
«Bom dia Sr. GS.
No seguimento da sua comunicação, em anexo, verificamos que os valores reclamados foram liquidados à antiga sociedade proprietária.
Dessa forma, de forma a regularizarmos os pagamentos, encaminhamos o processo internamente, aguardando a compensação dos montantes pela antiga sociedade proprietária. (…)».

De nenhum destes documentos, nem individualmente considerados, nem do seu conjunto, resulta que a apelante tenha comunicado à senhoria, seja à anterior, seja à atual, uma transmissão da posição de arrendatário.
Relembramos nesta matéria a fundamentação do tribunal a quo:
«Ora, dos emails juntos por GS não resulta que aquela tenha comunicado à senhoria, nem à primitiva, nem a atual a transmissão da posição de arrendatário do Requerido para si. Por outro lado, não podemos olvidar, que a mesma refere que ela é a única titular da conta bancaria indicada para efeitos de débito direto da renda mensal devida pelo arrendamento, portanto não se estranha que sendo ela desde início que procede ao pagamento da renda, que os emails referentes ao pagamento das rendas tenham sido enviados para si.»
Somos de idêntico parecer. Os documentos em causa não são suficientes nem aptos para que se considere provada a pretendida comunicação.
Questão distinta é a de saber se o acordo entre as pessoas que viviam em união de facto é suficiente para que se considere ter havido transmissão da posição de arrendatário.

2. Quadro jurídico da situação e sua aplicação ao caso
O litígio convoca sobretudo as normas que regulam o contrato de arrendamento para habitação constantes do Código Civil e do NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, com as suas várias alterações, adiante designado por RNAU), o procedimento especial de despejo (artigos 15.º a 15.º-S do NRAU), e a proteção das uniões de facto (Lei 7/2001, de 11 de maio, alterada pelas Leis 23/2010, 2/2016, 49/2018 e 71/2018, de ora em diante Lei 7/2001).

2.1. Da invocada transmissão da posição do arrendatário DC no contrato de arrendamento para a apelante GS, na sequência de rutura da união de facto entre ambos  
O tribunal a quo deu por assente, quer a união de facto entre o arrendatário DC e a apelante GS, quer o acordo entre eles para a transmissão da posição de arrendatário de DC para GS. Estes factos não são objeto de recurso. A comunicação dessa transmissão ao senhorio, contraparte no contrato de arrendamento, não se provou, como acima explicado.
Questão que agora se impõe e que urge decidir é se o acordo entre os companheiros é suficiente para que se opere a transmissão da posição do arrendatário que um deles tem para o outro. A resposta, adianta-se, é negativa: a transmissão da posição de arrendatário no contrato de arrendamento celebrado entre DC e a então proprietária é uma conclusão jurídica que não se pode extrair dos factos dos autos. Passamos a explicar.
A Lei 7/2001, no seu artigo 3.º, alínea a), confere às pessoas que vivem em união de facto alguma proteção da casa de morada de família, concretamente, aquela que resulte dos «termos da presente lei».
A proteção da casa de morada da família em caso de rutura da união de facto é a que resulta da aplicação, com as necessárias adaptações, do disposto nos artigos 1105.º e 1793.º do Código Civil (assim o determina o artigo 4.º da Lei 7/2001).
O artigo 1793.º do CC não tem correspondência com a situação sub judice, pois reporta-se aos casos em que o imóvel que é (ou foi) casa de morada de família constitui um bem comum ou próprio de um dos cônjuges.
À situação dos autos aplica-se, mutatis mutandis, por força do disposto no artigo 4.º da Lei 7/2001, o artigo 1105.º do CC, nos termos do qual, [i]ncidindo o arrendamento sobre casa de morada de família, o seu destino é, em caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, decidido por acordo dos cônjuges, podendo estes optar pela transmissão ou pela concentração a favor de um deles (n.º 1).
O n.º 2 do artigo 1105.º do CC resolve situação de falta de acordo, caso em que caberá ao tribunal a decisão, tendo em conta a necessidade de cada um, os interesses dos filhos e outros fatores relevantes.
O n.º 3, por seu turno, estabelece que a transferência da posição do arrendatário ou a concentração da mesma posição numa das partes do casal, acordadas e homologadas pelo juiz ou pelo conservador do registo civil ou a decisão judicial a elas relativa são notificadas oficiosamente ao senhorio.
No caso, houve acordo entre os membros da união de facto, mas esse acordo não foi objeto de homologação por autoridade (judicial ou administrativa). Não está em discussão que o casal concordou em que GS continuaria a viver no locado e a pagar as rendas e que DC deixaria de fruir a casa. A questão que se coloca é se esse acordo entre ambos, sem que tenha sido objeto de homologação, é suficiente para operar a transmissão da posição do arrendatário.
Repare-se que, se eles fossem casados, o acordo não seria suficiente, pelo que a aplicação do artigo 1105.º com as necessárias adaptações exige também análoga intervenção da autoridade judicial ou administrativa.
Neste sentido, e incidindo sobre esta específica questão, leiam-se os seguintes trechos doutrinários.
Rita Lobo Xavier, «O “estatuto privado” dos membros da união de fato», Revista Jurídica Luso-Brasileira, ano 2 (2016), n.º 1, pp. 1497-1540 (1524-1525):
«O art.º 4.º da LUF manda aplicar à ruptura da união de facto as soluções normativas preconizadas para o destino da casa de morada comum em caso de divórcio, com as devidas adaptações. A aplicação das referidas normas à união de facto envolve uma delicada atividade de adequação a esta realidade, uma vez que tais normas pressupõem um processo de divórcio a decorrer num Tribunal ou numa Conservatória do Registo Civil, processo que não existe no caso da ruptura da união de facto. Assim, o pedido de constituição de um direito ao arrendamento, nos termos do art.º 1793.º do Código Civil, ou de transmissão do direito ao arrendamento para o não arrendatário, de acordo com o art.º 1105.º do Código Civil, deve cumular-se com o de declaração judicial de dissolução da união de facto, tendo em conta o disposto no art.º 8.º, n.º 2, da LUF. Já quanto à hipótese de transmissão do direito ao arrendamento por acordo (art.º 1105.º, n.º 1, do Código Civil), na medida em que também supõe a verificação da dissolução da união de facto, não pode deixar de se entender que tal acordo terá sempre de ser homologado por sentença para poder ser oposto ao senhorio.»
Rita Lobo Xavier, «A união de facto e a lei civil no ensino de Francisco Manuel Pereira Coelho e na legislação atual», in Textos de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho, Coord. De Guilherme de Oliveira, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, pp. 653-691 (668):
«Nessa medida, também acolheu [Pereira Coelho] com naturalidade o artigo 4.º da LUF que mandou aplicar à ruptura da união de facto as soluções normativas preconizadas para o destino da casa de morada comum em caso de divórcio, com as devidas adaptações. A aplicação das referidas normas à união de facto envolve uma delicada atividade de adequação a esta realidade, uma vez que tais normas pressupõem um processo de divórcio a decorrer em Tribunal ou na Conservatória do Registo Civil, processo que não existe no caso da ruptura da união de facto. Assim, Pereira Coelho considerou que o pedido de constituição de um direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1793.º do CC, ou de transmissão do direito ao arrendamento para o não arrendatário, de acordo com o artigo 1105.º do CC, devia cumular-se com o de declaração judicial de dissolução da união de facto, tendo em conta o disposto no artigo 8.º, n.º 2 da LUF. Já quanto à hipótese de transmissão do direito ao arrendamento por acordo (artigo 1105.º, n.º 1, do CC), embora Pereira Coelho não o diga expressamente, não pode deixar de entender-se que tal acordo terá sempre de ser homologado por sentença para poder ser oposto ao senhorio.»
Maria Raquel Guimarães, «“Lar, doce lar”: Os contratos sobre a habitação familiar. Algumas particularidades de regime», Revista Eletrónica de Direito, vol. 22 (junho de 2020), n.º 2, pp. 94-116 (106), extrato do ponto «5.2. Transmissão e concentração da posição de arrendatário em caso de divórcio ou de separação de pessoas e bens, ou em caso de extinção da união de facto»:
«O acordo relativamente à titularidade do direito ao arrendamento terá que ser homologado pelo juiz ou pelo conservador do registo civil. Na falta de acordo o tribunal decidirá tendo em consideração, mais uma vez, entre outros factores relevantes, as necessidades de cada um e os interesses dos filhos 51. Ao senhorio será notificada, nos dois casos, a decisão final, sendo este colocado nesse momento perante o facto consumado da alteração da sua contraparte no contrato e, consequentemente, perante a alteração do património que responde pelas obrigações decorrentes da relação arrendatícia.»

O disposto no artigo 1105.º do CC, aplicável por força do disposto no artigo 4.º da Lei 7/2001, permite que, em caso de rutura da união de facto, a posição de arrendatário no contrato de arrendamento que incida sobre a casa de morada de família seja transferida para o outro membro da união por acordo entre os companheiros, sem que o senhorio seja chamado a consentir na modificação subjetiva operada na relação arrendatícia. O artigo 1105.º do CC permite, portanto, uma cessão da posição contratual sem a anuência do outro contratante, o senhorio, em afastamento da regra geral contida no n.º 1 do artigo 424.º do CC, em matéria de cessão da posição contratual.
Tanto não significa que a cessão da posição do arrendatário em tais casos não se possa fazer em conformidade com a regra geral do artigo 424.º. Pode. Se houver consentimento do senhorio, a cessão opera-se, sem mais, nos termos da regra geral do artigo 424.º do CC.
Não havendo tal consentimento, como no caso não houve, a cessão apenas se opera por aplicação do artigo 1105.º do CC (em caso de união de facto, com as necessárias adaptações).Tanto significa que, na falta de consentimento do senhorio, o acordo sobre a cessão da posição do arrendatário, celebrado entre este e a pessoa com quem viveu em união de facto, tem de ser homologado por autoridade judicial ou por conservador do registo civil. Com efeito, permitir essa transmissão contra a vontade do senhorio, parte no contrato de arrendamento, e sem a chancela de uma autoridade, seria permitir aos companheiros em união de facto o que não é permitido aos cônjuges e fazer recair sobre o senhorio o ónus de impulsionar ação com vista à declaração da inexistência de união de facto.
A regra contida no artigo 1105.º foi criada para os casos de divórcio e separação judicial de pessoas e bens, situações em que existe ab initio uma certeza sobre a situação de comunhão de vida, dada pelo contrato de casamento e seu necessário registo. Se em tais casos tem de haver uma decisão judicial ou uma homologação de acordo por autoridade judicial ou administrativa para que se opere a transmissão do arrendamento, por maioria de razão, ao aplicar-se o artigo 1105.º do CC a situações de união de facto, por via do artigo 4.º da Lei 7/2001, tem de exigir-se também que a união de facto e o acordo sejam verificados por uma daquelas autoridades. Apenas assim se aplica, mutatis mutandis, o artigo 1105.º do CC.
Por tudo o vindo de expor, e ao contrário do pretendido pela apelante na parte final das suas alegações de recurso, não se verifica qualquer violação do disposto no artigo 1105.º do CC, nem do artigo 4.º da Lei 7/2001 que para o primeiro remete  (nem nos artigos 1106.º e 1107.º do mesmo Código, cuja previsão é a morte, não tendo aplicação ao caso dos autos).

Há ainda a considerar que, nos termos do disposto no artigo 8.º da Lei 7/2001, a união de facto dissolve-se: a) Com o falecimento de um dos membros; b) Por vontade de um dos seus membros; c) Com o casamento de um dos membros. A lei não referiu de modo expresso a vontade de ambos os membros que, por maioria de razão, dissolve a união. Esta forma de dissolução deve entender-se contida na alínea b). A dissolução prevista na alínea b) do tem de ser judicialmente declarada quando se pretendam fazer valer direitos que dependam dela (assim o estatui o n.º 2 do mesmo artigo e diploma).
Finalmente, invocou a apelante a inconstitucionalidade do artigo 1105.º do CC, quando interpretado no sentido de ser necessária a comunicação ao senhorio para que a transmissão do arrendamento opere, por desconformidade dessa exigência com o disposto no artigo 65.º sobre o direito à habitação. O artigo 65.º da CRP prevê um dever do Estado de adoção políticas de estímulo da construção para habitação, de promoção de construções de habitações económicas e sociais, de fomento da criação de cooperativas de habitação e da autoconstrução, e outras na mesma linha. Não se alcança qualquer desconformidade entre a norma constitucional em causa e a referida interpretação do artigo 1105.º (que, de todo o modo, não é a que fundamenta a argumentação supra).

2.1.1. Consequentemente, não tendo a apelante sido citada para o procedimento especial de despejo, inexiste título de desocupação válido?
Conforme acima explicado, o acordo entre os companheiros unidos de facto, aquando da rutura da sua vida em comum, no sentido de a posição de arrendatário passar de DC para GS não é suficiente para operar a transmissão da posição do arrendatário e tal transmissão não se efetivou.
Não tendo havido transmissão da posição do arrendatário, não tinha a apelante de ser chamada ao procedimento especial de despejo, nem o título de desocupação está ferido de invalidade por essa alta de chamamento.
Acresce que se tem entendido, e bem, que o artigo 12.º do NRAU – que estabelece que, se o local arrendado constituir casa de morada de família, as comunicações previstas no n.º 2 do artigo 10.º (entre elas, as que possam servir de base ao procedimento especial de despejo) devem ser dirigidas a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia –, não se aplica às situações de união de facto. Neste sentido o Ac. do TRC de 09/04/2013, proc. 1346/11.8TBCVL-A.C1.
A não aplicação da norma aos casos de união de facto assenta, quanto a nós, em dois argumentos: i. a Lei 7/2001, no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), afirma a proteção da casa de morada de família “nos termos da presente lei”, e a mesma Lei não remete para o artigo 12.º do NRAU; ii. a operacionalidade do artigo 12.º do NRAU é permitida pela publicidade do registo civil do casamento, que não tem paralelo na união de facto.

2.2. Da adequação do procedimento especial de despejo
O procedimento especial de despejo encontra-se previsto nos artigos 15.º a 15.º - S do NRAU e consiste num meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes (n.º 1 do artigo 15.º). Foi o que sucedeu no caso sub judice: findo o contrato de arrendamento por oposição à renovação, o arrendatário não entregou o locado.
O requerimento de despejo foi, e bem, apresentado no Balcão Nacional do Arrendamento, respeitando os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 15.º-B do NRAU.
O procedimento seguiu a sua normal tramitação, tendo o BNA expedido notificação para o requerido, DC, por carta registada com aviso de receção, para os efeitos previstos no a artigo 15.º-D do NRAU, com respeito de todas as normas contidas no citado artigo, ao contrário do invocado pela apelante no final das suas alegações de recurso.
Bem andou o BNA ao não admitir a intervenção da ora apelante que, porquanto acima exposto (2.1.), não tem qualidade de arrendatária, não se verificando, pois, a violação da norma de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrada no artigo 20.º da CRP, ao contrário do invocado pela requerente.
A apelante é, nas circunstâncias de facto dos autos, mera detentora da coisa, à qual não foi dada a oportunidade de intervir no procedimento especial de despejo. O artigo 15.º-M do NRAU resolve a situação.

2.3. Da devida antecedência da oposição à renovação
Na sequência do exposto, a apelante não tem legitimidade para discutir os respeito dos requisitos da oposição à renovação.
Em todo o caso, sempre se dirá que a oposição à renovação do contrato de arrendamento (também designada por denúncia, em sentido impróprio) foi regularmente efetuada, por notificação a quem devia, ao arrendatário, e pelo meio devido (carta registada com aviso de receção). Arrendatário que inclusivamente recebeu, ele mesmo, a respetiva carta (conforme aviso de receção junto aos autos). Não houve qualquer reação do arrendatário à cessação do contrato de arrendamento.
Nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 15.º do NRAU, em caso de cessação por oposição à renovação por parte do senhorio, apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º do CC, ou seja, com antecedência mínima de 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos. Assim foi no caso concreto, o prazo inicial do contrato era de cinco anos, as renovações acordadas por um ano, e a comunicação respeitou 120 dias de antecedência.
Nas alegações de recurso e conclusões n.ºs 26 a 30, invocou a recorrente que o prazo de antecedência devia ter sido de 240 dias por o contrato (prazo inicial mais renovações) ter durado mais de seis anos. Sem razão: o que conta para os efeitos previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 1097.º do CC não é a duração total do contrato à data da oposição à renovação, mas a duração inicial do contrato ou da renovação em curso.
Ao contrário do pretendido pela apelante no final das suas alegações de recurso, não se verificou, portanto, qualquer desrespeito aos artigos 1096.º, 1097.º do CC.
Conforme acima exposto, a oposição à renovação foi feita com a legal antecedência, notificada a quem devia (ao arrendatário DC), para a morada convencionada (a carta foi, inclusivamente, recebida pelo próprio).

2.4. Do prazo das renovações do contrato
No seu recurso (nomeadamente nas conclusões 20 a 25), a apelante alega, ainda, que a oposição à renovação do contrato de arrendamento foi intempestiva uma vez que, em seu entender, o prazo da renovação não é de um ano, como acordado entre as partes no contrato de arrendamento, mas de três anos, por força da interpretação que faz do artigo 1096.º, n.º 1, do CC, na redação conferida pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro.
Mais uma vez, não sendo a apelante parte na relação de arrendamento, não tem legitimidade para suscitar esta questão.
De todo o modo e a latere, diga-se que, ainda que a apelante pudesse suscitar a questão, não lhe assistiria razão.
A norma do n.º 1 do artigo 1096.º do CC tem o seguinte texto: «Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte».
A norma ressalva, portanto, estipulação em contrário, que tanto se reporta à renovação automática, como ao período da mesma. Leia-se o que, a propósito, escreve Jorge Pinto Furtado, que nos parece claro e certeiro, no Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2022, 4.ª ed., pp. 655-7:
«Com a Reforma de 2012, tinha-se estabelecido, neste art.º 1096-1, que, salvo estipulação contratual em contrário, o contrato de prazo certo renova-se “no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração”.
A Reforma de 2017 não aflorou este ponto, mas, com a Lei n.º 13/2019, veio estabelecer-se, pegando na redação de 2012, que, “salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”.
Limitou-se, pois, a acrescentar à frase “períodos sucessivos de igual duração” a expressão “ou de três anos se esta for inferior”.
(…)
O que se determina no presente n.º 1, como se viu, é que o contrato de arrendamento urbano, com prazo certo, no termo da sua duração contratual, se renova, “salvo estipulação em contrário”, por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos quando essa duração for inferior.
A ressalva é expressa, surgindo soberana a encabeçar o preceito.
À sua luz, somente à sua luz, parecerá então perfeitamente lícito que, por expressa estipulação contratual, se convencione contratos de arrendamento, com prazo certo:
a) – Sem renovação contratual;
b) – Com renovações de períodos desiguais;
c) – Que, para o período posterior à duração mínima de três anos, se prevejam renovações de dimensões inferiores ao triénio.
(…)
Já se pretendeu, no entanto, sem mais, que o preceito “diz que a renovação do contrato opera por um período mínimo de três anos”». (p. 655)
Continuando na p. 656: «Não cremos, porém, salvo o devido respeito, que a presente disposição, por si só, permita semelhante conclusão.»
Em seguida, discorre sobre a harmonização do disposto no artigo 1096.º, n.º 1, com o estabelecido no artigo 1097.º, n.º3, que determina que «a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte» (que se reporta à necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau).
Nesta sequência conclui: «se bem pensamos, ultimados os três primeiros anos sobre a celebração contratual, para a sua primeira oposição à renovação, não exige depois a lei, para nenhuma outra oposição à renovação, qualquer limite específico de duração convencional; podem, pois, as partes fixar, para estas, aquela que bem lhes parecer, salvo, claro está, se outra disposição legal, que não esta, impusesse algum limite à liberdade contratual.
(…)
Cremos, por conseguinte e em conclusão poder, pois, validamente estabelecer-se, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco – como, enfim, se pretender» (p. 657).
No mesmo sentido que aqui defendemos, sobre a concreta interpretação do artigo 1096.º, n.º 1, v., ainda, Jéssica Rodrigues Ferreira, «Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais», Revista Eletrónica de Direito, vol. 21 (fevereiro de 2020), n.º 1, pp. 75-98 (82-83); e, Isabel Rocha e Paulo Estima, Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª ed., Porto Editora, 2019, p. 286.
Na jurisprudência, leiam-se os Acórdãos do TRL de 17/03/2022, proc. 8851/21.6T8LRS.L1-6 (Nuno Lopes Ribeiro) e de 10/01/2023, proc. 1278/22.4YLPRT.L1-7 (Luís Filipe Sousa), amos disponíveis em www.dgsi.pt.
Conhece-se jurisprudência e doutrina em contrário, com a qual – porquanto exposto e remetendo, também, dada a lateralidade da questão na causa sub judice, para o conteúdo dos acórdãos acabados de citar – não se concorda.

Sumariando, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC:
I. Em caso de rutura da união de facto, a posição de arrendatário no contrato de arrendamento que incida sobre a casa de morada de família pode ser transferida para o outro membro da união por acordo entre os companheiros, homologado por juiz ou conservador do registo civil, sem que o senhorio seja chamado a consentir na modificação subjetiva operada na relação arrendatícia; esta norma decorre do artigo 1105.º do CC, aplicável à união de facto, com as necessárias adaptações, por via do disposto no artigo 4.º da Lei 7/2001; permite-se, desta forma e nestas circunstâncias, uma cessão da posição contratual sem o consentimento do outro contratante (o senhorio), em afastamento da a regra geral contida no n.º 1 do artigo 424.º do CC.
II. A norma do artigo 1105.º do CC prevê diretamente casos de divórcio e de separação judicial de pessoas e bens, casos nos quais existe ab initio uma certeza sobre a situação de vida em comum dada pelo contrato de casamento e seu inerente registo; se em tais casos tem de haver uma decisão judicial ou uma homologação de acordo por autoridade judicial ou administrativa para que se opere a transmissão do arrendamento, por maioria de razão, ao aplicar-se o artigo 1105.º do CC, com as necessárias adaptações, a situações de união de facto, tem de exigir-se também que o acordo seja chancelado por uma daquelas autoridades.
III. A norma contida no n.º 1 do artigo 1096.º do CC é integralmente supletiva: a renovação do contrato de arrendamento celebrado com prazo certo apenas se fará por períodos sucessivos de igual duração, ou de três anos se esta for inferior, nos casos em que as partes não tenham acordado sobre o prazo da renovação (ou os prazos das renovações) de modo diverso, nomeadamente, por períodos inferiores a três anos (sem prejuízo do disposto no artigo 1097.º, n.º 3, do CC).

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo o despacho recorrido (ainda que com outro fundamento).

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa, 22/06/2023
Higina Castelo
Vaz Gomes
Pedro Martins