IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
VALOR DA CAUSA
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
SANÇÃO DISCIPLINAR
ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE
Sumário


I – Nas ações especiais de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, a determinação do seu valor deve atender designadamente ao valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos, e não ao valor constante dos pedidos formulados.
II – Nos valores a fixar neste tipo de ação atende-se apenas aos valores que se tenham vencido até à data da prolação da sentença da 1.ª instância, já não aos valores vincendos após o momento da prolação da sentença, por não se mostrarem ainda vencidos e, por isso, não estarem efetivamente reconhecidos.
III – Quando, no âmbito de uma disputa entre dois trabalhadores, ambos violam o dever de tratar o outro com urbanidade e probidade, desrespeitando expressamente o disposto no art. 351.º, n.º 2, al. i), do Código do Trabalho, e a entidade empregadora, de forma totalmente parcial, branqueia o comportamento de um dos envolvidos, concretamente, daquele que tinha pouco mais de dois meses na empresa, e apenas instaura procedimento disciplinar contra o outro, que estava na empresa há quase dezanove anos, aplicando-lhe a sanção mais gravosa de despedimento, não atendendo a qualquer espécie de atenuação, em face da provocação de que tinha sido alvo, é manifesto que a sanção aplicada se revela desproporcional em face da gravidade da ação cometida.
IV – É intenso o grau de ilicitude da entidade empregadora, a apreciar em sede de fixação do quantum indemnizatório a atribuir em face da ilicitude do despedimento, que, ao tratar de forma desigual dois trabalhadores que entraram em conflito, opta por instaurar apenas o procedimento disciplinar contra o trabalhador mais antigo, favorecendo o trabalhador recém-chegado à empresa.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Proc. n.º 150/22.2T8SNS.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA (trabalhador) intentou ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.º - C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento promovido por “Multiauto – Sociedade de Comércio de Automóveis, S.A.” (entidade empregadora).
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo.
No decurso da ação, a entidade empregadora apresentou articulado motivador, solicitando a improcedência, por não provada, da presente ação, devendo ser julgado lícito o respetivo despedimento.
A esse articulado, o trabalhador veio responder, contestando e reconvindo, solicitando, a final, que o seu despedimento fosse considerado ilícito e, consequentemente, fosse a entidade empregadora condenada a pagar-lhe:
a) a indemnização no valor de €12.360.00, a título de compensação em virtude da ilicitude do despedimento;
b) os demais créditos laborais peticionados, nomeadamente férias, subsídios de férias;
c) o montante de €2.000,00, a título de danos morais sofridos; e
d) juros e procuradoria condigna até final.
A entidade empregadora veio igualmente responder à reconvenção, solicitando a improcedência, por não provada, da reconvenção.
O tribunal a quo notificou o trabalhador para, no prazo de 10 dias, proceder ao aperfeiçoamento do seu articulado, o que este efetuou, tendo a entidade empregadora, em resposta, solicitado a nulidade desse novo articulado por não ter cumprido o solicitado convite ao aperfeiçoamento.
Proferido despacho saneador, foi dispensada a realização de audiência preliminar, admitido o pedido reconvencional, com exceção do novo pedido formulado no articulado apresentado em resposta ao convite do tribunal e julgada improcedente a nulidade arguida pela entidade empregadora.
Efetuado o saneamento do processo, foi identificado o objeto do litígio e dispensada a enunciação dos temas da prova, dada a simplicidade da causa.
Realizada a audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida a sentença em 12-12-2022, com o seguinte teor decisório:
Por tudo quanto se deixou exposto, o Tribunal julga ilícito o despedimento, com fundamento em justa causa, promovido pela entidade empregadora “Multiauto, S.A.”, e, em consequência, condena-a a:
a) Pagar ao trabalhador AA a quantia de €20.253,00 (vinte mil duzentos e cinquenta e três euros) a título de indemnização de antiguidade vencida até 12 de Dezembro de 2022, à razão de 30 dias por cada ano de antiguidade, quantia à qual acrescem as que, ao mesmo título, se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença e sobre a qual incidirão juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do referido trânsito;
b) Pagar ao trabalhador as retribuições que este deixou de auferir (incluindo férias, subsídios de Natal e Férias), vencidos desde 11 de Abril de 2022 até ao trânsito em julgado da decisão final, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data em que cada deveria ter sido paga e até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo da dedução prevista na alínea c) do n.º 2 do art.º 390.º do Código do Trabalho, a apurar em sede de incidente de liquidação de sentença (art.º 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
- Absolve-se a entidade empregadora do pedido de condenação no pagamento dos danos não patrimoniais.
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Valor da causa: €30.595,91 (trinta mil quinhentos e noventa e cinco euros e noventa e um cêntimo), correspondente á soma dos valores atribuídos ao trabalhador sob as alíneas a) e b) do segmento decisório e computados à data (€20.253,00 + €10.342,91), cfr. artigo 98.º-P, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho.
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Custas a cargo da entidade empregadora e do trabalhador, na respectiva proporção (art.º 527.º, do Código de Processo Civil).
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Registe e notifique.
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Após trânsito, comunique, enviando cópia da sentença, à Segurança Social.
Inconformada com tal sentença, a entidade empregadora veio interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
1 - O valor atribuído pelo tribunal a quo à presente ação, de € 30.595,91, correpondente a € 20.253,00+ € 10.342,91, não é correto.
2 – O tribunal a quo não esclarece como obteve o valor de € 10.342,91, sendo que a condenação da alínea b) da decisão é a liquidar em execução de sentença.
3 – O valor da ação terá de ser corrigido e fixado no valor líquido da alínea a) da decisão, ou seja, € 20.253,00.
4 – O tribunal a quo não valorou corretamente a prova produzida em audiência de julgamento, tendo dado extrema relevãncia às declarações de parte do Réu, ignorando por completo o relato dos factos pela testemunha BB.
5 – A reivindicação de um trabalhador de ter um lugar cativo a uma mesa de refeições não pode ser configurado como um uso laboral.
6 – Não o podendo, muito menos pode legitimar um comportamento agressivo verbal e físico por um trabalhador contra o outro.
7 – Comportamento esse que é confessado pelo Recorrido, sem qualquer juízo de auto-censura.
8 – O comportamento do Recorrido é censurável, grave e inadmissível, violou os princípios do respeito e da urbanidade entre colegas e perante a entidade patronal.
9 – Tal comportamento é muito grave e quebrou definitivamente a relação de conforança entre entidade empregadora e trabalhador, que subjaz à relação laboral.
10 - Pelo que contitui justa causa de despedimento.
11 – Donde, dever considerar-se lícito o despedimento, devendo a decisão do tribunal a quo ser revogada.
12 – O Recorrido não tem, pois, direito à indemnização fixada na alínea b) da decisão recorrrida, porque o despedimento tem de ser considerado lícito.
13 – Mesmo que fosse considerado ilícito, sempre o valor da referida indemnização teria de ser reduzido para 20 dias de antiguidade e diuturnidades, uma vez que o vencimento base do Recorrido é elevado - € 1.030,00 – e o grau de ilicitude do despedimento nunca poderia ser considerado elevado.
14 – O Recorrido está a trabalhar para outra entidade patronal desde Abril de 2022, logo no mês seguinte à cessação do contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido.
15 – O que o fez também optar pela não reintegração, caso o despedimento viesse a ser considerado ilícito.
16 - Pelo que jamais o Recorrido teria direito ao pagamento dos salários e subsídios constantes da alínea b) da decisão da sentença recorrida.
17 – E jamais teriam de ser deduzidos os valores pagos a título de subsídio de desemprego, porque este nunca existiu.
18 – A sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou os disposto nos arts. 351º, nº 1 CT, 128º, nº 1 CT, 391º, nº 1 CT.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser considerado procedente o Recurso interposto, revogando-se a decisão sob recurso, assim se fazendo JUSTIÇA!
O trabalhador apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, devendo a sentença ser mantida, terminando com as seguintes conclusões:
a) O valor atribuído pelo Tribunal a quo está correcto é justo e equitativo;
b) O Tribunal de 1ª Instância é claro na obtenção do valor de 10.342,91, tendo fixado o valor da presente ação em 30595,91€, por um lado pela ilicitude do despedimento por outro pelas retribuições que deixou de receber em virtude de um despedimento injusto!
c) O Tribunal valorou a prova corretamente tendo ao longo de todo o julgamento uma postura atenda que, permitiu fundamentar a sua decisão com elementos das declarações de todas as testemunhas, CC, EE, BB, FF, GG … como aliás se pode ler na sentença.
d) Em momento algum o trabalhador reivindica um lugar cativo, o lugar que tem na mesa que é o seu é corroborado por todos os seus colegas e até pela Directora dos Recursos Humanos e, esse lugar er o seu há 20 anos.
e) Em momento algum ficou provada qualquer agressão física pelo trabalhador.
f) Foi violado pela entidade empregadora o principio da igualdade e da proporcionalidade.
g) Em momento algum e em qualquer lugar do mundo e perante o “bom pai ou mãe de família” podem os factos que aconteceram ser motivo de despedimento;
h) A responsabilidade e dedicação do trabalhador era tanta que mesmo depois de o seu colega lhe ter chamado cão e o ter empurrado e se ter sentado no seu lugar e, ter lhe puxado a cadeira e, este ameaçar que lhe vai atirar com uma cadeira, ainda assim, o trabalhador liga ao seu colega por causa de um carro;
i) A gravidade quer pelo tempo quer pela forma jamais poderão ser considerados os 20 dias, pelo contrário, esteve bem o Tribunal a quo;
j) O trabalhador não começou a trabalhar em abril.
k) O trabalhador não requereu o subsídio de desemprego pois, não tinha direito ao mesmo atento o despedimento pela alegada justa causa invocada pela entidade trabalhadora.
Nestes termos e nos demais de direito que Vossas Excelências suprirão devem confirmar a sentença ora recorrida e, condenar a recorrente mesmos termos a que já fora condenada acrescido de juros e procuradoria condigna até trânsito em julgado
Assim Vossas Excelências farão JUSTIÇA!!!!
O tribunal a quo admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (em face da prestação de caução), tendo subido os presentes autos a este tribunal, onde foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer pela improcedência do recurso.
Não houve respostas ao parecer.
Tendo sido mantido o recurso nos seus precisos termos, foram colhidos os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Apelante, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Incorreto valor da ação;
2) Impugnação fáctica;
3) Licitude do despedimento;
4) Excessivo quantum indemnizatório; e
5) Inexistência de qualquer valor devido ao trabalhador a título de retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1.Por documento escrito datado de 12 de Maio de 2003, intitulado Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado, assinado pela “Multiauto, S.A.” e pelo trabalhador, aquela admitiu este ao seu serviço, com início nessa data e por tempo indeterminado, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de mecânico 1.ª, mediante o vencimento mensal base de €748,20 e subsídio de alimentação de €4,49 por dia de trabalho, obrigando-se a prestar a sua actividade no estabelecimento da empregadora, situado na Zona Industrial Ligeira n.º 2, em Sines, das 08:30 às 12:30 horas e das 14:00 ás 18:00 horas, de segunda a sexta-feira, totalizando 40 horas de trabalho efectivo por semana.
2. Com data de 16.02.2022, EE efectuou “Participação” à Administração da “Multiauto, S.A.” por factos cometidos pelo trabalhador AA, conforme teor de fls. 17 e v.º que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. No processo disciplinar, consta a missiva com data de 16.02.2022, dirigida pela empregadora ao trabalhador, comunicando-lhe a instauração de processo disciplinar com intenção do seu despedimento, com fundamento no comportamento ocorrido no dia 16 de Fevereiro de 2022, comunicando ainda a sua imediata suspensão, sem prejuízo do pagamento da retribuição, em face da gravidade das infracções, nomeadamente as ofensas corporais e ameaças a BB na presença de colaboradores da empresa e por se mostrar inconveniente a sua presença no local de trabalho.
4. Esta missiva foi entregue em mão ao trabalhador por EE e GG, no dia 17.02.2022.
5.Com data de 15.03.2022 a instrutora do processo elaborou nota de culpa com o teor de fls. 30 e 31 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. A nota de culpa foi enviada ao trabalhador em 16.03.2022, por carta registada com aviso de recepção.
7. O trabalhador respondeu à nota de culpa nos termos constantes a fls. 32 e v.º que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
8. Esta resposta foi enviada à empregadora por carta registada em 23.03.2022, tendo dado entrada nos serviços da empregadora em 25.03.2022.
9. Com data de 05.04.2022, a instrutora do processo elaborou relatório e proposta de decisão, com o teor de fls. 33 v.º e 34 que se dá por integralmente reproduzido e na qual conclui pela procedência da acusação, considerando provados os factos descritos nos artigos 1.º a 23.º da nota de culpa, não existindo atenuantes a serem tidas em conta que afastem a culta do arguido, a qual, pela sua gravidade e consequências, impossibilita imediatamente a continuidade da relação laboral, constituindo justa causa de despedimento, nos termos dos n.ºs 1 e 2, alíneas b) e i) do art. 351.º do Código do Trabalho, propondo a aplicação ao arguido da sanção de despedimento sem indemnização.
10. A decisão final, datada de 6 de Abril de 2022, tem o seguinte teor:
«Vimos, por este meio, comunicar o seu despedimento imediato, com justa causa, pelos motivos constantes do relatório em anexo, que aqui se dá por reproduzido.
Com efeito, foram provados os factos constantes da nota de culpa, que comprometem irremediavelmente a relação de trabalho, nomeadamente as agressões físicas voluntária e deliberadamente feitas ao colega BB, nomeadamente retirando-lhe a cadeira onde este estava sentado e empurrando-o, o que provocou a queda deste e um conflito físico, na presença de colegas de trabalho e que motivou a intervenção de um deles, a saber: CC.
(…)»
11. Em 06.04.2022, esta decisão em carta foi enviada ao trabalhador, com o relatório e certificado de trabalho, mediante registo com aviso de recepção.
12. O trabalhador recebeu esta missiva em 11.04.2022.
13. Desde 12.05.2003 o trabalhador exerce as funções de mecânico, nas instalações da entidade empregadora, sitas na ZIL 2, lote 7, em Sines.
14. Estas instalações possuem um local destinado a refeitório, onde os trabalhadores podem fazer as suas refeições e pausas para alimentação durante o período de trabalho.
15. Aí se encontra frigorifico, micro-ondas, objectos necessários para o efeito e uma mesa retangular com sete lugares, um à cabeceira e três de cada um dos lados.
16. A empregadora não afectou nenhum desses lugares a nenhum trabalhador.
17. No dia 16 de Fevereiro de 2022, entre as 16:00 e as 16:15 horas, o trabalhador AA dirigiu-se ao refeitório, com o intuito de lanchar, encontrando-se já sentando à mesa o trabalhador BB.
18. BB estava sentando a comer um iogurte, no lugar do canto superior esquerdo de quem entra pela porta que comunica para a despensa.
19. Este lugar costumava ser ocupado pelo trabalhador AA, embora esporadicamente por outros colegas mecânicos exteriores á empregadora e ainda se se encontrasse disponível.
20. O trabalhador AA reputava como seu aquele lugar.
21. Ao deparar-se com o colega BB sentado naquele lugar, encetou-se discussão entre ambos em tom de voz alto, exaltado e fora do que era habitual no local de trabalho.
22. Com efeito, o trabalhador AA disse a BB que aquele era o seu lugar e para se levantar.
23. BB não se levantou e disse ao trabalhador AA que não havia lugares marcados e que não saía daquele lugar.
24. O trabalhador AA respondeu que havia lugares marcados e que aquele era o dele e, apontando, que o do CC era ali, o do DD ali, etc.
25. BB voltou a dizer que não saía porque não havia lugares marcados e que o trabalhador AA falasse com a chefia.
26. O trabalhador CC também se encontrava no local, tendo entrado no refeitório logo a seguir ao trabalhador AA e sentou-se no lugar onde costumava sentar-se, do lado oposto onde então se encontrava sentado BB.
27. Perante a recusa de BB em mudar de lugar, o trabalhador AA foi buscar a sua comida e, dirigindo-se á porta de saída, disse que ia comer lá para fora.
28. Ao que BB lhe disse “é melhor ires, é, que o lugar dos cães é na rua”.
29. Tal fez com que o trabalhador AA voltasse para trás e tivesse dito a BB para sair dali e passar para o lugar ao lado.
30. Perante e recusa de BB em sair daquele lugar, o trabalhador AA retirou-lhe a cadeira na qual se encontrava sentado, puxando-a.
31. Posto o que, BB logrou sair de lado da cadeira e, com as suas duas mãos empurrou o trabalhador AA, tendo este batido com as costas na máquina do café, provocando ruído.
32. Esbracejando ambos no sentido do corpo um do outro, e por forma a evitar conflito físico entre ambos, o trabalhador CC levantou-se, colocou-se no meio dos dois e empurrou-os um para cada lado, o que provocou a queda da mesa e de cadeiras, com ruído.
33. BB saiu então do refeitório.
34. O ruído provocado foi ouvido fora do refeitório por HH.
35. A entidade empregadora não admite nem tolera agressões físicas e confrontos no local de trabalho.
36. O trabalhador AA agiu livre e conscientemente.
37. A entidade empregadora ficou com dúvidas sobre as atitudes do trabalhador AA.
38. Os trabalhadores mecânicos ao serviço da empregadora naquele local têm entre si lugares onde cada um se costuma sentar, o que é do conhecimento de todos.
39. Porque BB lhe disse “é melhor ires, é, que o lugar dos cães é na rua”, o trabalhador AA sentiu-se ofendido.
40. O trabalhador BB não foi alvo de processo disciplinar pelos factos ocorridos no dia 16.02.2022, não tendo sido suspenso de funções.
41. BB foi admitido ao serviço da entidade empregadora em 02.12.2021.
42. O trabalhador AA não tem qualquer processo disciplinar anterior ou registo de desrespeito por colegas.
43. Existia amizade e respeito entre os colegas mecânicos ao serviço da entidade empregadora.
44. O trabalhador AA recebeu com surpresa, estupefação e tristeza a notícia do seu despedimento.
45. Á data do despedimento, o trabalhador AA auferia o vencimento base de €1.030,00.
46. Devido ao despedimento, o trabalhador AA sentiu-se triste e ansioso.
47. Após o sucedido, o trabalhador AA sentiu-se envergonhado por a empregadora não ter atendido à sua posição no ocorrido.
48. O trabalhador AA é diabético.
E foram dados como não provados os seguintes factos:
A. Nas circunstâncias referidas em 23), o trabalhador AA respondeu “esse lugar é meu, caralho”.
B. Ao puxar a cadeira onde BB se encontrava sentando, o trabalhador AA fez com que este tombasse desamparado e empurrando-o.
C. Isto provocou o ruído de cadeiras e mesa a cair, o que chamou a atenção do trabalhador que se encontrava fora do refeitório, FF.
D. CC ao ver o trabalhador AA empurrar BB que esbraceja por forma a evitar sem sucesso cair, evitou agressão daquele a este.
E. Ao sair do refeitório BB disse “o homem está bruto”.
F. No refeitório, em cima da bancada, encontravam-se objectos, nomeadamente facas.
G. Devido ao despedimento o trabalhador AA sentiu angústia não conseguindo dormir.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) o valor da ação está incorretamente fixado; (ii) houve erro na apreciação fáctica; (iii) o despedimento é lícito; (iv) o quantum indemnizatório fixado é excessivo; e (v) inexiste qualquer valor a pagar ao trabalhador a título de retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final.

1) Incorreto valor da ação
No entender da entidade empregadora, a sentença recorrida não atribuiu o valor correto à ação, sendo tal valor apenas de €20.253,00, visto que o valor ilíquido constante da al. b) da sentença não pode integrar o valor da ação, tanto mais que não é esclarecido como o montante de €10.342,91 foi obtido.
Apreciemos.
Consta da sentença recorrida, sobre esta matéria, o seguinte:
Valor da causa: €30.595,91 (trinta mil quinhentos e noventa e cinco euros e noventa e um cêntimo), correspondente á soma dos valores atribuídos ao trabalhador sob as alíneas a) e b) do segmento decisório e computados à data (€20.253,00 + €10.342,91), cfr. artigo 98.º-P, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho.

Dispõe o art. 98.º-P do Código de Processo do Trabalho que:
1 - Para efeitos de pagamento de custas, aplica-se à acção de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º do Regulamento das Custas Processuais.
2 - O valor da causa é sempre fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente o valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos.
3 - Se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa pelo juiz, deve este fixá-lo no despacho que admite o recurso.

Estatui o art. 12.º do Regulamento das Custas Processuais que:
1 - Atende-se ao valor indicado na l. 1 da tabela i-B nos seguintes processos:
a) Nos processos relativos à impugnação judicial da decisão sobre a concessão do apoio judiciário;
b) Nas intimações para prestação de informação, consulta de processos ou passagem de certidões;
c) Nos processos de contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social e dos organismos sindicais, nos processos para convocação de assembleia geral ou de órgão equivalente, nos processos para declaração de invalidade das respectivas deliberações e nas reclamações de decisões disciplinares;
d) Nos recursos dos actos de conservadores, notários e outros funcionários;
e) Sempre que for impossível determinar o valor da causa, sem prejuízo de posteriores acertos se o juiz vier a fixar um valor certo;
f) Nos processos cujo valor é fixado pelo juiz da causa com recurso a critérios indeterminados e não esteja indicado um valor fixo, sem prejuízo de posteriores acertos quando for definitivamente fixado o valor.
2 - Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da acção.

Regulamenta o art. 296.º do Código de Processo Civil que:
1 - A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.
2 - Atende-se a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.
3 - Para efeito de custas judiciais, o valor da causa é fixado segundo as regras previstas no presente diploma e no Regulamento das Custas Processuais.

Determina também o art. 297.º do Código de Processo Civil que:
1 - Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.
2 - Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos.
3 - No caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de maior valor e, no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar.

Preceitua, por fim, o art. 299.º do Código de Processo Civil que:
1 - Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal.
2 - O valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 530.º.
3 - O aumento referido no número anterior só produz efeitos quanto aos atos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção.
4 - Nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários.

É ainda de mencionar que a tabela i-B, I.1, anexa ao Regulamento das Custas Processuais fixa o valor da ação em €2.000,00.
Na interpretação a dar à conjugação destes artigos tem havido significativas divergências no âmbito dos tribunais superiores, e inclusive na presente secção social, quanto ao valor da ação especial de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento.
Há quem defenda que a regra prevista no art. 98.º-P, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, por ser especial, afasta a aplicação do disposto no art. 299.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sendo o valor a atribuir à ação aquele que vier a ser reconhecido, isto é, julgado procedente, à data da prolação da sentença da 1.ª instância.[2]
Há quem defenda que, apesar do disposto no art. 98.º-P, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, é de aplicar o disposto nos arts. 299.º, n.º 1, e 297.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pelo que o valor da ação corresponde ao valor peticionado e vencido à data da propositura da ação.[3]
Por fim, no âmbito de quem considera que é de atender aos valores reconhecidos à data da prolação da sentença proferida em sede da 1.ª instância, há quem considere que sendo a ação especial de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento julgada improcedente, não sendo, por isso, reconhecidos quaisquer valores, o valor da ação será fixado nos termos do n.º 1 do art. 98.º-P do Código de Processo do Trabalho, ou seja, em €2.000,00;[4] e quem considere que, nessa situação, por uma situação de igualdade de armas entre a entidade empregadora e o trabalhador na possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, é de atender ao valor da ação peticionada pelo trabalhador aquando da interposição do seu requerimento.[5]
Refere-se ainda, a este propósito, o acórdão do TRL que advoga que apenas se atende aos créditos reconhecidos na sentença da 1.ª instância quando estes sejam superiores ao valor peticionado pelo trabalhador.[6]
Assim, após mais aprofundada reflexão, entendemos ser de divergir dos acórdãos desta secção, por nós subscritos, proferidos em 20-04-2023 e 14-07-2021, a que já fizemos menção.
Na realidade, em face dos artigos citados, parece-nos que o Código de Processo do Trabalho preceitua especificamente, no seu art. 98.º-P, n.º 2, como deve ser calculado o valor da causa nas ações de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, pelo que apenas se recorrerá ao disposto nos artigos do Código de Processo Civil no que não se mostre regulado naquele artigo (art. 1.º, n.º2, al. a), do Código de Processo do Trabalho).
Assim, e diferentemente daquilo que determina o n.º 1 do art. 299.º do Código de Processo Civil, ao cingir a fixação do valor da ação ao momento em que esta é proposta, com a exceção dos casos de existência de reconvenção ou intervenção principal, situação em que apenas a partir desses momentos se determinará o valor da ação, nas ações especiais de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento a determinação do seu valor deve atender especificamente ao valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos, ou seja, aos valores que foram efetivamente atribuídos ao trabalhador que os peticionou e não ao valor constante dos pedidos formulados. Essa é a razão pela qual neste tipo de ação, o valor da causa é apenas fixado a final pelo juiz e não aquando do despacho saneador, conforme determina o art. 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Entender-se, como se entendeu nos referidos acórdãos desta secção, que o valor da ação é sempre o que resulta dos valores peticionados pelo trabalhador, independentemente daquilo que vier a ser reconhecido em sede de sentença da 1.ª instância, não só faz letra morta da última parte do n.º 2 do art. 98.º-P do Código de Processo do Trabalho, como torna incompreensível a determinação de que, neste tipo de ação, o valor da ação apenas é fixada a final.
Importa ainda esclarecer que o acórdão do STJ proferido em 16-11-2016,[7] citado no acórdão proferido em 20-04-2023 nesta secção, se reporta a uma ação comum de impugnação de despedimento, pelo que as suas conclusões não se aplicam a esta ação especial, parecendo ocorrer o mesmo com o acórdão citado do STJ, proferido em 13-01-2021,[8] onde não é feita qualquer menção a esta ação especial.
Efetivamente o acórdão do STJ, proferido em 06-12-2017,[9] reporta-se a uma ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, porém, tal acórdão admite a fixação do valor da ação em face dos créditos que venham a ser reconhecidos na sentença da 1.ª instância, conforme refere na parte que se cita:
Contudo, na ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, o valor da causa deve ser fixado nos termos conjugados do artigo 98.º-P, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo do Trabalho e alínea e), do n.º 1, do artigo 12.º, do Regulamento das Custas Processuais, o que significa que esse valor deverá ser fixado sempre a final e tendo em conta a utilidade económica do pedido para o trabalhador, designadamente o valor da indemnização, dos créditos e dos salários que tenham sido reconhecidos.

Chegados a este ponto, terá de se atender na fixação do valor da ação, aquando da prolação da sentença, aos créditos que foram efetivamente atribuídos ao trabalhador e não aos créditos que este tenha formulado em sede de reconvenção na sua contestação (art. 98.º-L, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho).
Por sua vez, entendemos que se é de se fixar o momento da prolação da sentença para apurar o valor dos créditos reconhecidos e incluí-los no valor da ação, também os créditos relativos às retribuições intercalares entretanto vencidos devem integrar o valor da ação.
Dir-se-á que não se integram no valor da ação os valores vincendos após o momento da prolação da sentença, por não se mostrarem ainda vencidos e, por isso, não estarem ainda efetivamente reconhecidos.[10]
Cita-se, a este propósito, o acórdão desta Relação, proferido em 12-10-2017:[11]
Por isso, sendo embora certo que de acordo com a regra geral consagrada no artigo 299.º do Código de Processo Civil, na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento da propositura da acção, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal e desde que os pedidos, do réu na reconvenção e do interveniente na intervenção, sejam distintos dos do autor, sendo que neste caso se somam os valores respectivos, com produção de efeitos quanto aos actos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção, não o é menos que as normas processuais laborais, máxime o n.º 2 do artigo 98.º-P, contêm regras próprias sobre o valor da causa na acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.
E de acordo com essas regras próprias, volta-se a sublinhar, o valor da causa é fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido para o autor/trabalhador, designadamente tendo em conta o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos: atente-se que a letra da lei é expressiva ao aludir a indemnização, créditos e salários que “tenham sido reconhecidos”.
Assim, o que releva são os créditos reconhecidos pelo tribunal: naturalmente, na 1.ª instância, já que é esse o momento em que o juiz os aprecia, sendo irrelevantes as alterações posteriores.
Daí que, ao contrário do que resulta do regime geral constante do Código de Processo Civil, máxime do seu artigo 299.º, n.º 1 – em que na fixação do valor da causa se atende aos créditos vencidos à data da propositura da acção e, por isso, as retribuições vincendas não têm qualquer relevância na fixação do valor da mesma (neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-06-2017, Proc. n.º 602/12.2TTLMG.C1.E1, disponível em www.dgsi.pt) – face ao regime próprio que decorre do artigo 98.º-P, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, na acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento deverá atender-se aos créditos salariais reconhecidos à data da prolação da sentença.

Posto isto, apreciemos.
No caso em apreço, a sentença recorrida condenou a entidade empregadora a pagar ao trabalhador o seguinte:
a) a quantia de €20.253,00 a título de indemnização de antiguidade vencida até 12 de dezembro de 2022, à razão de 30 dias por cada ano de antiguidade, quantia à qual acrescem as que, ao mesmo título, se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença e sobre a qual incidirão juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do referido trânsito; e
b) as retribuições que este deixou de auferir (incluindo férias, subsídios de Natal e Férias), vencidos desde 11 de abril de 2022 até ao trânsito em julgado da decisão final, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data em que cada deveria ter sido paga e até efetivo e integral pagamento, sem prejuízo da dedução prevista na alínea c) do n.º 2 do art.º 390.º do Código do Trabalho, a apurar em sede de incidente de liquidação de sentença (art. 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Quanto a estes últimos créditos reconhecidos, importa ainda acentuar que as deduções constantes do art. 390.º, n.º 2, als. a) e c), do Código do Trabalho, não relevam para o cálculo do valor da ação, visto que os créditos peticionados mostram-se reconhecidos e devidos ao trabalhador, só não os recebendo na íntegra por ter auferido outras importâncias nesse período de tempo, importâncias essas que nunca teria obtido não fora o despedimento ilícito a que foi sujeito.
Na realidade, é importante salientar que o trabalhador que tenha usufruído de subsídio de desemprego e venha a ver reconhecida a ilicitude do seu despedimento, vê igualmente reconhecido na íntegra o direito às retribuições intercalares; porém, não recebe a parte que já beneficiou a título de subsídio de desemprego, por essa parte ser devida à Segurança Social que indevidamente lhe pagou um subsídio que nunca deveria ter sido pago, visto estarmos perante um despedimento ilícito.
Cita-se a este propósito, o artigo “O valor da causa e o regime de custas na ação especial de impugnação judicial da regularidade e da licitude do despedimento”, de Tiago Figo, ínsito na revista JulgarOnline:[12]
Por outro lado, se a indeterminação apenas respeitar às deduções do n.º 2 do art. 390.º do CT (21), temos para nós que isso não terá influência na fixação do valor. Trata-se de algo que só é descontado na medida em que o autor conseguiu o efeito (scilicet, a utilidade económica) que consiste no reconhecimento dos salários de tramitação. E o trabalhador só recebeu aquilo que é descontado porque esteve impedido de receber os salários intercalares que, direta ou indiretamente, peticionou e que lhe foram reconhecidos na ação de impugnação.
A vantagem que o autor almejou ao intentar a ação está, pois, identificada e o reconhecimento do direito do empregador às deduções não influirá, a nosso ver, na fixação do valor processual.

Ora, se relativamente ao valor de €20.253,00, a entidade empregadora não invoca qualquer objeção, o mesmo já não ocorre quanto ao valor de €10.342,91, fixado a título das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde 11 de abril de 2022, fazendo-se menção de que esse valor foi apurado até à data de 12-12-2022.[13]
Em face do que supra se mencionou é inequívoco que o raciocínio da sentença recorrida se revela certeiro ao apurar os valores devidos entre a data do despedimento e a data da prolação da sentença, pelo que a Recorrente não tem razão na sua argumentação.
No entanto, efetivamente na sentença não consta como foi apurado o valor de €10.342,91, ou seja, não foi descrito o cálculo que levou a tal apuramento.
Acresce que, diferentemente do que consta na página 30 da sentença recorrida, no cálculo das retribuições intercalares não é integrado o subsídio de alimentação.[14]
Importa, assim efetuar tal cálculo.
Tendo por referência o valor da remuneração base do trabalhador como sendo de €1.030,00, apurou-se como créditos devidos ao trabalhador, a título das retribuições que este deixou de auferir entre 11 de abril de 2022 e 12 de dezembro de 2022, o montante de €10.382,05 (€8.308,66 a título de retribuição base[15] + €2.073,39 a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal[16]).
Deste modo, deve fixar-se o valor da ação em €30.635,05 (€20.253,00 + €10.382,05).
Assim, ainda que improcedendo a pretensão da Recorrente, que pretendia que no valor da ação não fosse atendido qualquer valor a título das retribuições que o trabalhador deixou de auferir em virtude do despedimento ilícito, é de alterar o valor da ação, por na mesma ter sido incluído o subsídio de refeição e padecer de manifesto erro de cálculo, fixando-se, assim, o valor da ação em €30.635,05.

2) Impugnação fáctica
Veio a recorrente invocar que o tribunal a quo não valorou corretamente a prova produzida em audiência de julgamento, tendo dado extrema relevância às declarações de parte do trabalhador, ignorando por completo o relato dos factos prestado pela testemunha BB.
Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre a Apelante, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016[17]:
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.
IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, máxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.

Ora, no caso em apreço, basta atentar nas conclusões para facilmente se inferir que da menção que é efetuada a uma eventual parcialidade na apreciação da prova por parte da juíza da 1.ª instância não é posteriormente retirada qualquer consequência a nível dos factos dados como provados e não provados. Na realidade, são incumpridas todas as alíneas do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil quer nas conclusões apresentadas, quer nas próprias alegações de recurso, onde não é indicada qualquer pretensão concreta de alteração da matéria de facto dada como assente.
Pelo exposto, apenas nos resta concluir pela rejeição da presente impugnação da matéria de facto.

3) Licitude do despedimento
Entende a recorrente que o comportamento havido pelo recorrido é censurável, grave e inadmissível, tendo violado os princípios do respeito e da urbanidade entre colegas e perante a entidade patronal, quebrando definitivamente a relação de confiança entre entidade empregadora e trabalhador, que subjaz à relação laboral, existindo, por isso, justa causa de despedimento.
Mais referiu que a reivindicação de um trabalhador de ter um lugar cativo a uma mesa de refeições não pode configurar um uso laboral, nem pode legitimar um comportamento agressivo, verbal e físico, para com um colega de trabalho, sendo que apesar de o recorrido ter confessado esse comportamento, inexistiu por parte do tribunal a quo qualquer juízo de autocensura.
Dispõe o art. 351.º do Código do Trabalho que:
1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;
c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;
h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;
j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;
l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;
m) Reduções anormais de produtividade.
3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

Estipula o art. 128.º do Código do Trabalho que:
1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;
b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade;
c) Realizar o trabalho com zelo e diligência;
d) Participar de modo diligente em acções de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador;
e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;
f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;
g) Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador;
h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;
i) Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim;
j) Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
2 - O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.

Estatui igualmente o art. 330.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que:
1 - A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção.

Apreciemos então.
Do disposto no n.º 1 do art. 351.º do Código do Trabalho (já citado) resulta que a justa causa de despedimento implica a verificação cumulativa de três requisitos:
a) um comportamento culposo do trabalhador (requisito de natureza subjetiva);
b) a impossibilidade de subsistência da relação laboral (requisito de natureza objetiva);
c) a existência de um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Deste modo, para que se esteja perante uma justa causa de despedimento torna-se necessário, não só que tenha havido um comportamento culposo (ativo ou omissivo) por parte do trabalhador, como também que a gravidade de tal comportamento seja de tal ordem que impossibilite a subsistência da relação laboral.
Esse comportamento culposo implica a violação dos deveres a que o trabalhador se encontra sujeito, emergentes do vínculo contratual existente entre si e a entidade empregadora, designadamente dos deveres constantes do art. 128.º do Código do Trabalho, no entanto, não se basta com tal violação de deveres, tornando-se necessário, para que seja legítima a imputação da mais violenta das sanções disciplinares, que a gravidade da violação desses deveres, aferida segundo critérios de objetividade e razoabilidade, tenha levado à quebra da relação de confiança que o empregador tinha para com aquele trabalhador, tornando impossível a subsistência de tal relação laboral, por representar uma injusta imposição ao empregador.
Resulta ainda do disposto no n.º 3 do art. 351.º do Código do Trabalho que a entidade empregadora (e a entidade judiciária nas ações de impugnação da regularidade e licitude do despedimento), na apreciação da justa causa, deve atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Conforme bem refere Pedro Furtado Martins na obra Cessação do Contrato de Trabalho:[18]
É indispensável reconduzir os factos que estão na base da justa causa – o «comportamento culposo do trabalhador» - a uma dada situação; a situação de «impossibilidade de subsistência da relação de trabalho». Impossibilidade entendida não em sentido material, mas em sentido jurídico e como sinónimo de inexigibilidade: a verificação da justa causa pressupõe que não seja exigível ao empregador que prossiga na relação.

Cita-se ainda a este propósito o sumário do acórdão do STJ, proferido em 01-03-2018:[19]
III – Para que se verifique justa causa de despedimento, é necessário um comportamento culposo e ilícito do trabalhador e que desse comportamento, na medida em que tenha quebrado a relação de confiança, decorra como consequência necessária a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral.

Importa agora atentar à situação concreta.
Consta da sentença recorrida o seguinte:
No caso vertente, na sequência de processo disciplinar que lhe foi movido pela entidade empregadora, o trabalhador veio a ser despedido por justa causa, por os comportamentos por si assumidos, alegadamente integrarem as alíneas b), e i), do n.º 2 do art.º 351.º, a par da consideração dos pressupostos a que aludem os nºs. 1 e 3 deste último preceito, concluiu pela aplicação da sanção de despedimento.
Em síntese, pois, as condutas que, no caso concreto, são imputadas ao trabalhador atentam contra aqueles que são os seus deveres de respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionam com a empresa com urbanidade e probidade;
Constitui desde logo dever do trabalhador respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa com urbanidade e probidade, cfr. alínea a) do n.º 1 do art. 128.º do Código do Trabalho.
Ao integrar a conduta do trabalhador na alínea b) do n.º 2 do artigo 351.º, do CT e à falta de outra e mais especificada motivação, a empregadora reportar-se-á à perturbação causada aos demais trabalhadores e ao risco em que o trabalhador AA os colocou em virtude da sua conduta.
No caso concreto apurou-se que no dia 16 de Fevereiro de 2022, entre as 16:00 e as 16:15 horas, o trabalhador AA dirigiu-se ao refeitório, com o intuito de lanchar, encontrando-se já sentando à mesa o trabalhador BB (17).
BB estava sentando a comer um iogurte, no lugar do canto superior esquerdo de quem entra pela porta que comunica para a despensa (18).
Este lugar costumava ser ocupado pelo trabalhador AA, embora esporadicamente por outros colegas mecânicos exteriores á empregadora e ainda se se encontrasse disponível (19).
O trabalhador AA reputava como seu aquele lugar (20).
Ao deparar-se com o colega BB sentado naquele lugar, encetou-se discussão entre ambos em tom de voz alto, exaltado e fora do que era habitual no local de trabalho (21).
Com efeito, o trabalhador AA disse a BB que aquele era o seu lugar e para se levantar (22). BB não se levantou e disse ao trabalhador AA que não havia lugares marcados e que não saía daquele lugar (23).
O trabalhador AA respondeu que havia lugares marcados e que aquele era o dele e, apontando, que o do CC era ali, o do DD ali, etc. (24), sendo que BB voltou a dizer que não saía porque não havia lugares marcados e que o trabalhador AA falasse com a chefia (25).
O trabalhador CC também se encontrava no local, tendo entrado no refeitório logo a seguir ao trabalhador AA e sentou-se no lugar onde costumava sentar-se, do lado oposto onde então se encontrava sentado BB (26).
Perante a recusa de BB em mudar de lugar, o trabalhador AA foi buscar a sua comida e, dirigindo-se á porta de saída, disse que ia comer lá para fora (27). Ao que BB lhe disse “é melhor ires, é, que o lugar dos cães é na rua” (28).
Tal fez com que o trabalhador AA voltasse para trás e tivesse dito a BB para sair dali e passar para o lugar ao lado (29).
Perante e recusa de BB em sair daquele lugar, o trabalhador AA retirou-lhe a cadeira na qual se encontrava sentado, puxando-a (30), posto o que, BB logrou sair de lado da cadeira e, com as suas duas mãos empurrou o trabalhador AA, tendo este batido com as costas na máquina do café, provocando ruído (31).
Esbracejando ambos no sentido do corpo um do outro, e por forma a evitar conflito físico entre ambos, o trabalhador CC levantou-se, colocou-se no meio dos dois e empurrou-os um para cada lado, o que provocou a queda da mesa e de cadeiras, com ruído (32). BB saiu então do refeitório (33).
Para além da intervenção do trabalhador CC que se encontrava no local, apura-se ainda que o ruído provocado foi ouvido fora do refeitório por HH (34).
Perante este preciso acervo factual, não restam dúvidas que no local de trabalho (refeitório nas instalações da empregadora) o trabalhador encetou discussão com o colega BB, não sem qualquer fundamento, mas por entender que o mesmo se encontrava a ocupar o lugar que reportava como seu, na medida em que embora a empregadora não tivesse afectado nenhum lugar a nenhum trabalhador (16), os trabalhadores mecânicos ao serviço da empregadora naquele local têm entre si lugares onde cada um se costuma sentar, o que é do conhecimento de todos (38).
Em particular no que concerne ao facto de os trabalhadores mecânicos ao serviço da empregadora terem entre si lugares onde cada um se costuma sentar, tal prática embora não estabelecida pela empregadora, também a nenhum passo resulta que fosse pela mesma vedada, contrariada ou por qualquer forma repudiada. E tal uso entre os trabalhadores mecânicos ao serviço da empregadora evidencia-se como importante entre estes, como algo que era aceite, adquirido e respeitado entre si, máxime para o trabalhador AA, não se tratando de algo que na situação concreta se possa reputar para o trabalhador de insignificante, sem qualquer importância.
Dúvidas também não restam que o trabalhador ao ter ido buscar a sua comida e, dirigindo-se á porta de saída, ter dito que ia comer lá para fora, deu por finda tal discussão, pretendendo abandonar o local onde se encontrava o colega BB.
Por conseguinte, é BB quem provoca o trabalhador AA ao dizer “é melhor ires, é, que o lugar dos cães é na rua”, o que naturalmente não pode deixar de o ofender, tanto mais que pretendia sentar-se no seu lugar, naquele refeitório e BB ao proferir aquelas palavras, para além de o apelidar de cão, ainda concluiu que nem ali AA teria lugar, pois o lugar dos cães é na rua. Tal é objectivamente humilhante e é mesmo reforçadamente humilhante no contexto desenhado.
Esta humilhação fez com que AA voltasse para trás e tivesse dito a BB para sair dali e passar para o lugar ao lado, tendo sido então que perante a recusa de BB em sair daquele lugar, o trabalhador AA lhe retirou a cadeira na qual se encontrava sentado, puxando-a. BB ainda empurrou AA, como demonstrado.
Por fim, a intervenção do trabalhador CC colocou fim á situação, causando ruido no local, como demonstrado, o que foi ouvido pelo trabalhador HH.
No preciso contexto apurado, analisado e interpretado, o trabalhador AA violou o dever de respeitar e tratar os colegas de trabalho, mais precisamente, o colega de trabalho BB com urbanidade e probidade, tendo causado perturbação aos presentes e a HH, cfr. artigo 128.º, n.º 1 al. a), do CT. Restará, no entanto, apurar se tal constituiu motivo para fundamentar o seu despedimento.
Estipula o artigo 330.º n.º 1 que: «A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção.»
A empregadora classifica o comportamento do trabalhador como muito grave, sem qualquer justificação.
Apesar de censurável, visto no seu todo, o comportamento do trabalhador não assumiu gravidade que postule a aplicação da sanção de despedimento, a qual não se afigura proporcional no caso.
Com efeito, desde logo o trabalhador BB não poderia ser alheio ao facto de, os trabalhadores mecânicos ao serviço da empregadora naquele local terem entre si lugares, onde cada um se costuma sentar, o que é do conhecimento de todos. Ainda assim, e perante a interpelação do trabalhador AA, da sua insistência, BB recursou mudar de lugar, chegando mesmo a remeter AA para a chefia e tendo-lhe sido dito e indicado quais os lugares de cada um, persistiu na recusa. Nesta discussão ambos os trabalhadores participaram nos termos provados.
Acresce que, tendo AA dado por finda a discussão, preparando-se para sair do local, verifica-se a violação do dever de respeito por parte do trabalhador BB para com AA, provocando-o e depois agredindo-o, empurrando-o.
O trabalhador AA foi admitido ao serviço da empregadora em 12.05.2003 (1), tendo por isso 18 anos de serviço á data dos factos, sem processo disciplinar anterior ou registo de desrespeito por colegas (42), agiu sob provocação. O trabalhador BB, admitido ao serviço da entidade empregadora em 02.12.2021 (41), não foi alvo de processo disciplinar, não tendo sido suspenso de funções (40), o que evidencia um tratamento desigual da empregadora relativamente a dois trabalhadores, não obstante não admita nem tolere agressões físicas e confrontos no local de trabalho (35).
Por outro lado, não se evidencia no caso a gravidade conducente à conclusão de que se tornou imediatamente impossível e inexigível a subsistência do contrato de trabalho existente entre as partes. Com efeito, existe por ordem crescente e gravidade, um elenco não taxativo de sanções nas alíneas a) a e) do artigo 328.º, que se afiguram mais adequadas e proporcionais no caso. Em outras palavras, ainda que a entidade empregadora tivesse ficado com dúvidas sobre as atitudes do trabalhador AA (37), objectivamente, a mesma não assume gravidade tal para conduzir á quebra de confiança postulada pela aplicação da mais gravosa das sanções disciplinares, o despedimento.
Como é sabido o exercício do poder disciplinar está sujeito a um controlo judicial a posteriori, todavia, tem não só de respeitar a natureza discricionária do poder disciplinar como atender ao poder de gestão do empregador, não podendo o Tribunal determinar a alteração da sanção aplicada, vd. Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, Comentário às Leis do Trabalho, Vol. I, Ed. Lex, 1994, pág. 146 e os acórdãos do TRE de 06.10.88, Col. 1988, T. 4, pág. 273 e de 29.09.2016. proc. 251/14.0TTFAR.E2, disponível em www.dgsi.pt.
Pelo exposto, é de concluir pela inexistência de justa causa para o despedimento pelo motivo mencionado, já que a respectiva sanção se afigura desproporcional aos factos apurados em julgamento quanto ao trabalhador.
Procede, assim, o pedido formulado pelo trabalhador no sentido de ser declarada a ilicitude do despedimento de que foi alvo.
Concluindo-se, como se concluiu, pela ilicitude do despedimento do trabalhador, nos termos do disposto no art.º 381.º, al. b), cumpre daí extrair as necessárias consequências.

Desde já, importa assumir a nossa total concordância à bem fundamentada sentença recorrida.
Na realidade, não é correto afirmar, como o faz a recorrente, que o tribunal a quo não efetuou qualquer censura ao comportamento perpetrado pelo trabalhador AA. Resulta de tal sentença que o “trabalhador AA violou o dever de respeitar e tratar os colegas de trabalho, mais precisamente, o colega de trabalho BB com urbanidade e probidade, tendo causado perturbação aos presentes e a HH, cfr. artigo 128.º, n.º 1 al. a), do CT”, ou seja, a sentença reconheceu por parte do trabalhador AA a violação do dever previsto no art. 128.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho. Porém, apesar de tal violação, considerou igualmente, e bem, que a atuação violadora do dever de urbanidade e probidade para com o colega de trabalho BB resultou de uma provocação por parte deste. Efetivamente, a atuação violadora do dever de urbanidade e probidade por parte do trabalhador AA consubstanciou-se no momento em que este, perante a recusa do colega de trabalho BB em se levantar da cadeira à mesa do refeitório, local esse que aquele reputava como sendo seu, lhe retirou a cadeira na qual o trabalhador BB se encontrava, puxando-a. Porém, o trabalhador AA apenas agiu desse modo após já ter desistido de se sentar no local que reputava como sendo o seu à mesa do refeitório e se preparava para ir comer na rua, quando o colega de trabalho BB, dirigindo-se-lhe, proferiu a seguinte afirmação “é melhor ires, é, que o lugar dos cães é na rua”. Ora, não considerar, como parece que a entidade patronal considerou, que esta expressão seja ofensiva da honra e consideração do trabalhador AA, ainda mais tendo sido proferida no contexto de trabalho e à frente de outros colegas de ambos, é totalmente incompreensível. Nessa expressão, o trabalhador BB equipara o colega de trabalho AA a um cão, considerando que o mesmo não tem, por isso, lugar no refeitório, sendo o seu lugar para comer na rua. Esta expressão é igualmente violadora do dever de um trabalhador tratar um seu colega com urbanidade e probidade, desrespeitando expressamente o disposto no art. 351.º, n.º 2, al. i), do Código do Trabalho, através da prática de injúria. Porém, pasme-se, a entidade empregadora não instaurou qualquer processo disciplinar a este trabalhador. Acresce que, quando o trabalhador AA retirou a cadeira onde o trabalhador BB se encontrava sentado, puxando-a, o BB, conseguindo sair de lado da cadeira, e, com as duas mãos, empurrou o trabalhador AA, o que levou este a bater com as costas na máquina do café. Ora, de igual modo, esta agressão física do BB sobre o AA, ainda que também ela motivada por uma provocação, não foi alvo de qualquer procedimento disciplinar por parte da entidade empregadora, apesar de violar o disposto no art. 351.º, n.º 2, al. i), do Código do Trabalho. Deste modo, de uma forma totalmente parcial, a entidade empregadora, no âmbito de uma disputa em que ambos os trabalhadores violaram o dever de urbanidade e probidade, branqueou o comportamento de um dos envolvidos, concretamente, daquele que tinha pouco mais de dois meses na empresa, e apenas instaurou procedimento disciplinar contra o outro, que estava na empresa há quase dezanove anos, aplicando-lhe a sanção mais gravosa, a do despedimento, não atendendo a qualquer espécie de atenuação, em face da provocação de que tinha sido alvo. Diga-se ainda, que o que está em causa não é o apurar se a convicção que os trabalhadores mecânicos mais antigos possuem de terem direito a um lugar fixo na mesa do refeitório (e não apenas o trabalhador AA) constitui, ou não, um uso laboral, antes sim, se tal convicção, que é conhecida por todos e tem sido respeitada entre todos, ao longo dos anos, permite compreender a abordagem inicial do trabalhador AA, ao solicitar que o trabalhador BB saísse do lugar que considerava ser o seu e de alguma forma atenuar todo o seu comportamento. Ora, parece-nos que a resposta apenas pode ser afirmativa, tanto mais que essa convicção da existência de lugares fixos à mesa do refeitório não se limita ao trabalhador AA, envolvendo, igualmente, outros trabalhadores.
Assim, não só a entidade empregadora, para atuar de forma imparcial, deveria ter instaurado similarmente um processo disciplinar ao trabalhador BB, como também no processo instaurado ao trabalhador AA nunca poderia lhe ter aplicado a sanção de despedimento, em face dos quase dezanove anos de trabalho daquele trabalhador na empresa sem qualquer registo disciplinar e da circunstância de ter sido, previamente, provocado, com um insulto particularmente humilhante. Atente-se que, nos termos do art. 328.º, n.º 1, als. a) a e), do Código do Trabalho, a entidade empregadora, para além do despedimento, que constitui a sanção mais gravosa, pode aplicar aos seus trabalhadores uma tipologia de sanções, em face da gravidade dos comportamentos adotados, as quais vão desde a mera repreensão sem registo até à suspensão do trabalho por determinado período com perda de retribuição e antiguidade.[20]
Não há, portanto, como considerar, segundo critérios de objetividade e razoabilidade, que se mostra preenchido o requisito da impossibilidade de subsistência da relação laboral entre a entidade empregadora e o trabalhador, sendo, por isso, exigível àquela o prosseguimento dessa relação.
Pelo exposto, apenas nos resta concluir pela improcedência da pretensão da recorrente, mantendo-se, nesta parte, na íntegra, a sentença recorrida.

4) Excessivo quantum indemnizatório
Entende a recorrente que o valor fixado para a indemnização deveria ter sido reduzido para 20 dias de antiguidade e diuturnidades em face do vencimento base do trabalhador ser elevado e o grau de ilicitude do despedimento não ser elevado.
Dispõe o art. 391.º do Código do Trabalho que:
1 - Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º
2 - Para efeitos do número anterior, o tribunal deve atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
3 - A indemnização prevista no n.º 1 não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.

Nos termos do citado art. 391.º, os critérios para fixação dos dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo são apenas dois:
a) o valor da retribuição; e
b) o grau de ilicitude do comportamento do empregador.
Quanto ao fator retribuição, importa atentar que o mesmo deve funcionar de forma a obter uma maior equidade, impedindo as naturais distorções em face dos diferentes graus de remuneração dos trabalhadores, de modo a que, na fixação dessa indemnização, se atente à situação económica do lesado, conforme determina o art. 494.º do Código Civil. Deste modo, quanto menor for a remuneração do lesado, maior deve ser o número de dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade a fixar.
Por sua vez, encontrando-se igualmente a medida da indemnização dependente do grau de ilicitude do despedimento, terá de se atender na sua fixação ao índice de censurabilidade da conduta da entidade empregadora e no que tal conduta revela de desrespeito pela dignidade social e humana do trabalhador lesado.[21]
Apreciemos.
A sentença recorrida fixou em 30 dias por cada ano completo ou fração de antiguidade a indemnização a atribuir ao trabalhador AA pela entidade patronal nos seguintes moldes:
Alinhando pelas apontadas directrizes, o tribunal julga proporcional e adequado fixar ao trabalhador uma indemnização de antiguidade de 30 dias por cada ano completo ou fracção de antiguidade. E assim o entendemos com base na seguinte ordem de razões: (i) a retribuição do trabalhador não pode considerar-se elevada; (ii) o grau de ilicitude do despedimento promovido pela empregadora assume relevo ponderada a sua desproporcionalidade, com violação do princípio de igualdade, embora se tenha de ter em conta, ainda assim, que o apurado comportamento do trabalhador não pode deixar de ser considerado ilícito nos termos exarados.

Uma vez mais concorda-se com a sentença recorrida. Efetivamente, fixando-se o salário mínimo em dezembro de 2022 em €705,00 e atualmente em €760,00, não é possível considerar-se, como considera a recorrente, que um salário mensal de €1.030,00 é um salário elevado. Na realidade, estamos perante um salário mediano no seu segmento mais baixo.
Acresce que o grau de ilicitude da entidade empregadora, ao tratar de forma desigual dois trabalhadores que entraram em conflito, optando por instaurar apenas o procedimento disciplinar contra o trabalhador mais antigo (com quase dezanove anos na empresa), favorecendo o trabalhador recém-chegado à empresa (com pouco mais de dois meses na empresa), releva-se intenso, apenas sendo de reduzir um pouco tal intensidade, em face da circunstância de o trabalhador despedido ter, de qualquer modo, agido ilicitamente.
Deste modo, é de confirmar a sentença recorrida, improcedendo a pretensão da recorrente.

5) Inexistência de qualquer valor devido ao trabalhador a título de retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final
Segundo a recorrente, o recorrido encontra-se a trabalhar para outra entidade patronal desde abril de 2022, pelo que não tem direito ao pagamento dos salários e subsídios constantes da alínea b) da parte decisória da sentença recorrida, nem devem ser deduzidos quaisquer valores pagos ao recorrido a título de subsídio de desemprego, visto este nunca ter existido.
Consta da sentença recorrida no segmento decisório da alínea b) o seguinte:
b) Pagar ao trabalhador as retribuições que este deixou de auferir (incluindo férias, subsídios de Natal e Férias), vencidos desde 11 de Abril de 2022 até ao trânsito em julgado da decisão final, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data em que cada deveria ter sido paga e até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo da dedução prevista na alínea c) do n.º 2 do art.º 390.º do Código do Trabalho, a apurar em sede de incidente de liquidação de sentença (art.º 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Na realidade, desta parte decisória não consta que tenha existido o pagamento de subsídio de desemprego ao trabalhador AA, apenas se fez consignar que, caso tenha existido, os valores recebidos pelo recorrido deverão ser deduzidos, sendo o montante líquido efetivamente a ser pago pela recorrente ao recorrido apurado em sede de incidente de liquidação de sentença, nos termos do art. 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
E fez-se consignar este segmento na decisão, apesar de a mesma não constar da alegação das partes, por a dedução do subsídio de desemprego, caso este tenha existido, se tratar de matéria de conhecimento oficioso.[22]
Diferentemente, porém, é o caso da al. a) do n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho, a qual depende de alegação e prova por parte da entidade empregadora, o que, no caso, inexiste.
Cita-se a este propósito o sumário do acórdão do TRP, proferido em 14-07-2021:[23] [24]
I - A dedução nas prestações intercalares, reportada à alínea a) do n.º 2 do artigo 390.º do CT, constitui uma excepção extintiva, nos termos dos artigos 395.º e 342.º. n.º 2, do CC, e do artigo 571.º, n.º 2, 2.ª parte do CPC.
II - A excepção extintiva assegura o direito constitucional de defesa do réu, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e conduz ao equilíbrio entre os dois direitos em discussão na acção: (i) o direito do autor em obter a celeridade na discussão e decisão sobre o crédito por si invocado e (ii) o direito do réu em se defender contra o crédito invocado pelo autor. III - E estando tais direitos na disponibilidade das partes, cumpre-lhes, processualmente, exercê-los no tempo oportuno.
IV - Não tendo a ré formulado qualquer pedido de dedução nas retribuições intercalares, não cabia ao Tribunal da 1.ª instância indagar sobre tal factualidade, por não ser de conhecimento oficioso a dedução prevista na referida alínea a) n.º 2 do artigo 390.º do CT.

E, a ser assim, neste segmento decisório, nada há a alterar.
Pelo exposto, improcede também aqui a pretensão da recorrente.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, procedendo-se apenas à correção do valor da ação, por nele ter sido incluído o subsídio de alimentação e padecer de manifesto erro de cálculo, a qual se fixa em €30.635,05.
Custas pela Recorrente (art. 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
Évora, 25 de maio de 2023
Emília Ramos Costa (relatora)
Mário Branco Coelho (votou parcialmente vencido)
Paula do Paço
Declaração de voto (parcialmente vencido):
Vencido apenas quanto à questão do valor da causa, pois não consideraria, para esse efeito, as retribuições vencidas na pendência da causa.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo que nas acções de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, em que, como acessório do pedido principal de declaração de ilicitude do despedimento, se peticionam rendimentos já vencidos e vincendos, não tem lugar a aplicação do disposto no art. 300.º n.º 2 do Código de Processo Civil, mas antes as regras gerais constantes do art. 297.º n.ºs 1 e 2.
Como tal, os salários de tramitação não entram no cômputo do valor da causa, atendendo-se somente aos interesses já vencidos no momento de propositura da acção, nos termos da segunda parte do n.º 2 do art. 297.º do Código de Processo Civil – Acórdãos do STJ de 22.06.2017 (Proc. 602/12.2TTLMG.C1.S1), de 06.12.2017 (Proc. 519/14.6TTVFR.P1.S1) e de 13.01.2021 (Proc. 1833/17.4T8LRA.C1.S1), todos publicados na página da DGSI.
Note-se que o valor da causa se fixa no momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal – art. 299.º n.º 1 do Código de Processo Civil – e que a regra do art. 297.º n.º 2 visa evitar que o valor da causa esteja constantemente a ser alterado, à medida que se forem vencendo na pendência da causa os juros, rendas e rendimentos pedidos como acessório do pedido principal, e evitar também que o valor da causa seja diverso conforme o tempo que demore a ser proferida a decisão final.
Esta jurisprudência está de acordo com a doutrina mais relevante sobre o tema, afirmando que, se é formulado um pedido principal e como acessório se pedem prestações vincendas, estas não entram no cômputo do valor da causa.
Assim é dito por Lebre de Freitas (CPC Anotado, vol. I, 3.ª ed., págs. 588 e 593), Salvador da Costa (Os Incidentes da Instância, 2.ª ed., 1999, págs. 35-36), Eurico Lopes-Cardoso (Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 1992, págs. 46 a 48) e Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, vol. III, 1946, págs. 637 e ss.).
Em consequência, numa acção de impugnação do despedimento, onde o pedido principal é a declaração de ilicitude do despedimento, sendo as retribuições vincendas mero acessório daquele pedido, a regra a aplicar quanto a estas será a do art. 297.º n.º 2 do CPC.
A tal não obsta o disposto no art. 98.º-P n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, pois este também consagra, na sua primeira parte, a regra da “utilidade económica do pedido”, sendo a segunda parte da norma mera exemplificação daquele conceito – assim o inculca a utilização, na junção entre as duas partes da norma, do advérbio “designadamente”, que aqui tem o sentido de exemplificação, indicação e inclusão.
Não se argumente que a intenção da norma é consagrar a ideia que o valor da causa se define pela decisão final da causa e não pela “utilidade económica do pedido”.
Na verdade, uma coisa é o pedido e a sua utilidade económica.
Outra coisa, absolutamente diferente, o julgamento que venha a ser feito desse pedido.
Ora, a expressão “créditos e salários que tenham sido reconhecidos” não pode ter o significado de o valor da causa se definir, não pela “utilidade económica do pedido”, mas pelo julgamento que vier a ser feito desse pedido.
Se assim fosse, a norma seria contraditória nos seus próprios termos, mas – não deixando de reparar na redacção algo infeliz da norma, que apenas induz a dúvida – penso que a segunda parte pode ser interpretada de forma compatível com a primeira.
O trabalhador pode pedir, entre outros, créditos que já estejam reconhecidos pela sua entidade patronal, embora correndo, nesse caso, o risco de ser responsabilizado pelas custas, nos termos do art. 535.º n.º 2 al. c) do Código de Processo Civil.
Tais créditos são apenas um exemplo dos diversos créditos que o trabalhador pode reclamar numa acção de impugnação do despedimento, e que assim também contribuem para a definição da “utilidade económica do pedido”, conceito este, de resto, antigo no nosso direito processual e devidamente regulado nos arts. 296.º e ss. do Código de Processo Civil.
De todo o modo, os salários de tramitação nem sequer estão liquidados.
Continuam a vencer-se até ao trânsito em julgado da decisão final que declare a ilicitude do despedimento – art. 390.º n.º 1 do Código do Trabalho – e estão sujeitos à “dedução prevista na alínea c) do n.º 2 do art.º 390.º do Código do Trabalho, a apurar em sede de incidente de liquidação de sentença (art.º 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil)”, como consta do dispositivo da sentença.
Não pode, pois, concluir-se o crédito do trabalhador a título de salários de tramitação é de x ou de y.
Simplesmente, o processo não é de liquidação, nem fornece sequer os elementos necessários à determinação desse crédito, pelo que não pode ter lugar a aplicação da norma do art. 299.º n.º 4 do Código de Processo Civil.
Mantenho, pois, a posição que já manifestei nos Acórdãos desta Relação de Évora de 14.07.2021 (Proc. 2225/20.3T8STR.E2, publicado na CJ, Acórdãos das Relações, Tomo III, p. 274) e de 20.04.2023 (Proc. 5420/21.4T8STB-L.E1, publicado em www.dgsi.pt), onde fui Relator.

Évora, 25 de Maio de 2023
a) Mário Branco Coelho

__________________________________________________

[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.

[2] Acórdão do TRE proferido em 12-10-2017 no âmbito do processo n.º 1667/16.3T8STB.E1, consultável em www.dgsi.pt; acórdão do TRE proferido em 26-10-2017 no âmbito do processo n.º 2898/16.1T8FAR.E1, não publicado; e ver ainda “O valor da causa e o regime de custas na ação especial de impugnação judicial da regularidade e da licitude do despedimento”, de Tiago Figo, ínsito na revista JulgarOnline, Setembro de 2018, p. 17, consultável em http://julgar.pt/o-valor-da-causa-e-o-regime-de-custas-na-acao-especial-de-impugnacao-judicial-da-regularidade-e-da-licitude-do-despedimento.

[3] Acórdãos do TRE proferidos em 20-04-2023 no âmbito do processo n.º 5420/21.4T8STB-L.E1, publicado em www.dgsi.pt, e em 14-07-2021, no âmbito do processo n.º 2225/20.3T8STR.E2, publicado na CJ, Acórdãos das Relações, Tomo III, p. 274.

[4] Acórdão do TRP, proferido em 08-07-2015, no âmbito do processo n.º 1267/14.2T8MTS.P1, consultável em www.dgsi.pt; e ainda o artigo “O valor da causa e o regime de custas na ação especial de impugnação judicial da regularidade e da licitude do despedimento”, já mencionado.

[5] Os acórdãos do TRP proferidos em 21-11-2016 e em 15-12-2021, já mencionados; e o acórdão do TRE proferido em 26-10-2017 não publicado.

[6] Acórdão do TRL, proferido em 16-11-2016 no âmbito do processo n.º 1360/16.7T8LSB-L1-4, consultável em www.dgsi.pt.

[7] No âmbito do processo n.º 602/12.2TTLMG.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt.

[8] No âmbito do processo n.º 1833/17.4T8LRA.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt.

[9] Já mencionado.

[10] Imagine-se que, após a prolação da sentença, a entidade empregadora procede ao imediato pagamento dos montantes reconhecidos na sentença proferida, independentemente até do seu trânsito.

[11] No âmbito do processo n.º 1667/16.3T8STB.E1, consultável em www.dgsi.pt.

[12] Setembro de 2018, p. 17, consultável em http://julgar.pt/o-valor-da-causa-e-o-regime-de-custas-na-acao-especial-de-impugnacao-judicial-da-regularidade-e-da-licitude-do-despedimento.

[13] “Valor da causa: €30.595,91 (trinta mil quinhentos e noventa e cinco euros e noventa e um cêntimo), correspondente á soma dos valores atribuídos ao trabalhador sob as alíneas a) e b) do segmento decisório e computados à data” – sublinhado nosso.

[14] Vejam-se acórdãos, do STJ proferido em 27-05-2010 no âmbito do processo n.º 467/06.3TTCBR.C1.S1; do TRL proferido em 07-10-2015 no âmbito do processo n.º 1016/14T8SNT.L1-4; e do TRL proferido em 04-11-2019 no âmbito do processo n.º 2398/18.5T8VFR.P1; todos consultáveis em www.dgsi.pt.

[15] 7 meses + 32 dias.

[16] €691,13 x 3.

[17] No âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt.

[18] 4.ª edição, 2017, Princípia Editora, Parede, p. 168.

[19] No âmbito do processo n.º 1010/16.1T8SNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.

[20] Passando ainda pela repreensão registada, sanção pecuniária e perda de dias de férias.

[21] Veja-se, neste sentido, o acórdão do TRL, proferido em 06-07-2011, no âmbito do processo n.º 1584/07.8TTLSB.L1-4, consultável em www.dgsi.pt.

[22] Acórdãos, do TRE proferido em 19-12-2013 no âmbito do processo n.º 679/12.0TTPTM.E1; do TRP proferido em 19-04-2021 no âmbito do processo n.º 4188/18.6T8VFR-D.P1; do TRP proferido em 19-05-2014 no âmbito do processo n.º 816/09.2TTVNF.P3; e do STJ proferido em 12-09-2012, no âmbito do processo n.º 154/06.2TTMTS-C.P1, S1-4; todos consultáveis em www.dgsi.pt.

[23] No âmbito do processo n.º 88/20.8T8MAI-A.P1, consultável em www.dgsi.pt.

[24] Veja-se igualmente o acórdão do TRG, proferido em 02-02-2023, no âmbito do processo n.º 1500/21.4T8VCT.G1, consultável em www.dgsi.pt.