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RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA
TRABALHO SUPLEMENTAR
AJUDAS DE CUSTO
RETRIBUIÇÃO
FÉRIAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
Sumário
I - Para que se verifique uma situação de resolução do contrato de trabalho fundamentada num comportamento culposo da entidade empregadora, mostra-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos: 1.º um de natureza objetiva – verificação do comportamento(s) concretamente imputado(s), na carta de resolução, à empregadora; 2.º outro de natureza subjetiva - que essa atuação violadora e lesiva seja imputável a título de culpa; 3.º que essa conduta da empregadora torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral. II - Não tendo o trabalhador logrado provar a verificação do comportamento que imputou à empregadora na carta de resolução do contrato de trabalho, torna-se inviável o preenchimento do primeiro pressuposto exigido para a resolução por justa causa. III - Não se provando a justa causa de resolução do contrato, o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, prevista no artigo 399.º do Código do Trabalho. IV - O artigo 296.º, n.º 1 do Código do Trabalho estipula que é trabalho suplementar aquele que for prestado fora do horário de trabalho. V - De harmonia com o preceituado no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, compete àquele que reclamar o direito ao pagamento do trabalho suplementar alegar e provar que exerceu as suas funções para a entidade empregadora, fora do seu horário de trabalho e que tais funções foram exercidas mediante, prévia e expressa, determinação da entidade empregadora ou realizadas de modo a não ser previsível a oposição desta - artigo 268.º, n.º 2 do Código do Trabalho. VI - As ajudas de custo, nos termos previstos pelo artigo 260.º do Código do Trabalho, estão, à partida, excluídas do conceito de retribuição, por constituírem, por natureza, prestações pecuniárias realizadas pelo empregador a favor do trabalhador que assumem uma natureza compensatória por despesas já feitas ou a fazer por este no cumprimento do contrato de trabalho. VII - Todavia, na vida real existem situações em que sob a denominação de “ajudas de custo” são pagas prestações que são verdadeiras contrapartidas da atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador, quando se apura o fim a que se destinam. VIII - Tendo resultado demonstrado que durante 11 meses de um ano civil, foram pagas ao trabalhador, mensalmente, quantias variáveis, denominadas “ajudas de custo”, mas que se destinavam a pagar o trabalho suplementar prestado em dias de descanso e feriados, a média do valor pago, deve integrar o cálculo da retribuição de férias e do subsídio de férias respeitantes ao trabalho prestado nesse ano civil. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
I. Relatório
Na presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, que AA intentou contra “Transportes BB, S.A.” e “CC, S.A.”, foi prolatada sentença com o seguinte dispositivo: «4.1. Pelo exposto, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e a reconvenção totalmente procedente, e, operando a compensação de créditos, condenar as rés Transportes BB, S.A., e CC, S.A., a pagarem ao autor AA a quantia total de € 1.673, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do vencimento de cada prestação até integral pagamento. 4.2. Absolvo as rés do demais peticionado pelo autor. 4.3. Pese embora o desencontro das partes, não vislumbro nos autos indícios seguros da invocada má fé em qualquer das formas legalmente sancionadas, visto que as diferenças entre as várias versões também resultam em parte do próprio litígio entre ambas e do contexto em que foram apresentadas. 4.4. Condeno ainda o autor e as rés a pagarem as custas da ação, na proporção do respetivo decaimento. As custas da reconvenção são a suportar pelo autor. 4.5. Notifique.».
Não se conformando com o decidido, veio o Autor interpor recurso para esta Relação, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões:
«a. O presente recurso restringe-se à matéria de facto e de direito da douta sentença do Tribunal a Quo que: (1) não considerou justificado o despedimento do Autor como sendo um despedimento com justa causa imputável ao empregador; (2) Não considerou a obrigatoriedade do pagamento da indemnização prevista no Art.º 396.º do código do trabalho pela rescisão contratual com justa causa; (3) Não considerou os créditos laborais relativamente ao trabalho suplementar realizado em dias úteis pelo Autor. (4) Não considerou a integração nas férias e subsídio de férias da média recebida a título de ajudas de custo. (5) Não considerou o pagamento da totalidade da formação profissional reclamada pelo Autor; (6) Deu provimento ao valor pedido a título reconvencional da alegada falta de aviso prévio (em oposição à rescisão com justa causa imputada à Entidade Empregadora). Sobre a rescisão contratual com justa causa b. Não foi realizada prova suplementar em sede de audiência de julgamento relativamente a esta matéria, cingindo-se a mesma aos articulados e aos documentos. c. O Tribunal a Quo decidiu não dar provimento ao pedido de condenação das Rés, por motivo divergente daquele que se encontrava alegado nem na petição inicial, nem na carta pelo Recorrente às Recorridas. d. De acordo com a cópia da carta de rescisão contratual com justa causa, enviada pelo Autor à Ré, a rescisão prendeu-se pelo facto de – cito: “Esta decisão prende-se pelo facto de após a manifestação de desagrado (dele, e de alguns colegas) relativamente às condições laborais em geral, e aos créditos que este(s) têm a receber à muito da empresa, e, V.ª Exas. em forma de represálias terem alterado unilateralmente as funções que aquele vinha a desempenhar desde sempre na empresa (transporte internacional), e com esta alteração, o M/ Constituinte teve uma perca de rendimentos que se traduz em cerca de € 500,00 (quinhentos euros) mensais. Tudo como aliás se pode facilmente comprovar pelos recibos de vencimento que se poderão juntar em sede judicial, se para tanto se fizer necessário. e. Não obstante tal alteração unilateral e ilícita, que acarreta sérios prejuízos patrimoniais para o meu constituinte, e não se contentando com tal, V.ª Exas. têm encetado um clima de afastamento, fazendo com que este se sinta humilhado, ou inferiorizado perante os demais colegas, o que se traduz num crime previsto como de assédio laboral.” Tudo conforme documento 7 junto com a Petição Inicial. f. Ou seja, foram 3 os motivos que levaram o Autor à rescisão do contrato com justa causa, a saber (1) pelo facto de existirem créditos laborais que foram reclamados diversas vezes; (2) porque quando o Autor reclamou esses créditos, além de não ser atendido, foi vítima de represálias; (3) Porque essas represálias se traduziram na perca suplementar de € 500,00 mensais; tornando insustentável a manutenção da relação laboral. g. O Tribunal a Quo fundamenta a decisão de não reconhecimento de justa causa, por factos totalmente divergentes dos que constam da carta a que ele mesmo faz referência, ou seja: cito “Ora, é precisamente na comunicação do trabalhador que se notam as dificuldades na apreciação da invocada justa causa, pois a redação é muitíssimo vaga e incerta. De exato apenas foi indicado um valor: € 53.849,78. O autor mostrou-se capaz de indicar um valor preciso, mas, estranhamente, já não a forma como foi calculado… Depois há a invocação vaga de diferenças retributivas em falta, incluindo as já notadas diuturnidades.
Realmente reconhece-se a existência dessas diferenças retributivas relativas ao cálculo das diuturnidades e da cláusula 61.ª, do atual C.C.T., mas considerando:
1) A sua natureza acessória em face da retribuição base; 2) O seu valor relativamente reduzido em face do total da massa salarial recebida pelo autor; 3) O facto de se reportarem a pagamentos dilatados no tempo; e de, 4) No momento, da rescisão a empregadora estar a proceder ao pagamento dessas rúbricas; Entende-se que tais diferenças de retribuição não comprometiam – como não comprometeram longamente – a manutenção do vínculo laboral, nem consubstanciaram uma lesão grave dos interesses do trabalhador, em termos de fundamentarem a rescisão do contrato e o pagamento da reclamada indemnização.” – Página 13 da sentença Recorrida, parágrafos 2, 3 e 4. h. Os fundamentos para a rescisão contratual não foram os € 53.849,78 de créditos laborais, (pois estes traduziram-se nos créditos peticionados na ação), mas sim, (1) pelo facto de existirem créditos laborais que foram reclamados diversas vezes – a saber diuturnidades e cláusula 61.ª corretamente pagas; (2) porque quando o Autor reclamou esses créditos, além de não ser atendido, foi vítima de represálias; (3) Porque essas represálias se traduziram na perca suplementar de € 500,00 mensais; tornando insustentável a manutenção da relação laboral. i. O Recorrente reclamou diversas o pagamento de diuturnidades, e as implicações que as mesmas tinham para a sua vida pessoal e financeira, e a Recorrida, não só não pagou as diuturnidades em falta, como não atualizou as mesmas, repercutindo-se estas na cláusula 61.ª que é calculada com base na percentagem de 48% sobre o salário base + diuturnidades + complemento salarial. j. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se relativamente à suficiência para a resolução do contrato com justa causa, o facto de durante muitos o Empregador recusar a pagar diuturnidades, dizendo que “Numa situação de não pagamento de diuturnidades, durante 12 anos consecutivos, presume-se a existência de justa causa e o trabalhador pode resolver o contrato, bastando prova do incumprimento continuado” Acórdão do TRL, datado de 23/04/2008. k. O Tribunal à quo decidiu de forma contrária à Jurisprudência, quando diz “Entende-se que tais diferenças de retribuição não comprometiam – como não comprometeram longamente – a manutenção do vínculo laboral, nem consubstanciaram uma lesão grave dos interesses do trabalhador, em termos de fundamentarem a rescisão do contrato e o pagamento da reclamada indemnização”. l. Acrescenta ainda o citado Acórdão do TRL “1. Tendo o trabalhador alegado e provado os factos constitutivos do direito às diuturnidades reclamadas, cabia ao empregador o ónus de provar o pagamento dessas prestações pecuniárias.(...) 6. Para que um trabalhador possa resolver o seu contrato de trabalho com justa causa e com direito a indemnização é necessário que a conduta da entidade empregadora configure um comportamento culposo que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. (...) 11. Numa situação de não pagamento de diuturnidades, durante 12 anos consecutivos, presume-se a existência de justa causa e o trabalhador pode resolver contrato, bastando a prova do incumprimento continuado. 12. Nesta situação de carácter continuado e de efeitos duradouros, que se agrava com o decurso do tempo, o prazo caducidade não se inicia a partir da falta de pagamento de qualquer uma das referidas diuturnidades, mas sim a partir da data da cessação dessa situação de incumprimento continuado ou então a partir do momento em que os efeitos dessa falta, no contexto da relação laboral, assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna impossível, ou seja, se torna intolerável para o trabalhador, perante esses factos e as suas nefastas consequências, a manutenção da relação de trabalho.” - Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão de 23 de abril de 2008, processo 961/2008-4. m. Além do Tribunal da Relação de Lisboa, também esse Venerando Tribunal da Relação de Évora se pronunciou recentemente sobre este assunto, dizendo que “III – Existe justa causa na resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador quando esta se fundamenta no não pagamento mensal, durante os anos em que a relação laboral persistiu, na íntegra ou parcialmente, das diuturnidades e dos montantes previstos na cláusula 74.ª, n.º 7, do CCT aplicável. IV – A perpetuação no tempo de um comportamento culposo, de caráter continuado, por parte da entidade patronal, não diminui a sua culpa, antes sim, a agrava.” Tribunal da Relação de Évora, Acórdão de 12 de maio de 2022, processo 869/19.5T8TMR. n. As diuturnidades não só fazem parte da sua retribuição, como são atualizadas a cada 3 anos de contrato, somando-se uma nova diuturnidade que é paga 14 meses por ano. Além de que in casu se repercutem nas restantes prestações de carácter pecuniário, influenciando por exemplo a cláusula 61.ª. o. Foi dada razão ao Recorrente na matéria relativa à falta de pagamento de diuturnidades, condenando a Recorrida no pagamento das mesmas, razão pela qual, deveria também ter sido dada razão ao Recorrente na matéria relativa à justa causa resolutiva, condenando assim a Recorrida no pagamento da indemnização requerida. p. Além da falta de pagamento de diuturnidades, a Ré/Recorrida alterou as funções do Autor/Recorrente, retirando-o unilateralmente do transporte internacional de mercadorias, para que o mesmo passasse a fazer unicamente transporte nacional, e com esta decisão unilateral, o Recorrente deixou de auferir em média € 1.750,00 líquidos (tal como aconteceu até Abril de 2020), para passar a receber € 1.300,00 líquidos, a partir do mês de Setembro de 2020 (data em que terminou o período de layoff simplificado por força da Pandemia SARZ_COV2). q. Isto significa que, acrescido da falta de pagamento das diuturnidades vencidas e do correto pagamento das diuturnidades vincendas, assim como dos proporcionais remuneratórios que as mesmas influenciavam, acresceu o facto de ter uma perca visível de € 500,00 líquidos, a título de represálias, e ainda a forma de tratamento discriminatório, subsequente à reclamação de direitos, que consubstanciará uma proibição legal. r. Estes três factos sim, foram devidamente declarados na carta de rescisão contratual como motivo fundamental para ter sido alegada justa causa. s. Já relativamente ao prazo de caducidade para alegar a rescisão contratual, e tratando-se de factos instantâneos com efeito continuado, também já se pronunciou esse Venerando Tribunal através da Senhora Desembargadora Relatora Emília Ramos Costa que: I – Para efeitos do início de contagem do prazo de caducidade previsto no art.º 395.º do Código do Trabalho torna-se relevante distinguir, quanto aos factos ilícitos motivadores da resolução do contrato com justa causa, se estamos perante factos instantâneos, factos instantâneos com efeitos duradouros ou factos continuados. II – Na primeira situação, tal prazo inicia-se após o conhecimento pelo trabalhador da sua prática; na segunda situação, tal prazo inicia-se apenas quando os efeitos provocados pela prática desses factos atingem tamanha gravidade no âmbito da relação laboral que tornam tal manutenção praticamente impossível; e na terceira situação, tal prazo inicia-se apenas quando o último ato violador do contrato de trabalho tiver sido praticado. III – No caso de factos continuados, cuja ilicitude se perpetua no tempo, apenas após a cessação da conduta ilícita se pode considerar que ocorreu o último ato violador do contrato de trabalho, data a partir do qual se inicia, então, o prazo de caducidade. IV – Quando a falta de pagamento da retribuição devida por parte da entidade empregadora é apenas parcial, resulta das regras da experiência comum e da normalidade da vida, que o trabalhador suporta durante vários anos tais incumprimentos, não os reivindicando ou fazendo cessar a relação laboral, não só por ter esperança de, no futuro, vir a receber os montantes em falta, como também por recear que qualquer reivindicação implique a cessação do contrato de trabalho, do qual, na generalidade das vezes, depende a sua sobrevivência.” Tribunal da Relação de Évora, Acórdão de 13 de julho de 2022, processo 3295/19.2T8STR.E1. t. Tendo o Recorrente rescindido o contrato de trabalho nos termos das alíneas a), b), c), e e) do n.º 2 do Art.º 394.º do Código do Trabalho, salvo melhor entendimento, deveria a Recorrida ser condenada às consequências previstas no Art.º 396.º do mesmo normativo legal. u. Razão pela qual deverá ser revogada a sentença nesta parte, e em consequência deverão as Rés/Recorridas ser condenadas a pagar ao Autor/Recorrente a quantia de € 13.067,03 (treze mil e sessenta e sete euros e três cêntimos) a título de indemnização pela rescisão contratual. v. Em consequência, deverá ainda a Sentença ser revogada na parte em que condenou o Autor/Recorrente no pagamento a título reconvencional da falta de aviso prévio, no valor de € 1.466,14 (mil quatrocentos e sessenta e seis euros), uma vez que este é diametralmente oposto ao reconhecimento da justa causa alegada. Dos créditos laborais relativamente ao trabalho suplementar realizado em dias úteis pelo Autor w. O Tribunal a Quo deu como assente que eram as Rés que indicavam ao autor a localização dos locais e datas para as cargas e descargas (alínea k do 2.1 da fundamentação de facto), porém, e em sentido diametralmente oposto, não julgou provado que as Rés indicavam ao Autor as horas para a carga e descarga dos veículos, bem como o momento de iniciar e terminar a jornada de trabalho. (alínea O do 2.3 da fundamentação de facto). Ora, com o devido respeito, e apesar de se tratar de duas coisas distintas, uma depende da outra. x. Ao determinar os locais e as datas para que o Recorrente carregasse, ou descarregasse, estavam também as Recorridas a determinar o início e términus do horário de trabalho. y. O Recorrente é um trabalhador móvel – conforme definição dada pelo n.º 5 da cláusula 20.ª do CCTV que regulamenta o sector, celebrado entre a Antram e a Fectrans (Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 45, de 8/12/2019) – este inicia o seu trabalho à hora necessária para chegar ao local que lhe foi indicado para fazer a carga, e termina a sua jornada diária à hora que lhe foi indicada para fazer a descarga do último dia. z. Se eram as Rés quem indicavam os locais e datas para onde o Autor se teria que deslocar afim de carregar e descarregar, então o trabalho só terminava depois de cumpridas essas prescrições enviadas diariamente pelo chefe de tráfego. E, os registos tacográficos são o meio próprio para o registo do trabalho realizado. Caso assim não fosse, então as Rés teriam de demonstrar os registos de tempos de trabalho do Autor, conforme as exceções previstas no Decreto-Lei n.º 237/2007. aa. Foi alegada a realização de tempo de trabalho suplementar, e foi junta prova obtida por tacógrafo instalado na viatura (que corresponde a um instrumento de trabalho) das Recorridas. Nada foi provado em sentido contrário. bb. Aliás, as Recorridas vieram dizer que efetivamente o Recorrente fazia trabalho suplementar, mas que o mesmo era pago alegadamente através de ajudas de custo. cc. Trata-se de uma confissão de um crime, relativamente ao qual foi requerida a extração de certidão para ser apresentada ao Ministério Público, à Segurança Social, à Autoridade Tributária e ao Instituto de Mobilidade e Transportes – que, porém, foi considerado “prepotente” pelo Tribunal a Quo. dd. Termos em que também neste, deverá a sentença ser revogada, e em consequência ser a Ré condenada a pagar o trabalho suplementar requerido no valor de € 23. 669,20 (vinte e três mil seiscentos e sessenta e nove euros e vinte cêntimos) Da integração nas férias e subsídio de férias da média recebida a título de ajudas de custo ee. Não obstante o que foi alegado em sede de trabalho suplementar, o certo é que as Rés confessaram pagar o trabalho suplementar (ainda que sem o acordo do Autor) através dum sistema de ajudas de custo. ff. De acordo com a contestação: “De qualquer modo, todo o trabalho suplementar efetivamente prestado pelo A. foi pago no âmbito do acordo de pagamento celebrado com a R. e vigente para todos os trabalhadores. (...) Estava acordado com o A., bem como com todos os outros trabalhadores, um sistema de pagamento alternativo e substitutivo do regime previsto no IRCT aplicável, no que se refere ao pagamento do eventual acréscimo do trabalho suplementar prestado em dias de descanso semanal e feriados. Na realidade desse acordo de pagamento resultava que a R. não apurava o trabalho suplementar efetivamente prestado nesses dias e, para substituição do mesmo, procedia ao pagamento de uma diária que levava ao recibo a título de ajudas de custo. Essa diária, paga dessa forma, destinava-se a compensar o trabalho suplementar devido aos motoristas e, neste caso concreto, ao A. Pelo facto de se tratar de um trabalhador móvel, que exerce as suas funções fora do controlo direto da hierarquia, fora da instalação física da entidade patronal e em permanente deslocação, pelo menos, pelo território nacional, impunha-se, tal como foi feito por acordo entre as partes, um sistema de pagamento adequado a essa realidade, justo e adequado. Assim, as partes decidiram, por acordo não proceder ao apuramento das horas de trabalho suplementar eventualmente prestadas em dias e descanso e feriados e em sua substituição e compensação proceder ao pagamento da forma descrita, conforme resulta do contrato de trabalho já junto pelo A.” – Artigos 20.º a 27.º da Contestação. gg. Ora, independentemente da veracidade das declarações/confissões das Rés – que foram aceites pelo Autor, o certo é que a sentença deu como assente (para não condenar as Rés no pagamento daquele trabalho suplementar) que o mesmo era pago através de ajudas de custo. hh. O que não se consegue compreender da sentença – nem se aceitar – é que no que respeita à integração da média recebida a título de ajudas de custo (já que não se tratavam de verdadeiras ajudas de custo, mas sim retribuição por trabalho suplementar), já não as considere para este efeito. ii. Com todo o respeito, a sentença é claramente divergente nesta matéria. Pois ou o pagamento do trabalho suplementar é devido, porque não foi recebido, e deveria a sentença ter condenado as Rés naquele pagamento, ou, o pagamento do trabalho suplementar não era devido, por ter sido pago na rúbrica ajudas de custo, e neste caso, a média recebida a este título teria que ser paga obrigatoriamente nas férias e no subsídio de férias, como aliás tem entendido a Jurisprudência, entre outros Ac. do STJ, de 16.12.2010 in www.dgsi.pt, Ac. RP, de 14.06.2010 in www.dgsi.pt, Ac. RC, de 26.05.2009 in CJ, Ano XXXIV, Tomo III, p.58, Ac. STJ de 14/01/2015 jj. Veja-se ainda com mais detalhe, “I – Integram o conceito de retribuição as prestações, regular e periodicamente pagas, ainda que de montantes variáveis, correspondentes a trabalho suplementar, a trabalho noturno, a subsídio de compensação por redução do horário de trabalho, a subsídio de divisão de correio, e a subsídio especial de compensação (telefone de residência), quando pela sua regularidade e periodicidade, justificam a legítima expectativa do trabalhador na continuação da sua perceção, ressalvada a eventualidade da superveniência de alteração das circunstâncias. II – Como tal, devem os respetivos valores ser levados em conta no cômputo das remunerações de férias, dos respetivos subsídios e dos subsídios de Natal, atendendo-se, para o efeito, caso sejam variáveis, à média das importâncias auferidas, calculada pelos doze meses de trabalho anteriores aos meses em que são gozadas as férias e processado o subsídio de Natal.” Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 9 de maio de 2007, processo 06S3211. kk. Ou ainda, “I – Verificando-se que numa relação laboral que perdura há dezoito anos, só em dois meses o autor não recebeu remuneração por trabalho suplementar e remuneração por trabalho noturno num mês, verifica- se o requisito da regularidade destas prestações – o qual tem o seu acento tónico na permanência e normalidade temporal, mais do que no quantitativo a esse título pago mensalmente, que poderá ser variável – devendo a média desses valores, calculada pelos doze meses de trabalho anteriores, ser paga aquando das férias com a remuneração destas e integralmente nos subsídios de férias e de Natal.” Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 19 de fevereiro de 2003, processo 02S3740. ll. Não se pode aceitar assim a decisão nesta matéria, pois além de contraditória face ao pedido de pagamento do trabalho suplementar, é ainda divergente das normas que regulamentam esta matéria, e das decisões dos Tribunais Superiores. mm. Assim, deverá a sentença recorrida ser revogada nesta matéria, e ser as Rés condenadas ao pagamento da média recebida a título de ajudas de custo (a ser considerado tais ajudas de custo para o pagamento de trabalho suplementar, tal como considerou o Tribunal a Quo, e tal como confessaram as Rés), no montante total de € 18.274,37 (dezoito mil duzentos e setenta e quatro euros e trinta e sete cêntimos). Da Formação Profissional nn. O Autor pediu a condenação das Rés no pagamento da formação profissional não ministrada. Nada foi dito ou provado em julgamento relativamente a esta matéria, a não ser os documentos juntos – tardiamente – pelas Rés, em sede de contestação. oo. Tais documentos foram devidamente impugnados pelo Autor através do requerimento com a referência Citius 8182959, pois, entre outros, estes documentos não se encontram assinados pelo Autor, desconhecendo-se a sua origem, ou a data da sua emissão. pp. Salvo melhor entendimento, em momento algum ficou provado que a Ré ministrou qualquer hora de formação, sendo que lhe competia o ónus dessa prova. qq. Não deveria a sentença recorrida ter considerado 59 horas de formação, pois não foi demonstrado nem provado as mesmas. rr. Devendo assim a sentença ser revogada nesta parte, e em consequência serem as Rés serem condenadas ao pagamento da totalidade das horas de formação requeridas, no valor de € 520,95 (quinhentos e vinte euros e noventa e cinco cêntimos).
Termos em que revogando a sentença na parte em que (1) não considerou justificado o despedimento do Autor como sendo um despedimento com justa causa imputável ao empregador; (2) Não considerou a obrigatoriedade do pagamento da indemnização prevista no Art.º 396.º do código do trabalho pela rescisão contratual com justa causa; (3) Não considerou os créditos laborais relativamente ao trabalho suplementar realizado em dias úteis pelo Autor. (4) Não considerou a integração nas férias e subsídio de férias da média recebida a título de ajudas de custo. (5) Não considerou o pagamento da totalidade da formação profissional reclamada pelo Autor; (6) Deu provimento ao valor pedido a título reconvencional da alegada falta de aviso prévio (em oposição à rescisão com justa causa imputada à Entidade Empregadora), e em consequência condenando as Recorridas: 1. No reconhecimento da rescisão com justa causa, e no pagamento de € 13.067,03 (treze mil e sessenta e sete euros e três cêntimos) a título de indemnização pela rescisão contratual; 2. No reconhecimento de realização de trabalho suplementar não remunerado, e em consequência no pagamento de € 23.669,20 (vinte e três mil seiscentos e sessenta e nove euros e vinte cêntimos) a este título;
Ou, 3. reconhecendo que aquele trabalho foi pago em ajudas de custo, então, condenando a pagar € 18.274,37 (dezoito mil duzentos e setenta e quatro euros e trinta e sete cêntimos) a título da integração da média do mesmo nas férias e no subsídio de férias. 4. No pagamento das horas de formação profissional em falta relativamente aos três últimos anos, no valor de € 520,95 (quinhentos e vinte euros e noventa e cinco cêntimos).
E, 5. Tendo reconhecido a justa causa, absolvendo o Recorrente da quantia pedida a título reconvencional de € 1.466,14 (mil quatrocentos e sessenta e seis euros).
Farão inteira JUSTIÇA!».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Após a admissão do recurso pela 1.ª instância, o processo subiu à Relação e foi dado cumprimento ao prescrito no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer.
Não foi oferecida resposta.
Mantido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso podem ser, assim, identificadas: 1. Válida resolução do contrato de trabalho, pelo trabalhador, com fundamento em justa causa, e consequente direito à indemnização prevista no artigo 396.º do Código do Trabalho. 2. Existência de crédito por prestação de trabalho suplementar em dias úteis. 3. Direito à média do que foi pago a título de ajudas de custo, nas retribuições de férias e subsídio de férias. 4. Direito à totalidade do crédito pedido respeitante à formação não ministrada. 5. Falta de fundamento para a procedência do pedido reconvencional.
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III. Matéria de Facto A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: A) As 1.ª e 2.ª Rés são sociedades que se dedicam à atividade de Transportes Rodoviários de Mercadorias; B) Ambas têm em comum, além da atividade, a sede e o Conselho de Administração; C) O A. foi admitido inicialmente para trabalhar sob a autoridade, direção e fiscalização da 2.ª Ré mediante contrato de trabalho, para exercer a categoria profissional de motorista de pesados, no mês de Julho de 2010; D) Em Setembro de 2013, foi celebrado um novo contrato de trabalho a termo resolutivo certo “para satisfazer uma necessidade excecional e temporária da empresa da atividade da empresa, resultante dum acréscimo da atividade de trabalho”, E) No entanto, continuou a exercer as mesmas tarefas, a percorrer as mesmas rotas, conduzindo o mesmo camião, com o mesmo número mecanográfico nos recibos de vencimento e seguro de acidentes de trabalho; F) O contrato a termo resolutivo certo durou até Março de 2016, data em que perfez 3 anos, e para que o mesmo não se convolasse num contrato efetivo, aquela apresentou ao Autor um contrato para este assinar com a 1.ª Ré; G) O A. assinou o novo contrato; H) Mas continuou o exercício das mesmas funções que vinha a desempenhar desde 2010, com os mesmos camiões, os mesmos clientes, as mesmas rotas, as mesmas instruções; I) No dia 5 de Fevereiro de 2021, o autor – por meio do seu mandatário – remeteu à ré Transportes BB, S.A., a carta junta com a petição, que aqui se dá por integralmente reproduzida, a cessar o contrato de trabalho e invocando a falta de pagamento de algumas retribuições; J) As rés pagaram ao autor o total de € 351,80, a título de diuturnidades, conforme o quadro que consta do artigo 37.º, da petição inicial; K) As rés indicavam ao autor a localização dos locais e datas para a carga de descarga dos veículos; L) Após o dia 20/9/2017, o autor prestou trabalho nos dias e horas indicados no artigo 57.º, da petição inicial; M) As RR. decidiram não proceder ao apuramento das horas de trabalho suplementar eventualmente prestadas pelo autor em dias de descanso e feriados e, em sua substituição, procediam ao pagamento de uma diária que levavam ao recibo a título de ajudas de custo, designadamente os valores indicados no artigo 31.º da aperfeiçoada contestação; N) Após o dia 19/2/2019, as rés prestaram ao autor o total de 59 horas de formação profissional, nos moldes documentados com a contestação.
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E considerou que não se provaram os seguintes factos: O) As rés indicavam ao autor as horas para a carga de descarga dos veículos, bem como o momento de iniciar e terminar a jornada de trabalho; P) Até ao dia 20/9/2017, inclusive, o autor prestou trabalho nos dias e horas indicados no artigo 57.º, da petição inicial; Q) O autor sofreu de grande stress e ansiedade, por se ver na iminência de não conseguir honrar os seus compromissos, não dormia, não comia e sentia-se injustiçado em consequência da conduta das rés; R) Cada cessação de contrato de trabalho identificada na petição inicial ocorreu por iniciativa do A., [com ressalva da ocorrida no dia 5/2/2021 e acima indicada].
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IV. Da alegada resolução do contrato de trabalho com justa causa
O Apelante não se conforma com a improcedência do seu pedido de reconhecimento da existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho, com direito à indemnização prevista no artigo 396.º do Código do Trabalho.
Vejamos como este tema foi apreciado na decisão recorrida.
Escreveu-se nesta peça processual: «3.6. Posto isto, há que saber se se verifica a justa causa para a rescisão contratual operada pelo autor. O artigo 394.º, do Código do Trabalho, estipula que: 1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato. 2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores; c) Aplicação de sanção abusiva; d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante. 3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador: a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato; b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador; c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição. d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A. 4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações. 5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo. O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos, pois para a apreciação da ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes dessa comunicação - art.ºs 395.º e 398.º, do Código do Trabalho. Ora, é precisamente na comunicação do trabalhador que se notam as dificuldades na apreciação da invocada justa causa, pois a redação é muitíssimo vaga e incerta. De exato apenas foi indicado um valor: € 53.849,78. O autor mostrou-se capaz de indicar um valor preciso, mas, estranhamente, já não a forma como foi calculado… Depois há a invocação vaga de diferenças retributivas em falta, incluindo as já notadas diuturnidades. Realmente reconhece-se a existência dessas diferenças retributivas relativas ao cálculo das diuturnidades e da cláusula 61.ª, do atual C.C.T., mas considerando: 1) A sua natureza acessória em face da retribuição base; 2) O seu valor relativamente reduzido em face do total da massa salarial recebida pelo autor; 3) O facto de se reportarem a pagamentos dilatados no tempo; e de, 4) No momento, da rescisão a empregadora estar a proceder ao pagamento dessas rúbricas; Entende-se que tais diferenças de retribuição não comprometiam – como não comprometeram longamente – a manutenção do vínculo laboral, nem consubstanciaram uma lesão grave dos interesses do trabalhador, em termos de fundamentarem a rescisão do contrato e o pagamento da reclamada indemnização.».
Apreciemos, agora, o teor da carta de cessação do contrato de trabalho que o Apelante - por meio do seu mandatário - remeteu à 1.ª Ré, em 05/02/2021 [facto provado I)]: «Assunto: Resolução contratual por iniciativa do trabalhador, com justa causa imputada ao empregador, relativamente ao trabalhador AA. (…) Encontro-me mandatado pelo senhor AA, vosso trabalhador desde Julho de 2010, para vos comunicar a resolução daquele contrato de trabalho, por iniciativa do mesmo, e por justa causa imputável à Entidade Patronal. Esta decisão prende-se pelo facto de após a manifestação de desagrado (dele, e de alguns colegas) relativamente às condições laborais em geral, e aos créditos que este(s) têm a receber à muito da empresa, e, V.ª Exas. em forma de represálias terem alterado unilateralmente as funções que aquele vinha a desempenhar desde sempre na empresa (transporte internacional), e com esta alteração, o M/Constituinte teve uma perca de rendimentos que se traduz em cerca de € 500,00 (quinhentos euros) mensais. Tudo como aliás se pode facilmente comprovar pelos recibos de vencimento que se poderão juntar em sede judicial, se para tanto se fizer necessário. Não obstante tal alteração unilateral e ilícita, que acarreta prejuízos patrimoniais para o meu constituinte, e não se contentando com tal, V.ª Exas. Têm encetado um clima de afastamento, fazendo com que este se sinta humilhado, ou inferiorizado perante os demais colegas, o que se traduz num crime previsto como assédio laboral. Qualquer um destes comportamentos são proibidos, pois traduzem-se em sérios prejuízos para o Trabalhador, quer a nível psíquico, quer a nível familiar, quer a nível financeiro, razão pela qual, e estando violadas as garantias do trabalhador, este, vem rescindir com justa causa o seu contrato de trabalho, que deverá ter efeitos imediatos. Sem prejuízo da resolução supra, e pelos motivos indicados, sempre se dirá que V.ª Exa. está em dívida com o meu constituinte (e há muito tempo) do valor que à data de hoje se estima em € 53.849,78 (cinquenta e três mil oitocentos e quarenta e nove euros e setenta e oito cêntimos), relativamente à integração dos valores variáveis nas férias e nos subsídios de férias, relativamente às diuturnidades em dívida, relativamente à cláusula 61.ª que foi mal processada tendo em conta as diuturnidades em dívida, e relativamente às horas de trabalho suplementar realizadas em número que chegam a ser quase quatro vezes o número permitido por lei, e que não lhe foram reembolsadas, além da indemnização por justa causa que agora se determina. A este valor, acrescerá ainda os juros de mora, e/ou créditos laborais que se vierem a apurar. Face ao exposto, considerem o contrato de trabalho resolvido com justa causa fixando-se o prazo de 5 dias para que Vª Exas procedam à entrega do Modelo RP5044DGSS, e o certificado de trabalho, assim como ao apuramento das contas finais que deverá conter as rúbricas supra mencionadas. (…)».
Do teor desta carta, infere-se que o Apelante declara que pretende resolver o seu contrato de trabalho com justa causa, devido aos seguintes comportamentos culposos assumidos pela empregadora: - Alteração unilateral das funções que desempenhava (transporte internacional), com consequente perda de rendimentos mensais em cerca de €500,00, como represália pela reclamação da existência de créditos laborais em dívida; - Prática de assédio laboral, concretizada num clima de afastamento.
Baseia a justa causa para a resolução na violação das garantias do trabalhador - «Qualquer um destes comportamentos são proibidos, pois traduzem-se em sérios prejuízos para o Trabalhador, quer a nível psíquico, quer a nível familiar, quer a nível financeiro, razão pela qual, e estando violadas as garantias do trabalhador, este, vem rescindir com justa causa o seu contrato de trabalho, que deverá ter efeitos imediatos»[2].
De seguida, apresenta o valor total dos créditos laborais que considera estarem dívida - «Sem prejuízo da resolução supra, e pelos motivos indicados, sempre se dirá que V.ª Exa. está em dívida com o meu constituinte (e há muito tempo) do valor que à data de hoje se estima em € 53.849,78 (cinquenta e três mil oitocentos e quarenta e nove euros e setenta e oito cêntimos), relativamente à integração dos valores variáveis nas férias e nos subsídios de férias, relativamente às diuturnidades em dívida, relativamente à cláusula 61.ª que foi mal processada tendo em conta as diuturnidades em dívida, e relativamente às horas de trabalho suplementar realizadas em número que chegam a ser quase quatro vezes o número permitido por lei, e que não lhe foram reembolsadas, além da indemnização por justa causa que agora se determina. A este valor, acrescerá ainda os juros de mora, e/ou créditos laborais que se vierem a apurar.».[3]
Apreciemos, então, a legislação aplicável à questão sub judice.
Dispõe o artigo 394.º do Código do Trabalho:
«1- Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato;
2- Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.
3- Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
4- A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações (…)».
De harmonia com o normativo citado, o trabalhador pode fazer cessar o contrato de trabalho, devido à existência de justa causa.
A justa causa pode ser objetiva (não culposa) ou subjetiva (culposa).
A primeira, prevista no n.º 3 do normativo, resulta de circunstâncias objetivas, relacionadas com o trabalhador ou com a prática de atos lícitos pelo empregador.
A segunda, tem na base um comportamento ilícito da entidade empregadora e a ela se reporta o n.º 2 do artigo supra citado (embora, a título meramente exemplificativo).
A distinção entre as duas formas de justa causa mostra-se relevante, devido às consequências legalmente previstas.
Consagra o artigo 396.º, n.º 1 do Código do Trabalho que «em caso de resolução do contrato de trabalho com fundamento no facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades».
A justa causa para a resolução do contrato deverá ser apreciada, nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.
Ou seja, na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes, para se poder concluir pela impossibilidade da manutenção do vínculo laboral.[4]
Não obstante, as situações previstas no n.º 2 do artigo 394.º, consubstanciem comportamentos que o legislador considerou que constituem justa causa de despedimento, a jurisprudência tem entendido que não basta a verificação material de qualquer dos comportamentos previstos, sendo ainda preciso que o comportamento da entidade empregadora «pela sua gravidade e consequências, torne prática e imediatamente impossível a manutenção da relação de trabalho».[5]
E, conforme foi sumariado no Acórdão da Relação de Évora, de 01/02/2011, P. 51/10.7TTEVR.E1[6]: «A resolução do contrato de trabalho, tal como se encontra configurada nos artigos 394º a 399º do Código do Trabalho e para que o trabalhador tenha direito, por via judicial, à indemnização prevista no artigo 396º do referido diploma, pressupõe que o trabalhador faça prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja, a existência de justa causa».
Deste modo, para que se verifique uma situação de resolução do contrato de trabalho fundamentada num comportamento culposo da entidade empregadora (como é o caso da situação que se aprecia nos autos), mostra-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos:
1.º um de natureza objetiva – verificação do comportamento(s) concretamente imputado(s), na carta de resolução, à empregadora;
2.º outro de natureza subjetiva - que essa atuação violadora e lesiva seja imputável a título de culpa;
3.º que essa conduta da empregadora torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.
Quanto à culpa da empregadora, em regra, a mesma presume-se, nos termos gerais da responsabilidade contratual, por aplicação do artigo 799.º do Código Civil. Ou seja, cabe à entidade empregadora afastar a presunção, alegando e provando os elementos factuais suficientes para habilitar o tribunal a formular um juízo de não censurabilidade da sua conduta.
Todavia, existe uma situação específica em que o legislador expressamente considera culposa a omissão ou a ação da entidade empregadora.
Dispõe o n.º 5 do artigo 394.º do Código do Trabalho que se considera culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
De acordo com este normativo, decorrido um período de 60 dias em que se mantém o incumprimento por parte do empregador, presume-se a existência de culpa na falta de pagamento pontual da retribuição.
Feito, pois, em termos genéricos, o enquadramento legal da resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em justa causa, vejamos então se os requisitos enunciados supra, se mostram preenchidos no caso concreto.
E, face ao elenco dos factos assentes, desde logo se conclui que o Apelante, para além de ter imputado comportamentos genéricos e vagos à empregadora, sem o cuidado de os concretizar[7], também não foi capaz de provar que as suas funções foram alteradas, e que devido a esse facto sofreu diminuição do rendimento mensal, ou que foi vítima de assédio laboral.
Por conseguinte, mostra-se inviável o preenchimento do primeiro pressuposto exigido para a resolução por justa causa.
Destarte, não resultou provada a justa causa de resolução do contrato de trabalho invocada.
Em consequência, nunca poderia ser reconhecido ao Apelante o direito à indemnização prevista no artigo 396.º do Código do Trabalho.
O agora decidido remete-nos para a apreciação da última questão suscitada no recurso - falta de fundamento para a procedência do pedido reconvencional.
Dispõe o artigo 399.º do Código do Trabalho:
Não se provando a justa causa de resolução do contrato, o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401.º.
O mencionado artigo 401.º, na redação anterior à que foi introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, e que é a aplicável, prescreve:
O trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo anterior deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência.
Ora, considerando o pedido reconvencional deduzido e a não demonstração da verificação de justa causa de resolução, bem andou o tribunal a quo, em julgar procedente o pedido reconvencional, correspondente à indemnização por falta de aviso prévio, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 399.º e 401.º, ambos do Código do Trabalho.
Enfim, improcedem, totalmente, o primeiro e o último fundamento do recurso.
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V. Do alegado crédito por trabalho suplementar prestado em dias úteis
Através do recurso, o Apelante pretende que este tribunal da Relação reaprecie a decisão que julgou improcedente o pedido de condenação das Apeladas a pagarem-lhe o montante de € 23.669.20, a título de trabalho suplementar prestado e não pago.
Da leitura da motivação do recurso parece resultar que o Apelante discorda do decidido quanto à alínea O) dos factos não provados.
Todavia, não tendo observado o ónus de impugnação estatuído no artigo 640.º doo Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, nunca poderia ser admitida qualquer impugnação da decisão de facto.
Ademais os meios probatórios carreados para os autos também não justificam qualquer alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, feita pela Relação, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Assim, para a questão sub judice, relevam os seguintes factos provados: K) As rés indicavam ao autor a localização dos locais e datas para a carga de descarga dos veículos. L) Após o dia 20/9/2017, o autor prestou trabalho nos dias e horas indicados no artigo 57.º, da petição inicial.
Sobre a matéria que se debate, pronunciou-se, deste modo, a 1.ª instância: «3.3. O autor também reclama a condenação das rés no pagamento de trabalho suplementar realizado e não pago no valor de € 23.669.20. A mencionada cláusula 61.ª, do atual C.C.T., consagra o direito dos trabalhadores móveis afetos ao transporte internacional, ibérico e nacional, a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar, nos moldes aí referidos. O artigo 226.º, do Código do Trabalho, refere que: 1 - Considera-se trabalho suplementar o prestado fora do horário de trabalho. 2 - No caso em que o acordo sobre isenção de horário de trabalho tenha limitado a prestação deste a um determinado período de trabalho, diário ou semanal, considera-se trabalho suplementar o que exceda esse período. (…) Por outro lado, o artigo 268.º, n.º 2, do mesmo código, estipula que: É exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador. No caso dos autos, o autor fundamenta o seu pedido na circunstância de ter sido o empregador que determinou a sua prestação – art.ºs 44.º a 47.º, da petição. Porém, o mesmo não demonstrou – como era seu ónus – que eram as rés que indicavam ao autor as horas para a carga de descarga dos veículos, bem como o momento de iniciar e terminar a jornada de trabalho. Tal circunstância seria imprescindível para saber se a prestação tenha sido prévia e expressamente determinada pelo empregador. Tão pouco foram apresentados factos para concluir de forma segura que a prestação foi realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador (e não apenas qualquer outra circunstância, como a conveniência do trabalhador). Não resultando demonstrados os factos essenciais invocados pelo autor, tal pedido carece de fundamento e não poderá ser atendido. ».
Vejamos.
O artigo 296.º, n.º 1 do Código do Trabalho estipula que é trabalho suplementar aquele que for prestado fora do horário de trabalho. E prossegue o normativo:
2 - No caso em que o acordo sobre isenção de horário de trabalho tenha limitado a prestação deste a um determinado período de trabalho, diário ou semanal, considera-se trabalho suplementar o que exceda esse período.
3- Não se compreende na noção de trabalho suplementar:
a) O prestado por trabalhador isento de horário de trabalho em dia normal de trabalho, sem prejuízo do disposto no número anterior;
b) O prestado para compensar suspensão de atividade, independentemente da sua causa, de duração não superior a quarenta e oito horas, seguidas ou interpoladas por um dia de descanso ou feriado, mediante acordo entre o empregador e o trabalhador;
c) A tolerância de quinze minutos prevista no n.º 3 do artigo 203.º;
d) A formação profissional realizada fora do horário de trabalho que não exceda duas horas diárias;
e) O trabalho prestado nas condições previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 257.º;
f) O trabalho prestado para compensação de períodos de ausência ao trabalho, efetuada por iniciativa do trabalhador, desde que uma e outra tenham o acordo do empregador.
g) O trabalho prestado para compensar encerramento para férias previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 242.º, por decisão do empregador.
De harmonia com o preceituado no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, compete àquele que reclamar o direito ao pagamento do trabalho suplementar alegar e provar que exerceu as suas funções para a entidade empregadora, fora do seu horário de trabalho e que tais funções foram exercidas mediante, prévia e expressa, determinação da entidade empregadora ou realizadas de modo a não ser previsível a oposição desta - artigo 268.º, n.º 2 do CT/ 2009).[8]
Exposto o quadro legislativo e enunciado o ónus probatório, afigura-se-nos, de imediato, que a 1.ª instância decidiu bem ao considerar que o Apelante não logrou provar que os horários que praticou foram, prévia e expressamente, determinados pela empregadora ou que as circunstâncias factuais revelam que a prestação foi realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador.
Tanto basta para se concluir que o Apelante não logrou provar que prestou o alegado trabalho suplementar, que, por não ter sido pago, lhe conferiu um crédito laboral.
Sufragamos, pois, a decisão recorrida, na parte agora analisada.
Em suma, improcede o segundo fundamento do recurso.
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VI. Do alegado direito à média do que foi pago a título de ajudas de custo, nas retribuições de férias e subsídio de férias
O tema em epígrafe foi, assim, apreciado na sentença recorrida: «3.4. O autor também reclama a integração na retribuição de férias e subsídio de férias, da remuneração variável das ajudas de custo no valor de € 18.247,37. Em termos normais, este pedido seria liminarmente desatendido, visto que as ajudas de custo, por regra, à luz do disposto no artigo 260.º, do Código do Trabalho, não se consideram retribuição: a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador; Porém, o autor teve o dom de tratar a questão com evidente duplicidade e ininteligibilidade. Por um lado, recebeu as ajudas de custo e cuidou de omitir (isto é, fundamentar) e refutar qualquer facto que pudesse reconduzir o recebimento dessas quantias ao pagamento de qualquer retribuição. Era o que lhe convinha inicialmente. Mas depois, chegado ao cômputo da retribuição de férias e do subsídio de férias, as ajudas de custo passaram a integrar a retribuição. O tribunal admite em abstrato que uma quantia paga sob a forma de “ajudas de custo” possa integrar o conceito de retribuição, mas não pode estribar a decisão nas contradições ou omissões do autor. Se o autor entendia que as ajudas de custo deviam integrar a retribuição de férias e do subsídio de férias deveria apresentar os factos que suportavam tal entendimento e a forma do respetivo cálculo. Tendo o autor omitido convenientemente qualquer facto para suportar esse pedido, o mesmo terá que ser desatendido em face do referido conceito legal de retribuição.»
Entende o Apelante que a decisão recorrida está errada, porque deveria ter declarado procedente o peticionado crédito respeitante à média das ajudas de custo nas retribuições de férias e de subsídio de férias.
Analisemos a questão.
Dispõe o artigo 264.º do Código do Trabalho:
1 - A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo.
2 - Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias.
3 - Salvo acordo escrito em contrário, o subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias e proporcionalmente em caso de gozo interpolado de férias.
4 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.
Resulta da lei que a “retribuição do período de férias” corresponde à retribuição que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo, ou seja, todas as prestações a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho, exatamente como se estivesse em serviço efetivo.
Por seu turno, o “subsidio de férias” compreende apenas a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho.
Estas últimas, contemplam todos aqueles acréscimo retributivos que são inerentes a uma prestação laboral concreta, devido às especiais circunstâncias de tempo, modo ou lugar em que se desenvolve a atividade. São exemplos destes acréscimos retributivos: o subsídio de turno, o subsídio de trabalho noturno, a isenção de horário de trabalho, o subsídio de penosidade, etc..
Na petição inicial, o Apelante para fundamentar o direito que aqui se debate alegou que a sua retribuição era composta por uma parte certa e outra variável – artigo 83.º da p.i..
A parte certa era composta pelo vencimento, pelo prémio TIR, a partir de certa altura pela cláusula 61.º, pelo subsídio noturno e pelo complemento salarial – artigo 84.º da p.i..
A parte variável, de acordo com o alegado, foi sempre composta por ajudas de custo, além doutra rubrica destinada unicamente a alimentação – artigo 85.º da p.i..
No que respeita especificamente às ajudas de custo, que é a parte que nos interessa em face do objeto do recurso, pugnou o Apelante para que a média paga a tal título integrasse a retribuição de férias e de subsídio de férias, por se tratar de uma prestação paga com carácter de regularidade e ter periodicidade mensal – artigos 90.º e 97.º da p.i..
Ora, as ajudas de custo, nos termos previstos pelo artigo 260.º do Código do Trabalho, estão, à partida, excluídas do conceito de retribuição, como se refere na decisão recorrida, por constituírem, por natureza, prestações pecuniárias realizadas pelo empregador a favor do trabalhador que assumem uma natureza compensatória por despesas já feitas ou a fazer por este no cumprimento do contrato de trabalho.[9]
As ajudas de custo não se destinam, pois, a constituir uma contrapartida pecuniária do trabalho prestado, de acordo com a lei.
Todavia, na vida realexistem situações em que sob a designação de “ajudas de custo” são pagas prestações que são verdadeiras contrapartidas da atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador.
Mais importante do que a denominação da prestação, é o fim a que a mesma se destina.[10]
No vertente caso, resultou provado que as Rés decidiram não proceder ao apuramento das horas de trabalho suplementar eventualmente prestadas pelo autor em dias de descanso e feriados e, em sua substituição, procediam ao pagamento de uma diária que levavam ao recibo a título de ajudas de custo – alínea M) dos factos provados.
A tal título foram-lhe pagos os valores indicados no artigo 31.º da aperfeiçoada contestação.
Ou seja, desde outubro de 2018 a abril de 2020, foi pago ao Apelante, mensalmente, com exceção do mês de agosto de 2019, um valor variável, respeitante às referidas “diárias”, que se destinava a pagar o trabalho suplementar prestado em dias de descanso e feriados, não constituindo, pois, qualquer compensação por custos aleatórios relacionados com o cumprimento do contrato de trabalho.
Ora, há muito que a doutrina e a jurisprudência, de modo constante, afirmam que integram o conceito de retribuição previsto no artigo 258.º do Código do Trabalho, as prestações que sejam regular e periodicamente pagas, ainda que sejam variáveis os seus montantes.
O critério da regularidade, de acordo com a jurisprudência firmada nos tribunais superiores, verifica-se sempre que o pagamento da prestação seja feito 11 meses por ano, isto é, nos meses em que o trabalhador presta atividade..[11]
Relativamente ao critério da periodicidade, o mesmo pressupõe um pagamento da prestação em períodos certos (ou aproximadamente certos) no tempo.
Escreveu Bernardo Lobo Xavier:[12] «(…) exigindo um carácter «periódico», a lei considera que ela deve ser relativa a períodos certos no tempo (ou aproximadamente certos), de modo a integrar-se na própria ideia de periodicidade e de repetência ínsita no contrato de trabalho e nas necessidades recíprocas dos dois contraentes que este contrato se destina a servir.».
Retornemos ao caso dos autos.
Com arrimo nos factos provados, deduz-se que no ano de 2018, as mencionadas “diárias” apenas foram pagas durante 3 meses, pelo que a aludida prestação não pode integrar o conceito de retribuição do trabalhador, por não ter sido paga nos 11 meses anteriores ao vencimento da retribuição de férias e do subsídio de férias.
Quanto ao ano de 2019, infere-se da factualidade demonstrada que a empregadora pagou ao Apelante durante 11 meses, quantias mensais, variáveis, destinadas a pagar o trabalho suplementar prestado em dias de descanso e feriados.
Sendo assim, atento o carácter regular, permanente e previsível deste pagamento, o mesmo deve entrar para o cálculo da retribuição de férias e do subsídio de férias, respeitante ao trabalho prestado em 2019.[13]
Tendo o Apelante recebido o total de € 2.369,75, tem o mesmo direito a receber a média de € 197,48, (€ 2.369,75 : 12 meses) na retribuição de férias e a mesma quantia no subsídio de férias.
Por fim, no que concerne ao ano de 2020, constata-se que o Apelante apenas recebeu a prestação que se analisa durante quatro meses, pelo que não se mostra preenchido o critério da regularidade exigido para a qualificação da prestação como retribuição.
Por conseguinte, a aludida prestação não deve ser considerada para cálculo da retribuição de férias e do seu subsídio, respeitantes ao trabalho prestado no ano de 2020.
Enfim, quanto à questão agora analisada, o recurso procede parcialmente, pelo que, a sentença recorrida deve ser parcialmente revogada e devem as Rés ser condenadas a pagar ao Apelante a quantia de € 394,96 (€ 197,48 x 2), respeitante à média do que foi pago como contrapartida do trabalho suplementar prestado em dias de descanso e feriados no ano de 2019, que deveria ter integrado a retribuição de férias e o seu subsidio, acrescida dos peticionados juros moratórios.
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VII. Do alegado direito à totalidade do crédito pedido respeitante à formação não ministrada
Na petição inicial, o Apelante pediu a condenação das Rés no pagamento da formação profissional não ministrada.
Na sentença recorrida, a questão foi, deste modo, apreciada e decidida: «3.5. Relativamente à questão do pagamento das horas de formação profissional, as rés demonstraram que, após o dia 19/2/2019, prestaram ao autor o total de 59 horas de formação profissional, nos moldes documentados com a contestação. O artigo 131.º, do Código do Trabalho, conferia ao trabalhador o direito, em cada ano, a um número mínimo de 35 horas de formação contínua. A Lei n.º 93/2019, de 4/9, alterou tal norma, elevando a duração para um mínimo de 40 horas. Assim, tendo as rés prestado 59 horas de formação profissional, ao invés do mínimo de 115 horas, o autor terá direito apenas ao crédito correspondente de € 253,68 – art.º 132.º, do Código do Trabalho, e cláusula 78.º, do C.C.T..»
Entende o Apelante que o tribunal a quo não poderia ter dado como provado que as Rés lhe prestaram 59 horas de formação profissional.
Porém, se o Apelante pretendia impugnar a decisão de facto, deveria ter tido o cuidado de observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, como já tivemos oportunidade de anteriormente referir.
Não o tendo feito, o recurso não pode ser recebido quanto a qualquer eventual impugnação factual, nos termos do referido artigo.
A prova produzida nos autos, também não justifica que a Relação altere a decisão proferida sobre a matéria de facto, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Assim, atento o facto demonstrado na alínea N) do acervo factual provado, a decisão prolatada quanto à questão que agora se analisa não merece censura.
Improcede, consequentemente, o recurso quanto ao seu penúltimo fundamento.
Concluindo, o recurso apenas procede parcialmente na parte relativa ao alegado direito à média do que foi pago como contrapartida do trabalho suplementar prestado em dias de descanso e feriados, nas retribuições de férias e subsídio de férias, respeitantes ao trabalho prestado em 2019.
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VIII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente, e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, condenando-se as Rés a pagarem ao Autor a quantia de € 394,96, respeitante à média do que foi pago como contrapartida do trabalho suplementar prestado em dias de descanso e feriados no ano de 2019, que deveria ter integrado a retribuição de férias e o seu subsidio, acrescida dos peticionados juros moratórios.
No mais, mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelas partes, na proporção do decaimento.
Notifique.
Évora, 25 de maio de 2023
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Mário Branco Coelho (2.º Adjunto)
__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho
[2] Realce da nossa responsabilidade.
[3] De acordo com a expressão “sem prejuízo da resolução supra, e pelos motivos indicados”, e, também pelo declarado nas alegações do recurso, designadamente o ponto 9 das mesmas, o Apelante assume que não constituiu fundamento para a rescisão o facto de ser credor da quantia total de € 53.849,78.
[4] Cfr. Pedro Furtado Martins, “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3.ª edição, pág. 534.
[5] Ver, a título de exemplo, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18/04/2007, P. 06S4282; de 13/11/2000, P. 2204/00; de 05/02/1998, P.3/97; de 11/02/1998, P. 141/97, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[6] Consultável em www.dgsi.pt.
[7] Com interesse, escreveu-se no Acórdão da Relação do Porto de 14/12/22, P. 4340/21.7T8MTS-A.P1, publicado em www.dgsi.pt:
«I - O trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º], sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º], bem assim se o direito está ser exercido tempestivamente, condição de que, também, depende a licitude da resolução.
II - Justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam percetíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos”, embora possa sugerir outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão.»
[8] Neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12/02/2013, P.2375/08.4TTLSB.L1.S1; de 03/04/2013, P. 241/08.2ttlsb.l1.s1; e, de 09/03/2017, P. 633/13.5TTVIS.C1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Acórdão da Relação de Évora, de 10/01/2013, P. 460/11.4TTSTB.E1, consultável em www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/06/2010, P. 108/07.1TTBRR.S1, publicado na base de dados da dgsi, onde se escreveu:
«XVII - A singela prova de que a Ré pagava à Autora, para além da retribuição base, uma quantia mensal discriminada no recibo de vencimento como subsídio de transporte e de que, mais tarde, passou a pagar-lhe uma outra quantia mensal, a título de ajudas de custo, deixando de lhe pagar o referido subsídio de transporte, não é idónea a ilidir a presunção constante do art. 249.º, n.º 3, do Código do Trabalho, pois que o que é determinante para a aferição da natureza das aludidas atribuições patrimoniais é, não a sua denominação, mas o fim a que se destinam.» (Realce da nossa responsabilidade)
[11] Neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30/03/2017, P. 2978/14.8TTLSB.L1.S1; de 23/06/2010, P. 607/07.5TTLSB.LL1.S1; de 05/06/2012,P. 2131/08.0TTLSB; Acórdão da Relação de Évora, de 28/06/2017, P. 1907/16.9T8PTM.E1; Acórdão da Relação do Porto de 24/01/2018, P. 568/17.2T8AVR.P1; e Acórdão da Relação de Guimarães de 18/01/2018, P. 2528/16.1T8GMR.G1, entre muitos outros, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[12] In “Curso do Direito do Trabalho”, 2.ª edição, pág. 382.
[13] Neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 16/02/2005, P.5655/2004-4,consultável em www.dgsi.pt.