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RECURSO
RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS
Sumário
I - Os recursos são considerados processos ou procedimentos autónomos para efeito de sujeição ao pagamento de custas. II - A responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo, sendo que o n.º 2 do artigo 527.º do CPC prevê de forma expressa o critério para determinar quem dá causa às custas do processo ou do processado autónomo, estatuindo ser a parte vencida, na proporção em que o for.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório
Notificada do acórdão proferido nos presentes autos, de 20-04-2023 - que julgou procedente a apelação interposta pela executada/opoente, revogando a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que, na procedência da oposição à penhora deduzida pela executada, determina que o agente de execução proceda ao levantamento da penhora em referência, com custas do incidente e do recurso pela apelada - veio a apelada/exequente, Fábrica da Igreja Paroquial de ..., requerer a reforma do acórdão e alterada a decisão proferida, no que respeita à condenação da exequente no pagamento das custas direitamente diz respeito, com todas as devidas e legais consequências.
Invoca para o efeito os seguintes fundamentos: «(…) 1º A Exequente, notificada da interposição de recurso de Apelação por parte da Executada no incidente de oposição à penhora que esta havia deduzido por apenso aos autos de execução, 2º Não apresentou contra-alegações de recurso, conforme dos autos melhor se alcança. 3º Também e no âmbito do recurso de Apelação deduzido pela Executada e Requerente do incidente de oposição à penhora, a Exequente não deduziu ou exercitou qualquer espécie de pronuncia, fosse a que titulo fosse contra as alegações de Apelação da Exequente. 4º Recurso esse de Apelação que, como os autos demonstram, foi tramitado sem qualquer espécie de intervenção, contra ou a favor da(s) tese(s) doutamente exposta(s) pela Executada. Aliás, 5º Após ter sido notificada da oposição à penhora e para contestar a mesma a Exequente logo invocou e salientou que “o litigio” não lhe dizia directamente respeito. 6º Invocou até a excepção da sua ilegitimidade por falta de interesse em agir, conforme deixou expresso em nºs 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 da sua Contestação que se encontra a fls._ dos autos – refª: ...39- e que por brevidade e economia processual aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos. 7º Circunstancia esta que aliás a própria Executada e Apelante bem deixou assinalado e reafirmado no texto das suas Alegações de Apelação. 8º E tudo isto na justa medida em que o que falta decidir no processo de execução para concluir a mesma e entregar o valor em falta de €.4.530,89, acrescido de juros é a questão relativa à fixação da denominada remuneração adicional da senhora AE. 9º Sendo a Exequente e aqui Reclamante, bem vistas as coisas, alheia a essa discussão e “litigio” que se mostra pendente entre a Executada e a pretensão da senhora AE de cobrar a dita “remuneração adicional”. 10º Daí que, a Exequente não ficou vencida, nada perdeu, com a decisão proferida por este Venerando Tribunal na parte em que revogou a Sentença proferida em 1ª Instância. 11º E se, nada perdeu e em nada ficou vencida, obviamente que também não se pode dizer, nem entender que a Exequente sofreu qualquer decaimento em razão da revogação da Sentença que tinha sido proferida em 1ª instancia. 12º Quem, eventualmente – porque ainda dependente da decisão judicial que vier a ser proferida relativamente à reclamação da nota e conta da execução elaborada e apresentada pela senhora AE – poderá ter perdido com a revogação da Sentença proferida em 1ª instancia é a senhora AE. 13º Importa até ainda acrescentar que não foi a Exequente quem decretou ou ordenou fosse penhorado o saldo da conta bancária da Executada. 14º Mas e sobretudo o que é manifesto é que a Exequente não elaborou e não apresentou nos autos contra-Alegações de Apelação. 15º E também é manifesto que a Exequente não tem nenhuma espécie de responsabilidade na decisão que foi proferida pelo senhor Juiz de 1ª instancia, a qual veio a ser objecto de recurso de Apelação pela Executada e oponente à penhora e, acabou sendo revogada nesta 2ª instancia. 16º Por isso, salvo o devido respeito, as custas, particularmente as custas decorrentes do recurso de Apelação, não deverão ser suportadas pela Exequente na medida em que a mesma não tendo apresentado contra-Alegações não foi vencida. 17º E, sobretudo porque independentemente do que pudesse ter sido decidido ou do que acabou a ser decidido no presente recurso e incidente, a Exequente continua a ter direito a receber o valor em falta de €.4.530,89 e juros, quantia essa que sempre será paga pela Executada, estando em causa nos autos de execução e, indirectamente neste incidente, o saber se a senhora AE tem ou não direito à remuneração adicional que reclama na nota de que a Executada, em seu tempo, apresentou reclamação. 18º Não parecendo, salvo o devido e merecido respeito, atenta a particularidade e o fundamento que esteve presente e subjacente ao recurso de apelação interposto – a Sentença judicial proferida em 1ª instancia – tal como o fundamento que esteve presente e subjacente à oposição à penhora do saldo da conta bancária e ainda, o fundamento que esteve presente e subjacente ao decretamento da penhora desse saldo da conta bancária – a pretensão da senhora AE a receber remuneração adicional no dito montante de €.4.530,89 – que possa a Exequente ser considerada vencida no recurso de Apelação: “O CPC consagra no seu art. 527º, em matéria de custas, como trave mestra, o princípio da causalidade, segundo o qual a incumbência do respectivo pagamento recairá sobre a parte que lhes der causa, ou na ausência de vencimento, sobre quem do processo tira proveito.” – in Ac. do S.T.J. de 24.02.2015: Proc.116/14.6YLSB.dgsi.net – (…)».
A apelante - Banco 1..., S. A., - e o Ministério Público nada disseram.
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Nos termos previstos no artigo 666.º, n.º 2 do CPC, a retificação ou reforma do acórdão, são decididas em conferência.
II. Os factos
1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I; atento o teor da reforma suscitada, atender-se-á ainda ao teor do acórdão proferido nos presentes autos - de 20-04-2023 - que aqui se dá por reproduzido.
III. Fundamentação de direito
Em regra, o poder jurisdicional do julgador esgota-se com a prolação da decisão, conforme decorre do estatuído no artigo 613.º, n.º 1, do CPC, aplicável à 2.ª instância por força do disposto no artigo 666.º, n.º 1, do referido Código.
Porém, em determinadas circunstâncias, é lícito ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a decisão, conforme decorre dos artigos 613.º, n.º 2, 614.º, 615.º, 616.º e 617.º, n.ºs 1, 2 e 6, do indicado Código, aplicáveis por força do citado artigo 666.º, n.º 1, do CPC.
Sob a epígrafe «Reforma da sentença», dispõe o mencionado artigo 616.º do CPC:
1 - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3. 2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:
a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
3 - Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação.
Extrai-se da análise deste preceito que a decisão só poderá ser reformada quanto a custas e multa (n.º 1) ou, desde que não admita recurso, se tiver ocorridomanifesto lapso do juiz (n.º 2).
No caso em apreciação, resulta indiscutível que o acórdão em referência, na parte em que condenou em custas, não é suscetível de recurso de revista, visto o disposto no artigo 629.º, n.º 1 do CPC, nem o mesmo foi interposto pela ora requerente - pelo que o pedido de reforma quanto a custas deve ser deduzido autonomamente perante este Tribunal da Relação, nos termos previstos nos artigos 613.º, 616.º, n.ºs 1 e 3, e 666.º do CPC.
No caso, a recorrida vem suscitar a reforma do acórdão proferido por esta Relação, de 20-04-2023, no que concerne ao segmento decisório referente às custas, defendendo que não lhe cabe suportar as custas, particularmente as custas decorrentes do recurso de apelação, na medida em que não apresentou contra-alegações e, por isso, não deve ser considerada parte vencida, mais alegando, no essencial, que, independentemente do que pudesse ter sido decidido ou do que acabou a ser decidido no presente recurso e no incidente, a exequente/aqui recorrida, continua a ter direito a receber o valor em falta na execução, de 4.530,89€ e juros, quantia essa que sempre será paga pela executada, estando em causa nos autos de execução e, indiretamente neste incidente, o saber se a senhora AE tem ou não direito à remuneração adicional que reclama na nota de que a executada, em seu tempo, apresentou reclamação.
Tal como salientam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[1], em anotação ao citado artigo 616.º do CPC, «a decisão sobre custas pode não ter respeitado alguma das normas dos arts. 527 a 541 ou de legislação avulsa (por exemplo, o art. 20 LAP, n.ºs 2 e 4). Pode, por isso, qualquer das partes pedir a sua modificação, de modo a observarem-se as normas aplicáveis na matéria».
Importa, assim, aferir se a ponderação das circunstâncias do incidente de oposição à penhora, cuja decisão foi objeto de recurso, e as concretas incidências referentes à apelação em análise, impunham diferente imputação das custas, no sentido de não poder a exequente/recorrida ser considerada parte vencida e, por isso, não dever ser responsabilizada pelas custas do incidente e da apelação.
Sucede que as circunstâncias do incidente de oposição à penhora, cuja decisão foi objeto de recurso, bem como as concretas incidências referentes à apelação em análise, foram oportunamente ponderadas por esta Relação, em conjunto com as regras legais aplicáveis em matéria de custas, permitindo alcançar, por meio de um nexo lógico fundamentado, o sentido decisório assumido no acórdão reclamado relativamente à imputação das custas à apelada/exequente, quer no incidente autónomo, quer no recurso.
Assim, este Tribunal da Relação entendeu, como continua a entender, que a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo, sendo que o n.º 2 do artigo 527.º do CPC prevê de forma expressa o critério para determinar quem dá causa às custas do processo ou do processado autónomo, estatuindo ser a parte vencida, na proporção em que o for.
Com efeito, no que se reporta às regras que disciplinam as questões relativas à determinação dos responsáveis pelas custas e à repartição dessa responsabilidade em função do julgado - que deve constar da decisão que julgue a ação (artigo 607.º, n.º 6 do CPC), o incidente ou recurso - importa considerar o artigo 527.º do CPC, enquanto preceito essencial, o qual, com a epígrafe «regra geral em matéria de custas», estabelece o seguinte:
1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
3 - No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas».
Tal como resulta da regra enunciada no n.º 1 do citado preceito legal, a responsabilidade por custas assenta no princípio da causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo.
Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
Como refere Salvador da Costa[2], a propósito do preceito legal em apreciação, «prevê o n.º 2 a regra sobre quem dá causa às custas do processo, e estatui ser a parte vencida, na proporção em que o for.
Trata-se do referido princípio da causalidade, em que um nexo objetivo liga a conduta de quem aciona ou é acionado à lide respetiva. Dir-se-á que a condição de vencido é que determina a condenação no pagamento de custas».
Deste modo, «o critério para determinar quem dá causa à acção, incidente ou recurso prescinde, em princípio, de qualquer indagação autónoma: dá-lhe causa quem perde. (…) [n]o caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento»[3].
Assim, «à responsabilidade pelo pagamento das custas é indiferente a ideia de culpa relativamente à ocorrência do litígio. Culpada ou não pelo facto de o tribunal ser chamado a dirimir um conflito de interesses, é a parte vencida ou, não existindo vencimento, a parte que da acção retira o proveito, que deve suportar os encargos derivados dessa intervenção, sem qualquer gravame que reflicta a maior ou menor quota de responsabilidade pela génese do processo»[4].
Ora, incidente de oposição à penhora é o meio de reação à penhora objetivamente ilegal, cujos fundamentos estão taxativamente previstos no artigo 784.º do CPC, e «tem como pressuposto a penhora de bens do executado e não de terceiro (…), sendo o pedido formulado o de levantamento total ou parcial da penhora efetuada. Neste incidente não se discute a ilegalidade subjetiva da penhora, mas a sua ilegalidade objetiva, visto que, pertencendo, embora, ao executado aquilo que foi penhorado, se questiona a penhorabilidade do bem em si, a medida em que a penhora se realizou, a sua oportunidade ou a eventual impenhorabilidade para a satisfação da concreta dívida exequenda»[5].
Por outro lado, os recursos são considerados processos ou procedimentos autónomos para efeito de sujeição ao pagamento de custas stricto sensu e de taxa de justiça, conforme resulta do disposto nos artigos 527.º, n.º 1 e 529.º, n. º1, ambos do CPC e artigo 1.º, n.º 2 e 6.º, n.ºs 1 e 2 e 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, funcionando o princípio da autonomia[6].
A este propósito, salienta Salvador da Costa, em comentário ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Dezembro de 2018[7]: «conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 527.º do CPC, e do n.º 2 do artigo 1.º do RCP, os recursos são considerados processos autónomos para efeitos de custas. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção. Como A, recorrente, teve êxito no recurso, e B, recorrido, foi por ele negativamente afetado, este é a parte vencida e, consequentemente, deu causa as custas concernentes, conforme a referida presunção. Em consequência, (…) o recorrido B, porque vencido no recurso, apesar de não ter contra-alegado, é o responsável pelo pagamento das custas respetivas, pelo que devia ter sido condenado no seu pagamento».
No caso vertente, como a apelação foi julgada procedente, com a consequente revogação da sentença proferida em 1.ª instância e sua substituição por outra que, na procedência da oposição à penhora deduzida pela executada, determinou que o agente de execução procedesse ao levantamento da penhora em causa, o acórdão reclamado concluiu que as custas são integralmente da responsabilidade da exequente/apelada, por ser a parte vencida no incidente e no recurso em referência, conclusão que agora se reitera atenta a referida presunção e apesar de a recorrida não ter contra-alegado no recurso.
Pelo exposto, mostrando-se correta a decisão proferida quanto a custas, improcede a suscitada reforma do acórdão proferido nos presentes autos (de 20-04-2023). IV. Deliberação
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o pedido de reforma do acórdão formulado pela recorrida, mantendo o decidido quanto a custas no acórdão de 20-04-2023.
Custas pela recorrida/ora requerente, fixando-se em 0,25 UC a correspondente taxa de justiça, nos termos do artigo 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais e respetiva tabela II anexa.
Guimarães, 15 de junho de 2023
(Acórdão assinado digitalmente)
Paulo Reis
(Juiz Desembargador - relator)
Luísa Duarte Ramos
(Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Eva Almeida
(Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)
[1]Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 741. [2]As Custas Processuais, Análise e Comentário, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 8. [3]Cf. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre - Obra citada -, p. 419. [4]Cf. Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Volume, Coimbra, Almedina, 1998, p. 177. [5]Cf., Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 178. [6]Cf. o Ac. do STJ de 29-03-2022 (relator: Fernando Jorge Dias, p. 3396/14.3T8GMR.2. G1. S1, disponível em www.dgsi.pt. [7] No texto “Custas a final pela parte vencida (2)” - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.11.2018, (Jurisprudência 2018 (202)), disponível no Blog do Instituto Português do Processo Civil - IPPC, em https://blogippc.blogspot.com/, p. 5.