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ARRENDAMENTO PARA FIM NÃO HABITACIONAL
ACTUALIZAÇÃO DE RENDA
Sumário
1 – Ao contrato de arrendamento, celebrado para um fim não habitacional, anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de setembro, é aplicável o regime decorrente da Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o NRAU, onde se estabeleceu, além do mais, um regime especial de transição para o NRAU e de atualização das rendas antigas. 2 – A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem da iniciativa do senhorio e a comunicação deve cumprir os requisitos estabelecidos no artigo 50º do NRAU, destacando-se a necessidade de o senhorio enviar ao arrendatário, nessa comunicação, uma cópia da caderneta predial urbana e a indicação do valor do local arrendado, avaliado nos termos do art. 38º e segs. do CIMI, em conformidade com o que consta daquela caderneta. 3 – A razão de ser da exigência da comunicação do valor do locado, avaliado nos termos do art. 38º e segs. do CIMI, prende-se com a possibilidade desse valor vir a ser determinante no cálculo da renda, nas situações previstas nos arts. 33º, nº 2, als. a) e b), e 54º, nº 2, do NRAU. 4 – A falta dos requisitos previstos no art. 50º do NRAU ou o não cumprimento das regras relativas à forma e ao destinatário da comunicação têm como consequência a sua ineficácia, tudo se passando como se a mesma não tivesse sido feita. 5 – Não é ineficaz a comunicação da declaração negocial de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e de atualização extraordinária da renda, acompanhada por uma cópia da caderneta predial urbana e a indicação do valor do local arrendado, avaliado nos termos do art. 38º e segs. do CIMI, em conformidade com o que consta daquela caderneta, na qual as cinco divisões que compõem o arrendado são indicadas «com utilização independente» e designadas por «E1, L2, L5, L6 e L7», designações até então não utilizadas em declarações negociais no âmbito da cedência do gozo temporário do prédio, mas que correspondem à realidade física do locado, que se encontra objetivamente subdividido em várias unidades (espaços ou divisões), no âmbito da atividade comercial desenvolvida pela arrendatária com recurso a todas essas divisões, as quais não necessitam de ter efetiva autonomia económica ou de reunir os requisitos legais para integrarem frações autónomas em regime de propriedade horizontal.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório
1.1. J..., Lda., intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra C..., Lda., formulando os seguintes pedidos:
«a) Ser declarada a ineficácia da comunicação da R. deiniciativa de transição para o NRAU e actualização darenda nos termos do NRAU, datada de 01-10-2019, e emconsequência ser a R. condenada a restituir à A. o montante das rendas mensais que esta houver pago desdejaneiro de 2020, inclusive, no excedente ao valor mensal de 389,00€, sendo o já pago em excesso até ao presente de2.153,76€. b) Sem prescindir, subsidiariamente, para hipótese de seconsiderar que a comunicação inicial da R. é eficaz, deve ser corrigido para 350,11€ o valor da renda mensalatualizado máximo legal, desde a renda vencida em 01-01-2020, por submissão dos normativos aplicáveis (artº 35ºnº2 als. a) e b) ex vi artº 54º nº2 NRAU) aos limites doabuso do direito, conforme enunciado nos artºs 62 a69 supra, condenando-se a R a restituir à A. o montante dasrendas mensais que esta houver pago desde janeiro de2020, inclusive, no excedente a esse valor mensal de350,11€, sendo o já pago em excesso até ao presente de2.309,32€.»
Para o efeito, alegou ser arrendatária de várias divisões com utilização independente, do prédio urbano composto de 3 pisos e logradouro, na Rua ... e no Largo ..., freguesia ... e ..., em ..., inscrito na matriz urbana sob o atual artigo ...01, sendo a Ré a atual locadora.
Mais alegou que a Ré, para sujeitar a Autora ao regime jurídico do NRAU, procedeu a comunicação imprecisa e lacunosa, quer porque emitida por referência a elementos tributários das partes arrendadas que foram obtidos por comunicação falseada pelos antecessores da Ré à Autoridade Tributária, mormente a autonomização física das partes arrendadas e a sua afetação, com o intuito de aumentar o valor do locado. Em todo o caso, mesmo que se considere a comunicação apta à transição para o NRAU, sustenta a Autora que a real identificação e afetação das partes locadas determina uma diminuição da renda.
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A Ré apresentou contestação, alegando, em síntese, que o valor da renda atual é o devido em função da eficaz sujeição da relação arrendatícia entre Autora e Ré às normas do NRAU.
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1.2. Convocada a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, definiu-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença a julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência, a absolver a Ré dos pedidos.
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1.3. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem na parte relevante[1]:
«1) - A A. propôs esta ação em 21-04-2020, alegando, em síntese, que (…).
23) – O OBJECTO DO RECURSO:
Pretende a Recorrente:
- que se reaprecie a matéria de facto dada como “não provada”, dando como “provado” o essencial dos 8 fatos numerados 5 e 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12, com as redação abaixo sugerida em C.1.a.2 e C.1.b.5,
- que se reaprecie a matéria dos Factos Provados D, Q e R, retificando-se parcialmente, nos termos sugeridos em C.2-b)
- que se julgue ineficaz a comunicação de transição para o NRAU e de atualização da renda ou, se julgada eficaz, que se atenda o pedido subsidiário, considerando-se o valor reduzido dos armazéns, e, procedendo esta impugnação, como séria e fundadamente se espera, seja revogada a douta sentença que julgou a ação improcedente, substituindo-a por outra que, com todas as consequências legais, julgue procedentes os pedidos, principal e subsidiário, formulados na PI.
24) A Recorrente considera incorretamente julgado o Facto Não Provado 5, com o seguinte teor:
“5. A autora nunca tomara conhecimento da discriminação do prédio em divisões alegadamente “com utilização independente” identificadas por aquele modo abstrato, não conseguindo identificar no prédio os espaços a que pudessem referir-se cada uma das designações E1, L2, L5, L6 e L7 constantes da carta e da caderneta.”
Considera a Recorrente, com fundamento
- Na falta de qualquer prova em contrário, dar aquele facto por “provado” é a única ilação compatível com a parte final do Facto Provado G, onde o Tribunal exarou que aquelas designações das partes locadas pelas letras e nºs E1, L2, L5, L6 e L7, até então, não haviam sido utilizadas em declarações negociais no âmbito da cedência do gozo temporário do prédio, seja, no âmbito do arrendamento.
E, por outro lado, a forma como aquelas designações inovadoras foram comunicadas pela carta de 30-09-2019, mais as obscureceram, no sentido de dificultar a perceção da Recorrente: (i) a referência errada/falsa a uma parte afeta a serviços, (ii) a errada/falsa autonomização desse espaço e do designado por L6, por criar maior confusão quanto às áreas e quanto à composição (logradouro) e (iii) a falta de indicação dos nºs de polícia.
Quanto aos nºs de polícia, se a tirania informática não permitia que os nºs de polícia constassem da caderneta, na identificação das partes suscetíveis de utilização independente, então, era devida a anexação de uma planta (como oportunamente o foi para a AT) ou outro tipo de descrição percetível na carta, para suprimento.
Assim, conforme C.1.a.2 o Facto 5 deverá julgar-se provado, com a seguinte redação:
A autora nunca tomara conhecimento das designações E1, L2, L5, L6 e L7 constantes da carta de 30-09-2019 e da caderneta anexa, na discriminação do prédio em divisões alegadamente “com utilização independente”, não conseguindo identificar no prédio os espaços a que pudessem referir-se cada uma daquelas designações.
25) A recorrente considera incorreta a decisão que julgou não provados os factos 6 e 7, 8 e 9, e 10 e 11, por ter desconsiderado que a Autora só exercia o comércio, com a porta aberta, nos horários de abertura do comércio na loja do nº 34 da Rua ... e de que os restantes espaços no Largo ..., ...) eram usados pela autora apenas para armazém, à porta fechada, de artigos com escassa saída cuja comercialização era promovida nas lojas dos nºs 34 e .../... de polícia da Rua ... ou do ..., com menção de que aqueles de L7 e L5 têm correspondência com os do Facto Provado B, espaço afeto a armazém desde 1967, conforme o contrato/escritura então celebrado, e os de E1 e L6 têm correspondência com os do Facto Provado D:
Na verdade, a decisão impugnada julgou não provados os seguintes factos (6, 7, 8, 9, 10 e 11):
6. No prédio referido em A, a autora só tem o gozo de uma divisão com acesso pela Rua ..., mas pelo nº 34 e não pelo n.º 36, e só a essa é que destina ao comércio.
7. Face à planta referida em P, o espaço identificado como L2, que tem acesso pela Rua ..., é a única parte do prédio no gozo da autora na qual esta exerce o comércio.
8. Os espaços designados na planta referida em P por L5 e L7 são usados pela autora apenas para armazenagem e correspondem aos identificados no documento referido em B, estando afetos a armazenamento ininterruptamente desde 1967.
9. Destinam-se o L5 e L7 a arrumação manual e guarda, à porta fechada, de materiais, ferramentas, equipamentos, e móveis que não têm pronta saída, pela possibilidade de serem necessários ao abastecimento das 2 lojas comerciais da autora, ali próximas, mas não contíguas, uma na Rua ..., e a outra nos nºs 29/31 de um outro prédio sito na mesma rua.
10. A planta designa por E1 e L6 espaços não demarcados nem separáveis um do outro.
11. Os espaços designados na planta referida em P por E1 e L6 vêm a ser utilizados há mais de 50 anos, ininterruptamente, com o conhecimento da ré e senhorios antecedentes, para arrumação manual e guarda, à porta fechada, de materiais, ferramentas, equipamentos e móveis que não têm pronta saída, pela possibilidade de serem necessários ao abastecimento das duas referidas lojas comerciais da locatária, não contíguas, instaladas na Rua ....
(i) – Considerando as passagens das gravações acima identificadas e transcritas, em C.1.b.1, dos depoimentos das testemunhas AA (trabalhador da Autora desde 1999), BB (trabalhador doutra empresa de que é sócio o gerente da Autora, desde 2021), CC (Trabalhador do estabelecimento hoje da Autora, entre 63 e 71), DD (ex-sócio da Autora), EE (Trabalhador do estabelecimento hoje da Autora, entre 62/63 e 2000), arroladas pela Autora e, FF, indicada pela Ré e mãe do seu gerente;
(ii) – Porque resulta que ao julgar não provados os factos 6, 7, 8, 9, 10 e 11, o Tribunal cai no absurdo de tratar espaços com acesso estreito e por degraus (no caso de E1 com 26 degraus em pedra) e nas traseiras do prédio (planta do doc. ... e Factos provados Q e R) com o mesmo VPT e, assim, com a mesma renda por m2 da loja do nº 34 de polícia, com acesso direto à Rua ..., apesar da manifesta diferença de valores entre aqueles espaços e esta loja, diferença, por certo superior a 100%;
(iii) Porque, quanto à correspondência dos nºs de polícia, ocorre o acordo das partes, pois estes foram alegados pela Autora nos art.ºs 20, 21, 23 e 24, não foram impugnados pela Ré, têm apoio parcial no Facto Provado D e puderam ser verificados na Inspeção Judicial, na audiência de julgamento;
(iv) E porque ainda deverá atentar-se, quanto à destinação dos espaços dos nºs de polícia ..., ... e ..., agora designados por L7 e L6 (r/c coberto) a armazém de materiais de construção civil, que é isso que consta da escritura de 1967 do (Facto Provado B), referente a esses espaços,
Os Factos 6, 7, 8, 9, 10 e 11 deverão julgar-se provados, com a seguinte redação:
6. e 7 - No prédio referido em A, a autora só tem o gozo de uma divisão com acesso direto à Rua ..., e só essa é que destina ao comércio, à porta aberta, nos horários de abertura do comércio;
8 e 9. Os espaços designados na planta referida em P por L5 (nºs 9 e 11) e L7 (nº 5), também referidos no Facto Provado Q, no Largo ..., são usados pela autora apenas para armazém, à porta fechada, de artigos com escassa saída, cuja comercialização é promovida nas lojas dos nºs 34 e .../... de polícia da Rua ... ou do ..., e correspondem a parte dos identificados no documento referido no Facto Provado B, estando afetos a armazém desde 1967; e
10 e 11 - Os espaços designados na planta referida em P por E1 e L 6, também referidos no Facto Provado R, no Largo ..., são usados pela Autora, desde antes da década de 1990, para armazém, à porta fechada, de artigos com escassa saída, cuja comercialização é promovida nas lojas dos nºs 34 e .../... de polícia da Rua ... ou do ..., e correspondem aos identificados no documento referido no Facto Provado D.
26) A recorrente considera parcialmente incorreta a decisão que julgou os Factos Provados D, Q e R (acima C2).
Estes concretos pontos de facto foram julgados com o seguinte teor:
D. Por escritura pública de 17.1.1985, GG e HH, II e HH e JJ e HH, todos menores representados no ato por JJ, deram de arrendamento à autora, pelo prazo de um ano renovável, no prédio sito na Rua ..., ... para o Largo ..., “três lojas ou salas nas traseiras do referido prédio, sendo uma no ..., uma no ... e outra no ... andar da parte confinante com o referido Largo ..., com serventia pelo corredor de acesso pela Rua ... e também pelo referido Largo ...”, destinando-se o local arrendado ao “exercício do comércio de mobílias”.
Q. Os espaços designados na planta referida em P por L5 e L7 – com acesso estreito e provido de degraus – têm, também, acesso pelo Largo ....
R. A planta referida em P designa por E1 e L6 partes do prédio com acessos comuns, sendo um destes pelo Largo ..., por escadas desde o logradouro comum aos 1º e 2º andares.
(i) Considerando que, na própria escritura de 1985, depois de se ter exarado, na identificação do locado, que os 3 espaços locados tinham “serventia pelo corredor de acesso pela Rua ... e também pelo referido Largo ...” e no artigo Sexto que “o arrendatário tem direito a utilizar a casa de banho existente no ... andar” (anexa à caixa de escadas central do prédio, do nº 36 de polícia da Rua ... (atual Rua ...), tudo isso foi revertido e se retificou, nas penúltima e última páginas, onde:
sob a al. A), se exarou que “Fica sem qualquer efeito o disposto no artigo sexto deste contrato” e,
sob a alínea B), ”Que a arrendatária apenas tem direito de serventia pelo Largo ... e não pelo corredor de acesso do lado da Rua ....
Ora, o Mmo Juiz não refere qualquer elemento de prova em contrário a esse encerramento consagrado em documento autêntico, apesar de tal documento gozar da proteção reforçada dos art.ºs 369º. 370º e 394º do Cód. Civil – cuja impugnação sempre exigiria uma especial justificação e menção de elementos de prova com força probatória também justificada
(ii) – Considerando ainda as passagens das gravações acima identificadas e transcritas, em C.2.a.2 dos depoimentos da testemunha AA, que trabalhou para a autora desde 1999 (gravação, aos 01:26 minutos) declarou (aos 5, 25 minutos) que no seu tempo o locado já não compreendia as salas para exposição de mobílias no ... andar, com vista para a Rua .../..., e descreveu o percurso possível entre a Rua ... e os espaços no Largo ..., através da loja do nº 5 de polícia (L7) deste Largo ..., ...), da testemunha DD, antigo sócio da Autora que afirmou que o arrendamento de 1982, das salas onde atualmente está o dentista, só durou 2 ou 3 anos (minutos 02:01 a 03:08) e que, depois, com o arrendamento do espaço agora designado por E1 o acesso à Caixa central do prédio lhes foi vedado (05:02 a 05:13) e a testemunha KK afirmou que a exposição de mobílias no espaço E1 durou 3 ou 4 anos, dizendo que o DD, seu cunhado, a levou a ver a exposição, já na sala do ... andar, do lado do Largo ... (minutos 7:00 a 8:00);
(iii) Aliás, as redações impugnadas do final do Facto Provado D e dos Factos Provados Q e R apenas se compreendem pela demora, de mais de um ano, entre a audiência de julgamento, data da Inspeção Judicial, e a sentença, pois naquela Inspeção, o Mmo Juiz subiu pela escada exterior no logradouro do espaço designado por L6, nas traseiras do prédio, Largo ..., até ao espaço E1 e dentro deste foi até à antiga porta de acesso à caixa de escadas central do prédio que tinha permitido o acesso pelo nº ...2 da Rua .../..., tendo verificado que esta se encontrava encerrada, de modo que não permitia o antigo acesso àquela rua.
Assim, em resultado da convergência de todos os meios de prova que vêm de ser identificados nesta Conclusão, deve decidir-se a correção dos Factos Provados D, Q e R, no sentido de que os espaços designados por E1, L6 e L5 só tinham acesso à via pública pelo Largo ... (sendo o E1 através do L6), ajustando-se a redação daqueles factos nos termos seguintes:
- D. Por escritura pública de 17.1.1985, GG e HH, II e HH e JJ e HH, todos menores representados no ato por JJ, deram de arrendamento à autora, pelo prazo de um ano renovável, no prédio sito na Rua ..., ... para o Largo ..., “três lojas ou salas nas traseiras do referido prédio, sendo uma no ..., uma no ... e outra no ... andar da parte confinante com o referido Largo ..., com eliminação da serventia pelo corredor de acesso pela Rua ..., como exarado na parte final da dita escritura, e, assim, acesso exclusivo à via pública pelo Largo ...”, com indicação de que o local arrendado se destinava ao “exercício do comércio de mobílias”.
FUNDAMENTOS DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE DIREITO:
27) Nos presentes autos discute-se se a comunicação que a Recorrida fez á Recorrente para a transição do contrato de arrendamento para o NRAU e para a atualização da renda foi ou não eficaz e, sendo válida, se deve diferenciar-se – e como – o valor m2 de cada uma das partes localizadas nas traseiras do prédio designados por E1, L5, L6 e L7, suscetíveis de utilização independente, levando em conta ainda que a afetação indicada do espaço E1 (serviço) está errada e que os mesmos espaços E1 e L6, porque o acesso daquele à via pública apenas é viável através deste último, constituem uma parte do prédio que só é suscetível de permitir uma única utilização independente, não podendo, por isso, autonomizar-se em dois VPT distintos.
28) O tribunal a quo considerou que a Recorrida, ao ter anexado à comunicação a caderneta predial, fez o bastante para tornar a comunicação percetível e, por isso, eficaz.
A R não fez à Autora a comunicação com as indicações previstas no artº 50º do NRAU, pois não identificou devidamente o locado.
As inovadoras designações adotadas (E1, L2, L5, L6e L7), sem nºs de polícia, ainda mais obscurecidas pela indicação de uma parte (E1) alegadamente suscetível de utilização independente falsamente destinada a serviços e indevidamente autonomizada do espaço (L6) com o qual construía uma única parte suscetível de utilização independente, indicava, por isso, áreas irreais.
E o facto de as designações L7 e L5, ambas no piso 0 divergirem nas áreas privativas indicadas em apenas 0,16m2 (47,30m2 quanto a L5 e 47,14 m2 quanto a L7), adensava a confusão.
Também contribuiu para essa confusão a indicação de todos os espaços como se fossem lojas comerciais, e assim, atribuindo o mesmo coeficiente de afetação (determinativo do mesmo valor de mercado) à loja comercial de porta aberta do espaço nobre do nº 34 de polícia da Rua ... e aos armazéns tipo arrecadações das traseiras e do ... andar (ainda parecendo uma cozinha) no ... ou, melhor, Beco ...
Ora porque a determinação da renda única do locado (Facto Provado E) exige a identificação e cálculo do VPT de cada uma das partes locadas do prédio suscetível de utilização independente, a correta identificação de cada uma das partes há ser requisito da eficácia da comunicação exigida pelo artº 50º do NRAU, devendo essa identificação ser disponibilizada pela carta, se a caderneta predial não se mostrar capaz para o efeito.
Só com a planta do prédio que acabou por ser disponibilizada à Autora em fevereiro de 2020 ou um esquisso ou outro modo de esclarecimento com efeito equivalente com a representação ou descrição das várias divisões, em confronto com a caderneta predial, era possível identificar cada uma das partes do prédio que se pretendiam identificar na caderneta predial e que permitiriam calcular discriminadamente os valores patrimoniais parcelares de cujo somatório resultaria o VPT do locado e, consequentemente, a renda atualizada. A própria AT só conseguiu identificar as frações de utilização independente com aquela carta que lhe foi entregue pelo proprietário, em 2018,
A comunicação foi Inovadora, imprevista e obscura porque, além do mais, como se julgou no Facto Provado G, as designações das partes locadas pelas letras e nºs E1, L2, L5, L6 e L7 até então, não haviam sido utilizadas em declarações negociais no âmbito da cedência do gozo temporário do prédio, seja, no âmbito do arrendamento
29) Confusões da comunicação (quer a carta quer a caderneta):
- Sob a designação E1, a caderneta (sem correção da carta) indicava como integrando o locado um espaço destinado a serviços e localizada no piso 2, com a área de com a área bruta privativa, apenas coberta, de 109,67m², apesar de esse espaço não ser capaz de utilização independente, conforme o Facto Provado K, a Autora não ocupava qualquer espaço do prédio destinado a serviços.
- Sob a designação L6, a caderneta predial e a carta que a capeava identificavam um espaço destinado a comércio, nos pisos 0 e 1, com a área bruta privativa de 295,47m2 e terreno integrante com a área de 72,70m2, apesar de esse espaço só unido ao espaço E1 ser capaz de utilização independente.
- Da confrontação das ditas carta de 30-09-2019 e caderneta predial com a planta disponibilizada à Autora em fevereiro de 2020 e que constitui o doc. ... junto à PI, verifica-se que os espaços identificados como E1 e L6, não comunicando com qualquer dos outros espaços referidos como integrantes do locado (L2, L5 e L7), nem com qualquer parte comum a outras partes, pois só têm acesso à via pública pelos nºs de polícia ...7 e ... do Largo ..., referidos no artº 24 da PI, acessos que, conforme a dita planta, pertencem ao espaço naqueles documentos designado por L6,
- nomeadamente, o espaço designado por E1 não tem acesso à escada comum central do prédio – e isso lhe retira a possibilidade de autonomização, que gera a confusão - pois a porta que permitira tal acesso foi ENCERRADA desde a escritura de 1985, na retificação que consta da sua parte final – razão pela qual já consta acima, do final da conclusão 26 que o arrendamento de 1985 se fez com eliminação da serventia pelo corredor de acesso pela Rua ... e, assim, com acesso exclusivo à via pública pelo Largo ...”.
30) - Ainda outras confusões da comunicação:
- Porque o espaço designado E1 não tem acesso direto ou indireto à via pública senão, mas só através do espaço designado na caderneta por L6, apenas o seu conjunto constitui uma parte do prédio “suscetível de utilização independente”, pelo que a respetiva autonomização operada pela caderneta predial e pela comunicação de 30-09-2019 que a capeou, sem qualquer reparo, constituiu fator de perturbação e de insegurança sobre as frações locadas objeto da comunicação do novo contrato, no procedimento de transição para o novo contrato e de fixação da renda atualizada.
Aliás, face ao disposto no artº 40-A do CIMI, que veio estabelecer o coeficiente de ajustamento de áreas, o VPT de um imóvel fração ou unidade suscetível de utilização independente é sujeito a um fator ou coeficiente de redução em função da sua área, pelo que o VPT dos espaços designados por E1 e L6 resultou maior (sujeitando a Autora a uma renda mais elevada), por ser calculado separadamente, prejudicando o efeito daquele normativo do artº 40-A do CIMI
De modo que pelas indevidas afetação do espaço E1 e autonomização dos espaços designados por E1 e L6 a comunicação de 30-09-2019 não apenas careceu rigor como resultou incorreta,
31) - Ao contrário do ajuizado na sentença, que desconsidera a errada indicação da afetação do espaço designado por E1, para serviços, em vez de comércio, por, no impugnado entendimento do Tribunal, resultar menor VPT – favorável à Autora –, no acórdão do STJ de 18-09-2018, Processo 8346/15.7T8LSB.L1.S1, em que, na comunicação e na caderneta predial, se omitiu um sótão que integrava o locado, e no acórdão da Relação de Guimarães de 03-10-2019, Processo 690/16.2T8VVD.G1, em que se omitiu um logradouro, foi julgado que, para aquela falta de rigor, que gera ineficácia, nem importa que o erro ou omissão seja favorável ao locatário.
Tais confusões são relevantes, pois, conforme julgado no dito acórdão da Relação de Guimarães de 03-10-2019, é imperioso que a comunicação inicial de início do processo negocial seja imaculada, ou seja, não contenha qualquer omissão ou imprecisão relativamente aos elementos essenciais do contrato, sob pena de ineficácia.
E o STJ, no Acórdão de 24 de Maio de 2018, Processo 1848/16.0YLPRT.L1.S2, julgou:
“A razão da complexidade do processo de atualização das rendas nos contratos anteriores a 1990 prende-se com o facto de, por um lado, não se tratar de um mero aumento da renda, pois que em causa está também a negociação de um novo contrato integrado num verdadeiro processo negocial obrigatório, e, por outro lado, com a necessária e articulada conjugação entre o mercado do arrendamento e a avaliação fiscal do património a tributar.
Em função dessa complexidade é evidente a exigência do cumprimento rigoroso dos critérios objetivos fixados pelo legislador.
32) Por outro lado, como também se julgou no acórdão da Relação de Guimarães de 03-10-2019, Processo 690/16.2T8VVD.G1, embora o locatário tenha a faculdade de, no prazo do artº 31º.1 do NRAU reclamar de qualquer incorreção na inscrição matricial do locado (nº 6 do dito artº 31º), nos termos do disposto no artigo 130.º do CIMI, junto do serviço de finanças competente, renunciando, assim, a ineficácia da comunicação, trata-se “de uma faculdade do arrendatário, e não de um dever do mesmo. Assim, nenhuma consequência pode resultar, como pretende o recorrente, do não uso de uma mera faculdade”.
33) E aqueloutro acórdão do STJ de 18-09-2018, Processo 8346/15.7T8LSB.L1.S1, no seu relatório, julgou que, para ser eficaz, não bastava que a comunicação do senhorio preenchesse os requisitos do artº 50º do NRAU, por também ser necessário que, no caso concreto, não se incluísse qualquer elemento de perturbação ou de insegurança quanto ao efetivo valor do locado: “Importa, por outro lado, notar que a situação em análise não se resume à mera inclusão, naquela comunicação, de conteúdos que foram imprevistos pelo legislador no sobredito artigo 50.º do NRAU, integrando, antes, a introdução de um elemento gerador de perturbação e insegurança quanto ao efectivo valor do locado, o que, em bom rigor, consubstancia um cumprimento defeituoso de uma indicação ali exigida.”
Aditando ainda:
“Não se olvida que a recorrida respondeu à missiva em questão (…). Porém, tal resposta não tem o condão de reverter a ineficácia da comunicação remetida pela recorrente, já que, como vimos, a mesma padece, ab initio, de um vício estrutural”
34) É certo que o Mmo Juiz, na motivação da decisão da matéria de facto relativa aos Factos Provados Q e R, referindo a Inspeção Judicial, na qual, a esse propósito, muito irregularmente nada se exarou na ata, escreveu:
- …”daquilo que no local se observou, resulta que, com exceção das lojas que deitam diretamente para o exterior, a todas as demais divisões do prédio se pode aceder a pé (naturalmente, pois tratam-se de divisões de um edifício antigo), muitas vezes por corredores mais ou menos estreitos, e eventualmente com recurso a lanços de escadas, indistintamente, quer pela Rua ... quer pelo Largo ... (aliás, aquando da inquirição no local, o tribunal chegou a todas as divisões em causa nos autos acedendo ao edifício pela Rua ... e abandonando-o pelo Largo ..., onde se procedeu à inquirição das testemunhas).”
Mas esse erro só resulta de – muito irregularmente - nada se ter apontado na ata sobre a inspeção e de a sentença ter sido proferida mais de um ano após:
A real travessia da Rua ... para o Largo ... que o Tribunal fez, depois da visita à Loja ..., do nº 34 da Rua ..., foi, através do nº 32 dessa mesma rua (nº de polícia da escada central do prédio), descendo pela rampa (dita das cavalariças) do espaço L7 que corresponde ao nº 5 de polícia do Largo ..., saída nesse ..., visualização da fachada do prédio ao longo deste ... (nºs de polícia ..., ..., ..., ..., ...1, ...3, ...5 e ...7), visita do espaço que a caderneta predial e a planta designam por L 5 (nºs de polícia ... e ...1), reentrada no prédio pelo nº 7 de polícia, no r/c ou piso 0 do dito ..., que as ditas caderneta e planta designam por L6, subida, dentro desse espaço, ao ... andar, travessia deste ... andar ao longo de toda a fachada do Largo ..., saída nas escadas exteriores do mesmo espaço L6 que fazem o acesso entre o logradouro, ao nível do nº 17 de polícia do Largo ... (espaço que as caderneta e planta designam por E1), subida a esse espaço designado E1, verificação do encerramento da porta que, até á escritura de 1985, permitia a serventia pela caixa de escadas central do prédio, com acesso pelo nº ...2 da Rua ... e, finalmente, descida até ao Largo ... de polícia, onde se procedeu à inquirição
35) Face ao espaço L5 (nºs 9 e 11 de polícia do Beco ...) e à planta (sem necessidade de qualquer outro elemento de prova), é, mesmo, absurdo afirmar-se que “o tribunal chegou a todas as divisões em causa nos autos acedendo ao edifício pela Rua ... e abandonando-o pelo Largo ....”
36) Contrariamente ao entendimento do Mmo Juiz, a escritura de 1967 foi mais clara na identificação dos “cinco compartimentos seguintes: corredor de acesso, loja escura e três lojas contíguas, todos no ... das traseiras (…) cuja porta de entrada para os ditos cinco compartimentos dá para o Largo ..., ... de polícia” do prédio “sito na Rua ... (…) com traseira para o Largo ...” (Facto Provado B): fica fácil saber-se que o corredor de acesso e a loja escura com a entrada do nº 5 de polícia estão por este identificados e as 3 lojas contíguas eram, então, as dos nºs 7, 9 e 11 de polícia.
Também já na escritura de 1985 fora mais claro o descritivo, que as falsas/erradas afetação e autonomização vieram confundir: “três lojas ou salas nas traseiras do referido prédio, sendo uma no ..., uma no ... e outra no ... andar da parte confinante com o referido Largo ...”.
37) E ambas as escrituras tiveram a vantagem de reunir os outorgantes – reuniões que também permitiam melhor aclaramento – enquanto que a carta de 30-09-2019, não cumprindo com um contacto pessoal, tinha de ser especialmente rigorosa na identificação do objeto do procedimento, em vez de ter adotado, como adotou, aquelas designações E1, L2, L5, L6 e L7 nunca usadas entre as partes e parcialmente falsas ou erradas.
38) Relativamente à afirmação do Mmo Juiz a cima referida na al. b), na qual, na motivação da decisão da matéria de facto relativa aos Factos Provados Q e R, onde exarou “Esses corredores e escadas constituem acesso comum de várias divisões do edifício (aliás, esse uso comum dos corredores é, até, apontado em alguns dos contratos de arrendamento celebrados com a autora que estão nos autos”, por certo pretende referir os contratos de 1982 e de 1985.
Só que o contrato/escritura de 1985, do Facto Provado D, vista a retificação no final da mesma, estipula exatamente o contrário (”Que a arrendatária apenas tem direito de serventia pelo Largo ... e não pelo corredor de acesso do lado da Rua ...”), em desapoio do considerado pelo Mmo Juiz.
E, por outro lado, essa retificação feita no final da escritura de 1985 também tem implícita a extinção do contrato de 1982, do Facto Provado C, e, mais ainda significa a extinção da serventia pelo mesmo corredor do ... andar, pois não se entenderia que as duas escrituras vigorassem em simultâneo: a de 1982 a exigir a serventia pelo corredor de acesso da Rua ... e a de 1985 a proibir tal serventia.
39) A comunicação inicial da transição do contrato para o NRAU, com a atualização extraordinária da renda, foi, assim, inquinada por deficiências, imprecisão, falsa autonomização e falsa indicação das afetação, com fictícia valorização do locado, o que, confunde e desvirtua, face à realidade, os elementos essenciais do contrato, nomeadamente quanto ao valor do imóvel, tornado a comunicação e todo o processo de transição para o NRAU ineficaz
Julgando não ter cabimento distinguir a ineficácia da comunicação consoante se verifica a atualização da renda ou só a transição para o NRAU, o acórdão da Relação do Porto de 27-09-2016, Processo 5538/15.2T8PRT.P1 cita o Dr. Francisco Castro Fraga, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas (coord. Prof. Menezes Cordeiro), pg. 496 no sentido de que quando o “processo de transição para o NRAU” se torna ineficaz, mantem-se o contrato em vigor como se nada tivesse sucedido”, sem prejuízo de o senhorio poder reiniciar o processo.
POR ISSO, como a comunicação inicial padecia de várias deficiências, que não é ónus da Recorrente sanar, deve ser julgada INEFICAZ.
40) DE FORMA que, pela comunicação inicial feita pela Ré “não pode considerar-se cumprida a exigência de comunicação do valor do locado, imposto pelo artigo 50.º, n.º 1, al. b”, o que “tem como consequência a ineficácia da comunicação, tudo se passando como se ela não tivesse sido feita” (Cit. acórdão do STJ de 24-05-2018) ou “consubstancia um cumprimento defeituoso de uma indicação ali exigida” (cit. Ac. STJ 18-09-2018), “não podendo, por isso, produzir os efeitos que tendia a produzir, ainda que à mesma tenha havido resposta do arrendatário” (Cit. Ac. da Relação de Évora de 17-01-2019).
ENTREGA DO LOCADO
41) Verifica-se que, em Agosto de 2022, a Autora fez entrega do lacado à Ré tendo pago, entre janeiro de 2020 e agosto de 2022 a Autora pagou à Ré 29.678,08€ de rendas do locado (=927,44x32?).
Ora, sendo procedente o pedido de ineficácia da comunicação de transição do contrato para o NRAU e de atualização da renda, apenas teria sido devido, até então, o pagamento de rendas no montante de 12.448€ (=389,00(x32),
Seja, naquele pressuposto, a Autora pagou à Ré o montante de 17.230,08€ (=29678,08-12.448) de rendas em excesso.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito deve:
a) Ser declarada a ineficácia da comunicação da R. de iniciativa de transição para o NRAU e actualização da renda nos termos do NRAU, datada de 01-10- 2019, e em consequência ser a R. condenada a restituir à A. o montante das rendas mensais pagou desde janeiro de 2020, no montante de 17.230,08€
b) Sem prescindir, subsidiariamente, para hipótese de se considerar que a comunicação inicial da R. é eficaz, deve ser corrigido para o valor da renda mensal atualizado máximo legal, desde a renda vencida em 01-01-2020, por submissão dos normativos aplicáveis (artº 35º,nº2 als. a) e b) ex vi artº 54º nº2 NRAU) aos limites do abuso do direito, conforme enunciado nos artºs62 a 69 da PI, condenando-se a R a restituir à A. o montante das rendas mensais que esta pagou desde janeiro de 2020, inclusive, no excedente a esse valor mensal de 350,11€, no montante de 18.474,56 (=29.678,08-350,11x32)».
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A Ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido.
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1.4. Questões a decidir
Atentas as conclusões do recurso interposto pela Autora, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, constituem questões a decidir:
i) Erro no julgamento da matéria de facto;
ii) Ineficácia da declaração negocial emitida pela Ré à Autora de submissão do arrendamento ao regime do NRAU e de atualização extraordinária da renda;
iii) Restituição à Autora do montante das rendas mensais que pagou desde janeiro de 2020, no montante de € 17.230,08;
iv) Caso se conclua pela eficácia da comunicação inicial, apurar se deve ser corrigido o valor da renda mensal para € 350,11 e se cabe à Ré restituir o valor excedente a esse valor mensal.
***
II – Fundamentos
2.1. Fundamentação de facto 2.1.1. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
«A. A autora tem o gozo temporário de várias divisões com utilização independente – agora identificadas na caderneta predial por E1, L2, L5, L6 e L7 – do prédio urbano composto de 3 pisos e logradouro, com entrada pela Rua ... e também com entrada pelo Largo ..., freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz urbana sob o atual artigo ...01 (anterior artigo 584 da mesma freguesia agregada e antigo 596 da extinta freguesia ...), sendo a ré quem, desde 2018, lhe vem cedendo o gozo temporário, enquanto locatária financeira, sendo locador financeiro o Banco 1..., S.A.
B. No dia 28.12.1967, por escritura pública outorgada no cartório notarial ... a cargo do notário Dr. LL, pelo prazo de um ano, renovável, e contra o pagamento de uma renda mensal, MM cedeu a J... o gozo, para uso exclusivo como armazém de materiais de construção, do que então ambos identificaram como “cinco compartimentos seguintes: corredor de acesso, loja escura e três lojas contíguas, todos no ... das traseiras (…) cuja porta de entrada para os ditos cinco compartimentos dá para o Largo ..., ... de polícia” do prédio “sito na Rua ... (…) com traseira para o Largo ...”.
C. Por escritura pública de 16.12.1982, GG e HH, II e HH e JJ e HH, todos menores representados no ato por JJ, deram de arrendamento à autora, pelo prazo de um ano renovável, “três salas da parte da frente e duas pequenas divisões contíguas e interiores, com serventia do respetivo corredor de acesso, do ... andar de um prédio urbano sito na Rua ... desta vila com os números de polícia vinte e seis a trinta e seis”, destinando-se o local arrendado ao “exercício do comércio de mobílias”.
D. Por escritura pública de 17.1.1985, GG e HH, II e HH e JJ e HH, todos menores representados no ato por JJ, deram de arrendamento à autora, pelo prazo de um ano renovável, no prédio sito na Rua ..., ... para o Largo ..., “três lojas ou salas nas traseiras do referido prédio, sendo uma no ..., uma no ... e outra no ... andar da parte confinante com o referido Largo ..., com serventia pelo corredor de acesso pela Rua ... e também pelo referido Largo ...”, destinando-se o local arrendado ao “exercício do comércio de mobílias”.
E. Desde data anterior à década de 90 do século passado, mas desde data não concretamente apurada, o gozo de várias divisões do prédio acima referido, ocupado pela autora e seu antecessor, por acordo reiteradamente ratificado e cumprido, foi e é considerado, quer pelos vários senhorios, ré incluída, quer pela autora e seu antecessor, objeto de um único vínculo negocial e contrapartida de uma única renda, sendo que em 2019 a renda mensal em vigor era de €389,00.
F. Em 1.10.2019, a autora recebeu, acompanhada de cópia da respetiva caderneta predial, uma carta datada de 30.9.2019 que comunicava a iniciativa de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e de atualização extraordinária da renda mensal para €927,44, nela se identificando o prédio como inscrito na matriz da freguesia ... e ... sob o artigo ...01.
G. Nesta carta, as divisões objeto do arrendamento vinham identificadas como “andar ou divisão com utilização independente designadas por E1, L2, L5, L6 e L7 na certidão anexa”, designações até então não utilizadas em declarações negociais no âmbito da cedência do gozo temporário do prédio referido em A.
H. Na caderneta predial do prédio referido em A, tanto a localização do prédio como a localização dos vários “andares ou divisões com utilização independente”, mormente os designados por E1, L2, L5, L6 e L7, estão descritos como localizados na “Rua ... – 36 N.º: 26 Lugar: - Código Postal: ... ...”.
I. À localização das divisões é, nessa caderneta predial, acrescentado o andar: “piso 2” para a divisão E1; “piso 1” para a divisão L2; “piso 0” para as divisões L5 e L7; “p0 p1” para a divisão L6.
J. O espaço designado por E1 está identificado na caderneta predial como afeto a “serviços”, e os demais L2, L5, L6 e L7 como afetos a “comércio”, estando a cada um destes espaços atribuída uma área privativa, medida em m2.
K. A autora não se dedica à prestação de serviços em qualquer daquelas divisões do prédio referido em A.
L. Àquela carta de 1.10.2019, a autora respondeu por carta datada de 23.10.2019, recebida pela ré a 25.10.2019, comunicando, além do mais, não aceitar a submissão do contrato ao NRAU antes de decorrido o prazo legal de 10 anos, por ser microempresa, e também não aceitar o valor da renda proposto.
M. Por carta datada de 18.11.2019, a ré comunicou à autora, entre o mais, que “a renda mensal (única) referente ao conjunto das partes do edifício arrendadas (…) passa a ser de €927,44, ou seja, €166.940,00:15:12=927,44 (…) a qual deverá começar a ser paga a partir de 1 de Janeiro de 2020”.
N. Em 10.1.2020, a autora pagou a 1ª renda no valor de €927,44 e remeteu à ré um e-mail no qual solicitava a identificação, no local, dos espaços designados por E1, L2, L5, L6 e L7.
O. Ainda sem resposta àquele e-mail, em 7.2.2020, com o pagamento da 2ª renda mensal de €927,44, a autora remeteu à ré a carta registada, onde, entre o mais, diz: “… temos dúvidas sobre se as divisões com invocada utilização independente designadas por E1, L2, L5, L6 e L7, que nunca conseguimos identificar, são efetivamente ocupadas por nós, e nessa medida o valor patrimonial que serviu de base ao cálculo da renda nos termos dos artigos 54º, 2 e 35º 2, als a) e b) do NRAU pode ser inexacto, por compreender divisões não ocupadas. Também ignoramos se as áreas das referidas divisões constantes da caderneta predial, são exactas, o que influencia igualmente valor patrimonial tributário e consequentemente a renda. Assim, solicitamos que no prazo de 10 dias a contar da recepção da presente nos facultem cópia da(s) planta(s) que instruiu(íram) o pedido de avaliação junto da autoridade tributária e que identificará(ão) as sobreditas divisões E1, L2, L5, L6 e L7”.
P. Em 20 de fevereiro de 2020, a autora recebeu da ré uma carta à qual foi anexada a planta solicitada.
Q. Os espaços designados na planta referida em P por L5 e L7 – com acesso estreito e provido de degraus – têm, também, acesso pelo Largo ....
R. A planta referida em P designa por E1 e L6 partes do prédio com acessos comuns, sendo um destes pelo Largo ..., por escadas desde o logradouro comum aos 1º e 2º andares.
S. Alguém, que se identificou como cabeça de casal da herança deixada por NN, promoveu, mediante a apresentação em serviço de finanças da declaração Modelo 1 do IMI a 5.4.2018, a última avaliação fiscal do prédio referido em A, no âmbito da qual se declarou a utilização independente de divisões, e se criou, entre outras, as partes designadas por E1, L2, L5, L6 e L7.
T. Por carta registada com A/R de 3.3.2020, e em resposta à da ré de 20.2.2020, a autora comunicou à ré que entendia desconforme a autonomização de divisões e a indicação das afetações, chamando ainda a atenção para o facto de, da correção das afetações das divisões arrendadas que preconizava, resultar, em conformidade com o NRAU, por ser arrendatária microempresa, a renda mensal atualizada de €350,11, até ao termo do prazo de 10 anos antes da submissão àquele novo regime.
U. Por carta de 10.03.2020, a ré comunicou à autora que não aceitava a factualidade por esta invocada e que as questões que suscitava eram extemporâneas, devendo reclamar, se quisesse, “junto da AT, como a dispõe a lei, e não junto do senhorio”.»
*
2.1.2. Factos não provados
O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos:
«1. Pelos anos de 1960/1961, por escritura ou qualquer outro título, o então proprietário MM cedeu a J..., atual sócio e gerente da autora, pelo prazo de 1 ano, renovável, e mediante o pagamento de uma renda ou retribuição mensal, o gozo, para comércio, da loja sita na Rua ... (anterior Rua ..., e, para armazém e arrumos, de três divisões no Largo ..., todas componentes daquele prédio então inscrito na matriz urbana da freguesia e concelho ... sob o artigo ...96. 2. Em 1980 J... transmitiu a posição de locatário para a autora. 3. Desde a década de sessenta do século passado e até ao presente, a ré e anteriores locadores sempre reconheceram a posição da autora, tal como do anterior locatário, no contrato de arrendamento, como tendo este por objeto as divisões acima referidas em 1 e B, a que correspondem as identificadas agora na caderneta predial por E1, L2, L5, L6 e L7, nomeadamente recebendo dela a renda mensal, comunicando-lhe as atualizações da renda, participando o contrato e as rendas como dela recebidas às Finanças e notificando-a para o exercício de preferência na venda do imóvel e, ultimamente, comunicando-lhe a iniciativa de transição para o NRAU, com alteração extraordinária da renda, à qual se seguiram outras comunicações. 4. O referido em E ocorre desde a década de 60 do século passado. 5. A autora nunca tomara conhecimento da discriminação do prédio em divisões alegadamente “com utilização independente” identificadas por aquele modo abstrato, não conseguindo identificar no prédio os espaços a que pudessem referir-se cada uma das designações E1, L2, L5, L6 e L7 constantes da carta e da caderneta. 6. No prédio referido em A, a autora só tem o gozo de uma divisão com acesso pela Rua ..., mas pelo nº 34 e não pelo n.º 36, e só a essa é que destina ao comércio. 7. Face à planta referida em P, o espaço identificado como L2, que tem acesso pela Rua ..., é a única parte do prédio no gozo da autora na qual esta exerce o comércio. 8. Os espaços designados na planta referida em P por L5 e L7 são usados pela autora apenas para armazenagem e correspondem aos identificados no documento referido em B, estando afetos a armazenamento ininterruptamente desde 1967. 9. Destinam-se o L5 e L7 a arrumação manual e guarda, à porta fechada, de materiais, ferramentas, equipamentos, e móveis que não têm pronta saída, pela possibilidade de serem necessários ao abastecimento das 2 lojas comerciais da autora, ali próximas, mas não contíguas, uma na Rua ..., e a outra nos nºs 29/31 de um outro prédio sito na mesma rua. 10. A planta designa por E1 e L6 espaços não demarcados nem separáveis um do outro. 11. Os espaços designados na planta referida em P por E1 e L6 vêm a ser utilizados há mais de 50 anos, ininterruptamente, com o conhecimento da ré e senhorios antecedentes, para arrumação manual e guarda, à porta fechada, de materiais, ferramentas, equipamentos e móveis que não têm pronta saída, pela possibilidade de serem necessários ao abastecimento das duas referidas lojas comerciais da locatária, não contíguas, instaladas na Rua .... 12. Foi o atual sócio gerente da ré, então na qualidade de senhorio, que ao promover a última avaliação fiscal do prédio, modificou o teor da inscrição matricial, declarando o prédio dividido nas partes, entre outras, E1, L2, L5, L6 e L7, o que fez visando a fixação de renda mais elevada. 13. A ré anuiu às afetações indicadas na declaração modelo 1 do IMI – serviços e comércio – por saber que determinariam, por via da aplicação dos coeficientes de afetação e localização do CIMI, uma renda superior. 14. A autora só percebeu as correspondências E1, L2, L5, L6 e L7 quando a ré lhe disponibilizou, em 20.2.2020, a planta referida em P.»
**
2.2. Do objeto do recurso 2.2.1. Da impugnação da decisão da matéria de facto
A Autora impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância no que respeita aos factos constantes das alíneas D), Q) e R) dos factos provados (conclusões 23ª e 24ª das alegações) e aos pontos nºs 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 dos factos provados (conclusões 23ª e 25ª). Embora na conclusão 23ª indique o ponto nº 12 dos factos não provados, conclui-se, face ao que consta tanto na motivação como na conclusão 25ª, que se tratará de lapso material, na medida em que não é invocado qualquer fundamento para uma eventual modificação da decisão sobre tal facto, designadamente a indicação dos concretos meios probatórias que imporiam decisão diversa da recorrida, nem se especifica a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre tal questão factual.
Tendo por base os fundamentos invocados relativamente a cada um desses pontos de facto, procedemos à análise de todos os documentos juntos aos autos e à audição integral da gravação da audiência final.
Vejamos, na medida do estritamente necessário, os fundamentos do recurso relativamente aos pontos de facto objeto da impugnação, começando pelos indicados três factos provados e passando depois para a apreciação do alegado erro de julgamento relativamente aos apontados sete factos não provados, seguindo no mais a sistematização da Recorrente (a ordem pela qual expõe os seus argumentos nas conclusões das suas alegações).
*
2.2.1.1. Alínea D) dos factos provados
Este ponto de facto tem o seguinte teor:
«D. Por escritura pública de 17.1.1985, GG e HH, II e HH e JJ e HH, todos menores representados no ato por JJ, deram de arrendamento à autora, pelo prazo de um ano renovável, no prédio sito na Rua ..., ... para o Largo ..., “três lojas ou salas nas traseiras do referido prédio, sendo uma no ..., uma no ... e outra no ... andar da parte confinante com o referido Largo ..., com serventia pelo corredor de acesso pela Rua ... e também pelo referido Largo ...”, destinando-se o local arrendado ao “exercício do comércio de mobílias”».
A Recorrente pretende que este ponto de facto passe a ter a seguinte redação: «- D. Por escritura pública de 17.1.1985, GG e HH, II e HH e JJ e HH, todos menores representados no ato por JJ, deram de arrendamento à autora, pelo prazo de um ano renovável, no prédio sito na Rua ..., ... para o Largo ..., “três lojas ou salas nas traseiras do referido prédio, sendo uma no ..., uma no ... e outra no ... andar da parte confinante com o referido Largo ..., com eliminação da serventia pelo corredor de acesso pela Rua ..., como exarado na parte final da dita escritura, e, assim, acesso exclusivo à via pública pelo Largo ...”, com indicação de que o local arrendado se destinava ao “exercício do comércio de mobílias”.»
Está unicamente em causa a eliminação do trecho em que se refere «com serventia pelo corredor de acesso pela Rua ...». A Recorrente invoca o teor do próprio documento referido na alínea D).
Compulsada a escritura de 17.01.1985, junta aos autos por requerimento da Autora de 03.06.2020 como documento nº ..., verifica-se que na sua parte final consta uma retificação ao anteriormente exarado, tendo os outorgantes feito constar que «a arrendatária apenas tem direito de serventia pela entrada do Largo ... e não pelo corredor de acesso do lado da Rua ...».
Por isso, facilmente se constata que o teor da alínea D) não está inteiramente conforme com a escritura cujo texto se pretendeu reproduzir neste ponto de facto da sentença, pois não se considerou o que consta da parte final do documento que titula o arrendamento aí referido.
Pelo exposto, ordena-se a retificação do ponto D) dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação: D. Por escritura pública de 17.01.1985, GG e HH, II e HH e JJ e HH, todos menores representados no acto por JJ, deram de arrendamento à Autora, pelo prazo de um ano renovável, no prédio sito na Rua ..., ... para o Largo ..., «três lojas ou salas nas traseiras do referido prédio, sendo uma no ..., uma no ... e outra no ... andar da parte confinante com o referido Largo ...», com «serventia pela entrada do Largo ... e não pelo corredor de acesso do lado da Rua ...», destinando-se o local arrendado ao «exercício do comércio de mobílias».
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2.2.1.2. Alíneas Q) e R) dos factos provados
Nestes dois pontos o Tribunal recorrido julgou provado:
«Q. Os espaços designados na planta referida em P por L5 e L7 – com acesso estreito e provido de degraus – têm, também, acesso pelo Largo .... R. A planta referida em P designa por E1 e L6 partes do prédio com acessos comuns, sendo um destes pelo Largo ..., por escadas desde o logradouro comum aos 1º e 2º andares.»
Segundo resulta do exposto no item C.2-b) das alegações, a Recorrente pretende que aqueles pontos passem a ter a seguinte redação:
«Q. Os espaços designados na planta referida em P por L5 e L7 – com acesso estreito e provido de degraus – têm, também, acesso pelo Largo ..., ... também à Rua ..., pelo átrio central do prédio. R. A planta referida em P designa por E1 e L6 partes do prédio com acessos comuns, peloLargo ..., sendo o E1 através do L6, por escadas desde o logradouro comum aos 1º e 2º andares.»
A Recorrente sintetiza na conclusão 26ª as razões que, no seu entender, justificam a correção daqueles dois pontos de facto, «no sentido de que os espaços designados por E1, L6 e L5 só tinham acesso à via pública pelo Largo ... (sendo o E1 através do L6)».
Invoca os «depoimentos da testemunha AA, que trabalhou para a autora desde 1999 (gravação, aos 01:26 minutos) declarou (aos 5, 25 minutos) que no seu tempo o locado já não compreendia as salas para exposição de mobílias no ... andar, com vista para a Rua .../..., e descreveu o percurso possível entre a Rua ... e os espaços no Largo ..., através da loja do nº 5 de polícia (L7) deste Largo ..., ...), da testemunha DD, antigo sócio da Autora que afirmou que o arrendamento de 1982, das salas onde atualmente está o dentista, só durou 2 ou 3 anos (minutos 02:01 a 03:08) e que, depois, com o arrendamento do espaço agora designado por E1 o acesso à Caixa central do prédio lhes foi vedado (05:02 a 05:13) e a testemunha KK afirmou que a exposição de mobílias no espaço E1 durou 3 ou 4 anos, dizendo que o DD, seu cunhado, a levou a ver a exposição, já na sala do ... andar, do lado do Largo ... (minutos 7:00 a 8:00)».
Argumenta ainda que as redações daqueles pontos de facto «apenas se compreendem pela demora, de mais de um ano, entre a audiência de julgamento, data da Inspeção Judicial, e a sentença», descrevendo o percurso que o Mmo. Juiz terá feito durante a inspeção judicial e que, estando na unidade E1, não conseguiu aceder à Rua ... (antiga Rua ...) por o acesso se encontrar encerrado.
Reapreciada a prova, concluímos não ser possível afirmar a existência de um erro de julgamento.
Em primeiro lugar, com o devido respeito, não descortinamos a mínima relevância da alteração da redação dos pontos Q) e R) para a solução de direito. Porém, isso não constitui qualquer obstáculo à apreciação da impugnação, na medida em que subjacente a qualquer processo judicial deve estar o apuramento da verdade, de modo que um facto dado como provado corresponda inteiramente à realidade verificada.
Em segundo lugar, quanto ao último argumento exposto, não consta do auto de inspeção (v. artigo 493º do CPC) que o Sr. Juiz «subiu pela escada exterior no logradouro do espaço designado por L6, nas traseiras do prédio, Largo ..., até ao espaço E1 e dentro deste foi até à antiga porta de acesso à caixa de escadas central do prédio que tinha permitido o acesso pelo nº ...2 da Rua .../..., tendo verificado que esta se encontrava encerrada, de modo que não permitia o antigo acesso àquela rua».
Portanto, é um fundamento que não tem suporte no auto de inspeção e que por isso não é apto a demonstrar qualquer facto.
Em terceiro lugar, analisadas as passagens dos depoimentos das testemunhas AA, DD e KK, constatamos que nenhuma delas afirmou, nos seus precisos termos, o que a Recorrente pretende alterar nas redações dos pontos Q) e R). Nas invocadas passagens dos depoimentos, as testemunhas referem-se à venda de mobiliário no local arrendado e não à concreta matéria dos factos Q) e R). Depois, não operaram qualquer correspondência com as atuais designações das unidades que compõem o locado.
Pelo exposto, improcede a impugnação relativamente a estes dois pontos de facto.
*
2.2.1.3. Ponto nº 5 dos factos não provados
Na sentença julgou-se não provado que:
«5. A autora nunca tomara conhecimento da discriminação do prédio em divisões alegadamente “com utilização independente” identificadas por aquele modo abstrato, não conseguindo identificar no prédio os espaços a que pudessem referir-se cada uma das designações E1, L2, L5, L6 e L7 constantes da carta e da caderneta.»
Pretende a Recorrente que esse ponto seja julgado provado com a seguinte redação:
«A autora nunca tomara conhecimento das designações E1, L2, L5, L6 e L7 constantes da carta de 30-09-2019 e da caderneta anexa, na discriminação do prédio em divisões alegadamente “com utilização independente”, não conseguindo identificar no prédio os espaços a que pudessem referir-se cada uma daquelas designações.»
Argumenta que «[n]a falta de qualquer prova em contrário, dar aquele facto por “provado” é a única ilação compatível com a parte final do Facto Provado G, onde o Tribunal exarou que aquelas designações das partes locadas pelas letras e nºs E1, L2, L5, L6 e L7, até então, não haviam sido utilizadas em declarações negociais no âmbito da cedência do gozo temporário do prédio, seja, no âmbito do arrendamento». Alega ainda que «a forma como aquelas designações inovadoras foram comunicadas pela carta de 30-09-2019, mais as obscureceram, no sentido de dificultar a perceção da Recorrente: (i) a referência errada/falsa a uma parte afeta a serviços, (ii) a errada/falsa autonomização desse espaço e do designado por L6, por criar maior confusão quanto às áreas e quanto à composição (logradouro) e (iii) a falta de indicação dos nºs de polícia».
Vejamos.
Este é um facto alegado na petição inicial (v. art. 11º: «E a A. nunca tomara conhecimento da discriminação do prédio em divisões alegadamente “com utilização independente” identificadas por aquele modo abstracto, não conseguindo identificar no prédio os espaços a que pudessem referir-se cada uma das designações E1, L2, L5, L6 e L7 constantes da carta e da caderneta») e cujo ónus da prova recaía sobre a Autora.
Um tal facto não pode ser dado como provado com base apenas «na falta de qualquer prova em contrário», atenta a inexistência de qualquer fundamento para a inversão do ónus da prova.
Por outro lado, a Recorrente não indicou «os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão» diversa da recorrida sobre o ponto constante do nº 5 da matéria de facto não provada, pelo que não deu cumprimento ao ónus estabelecido na al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC, o que constitui motivo de rejeição da impugnação nessa parte.
Por isso, trata-se de uma impugnação não fundamentada e que, consequentemente, é insuscetível de conduzir a uma alteração da decisão proferida sobre tal questão factual.
Depois, do que consta no ponto G) dos factos provados não é lícito extrair ilação sobre a realidade do ponto nº 5 dos factos provados. No ponto G) apenas se deu como provado o que objetivamente consta da carta enviada pela Ré à Autora e que as designações das divisões/espaços por E1, L2, L5, L6 e L7 não tinham sido utilizadas «em declarações negociais no âmbito da cedência do gozo temporário do prédio». Já o que consta do ponto nº 5 é uma realidade diferente: que a Autora não conseguiu identificar no prédio os espaços a que pudessem referir-se cada uma das designações E1, L2, L5, L6 e L7 constantes da carta e da caderneta.
Ora, da simples constatação de que aquelas designações não foram utilizadas em declarações negociais no âmbito da cedência do gozo do prédio não é possível extrair que a Autora não tomou anteriormente conhecimento de tais designações e, sobretudo, na parte efetivamente relevante, que não conseguiu identificar no prédio os espaços assim identificados.
Finalmente, integrando o arrendado inequivocamente cinco espaços existentes no prédio e constando da caderneta predial a identificação desses espaços por referência à respetiva área e pisos onde se situavam, com inteira correspondência com a realidade física, dificilmente se pode conceber que a Autora não conseguisse «identificar no prédio os espaços a que pudessem referir-se cada uma daquelas designações». Só se não soubesse quais os espaços que integravam o arrendado, hipótese que não é plausível. Aliás, numa primeira fase a Autora não invocou que não conseguia identificar qualquer dos cinco espaços com aquelas designações e o presente processo evidencia que a Ré não indicou, com recurso às apontadas designações e à caderneta predial, qualquer divisão que não estivesse a ser ocupada pela Autora e abrangida pelo contrato de arrendamento. Quer dizer: a Autora não tinha dúvidas sobre quais os espaços que estava a ocupar na qualidade de arrendatária e estes correspondem efetivamente àqueles que eram indicados pela Ré na missiva.
Por isso, parece-nos inteiramente pertinente a motivação constante da sentença sobre o ponto nº 5 dos factos não provados:
«Aquando da receção da carta, endereçada pela ré, para submissão do arrendamento das divisões do prédio ao NRAU, não deu logo a autora a mínima nota de estranheza quanto ao modo de identificação das mesmas constante da caderneta predial que lhe fora remetida em anexo (veja-se o dado como provado em F e L). É certo que, em momento posterior, comunicou essa dificuldade/incapacidade de identificação. Mas não sabe o tribunal se o fez genuinamente, se por estratégia de defesa da sua posição negocial/procedimental. Essa incapacidade de perceção não se presume e, quanto a tal, nenhum dos inquiridos disse o que quer que seja. É preciso notar que na caderneta predial se identificou o edifício onde se localizam os espaços usados pela autora e, concretamente quanto às divisões com utilização autónoma, identificou-se o andar, ou andares, em que se situavam cada uma delas, bem como a respetiva área medida em m2. Se compararmos esta forma de identificação da localização das divisões com a utilizada nas três escrituras públicas juntas aos autos (veja-se, na parte que se reporta à identificação dos locados, o extratado das escrituras levado a B, C e D), não se consegue chegar à afirmação deixada pela autora: a de que não conseguia identificar os espaços designados por E1, L2, L5, L6 e L7 – facto não provado em 5 e 14.»
Pelo exposto, improcede a impugnação relativamente a este ponto dos factos não provados.
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2.2.1.4. Pontos nºs 6 a 11 dos factos não provados
Estes pontos têm o seguinte teor:
«6. No prédio referido em A, a autora só tem o gozo de uma divisão com acesso pela Rua ..., mas pelo nº 34 e não pelo n.º 36, e só a essa é que destina ao comércio. 7. Face à planta referida em P, o espaço identificado como L2, que tem acesso pela Rua ..., é a única parte do prédio no gozo da autora na qual esta exerce o comércio. 8. Os espaços designados na planta referida em P por L5 e L7 são usados pela autora apenas para armazenagem e correspondem aos identificados no documento referido em B, estando afetos a armazenamento ininterruptamente desde 1967. 9. Destinam-se o L5 e L7 a arrumação manual e guarda, à porta fechada, de materiais, ferramentas, equipamentos, e móveis que não têm pronta saída, pela possibilidade de serem necessários ao abastecimento das 2 lojas comerciais da autora, ali próximas, mas não contíguas, uma na Rua ..., e a outra nos nºs 29/31 de um outro prédio sito na mesma rua. 10. A planta designa por E1 e L6 espaços não demarcados nem separáveis um do outro. 11. Os espaços designados na planta referida em P por E1 e L6 vêm a ser utilizados há mais de 50 anos, ininterruptamente, com o conhecimento da ré e senhorios antecedentes, para arrumação manual e guarda, à porta fechada, de materiais, ferramentas, equipamentos e móveis que não têm pronta saída, pela possibilidade de serem necessários ao abastecimento das duas referidas lojas comerciais da locatária, não contíguas, instaladas na Rua ....»
Conforme indica na conclusão 25ª, a Recorrente entende que os «Factos 6, 7, 8, 9, 10 e 11 deverão julgar-se provados, com a seguinte redação: 6. e 7 - No prédio referido em A, a autora só tem o gozo de uma divisão com acesso direto à Rua ..., e só essa é que destina ao comércio, à porta aberta, nos horários de abertura do comércio; 8 e 9. Os espaços designados na planta referida em P por L5 (nºs 9 e 11) e L7 (nº 5), também referidos no Facto Provado Q, no Largo ..., são usados pela autora apenas para armazém, à porta fechada, de artigos com escassa saída, cuja comercialização é promovida nas lojas dos nºs 34 e .../... de polícia da Rua ... ou do ..., e correspondem a parte dos identificados no documento referido no Facto Provado B, estando afetos a armazém desde 1967; e 10 e 11 - Os espaços designados na planta referida em P por E1 e L 6, também referidos no Facto Provado R, no Largo ..., são usados pela Autora, desde antes da década de 1990, para armazém, à porta fechada, de artigos com escassa saída, cuja comercialização é promovida nas lojas dos nºs 34 e .../... de polícia da Rua ... ou do ..., e correspondem aos identificados no documento referido no Facto Provado D.»
Por conseguinte, pretende que se reconduzam a três factos provados, com a redação atrás assinalada.
Para o efeito, invoca «as passagens das gravações acima identificadas e transcritas, em C.1.b.1, dos depoimentos das testemunhas AA (trabalhador da Autora desde 1999), BB (trabalhador doutra empresa de que é sócio o gerente da Autora, desde 2021), CC (Trabalhador do estabelecimento hoje da Autora, entre 63 e 71), DD (ex-sócio da Autora), EE (Trabalhador do estabelecimento hoje da Autora, entre 62/63 e 2000), arroladas pela Autora e, FF, indicada pela Ré e mãe do seu gerente».
Argumenta que «o Tribunal cai no absurdo de tratar espaços com acesso estreito e por degraus (no caso de E1 com 26 degraus em pedra) e nas traseiras do prédio (planta do doc. ... e Factos provados Q e R) com o mesmo VPT e, assim, com a mesma renda por m2 da loja do nº 34 de polícia, com acesso direto à Rua ..., apesar da manifesta diferença de valores entre aqueles espaços e esta loja, diferença, por certo superior a 100%».
Revista toda a prova produzida, não conseguimos formar uma convicção divergente daquela que se mostra expressa na decisão recorrida. O Tribunal recorrido realizou uma análise crítica objetiva, articulada e racional da globalidade da prova produzida, a qual mostra-se condizente com as regras da experiência comum e da normalidade da vida.
Se bem que a Recorrente discorde, afigura-se que a prova produzida sobre estes pontos de facto não pode ser apreciada criticamente de modo diferente daquele que consta da decisão recorrida, na parte em que se fez constar:
«Quanto ao uso dados aos espaços: o uso das divisões – de todas elas – é, indiscutivelmente, o comércio. Há, de facto, uma divisão (a identificada na caderneta predial como L2) com acesso direto à via pública (Rua ...) que constitui a “montra” do negócio da autora. Mas esse negócio sempre se fez com recurso às demais divisões do edifício, nas quais se encontravam fornos a lenha, garrafas de gás, materiais de construção, tubos e varões, etc. Nenhum desses materiais estava ou está disponível na loja virada para a Rua ..., mas era e é comercializado pela autora. Não há, portanto, qualquer armazenamento ou arrumação de artigos vendidos ao público na loja principal, que se dedica essencialmente a ferragens (como referiram praticamente todas as testemunhas, entre elas, BB). Há, tão simplesmente, o recurso a espaços maiores do mesmo edifício para acomodação da mercadoria negociada pela autora (será o que vulgarmente se designará hoje por “showroom”). Veja-se o que referiu AA, trabalhador da autora há mais de 20 anos, a propósito da venda de gás em divisão virada para o Largo ...: que esteve lá uns tempos e, depois, como não havia movimento, passou “para cima”; ou a propósito da venda de fogões a lenha no piso 1 do edifício: que se o cliente quisesse ver um fogão, ia com ele mostrá-lo. Do mesmo modo, a testemunha CC contou da venda de cal depositado no espaço aberto da divisão L6 dando claramente a entender que toda a operação de pesagem e entrega da cal se fazia nessa mesma divisão (tal como dos adubos). Igualmente o depoimento da testemunha AA (quinta testemunha arrolada pela autora) foi prestado no sentido de que a autora tinha diferentes áreas de negócio que estavam espalhadas por diferentes áreas do edifício. Ainda que tenha dito inicialmente que muitos espaços do edifício estavam fechados, acabou por afirmar que os clientes se deslocavam aos mesmos para, por exemplo, ver os fogões comercializados pela autora. Tudo em consonância, aliás, com o referido pelas testemunhas arroladas pela ré, trabalhadoras nas redondezas há muito tempo. Nada se provou, portanto, quanto à matéria que, por isso, se levou aos pontos 6, 7, 8, 9 e 11: todos os espaços são destinados às diferentes áreas de negócio da autora e em todos eles a autora exerce o comércio.»
Sendo a apontada motivação perfeitamente explicita sobre os motivos pelos quais o Tribunal a quo julgou não provados tais factos, apenas se impõem as seguintes considerações.
Em primeiro lugar, alega a Recorrente que a apontada «motivação não está conforme com a prova produzida em julgamento», uma vez que «todas as testemunhas, sem exceção, arroladas pela Recorrente foram perentórias em afirmar o uso que era dado aos espaços locados. Mas também a testemunha da Ré que depôs sobre o assunto acaba por admitir que as lojas no Largo ... podiam estar fechadas».
Corresponde à verdade que todas as testemunhas indicaram que em quatro dos cinco espaços eram armazenados bens/materiais/artigos comercializados pela Autora.
Porém, também todas as apontadas testemunhas afirmaram, de modo inequívoco (v. a parte final de cada um desses depoimentos), que a atividade da Autora é, apenas e só, o comércio (de retalho) e que tudo o que ao longo dos anos esteve nos apontados quatro espaços era destinado a ser comercializado.
A Recorrente quer fazer crer que as quatro divisões eram simples armazéns, nos quais não havia qualquer interação com os clientes da loja e que estariam sempre encerrados, de portas fechadas e trancadas. Segundo a tese da Recorrente, tudo se vendia na loja principal (que se depreende ser o espaço identificado como L2, embora nenhuma das testemunhas o tenha assim identificado) e as demais divisões eram meras «arrecadações ou arrumos» (v. a qualificação na página 30 das alegações).
Uma tal tese factual é completamente inverosímil em face dos bens que foram sendo comercializados ao longo dos anos, os quais careciam de prévia observação pelo cliente antes de os comprar, que os examinava no lugar onde se encontravam para poder decidir se os comprava ou não. Alguém, no âmbito de um comércio de proximidade, com ida à loja para proceder à aquisição, compra um fogão ou outro eletrodoméstico sem antes o ver? O mesmo se diga de um varão, de uma rede, de um tubo, de uma ferramenta, de um fogareiro, de uma mobília (que chegou a ser feita no espaço E1 durante 3 ou 4 anos, conforme afirmou, além do mais, a testemunha FF), de um forno a lenha ou até de uma simples ferragem. Compra-se depois de se examinar o bem e de se apreciar sobre a sua adequação ao fim pretendido.
Como é evidente, o tribunal tem de apreciar as teses factuais apresentadas em conformidade com a experiência comum. Naturalmente que até podiam as testemunhas dizer que os clientes compravam os bens de olhos fechados, que nunca saíam da loja e que confiavam plenamente no bom gosto e capacidade do vendedor, mas isso não significa que o juiz deva dar por adquirida a realidade do que é dito.
Sucede que as testemunhas, apesar de qualificarem os espaços como armazéns, também afirmaram as situações factuais que o Sr. Juiz fez constar na motivação da decisão sobre a matéria de facto. Por exemplo, a testemunha AA (que declarou trabalhar para a Autora desde há 22 anos «e alguns meses», por referência à data da sua inquirição), referiu que quando começou a trabalhar esteve «nos fogões» (04:45) e só posteriormente foi para a loja; referiu que (08:06) a porta da divisão onde estavam os fogões se encontrava aberta e que era lá que a testemunha estava; descreveu que os clientes dirigiam-se à loja e que depois, se quisessem comprar um fogão, iam ao espaço onde estavam os fogões, onde eram mostrados. Genericamente, referiu que se alguém queria ver «um artigo» ia ao local onde o “artigo” se encontrava («… você está na loja, o armazém está fechado, uma pessoa quer ver um artigo, nós vimos cá abaixo mostra o artigo, claro»).
Em segundo lugar, ao contrário do sustentado pela Recorrente, a testemunha KK (que trabalhou a partir dos 16 anos de idade numa loja do prédio, que identificou como sendo aquela que agora é da “OO”) referiu expressamente «as portas abertas», «sei que a porta estava aberta», que «ele só fechou a loja desde que o senhor lhe pôs o processo». Também a testemunha PP, empregada de balcão em ..., onde mora, referiu que «vinha muitas vezes aqui, e ele tinha sempre as lojas, esta loja, as lojas que ele tinha, era para comércio, e inclusive esta, esta que ele tinha, eu lembro-me sempre de a ver aberta ao público», «eram as lojas que tinham viradas, na parte da Rua ..., e estas… e tinha esta aberta, aqui para o lado da Porta Nova, que eu lembro-me perfeitamente disso», «vendia fogões, vendia… tinha aquelas redes… aqueles rolos de redes». Lembra-se de ver «fogões» e «tinha funcionário».
Em terceiro lugar, a própria Autora juntou aos autos, com o seu requerimento de 18.06.2020, um documento, identificado como «doc. ...», que constitui uma certidão emitida pela Câmara Municipal ..., onde consta que «as lojas situadas na Rua ... com o número trinta e quatro de Polícia e as situadas no Largo ... com os números três, cinco, sete e nove, desta Vila, destinam-se a fins comerciais». Tal certidão foi emitida a requerimento de J..., como se demonstra pelo documento nº ... junto com o requerimento da Ré de 19.01.2021, onde aquele (sócio-gerente da Autora) requereu que se certificasse se as lojas «se destinam ou não a fins comerciais». Consta do documento que um funcionário exarou no mesmo que tinha «visitado os locais» e que verificou que as lojas «destinam-se a fins comerciais»[2]. Tal apreciação está precisamente de harmonia com a levada a cabo pelo Sr. Juiz a quo.
Em quarto lugar, alega a Recorrente que, «quanto à correspondência dos nºs de polícia, ocorre o acordo das partes, pois estes foram alegados pela Autora nos art.ºs 20, 21, 23 e 24, não foram impugnados pela Ré, têm apoio parcial no Facto Provado D e puderam ser verificados na Inspeção Judicial, na audiência de julgamento» e que «ainda deverá atentar-se, quanto à destinação dos espaços dos nºs de polícia ..., ... e ..., agora designados por L7 e L6 (r/c coberto) a armazém de materiais de construção civil, que é isso que consta da escritura de 1967 do (Facto Provado B), referente a esses espaços».
Invocando a Recorrente que tal matéria foi alegada «nos art.ºs 20, 21, 23 e 24» da p.i., confrontada esta com a contestação, verifica-se que nos artigos 2º, 3º, 4º e 34º desta última peça processual, a Ré fez constar o seguinte:
«2º Aceita-se, entretanto, o alegado nos itens 1º, (excepto quanto à exacta identificação do prédio que é a que consta da caderneta predial respectiva – doc. ...), 4º (a partir de “no ano de 2018”, inclusive. – cfr. docs. ... e ...), 5º, 7º (excepto que o facto ocorra desde a década de 60, sendo verdade, contudo, que o facto já ocorre há mais de 30 anos), 8º (aceitando-se o teor integral da carta referida neste item, com o esclarecimento de que a referência ao artigo 1301 é a referência ao artigo matricial que à data, tal como hoje, correspondia ao prédio, constando, de resto, da caderneta predial que o artigo 1301 tinha tido origem no artigo 584), 9º (com o esclarecimento de que era a identificação constante da caderneta predial enviada à Autora), 12º (exclusivamente até “contratuais”, inclusivamente, desconhecendo-se se corresponde ou não à verdade a restante parte da matéria de tal item), 15º (aceita-se que foi recebida pela Ré a carta neste item referida, com o teor integral que consta do respectivo documento), 16º (aceitando-se o teor integral da carta referida neste item), 17º (aceita-se que a Autora remeteu ao Sr. QQ, em 10.01.2020 o e-mail com o teor do documento junto pela mesma aos autos sob o doc. ..., onde não era referido qualquer desenho), 18º (aceita-se que a Autora remeteu à Ré, com data de 7.02.2020, a carta referida neste item, com o teor que apresenta o doc. ...), 19º (esclarecendo-se que a carta remetida tinha o teor do doc. ... junto pela Autora, acompanhada da planta junta sob o doc. ..., à escala 1/100, que a A. reduziu agora no seu tamanho para a juntar ao processo), 34º e 35 (relativamente a estes dois itens, aceita-se exclusivamente o teor integral da carta remetida à Autora e junta por esta sob o documento ...1) da petição inicial (p.i.) 3º Desconhece-se se corresponde ou não à verdade o alegado nos itens 10º, 11º, 12º (a partir de “e a A não as compreendia”, inclusive), do mesmo articulado, pelo que, não se tratando de factos pessoais ou de que a Ré deva ter conhecimento, se dão tais factos por impugnados. 4º É falsa toda a demais matéria de facto alegada na p.i.
(…) 34º É falso o alegado nos itens 20º a 27º da p.i., face até ao que fica alegado supra.»
Além do que se acaba de transcrever, em lado algum da contestação a Ré aceitou a correspondência dos números de polícia.
Depois, não consta do auto de inspeção qualquer referência à alegada correspondência.
Mais, apesar de a própria Recorrente não invocar sequer passagens da gravação para fundamentar a aludida impugnação, ouvidos atentamente os depoimentos das testemunhas, também não conseguimos alcançar dos mesmos a apontada correspondência com os nºs de polícia.
Acresce que, salvo melhor entendimento, também não é possível extrair essa correspondência a partir «da escritura de 1967 do (Facto Provado B), referente a esses espaços».
Em quinto lugar, é de notar que, tratando-se de cinco espaços ou divisões de um prédio (que integra mais outras unidades), não estamos perante cinco arrendados, cada um com a sua finalidade.
Com efeito, está provado, sob o ponto E), que «desde data anterior à década de 90 do século passado, mas desde data não concretamente apurada, o gozo de várias divisões do prédio acima referido, ocupado pela autora e seu antecessor, por acordo reiteradamente ratificado e cumprido, foi e é considerado, quer pelos vários senhorios, ré incluída, quer pela autora e seu antecessor, objeto de um único vínculo negocial e contrapartida de uma única renda»
Portanto, o que existe é um único contrato de arrendamento, pelo qual era paga uma única renda, para o exercício de atividade comercial e não industrial, habitacional, liberal, serviços ou qualquer outra.
Daí que não seja possível segmentar arrendados ou unidades, atribuindo-lhes finalidades que nada têm a ver com a sua afetação à atividade comercial, que é o efetivo destino que lhes tem sido dado ao longo do tempo.
Mesmo que nos quatro espaços se guardassem bens que não eram previamente mostrados aos clientes, sempre haveria de se considerar que esses espaços eram para apoio à atividade comercial da arrendatária, portanto, com uma finalidade acessória e complementar do comércio, seguindo o regime jurídico deste.
Ora, se bem atentarmos nos depoimentos das testemunhas, todas elas afirmaram que a Autora desenvolvia o comércio. Isso mesmo foi qualificado pela Câmara Municipal ... relativamente a todos os espaços então ocupados.
É verdade que na escritura de 1967 se refere que as divisões aí indicadas são «para uso exclusivo como armazém de materiais de construção», mas também é preciso levar em conta que a expressão “armazém” tinha também então o sentido de comércio, como facilmente se constatava pelos exemplos então existentes pelo país fora, como é o caso dos “...”, em .... Trata-se, por isso, de uma expressão que, in casu, outro sentido não tem do que uma loja destinada à venda de materiais de construção civil. E a realidade é que a Autora sempre se dedicou no arrendado ao exercício do comércio de vários produtos, artigos e mercadorias, conforme todas as testemunhas referiram.
Como bem salienta a Recorrida nas suas contra-alegações, uma coisa é um armazém de materiais de construção civil de um industrial desse ramo, que o usa apenas para depositar materiais que usa na sua atividade industrial. Outra coisa, completamente diferente, é um armazém de materiais de construção civil de um comerciante desse ramo, onde guarda e expõe os materiais que nele tem no exercício dessa sua atividade comercial a partir do prédio objeto do arrendamento.
A tese da Recorrente, além de desconforme com a realidade da atividade por si desenvolvida no locado, como um todo, tem na sua génese um deficiente entendimento sobre a diferenciação dos conceitos utilizados no artigo 41º do CIMI, em que “armazéns e atividade industrial” (com um coeficiente de 0,60) é algo de absolutamente distinto de “arrecadações e arrumos” (coeficiente de 0,35), sendo que estas duas categorias não se confundem com a utilização como “comércio” (coeficiente 1,20). Uma arrecadação não é um armazém próprio da atividade industrial e este diferencia-se de uma utilização de um prédio ou de uma parte deste para comércio.
Em sexto lugar, a fragilidade e contraditoriedade da argumentação da Recorrente está bem presente, por exemplo, na conclusão 31ª, onde alega que «Ao contrário do ajuizado na sentença, que desconsidera a errada indicação da afetação do espaço designado por E1, para serviços, em vez de comércio (…)». Ou seja, é a própria Recorrente que considera que o «espaço designado por E1» está efetivamente afeto a comércio, como aliás estão todos os demais espaços, sem exceção.
Em sétimo lugar, estamos perante um caso em que, durante a inspeção judicial, foram observadas diretamente todas as cinco divisões em causa nestes autos, percorreu-se o prédio, constatou-se o que existia em cada um dos espaços e foram prestados esclarecimentos que só o Mmo. Juiz está em condições de apreciar cabalmente, na medida em que na gravação as testemunhas, inquiridas todas no local, indicam realidades que esta Relação nem sequer consegue determinar, como é o caso das expressões “ali”, “aqui”, “acolá”, “aquilo”, “lá”, “lá em cima” (ou “lá acima”), “aqui em baixo”, “aquele lado”, “daqui de trás”, “isto aqui”, “ir por ali e vir por acolá”, entre muitas outras, sendo percetível que estão a movimentar a cabeça (pelo som verifica-se que não estão a falar diretamente para o microfone) e possivelmente a apontar para um local que nós não conseguimos apurar.
Ora, nas ações em que a atividade probatória se alicerça essencialmente na prova testemunhal ou nas declarações das partes produzidas na audiência final, a Relação, ao reponderar as questões de facto em discussão através da reapreciação dos meios probatórios, encontra-se numa situação de manifesta desvantagem em comparação com o tribunal de primeira instância, atentas as perdas significativas que se verificam nos fatores da imediação e da oralidade. No fundo, há todo um conjunto de elementos captáveis diretamente no momento da produção da prova testemunhal ou das declarações das partes que dificilmente o tribunal superior consegue apreender na gravação, cujo processo de reapreciação pouco mais vai além da mera consideração das palavras proferidas, perdendo-se os elementos subtis e, em geral, o que se designa de comunicação não-verbal.
No caso dos autos, a perda vai além dos apontados elementos subtis, pois estão em causa elementos essenciais dos depoimentos que só quem se encontrava no local da inquirição consegue ponderar devidamente.
Por isso, resultando da motivação da decisão sobre a matéria de facto que o Tribunal a quo, para além daquilo que já se expôs,até terá constatado o uso de todo o arrendado para comércio, não conseguimos, relativamente aos pontos 6 a 11 dos factos não provados, alicerçar uma convicção divergente daquela que está expressa na decisão recorrida.
Estando o processo de formação da convicção adequadamente fundamentado, na medida em que permite compreender o respetivo raciocínio e a inerente motivação, e não resultando da prova produzida elementos que permitam alicerçar uma convicção divergente, entendemos que é de manter a decisão sobre os pontos nºs 6 a 11 dos factos não provados.
Pelo exposto, não se detetando erro de julgamento no que respeita aos pontos 6 a 11 dos factos não provados, inexiste fundamento para alterar a decisão sobre tal matéria.
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2.2.2. Reapreciação de Direito 2.2.2.1. Enquadramento
Grande parte do recurso em matéria de direito dependia da modificação da matéria de facto preconizada pela Recorrente. Na parte em que o recurso sobre a matéria de facto improcedeu, fica necessariamente prejudicado o conhecimento das questões que pressupunham a modificação da matéria de facto. Enfatiza-se que a modificação da redação do ponto de facto contante da alínea D) nenhuma alteração é suscetível de produzir em matéria de direito.
Posto isto, verifica-se que a Recorrente não impugna o enquadramento jurídico traçado na sentença, mas apenas os efeitos que o Tribunal recorrido extraiu sobre o arrendamento ter ficado subordinado ao regime previsto no Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, pelo que o objeto do recurso, em matéria de direito, se circunscreve às questões suscitadas sobre tal matéria.
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2.2.2.2. Da eficácia da declaração
A situação factual é esta: a Autora teve o gozo temporário de várias divisões com utilização independente – agora identificadas na caderneta predial por E1, L2, L5, L6 e L7 – do prédio urbano composto de 3 pisos e logradouro, com entrada pela Rua ... e também com entrada pelo Largo ..., freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz urbana sob o atual artigo ...01 (anterior artigo 584 da mesma freguesia agregada e antigo 596 da extinta freguesia ...). Tal gozo, pela Autora e seu antecessor, remonta a data anterior à década de 90 do século passado e é objeto de um único vínculo negocial e contrapartida de uma única renda, sendo que em 2019 a renda mensal em vigor era de € 389,00.
Sendo o contrato de arrendamento (v. arts. 1022º e 1023º do Código Civil), celebrado para um fim não habitacional (arts. 1064º e 1067º, nº 1, do Código Civil), anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de setembro, é-lhe aplicável o regime decorrente da Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o NRAU, onde se estabeleceu, além do mais, um regime especial de transição para o NRAU e a atualização das rendas antigas (v. arts. 27º e 50º do NRAU).
A Autora recorreu a esse procedimento em 30.09.2019, pelo que a norma relevante para a apreciação do litígio é a do artigo 50º do NRAU, onde se dispõe:
«A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:
a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos; b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana; c) Cópia da caderneta predial urbana; d) Que o prazo de resposta é de 30 dias; e) O conteúdo que pode apresentar a resposta, nos termos do n.º 3 do artigo seguinte; f) As circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta prevista na alínea anterior, e no mesmo prazo, conforme previsto no n.º 4 do artigo seguinte, e a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, nos termos do disposto no n.º 6 do mesmo artigo; g) As consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo seguinte.»
Por conseguinte, a transição para o NRAU e a atualização da renda dependem da iniciativa do senhorio e a comunicação deve cumprir os requisitos estabelecidos naquela norma. Destaca-se a necessidade de o senhorio enviar ao arrendatário, nessa comunicação, uma cópia da caderneta predial urbana e a indicação do valor do local arrendado, avaliado nos termos do artigo 38º do CIMI, em conformidade com o que consta daquela caderneta. Como se destaca no acórdão do STJ de 24.05.2018, proferido no processo 1848/16.0YLPRT.L1.S2 (Fernanda Isabel Pereira)[3], «a razão de ser da exigência da comunicação do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, prende-se com a possibilidade de esse valor vir a ser determinante no cálculo da renda, nas situações previstas nos artigos 33.º, n.º 5, al. b), 35.º, n.º 2, als. a), e b), 54.º, n.º 2, do NRAU, na versão dada pela Lei n.º 31/2012, especialmente, quando se verifique oposição do arrendatário» (…). No presente caso, os factos que permitem concluir pela legalidade do procedimento são constitutivos do direito que o senhorio pretende fazer valer direito à actualização/aumento de renda -, pelo que sobre si impende o ónus da respectiva alegação e prova (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). (…) A razão da complexidade do processo de actualização das rendas nos contratos anteriores a 1990 prende-se com o facto de, por um lado, não se tratar de um mero aumento da renda, pois que em causa está também a negociação de um novo contrato integrado num verdadeiro processo negocial obrigatório, e, por outro lado, com a necessária e articulada conjugação entre o mercado do arrendamento e a avaliação fiscal do património a tributar.»[4]
É pacífico que, atenta a natureza da comunicação e a finalidade da mesma, a falta dos requisitos materiais previstos no citado artigo 50º do NRAU ou o não cumprimento das regras relativas à forma e destinatário da comunicação tem como consequência a ineficácia da comunicação, tudo se passando como se ela não tivesse sido feita[5].
No caso dos autos, a Ré enviou à Autora, enquanto “arrendatária comercial”, a carta datada de 30.09.2019 junta à p.i. como documento nº ..., recebida pela destinatária em 01.10.2019, onde comunicava a iniciativa de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e de atualização extraordinária da renda mensal para € 927,44, nela se indicando, além do mais, que se tratava do «contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado por anterior senhorio e relativo à parte do edifício (andar ou divisão com utilização independente designadas por E1, L2, L5, L6 e L7 na certidão anexa) no piso 2, 1 e 0 respectivamente, do prédio urbano composto por casa de três pisos, com logradouro, sito na Rua ... freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo nº. ...01 (antigo artigo 584) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº. ...71/freguesia ...» e que «o valor do locado, resultante da soma do valor patrimonial actual das 5 unidades com utilização independente identificadas supra, avaliado nos termos dos artigos 38º e seguintes do CIMI, e que consta da caderneta predial urbana relativa ao prédio de que o mesmo faz parte, é de € 166.940,00».
Na aludida missiva, a Ré remeteu à Autora «cópia da caderneta predial urbana (com quatro folhas) tirada via internet em 23.09.2019», donde constava tanto a localização do prédio como a localização dos vários «andares ou divisões com utilização independente», mormente os designados por E1, L2, L5, L6 e L7, descritos como localizados na «Rua ... – 36 N.º: 26 Lugar: - Código Postal: ... ...» e, quanto à localização das divisões acrescentava o andar: “piso 2” para a divisão E1; “piso 1” para a divisão L2; “piso 0” para as divisões L5 e L7; “p0 p1” para a divisão L6.
Nessa caderneta o espaço designado por E1 está identificado como afeto a “serviços”, e os demais L2, L5, L6 e L7 como afetos a “comércio”, estando a cada um destes espaços atribuída uma área privativa, medida em m2.
Face ao teor daquela carta e aos elementos que a integravam, concluímos que foram respeitados os requisitos previstos no artigo 50º do NRAU.
A Recorrente alega, na conclusão 28ª, que a Ré «não fez à Autora a comunicação com as indicações previstas no artº 50º do NRAU, pois não identificou devidamente o locado».
Porém, se bem que as designações das cinco divisões que integravam o arrendado não houvessem sido utilizadas em declarações negociais no âmbito da cedência do gozo temporário do prédio, consideramos que a caderneta predial fornecia os elementos necessários para permitir a identificação de todos aqueles cinco espaços, objeto do contrato de arrendamento. Como bem se referiu na sentença, «a autonomização espacial das divisões arrendadas à autora se faz, não por qualquer alteração dos números de polícia do edifício, mas antes por identificação dos espaços que estão autonomizados, que é feita, quer por localização do piso ou conjunto de pisos em que se encontram, quer, especialmente, por referência à área, medida em metros quadrados, que ocupam. A autora e ré bem sabem quais os espaços tomados/dados de arrendamento. Com a indicação, assim dada, da área e localização dos pisos, ficou a autora munida de informação mais precisa para a localização dos espaços tomados de arrendamento do que aquela que resulta da escritura que apontou como fonte do vínculo jurídico de arrendamento. Se a informação não é mais precisa, é pelo menos, igualmente valiosa para a identificação do locado.»
Além disso, a Autora na resposta referida em L (carta datada de 23.10.2019), recebida pela Ré a 25.10.2019, não invocou a falta de identificação do locado ou que não conseguia identificar alguma das cinco divisões que o integravam.
Ora, para além de nos parecerem bastantes as indicações constantes da caderneta predial para permitirem a identificação de cada uma das divisões, o normal seria, caso a Autora não conseguisse proceder a tal identificação, indicá-lo na resposta à comunicação que lhe havia sido feita. Só em 10.01.2020 é que suscitou tal questão, a qual também ficou sanada com a remessa pela Ré de planta (v. ponto P) onde se identificavam, por referência à sua representação física, as divisões E1, L2, L5, L6 e L7.
Trata-se de uma questão em que não assiste qualquer razão à Autora, pois esta percebeu os termos da declaração que recebeu da Ré.
Mais, não está demonstrado que na missiva se tenha identificado qualquer divisão que não estivesse a ser ocupada pela Autora e abrangida pelo contrato de arrendamento então em vigor. A comunicação da Ré refere-se a divisões que integravam inequivocamente o arrendado.
Argumenta a Recorrente, na conclusão 29ª, que «[s]ob a designação E1, a caderneta (sem correção da carta) indicava como integrando o locado um espaço destinado a serviços e localizada no piso 2, com a área de com a área bruta privativa, apenas coberta, de 109,67m², apesar de esse espaço não ser capaz de utilização independente, conforme o Facto Provado K, a Autora não ocupava qualquer espaço do prédio destinado a serviços».
Desde logo, atenta a indicação de que tinha a área de 109,67 m2 e que se localizava no piso 2, nenhuma dúvida podia haver sobre a identificação de tal divisão. Basta olhar para o mapa junto com a p.i. como documento nº ... para concluir que nem naquele piso existe qualquer outra divisão independente com aquela área, nem a Autora ocupava aí outra divisão. Daí que seja insuscetível de dar azo a qualquer “confusão” (v. parte inicial da conclusão 29ª).
Quanto à referência a “serviços” constante da caderneta, a qual não era suscetível de levar a qualquer engano por parte da Autora quanto à identificação da divisão E1 pelos motivos que acabamos de expor, verifica-se que se tratou de uma qualificação apenas atribuível à Administração Tributária, pois, vê-se na declaração fiscal junta como doc. nº ... com o requerimento de 03.06.2020 que a unidade E1 foi indicada como estando afeta a comércio.
Além de a referência a serviços não poder ser imputada à Ré, é algo que objetivamente beneficia a Autora no que respeita ao valor da renda, que, quanto à área de 109,67 m2, foi fixada num valor mais baixo (aplicação do índice 1,10, quando deveria ter sido 1,20 – v. art. 41º do CIMI).
Na síntese que realiza na conclusão 39ª, a Recorrente alega que a «comunicação inicial da transição do contrato para o NRAU, com a atualização extraordinária da renda, foi, assim, inquinada por deficiências, imprecisão, falsa autonomização e falsa indicação das afetação, com fictícia valorização do locado, o que, confunde e desvirtua, face à realidade, os elementos essenciais do contrato, nomeadamente quanto ao valor do imóvel, tornado a comunicação e todo o processo de transição para o NRAU ineficaz».
Porém, nenhuma deficiência, imprecisão, falsa autonomização ou falsa indicação da afetação foi cometida pela Ré.
A Recorrente, em vez de se basear na realidade tal como ela emerge dos factos provados, alicerça-se num quadro factual diverso e aplica-lhe um modelo legal que não tem inteira correspondência no vigente. Não atende à circunstância de ser objetiva a existência das cinco divisões que integram o arrendado e confunde a autonomia necessária para a constituição de partes de prédio em frações autónomas no âmbito da propriedade horizontal (v. art. 1415º do Código Civil) com a existência de divisões na área que integra o locado capazes de utilização independente. A procedência da argumentação da Recorrente levaria a considerar que determinados espaços, que integram inequivocamente o locado, não seriam suscetíveis de avaliação e de relativamente a eles ser estabelecida uma atualização da renda. A realidade é que esteja ou não o arrendado dividido em unidades independentes, isso em nada obsta à transição para o regime do NRAU ou à atualização extraordinária da renda com base na área que efetivamente integra o local arrendado.
Pior: confunde o requisito da al. b) do artigo 50º do RAU com realidades que não o integram.
Não estamos perante diversas frações, mas sim perante um único locado, o qual, objetivamente, está subdividido em várias unidades (espaços ou divisões), as quais não têm de ter efetiva autonomia económica e muito menos de reunir os requisitos legais para integrarem frações autónomas em regime de propriedade horizontal, à cabeça dos quais surge, como fundamental, a de constituírem unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.
A Recorrente invoca vários arestos de Tribunais superiores, mas todos eles abordam situações diferentes da dos autos, não sendo possível estabelecer qualquer paralelismo.
Com efeito, na conclusão 31ª a Recorrente invoca o acórdão do STJ de 18.09.2018, proferido no processo 8346/15.7T8LSB.L1.S1, e o acórdão desta Relação de Guimarães de 03.10.2019, proferido no processo 690/16.2T8VVD.G1.
Sucede que os aludidos acórdãos reportam-se a situações diferentes daquela que está em causa nestes autos. O acórdão do STJ respeita a uma situação em que se omitiu um sótão que integrava o locado (a carta remetida pelo senhorio ao arrendatário para atualização de renda referia-se apenas ao ... andar do prédio, mas o arrendamento também integrava um sótão), enquanto o acórdão desta Relação aborda um caso em que se omitiu um logradouro (o locado incluía, além de uma área coberta, um terreno que lhe serve de logradouro e na comunicação inicial do senhorio este limitou-se a indicar o valor do prédio na parte correspondente à área coberta, com exclusão da área de terreno correspondente ao logradouro). No caso dos autos, não se omitiu qualquer parte integrante do locado.
Relativamente ao acórdão do STJ de 24.05.2018, proferido no processo 1848/16.0YLPRT.L1.S2, ao qual já nos referimos atrás, a situação sobre que versou era a de um senhorio que remeteu carta ao inquilino para atualização de renda em que lhe indicou o valor patrimonial tributário correspondente a todo o ... andar do edifício, quando o locado apenas integrava o lado direito desse ... andar, situação sem paralelo com a dos autos.
Na conclusão 32ª, a Recorrente volta a invocar o acórdão desta Relação de Guimarães de 03.10.2019, proferido no processo 690/16.2T8VVD.G1, na parte em que considerou que a possibilidade concedida ao arrendatário de, no prazo do artigo 31º, nº 1, do NRAU, reclamar de qualquer incorreção na inscrição matricial do locado (nº 6 do dito artº 31º), nos termos do disposto no artigo 130.º do CIMI, constitui uma mera faculdade do arrendatário, de cujo não uso não resulta qualquer consequência. Verifica-se que o trecho citado constitui uma referência lateral e que a questão não foi apreciada a título principal, enquanto objeto do recurso. É de recordar que naquele aresto estava em causa a omissão na comunicação do valor patrimonial do logradouro, o qual integrava o locado e não havia sido considerado, situação em que era evidente a ineficácia da comunicação por se ter omitido uma parte integrante do arrendado.
Em todo o caso, o já citado acórdão do STJ de 24.05.2018, proferido no processo 1848/16.0YLPRT.L1.S2, dá uma achega:
«A razão de ser da exigência da comunicação do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, prende-se com a possibilidade de esse valor vir a ser determinante no cálculo da renda, nas situações previstas nos artigos 33.º, n.º 5, al. b), 35.º, n.º 2, als. a), e b), 54.º, n.º 2, do NRAU, na versão dada pela Lei n.º 31/2012, especialmente, quando se verifique oposição do arrendatário, conforme sucedeu no caso dos autos. Se in claris non fit interpretatio e a norma em apreço não podia encerrar maior grau de clareza, o valor do locado que o senhorio deve comunicar ao arrendatário é o valor patrimonial tributário que lhe foi atribuído pelos Serviços de Finanças competentes, com base em declaração do sujeito passivo e após avaliação realizada de acordo com os critérios previstos no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), para efeitos de incidência do imposto municipal sobre imóveis (IMI). Integrada em competência exclusiva da Administração Tributária, a avaliação fiscal dos prédios, ainda que para o efeito da actualização da renda, não está na disponibilidade das partes, nem aos tribunais comuns, como é sabido, cabe o papel de classificar ou avaliar prédios.»
Na conclusão 33ª a Recorrente aduz novamente em seu favor o acórdão do STJ de 18.09.2018, proferido no processo 8346/15.7T8LSB.L1.S1, na parte em que se referia que «a situação em análise não se resume à mera inclusão, naquela comunicação, de conteúdos que foram imprevistos pelo legislador no sobredito artigo 50.º do NRAU, integrando antes a introdução de um elemento gerador de perturbação e insegurança quanto ao efectivo valor do locado, o que, em bom rigor, consubstancia um cumprimento defeituoso de uma indicação ali exigida. (…) «Não se olvida que a recorrida respondeu à missiva em questão (…). Porém, tal resposta não tem o condão de reverter a ineficácia da comunicação remetida pela recorrente, já que, como vimos, a mesma padece, ab initio, de um vício estrutural».
Sucede que o elemento de perturbação na situação sobre que versava o acórdão do STJ, sem paralelo no caso dos autos, era «a comunicação efectuada pela autora (senhoria) à ré (arrendatária) do valor do locado, avaliado nos termos do CIMI, ao indicar, para esse efeito, o valor patrimonial tributário correspondente ao ... andar, no seu todo, quando o arrendado respeita a uma parte deste – o seu lado direito –, sendo, portanto, prédio distinto daquele que figura na matriz».
Daí que a conclusão de que «a exigência do cumprimento rigoroso dos critérios objectivos fixados pelo legislador conducentes à actualização da renda» não se compadecer com «uma ficção – o arrendamento de uma unidade (... andar) como se duas realidades autónomas se tratassem (lados esquerdo e direito) – que não encontra correspondência na realidade que foi, concretamente, objecto de avaliação para efeitos do cálculo do valor patrimonial tributário que o envio de cópia da caderneta predial ao locatário visa documentar».
Quanto ao acórdão da Relação do Porto de 27.09.2016, proferido no processo 5538/15.2T8PRT.P1, invocado na conclusão 39ª, verifica-se que versa sobre um caso inteiramente distinto do dos autos, em que a comunicação do senhorio ao inquilino, de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, não fazia sequer alusão ao valor do locado, nem juntava cópia da caderneta predial urbana, tudo contrariamente ao estabelecido no artigo 50º do NRAU.
Por último, quanto ao acórdão da Relação de Évora de 17.01.2019, mencionado na conclusão 40ª, o mesmo versa sobre uma situação de grosseira não observância de requisitos de ordem formal e substancial: a carta do senhorio foi remetida ao inquilino sem ser por correio registado com aviso de receção (requisito de ordem formal – v. artigo 9º, nºs 1 e 6 da Lei nº 6/2006) e sem conter todos os elementos previstos nas alíneas do nº 1 do artigo 50º do NRAU.
Vejamos agora a questão da «fictícia valorização do locado».
Sobre tal matéria, a Autora alegou na petição inicial que «[f]oi o actual sócio gerente da R, então na qualidade de senhorio, que, ao promover a última avaliação fiscal do prédio (a caderneta predial refere a apresentação da Declaração Mod.1 do IMI em 05-04-2018), modificou o teor da inscrição matricial, declarando o prédio dividido na, até 20-02-2020, incompreensível designação de partes E1, L2, L5, L6 e L7, mais incompreensível pela indicação de falsas afectações, que visou determinar a fixação de renda mais elevada». No artigo 31º da petição inicial, foi ainda alegada a «falsa autonomização de divisões».
Sucede que a Autora não logrou provar a apontada tese factual, a qual nenhum respaldo obtém nos factos provados.
Já vimos atrás que a Ré não procedeu à «indicação de falsas afectações», sendo isso bem patente na declaração fiscal (modelo 1) junta como doc. nº ... com o requerimento de 03.06.2020, onde a unidade E1 foi indicada como estando afeta a comércio.
Por outro lado, não ocorreu uma falsa autonomização de divisões. Essas divisões físicas do locado constituem uma realidade e não uma ficção. A própria Autora acaba por reconhecer essa autonomia quando, tanto no articulado como nas alegações, sustenta que quatro dessas divisões se destinam a arrecadação e arrumos “à porta fechada”, sendo que a quinta, que é a loja principal, tem igualmente porta que a autonomiza. Aliás, a questão é tão bizantina que não se descortina outro modo de descrever o locado e as suas componentes físicas. Daí que a subtileza argumentativa, que não se acompanha, chegue ao extremo de preconizar como uma única unidade duas objetivas divisões que até se situam em pisos diferentes, isso sim uma verdadeira ficção.
Mais, a Recorrente, recebida em 01.10.2019 a carta expedida pela Recorrida em 30.09.2019, não suscitou qualquer dúvida sobre qualquer uma das cinco unidades, designadamente sobre a suscetibilidade de utilização independente, o uso a que se destinavam ou qualquer outro elemento.
Acresce que não resulta da factualidade provada a introdução falseada de qualquer elemento suscetível de incrementar, de modo desconforme com a realidade, o valor da renda.
Finalmente, é bom notar que a Autora, na sua carta de 07.02.2020 (doc. ... da p.i.), apenas suscitou duas questões:
a) se as divisões com utilização independente designadas por E1, L2, L5, L6 e L7 «são efetivamente ocupadas por nós, e nessa medida o valor patrimonial que serviu de base ao cálculo da renda nos termos dos artigos 54º, 2 e 35º 2, als a) e b) do NRAU pode ser inexacto, por compreender divisões não ocupadas»;
b) ignorar se as áreas constantes da caderneta predial dessas unidades estavam corretas («Também ignoramos se as áreas das referidas divisões constantes da caderneta predial, são exactas o que influencia igualmente valor patrimonial tributário e consequentemente a renda»).
Quanto à questão a), verifica-se que as divisões designadas por E1, L2, L5, L6 e L7 não compreendiam qualquer divisão que não estivesse ocupada pela Autora.
No concernente à questão b), não resulta dos autos a inexatidão de qualquer das áreas das referidas divisões.
Pelo exposto, tal como bem concluiu o Tribunal recorrido, a declaração negocial da Ré, transmitida por carta de 30.09.2019, que chegou ao conhecimento da Autora a 01.10.2019, é eficaz, pois não padece de qualquer vício, deficiência ou imprecisão relevante.
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2.2.2.3. Das rendas
Como não foi julgado procedente o pedido de declaração da ineficácia da comunicação da Ré, a sua declaração negocial produziu efeitos quanto à atualização da renda e à futura transição para o NRAU e, nos termos previstos nos artigos 50º, 51º, nºs 3 e 4, e 54º, nºs 1 e 2, do NRAU.
Atenta a oposição da Autora, o contrato de arrendamento só ficaria submetido ao NRAU no prazo de dez anos a contar da receção, pela Ré, da resposta referida em L, sem prejuízo de se considerar que tal questão perdeu pertinência em virtude de ambas as partes terem comunicado que o contrato de arrendamento terá cessado em agosto de 2022.
Assente a eficácia da declaração negocial por si emitida, à Ré assistia o direito de atualizar a renda nos termos estabelecidos nos artigos 54º, nº 2, e 35º, nº 2, als. a) e b), do NRAU.
Por isso, sendo o valor do locado de € 166.940,00, a renda mensal fixar-se-ia em € 927,44 (166.940,00:15:12=927,44).
Pelo exposto, improcedem as conclusões na parte em que se sustentava que a Ré deveria restituir à Ré o montante de «o montante de 17.230,08€ (=29678,08-12.448) de rendas em excesso» (v. conclusão 41ª) ou o excedente ao «valor mensal de 350,11€, no montante de 18.474,56 (=29.678,08-350,11x32)» (v. a al. a) com que a Recorrente termina as suas alegações).
Termos em que improcede totalmente a apelação.
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III – DECISÃO
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença.
Custas a suportar pela Recorrente.
Joaquim Boavida
Raquel G.C. Batista Tavares
Eva Almeida
[1] Não se transcrevem as conclusões 1ª a 22ª, por conterem a descrição das posições das partes manifestadas nos articulados e dos actos processuais. [2] «Cumpre-me informar V. Exª. de que tendo visitado os locais, verifiquei que as lojas situadas na Rua ..., com o nº de polícia ...4 e no Largo ..., com os nºs. 3, 5, 7 e 9, destinam-se a fins comerciais». [3] Disponível em www.dgsi.pt, tal como todos os demais acórdãos que doravante se citarem. [4] No acórdão do STJ de 18.09.2018, proferido no processo 8346/15.7T8LSB.L1.S1, pela mesma relatora, voltou a sublinhar-se a referida argumentação. [5] A título de exemplo, defendem esta posição os acórdãos do STJ de 24.05.2018 (processo 1848/16.0YLPRT.L1.S2) e de 18.09.2018 (processo 8346/15.7T8LSB.L1.S1).