I - O processo para delegação da execução de sentenças penais portuguesas no estrangeiro, que se integra no âmbito da cooperação internacional em matéria penal, encontra suporte legal na Lei n.º nº 144/99 de 31 de agosto – concretamente nos seus artigos 104º a 109º – e pode ocorrer, designadamente, para execução de uma sentença penal condenatória proferida por um tribunal português no país de origem do condenado no qual o mesmo se encontre a residir.
II - Verificando-se que o Ministério Público tem legitimidade para promover o procedimento, nos termos previstos no artigo 107º, nº 3 da Lei nº 144/99 de 31 de agosto, que a situação em causa se subsume às alíneas a), c), d) e f) do nº 1 do artigo 104º da mesma lei, e considerando que tais alíneas são totalmente autónomas, devendo ser aplicadas em alternatividade, não se exigindo em nenhuma delas o consentimento do condenado, nada obsta a que se decrete a admissibilidade de delegação da execução da sentença penal portuguesa no Estado do qual o condenado é nacional e no qual se encontra a residir
Instruiu o pedido com:
- Despacho de Sua Excelência a Sr.ª Procuradora Geral da República que declarou admissível o pedido de delegação na República Federativa do Brasil da execução da sentença proferida no âmbito do Processo Comum Coletivo registado sob o n.º 164/18.7…, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Central Criminal de … – juiz …
- Certidão extraída dos mesmos autos para, em obediência ao princípio da reciprocidade, solicitar a delegação da execução de decisão de Portugal na República Federativa do Brasil, para cumprimento da pena de prisão imposta ao cidadão de nacionalidade brasileira AA.
- Certidão do acórdão condenatório.
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No requerimento inicial foi solicitada pelo Ministério Público e determinada, por despacho datado de 30.01.2023, a expedição de carta rogatória dirigida à Justiça do Brasil para obtenção do consentimento do condenado, por se ter considerado tal consentimento necessário para o deferimento do pedido de delegação da execução da sentença no estrangeiro, de acordo com o disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 104º, Lei nº 144/99 de 31 de agosto.
Expedida tal carta rogatória para obtenção de consentimento do condenado, veio a mesma a ser devolvida sem o cumprimento adequado, o que determinou a prolação de despacho, datado de 31.05.2023, determinando a sua reexpedição, diligência que acabaria por se não concretizar em cumprimento do despacho proferido em 02.06.2023, em virtude de aí se ter concluído não ser exigível, na presente situação, o consentimento do condenado para o deferimento do pedido de delegação da execução da sentença no estrangeiro.
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Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre apreciar e decidir, sendo este Tribunal competente para o efeito, nos termos do disposto no artigo 107º nº 3 da Lei nº 144/99.
Não se verificam nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito dos autos.
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II – Fundamentação.
II.I Delimitação do objeto do recurso.
No presente recurso é apenas uma a questão a apreciar e a decidir, qual seja a de determinar se se encontram preenchidos o requisitos legais para que se defira o pedido de delegação da execução na República Federativa do Brasil do acórdão proferido no Processo Comum Coletivo registado sob o n.º 164/18.7…, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Central Criminal de … – juiz …, com vista ao cumprimento da pena de prisão imposta em tal processo.
II.II - Apreciação do mérito do recurso.
Dos diversos documentos constantes dos autos com os quais se encontra instruído o requerimento inicial, decorre demonstrado o seguinte:
1. No âmbito do Processo Comum Coletivo, registados sob o n.º 164/18.7…, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Central Criminal de … – juiz …, AA, filho de BB e de CC, nascido a … 1979, natural do Brasil e residente na Rua …, Brasil, foi condenado por acórdão, transitado em julgado em 15 de Junho de 2022, na pena única de cinco anos e quatro meses de prisão, pela prática dos seguintes crimes:
a) Um crime de perseguição agravada, p. e p. pelos artigos 154°-A e 155° n.°1 alíneas a) e c) do CP, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
b) Um crime de perseguição agravada, p. e p. pelos artigos 154°-A e 155° n.°1 alíneas a) e c) do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
c) Um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180° n.º 1, 184° e 132° n°2 al. l) do CP, na pena de 3 (três) meses de prisão;
d) Um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181° n.°1, 184° e 132° n.°2 al. l) do CP, na pena de 2 (dois) meses de prisão;
e) Um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153° n.°1 e 155° n.°1 alíneas a) e c) do CP, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
f) Um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153° n.°1 e 155° n.°1 alíneas a) e c) do CP, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
g) Um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153° n.°1 e 155° n.°1 alíneas a) e c) do CP, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
h) Um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153° n.°1 e 155° n.°1 alíneas a) e c) do CP, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
i) um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153° n.°1 e 155° n.°1 alíneas a) e c) do CP, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
j) um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153° n.°1 e 155° n.°1 alíneas a) e c) do CP, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
k) um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153° n.°1 e 155° n.°1 alíneas a) e c) do CP, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
2. A referida pena não se encontra extinta por efeito da prescrição.
3. No âmbito dos referidos autos o condenado não sofreu privação de liberdade.
4. O condenado é cidadão nacional da República Federativa do Brasil, onde nasceu.
5. O condenado reside na República Federativa do Brasil, concretamente na Rua …, …, …, Brasil.
6. O cumprimento da pena na República Federativa do Brasil, onde reside e tem a sua família, permitir-lhe-á uma melhor reinserção social.
7. O condenado, sendo de nacionalidade brasileira, não pode ser extraditado. (1)
8. A transmissão à República Federativa do Brasil do pedido de delegação de execução da pena que ao predito cidadão foi imposta no Processo n.º 164/18.7… foi considerada admissível por despacho de S.ª Ex.ª a Procuradora Geral da República, proferido no exercício das competências que lhe foram delegadas pela alínea c) do Despacho n° 4564/2022, de 8 de Abril de 2022, publicado no Diário da República, n° 77, 2ª Série, de 20 de Abril de 2022.
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O processo para delegação da execução de sentenças penais portuguesas no estrangeiro, que se integra no âmbito da cooperação internacional em matéria penal, encontra suporte legal na Lei n.º nº 144/99 de 31 de agosto – concretamente nos seus artigos 104º a 109º – e pode ocorrer, designadamente, para execução de uma sentença penal condenatória proferida por um tribunal português no país de origem do condenado no qual o mesmo se encontre a residir, tal como sucede na situação dos autos.
Na situação vertente, solicitou o Ministério Público junto deste Tribunal o deferimento do pedido de delegação da execução no estrangeiro do acórdão proferido no Processo Comum Coletivo registado sob o n.º 164/18.7…, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Central Criminal de … – juiz …, para cumprimento no Brasil da pena de prisão imposta em tal processo.
As condições da delegação encontram-se estabelecidas no artigo 4º da lei n.º 144/99 de 31 de agosto, que estabelece:
“Artigo 104.º
Condições da delegação
1 - Pode ser delegada num Estado estrangeiro a execução de uma sentença penal portuguesa quando, para além das condições gerais previstas neste diploma:
a) O condenado for nacional desse Estado, ou de um terceiro Estado ou apátrida e tenha residência habitual naquele Estado;
b) O condenado for português, desde que resida habitualmente no Estado estrangeiro;
c) Não for possível ou não se julgar aconselhável obter a extradição para cumprimento da sentença portuguesa;
d) Existirem razões para crer que a delegação permitirá melhor reinserção social do condenado;
e) O condenado, tratando-se de reação criminal privativa da liberdade, informado das consequências da execução no estrangeiro, der o seu consentimento;
f) A duração da pena ou medida de segurança impostas na sentença não for inferior a um ano ou, tratando-se de pena pecuniária, o seu montante não for inferior a quantia equivalente a 30 unidades de conta processual, podendo, no entanto, mediante acordo com o Estado estrangeiro, dispensar-se esta condição em casos especiais, designadamente em função do estado de saúde do condenado ou de outras razões de ordem familiar ou profissional.
2 - Verificadas as condições do número anterior, a delegação é ainda admissível se o condenado estiver a cumprir reação criminal privativa da liberdade no Estado estrangeiro por facto distinto dos que motivaram a condenação em Portugal.
3 - A execução no estrangeiro de sentença portuguesa que impõe reação criminal privativa de liberdade é também admissível, ainda que não se verifiquem as condições das alíneas d) e e) do n.º 1, quando o condenado se encontrar no território do Estado estrangeiro e a extradição não for possível ou for negada, pelos factos constantes da sentença.
4 - O disposto no número anterior pode também aplicar-se, sempre que as circunstâncias do caso o aconselhem, mediante acordo com o Estado estrangeiro, quando houver lugar à aplicação de pena acessória de expulsão.
5 - A delegação está subordinada à condição de não agravação, no Estado estrangeiro, da reação imposta na sentença portuguesa.
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Por seu turno, o artigo 107º do mesmo diploma legal regula nos seguintes termos o processo de delegação:
“Artigo 107.º
Processo da delegação
1 - O pedido de delegação da execução de sentença num Estado estrangeiro é formulado ao Ministro da Justiça pelo Procurador-Geral da República, a pedido daquele Estado, por iniciativa do Ministério Público, ou a requerimento do condenado, do assistente ou da parte civil, neste último caso circunscrito à execução da indemnização civil constante da sentença.
2 - O Ministro da Justiça decide no prazo de 15 dias.
3 - Se o Ministro da Justiça o considerar admissível, o pedido é transmitido de imediato, pela Procuradoria-Geral da República, ao Ministério Público junto do tribunal da Relação, para que promova o respetivo procedimento.
4 - Quando for necessário o consentimento do condenado, deve o mesmo ser prestado perante aquele tribunal, salvo se ele se encontrar no estrangeiro, caso em que pode ser prestado perante uma autoridade consular portuguesa ou perante uma autoridade judiciária estrangeira.
5 - Se o condenado se encontrar em Portugal, o Ministério Público requer a sua notificação para, em 10 dias, dizer o que tiver por conveniente, quando não for ele a deduzir o pedido.
6 - A falta de resposta do condenado equivale a concordância com o pedido, disso devendo ser advertido no acto da notificação.
7 - Para os efeitos dos n.os 4 e 6, é expedida carta rogatória à autoridade estrangeira ou enviado ofício à autoridade consular portuguesa, fixando-se, em ambos os casos, prazo para o seu cumprimento.
8 - O tribunal da Relação procede às diligências que reputar necessárias para a decisão, incluindo, para o efeito, a apresentação do processo da condenação, se este não lhe tiver sido já remetido.”
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Na situação em análise, analisada a factualidade acima explicitada, constatamos que se encontram verificadas as condições estabelecidas pelas alíneas a), c) d) e f) do nº 1 do artigo 104º da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, pois que:
- O condenado tem nacionalidade brasileira e reside habitualmente no Brasil (alínea a));
- Sendo brasileiro e não extraditando o Brasil os seus cidadãos, não é possível obter a sua extradição para cumprimento da sentença portuguesa (alínea c);
- O cumprimento da pena na República Federativa do Brasil, onde reside e tem a sua família, permitirá uma melhor reinserção social do condenado; (alínea d))
- A duração da pena imposta na sentença não é inferior a um ano, computando-se em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão. (alínea f)).
Verificando-se, assim, que o Ministério Público tem legitimidade para promover o presente procedimento, nos termos previstos no artigo 107º, 3 da Lei nº 144/99 de 31 de agosto, que a situação dos autos se subsume às alíneas a), c), d) e f) do nº 1 do artigo 104º da mesma lei e considerando que tais alíneas são totalmente autónomas, devendo ser aplicadas em alternatividade, não se exigindo em nenhuma delas o consentimento do condenado, nada obsta a que se decrete a admissibilidade de delegação da execução da sentença solicitada no requerimento inicial.
Nesta conformidade, considerando a matéria de facto acima referida e, bem assim, os fundamentos de direito explicitados, somos a concluir encontrarem-se verificados todos os pressupostos de que depende a delegação da execução na República Federativa do Brasil da sentença penal condenatória portuguesa, concretamente do acórdão proferido no processo comum coletivo, registado sob o n.º 164/18.7…, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Central Criminal de … – juiz …, devidamente transitado em julgado, que condenou o cidadão brasileiro na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, nos termos solicitados, pelo que cumpre deferir o pedido.
Nos termos do nº 5 do artigo 104º da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, a delegação fica condicionada à não agravação pelo Estado executor da sanção imposta na sentença cuja execução se delega.
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III- Dispositivo.
Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em deferir o pedido apresentado pelo Ministério Público e, consequentemente, em declarar a admissibilidade da delegação da execução na República Federativa do Brasil da sentença penal condenatória portuguesa, concretamente do acórdão proferido no processo comum coletivo, registado sob o n.º 164/18.7…, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Central Criminal de … – juiz…, devidamente transitado em julgado, que condenou o cidadão brasileiro na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, sob a condição do não agravamento da sanção pelo Estado delegado.
Sem custas.
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(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelas signatárias)
Évora, 6 de junho de 2023
Maria Clara Figueiredo
Fernanda Palma
Maria Margarida Bacelar
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1 A Constituição da República Federativa do Brasil proíbe a extradição de cidadãos brasileiros exceto, em certos casos, dos naturalizados, prescrevendo o seu artigo no artigo 5º, LI, que:
“Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.”