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INTERESSE EM AGIR NO RECURSO
PRÉDIO URBANO VS PRÉDIO RÚSTICO
REQUISITOS DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
TERRENO APTO PARA CULTURA
Sumário
1- O interesse em recorrer é determinado em função da utilidade que para a parte possa resultar do recurso. Ou seja, a parte principal vencida tem interesse em recorrer se, por intermédio do recurso pode obter a revogação da decisão que lhe foi desfavorável, isto é, a revogação da decisão que desatendeu o efeito jurídico pretendido. 2- Para que possa qualificar-se como urbano ou seu componente, torna-se necessário que o prédio tenha um edifício incorporado, com carácter de permanência. Se no prédio não existe qualquer edifício incorporado com carácter de permanência, o prédio tem-se por rústico. Um imóvel sem qualquer construção não levanta quaisquer dúvidas quanto à sua qualificação como rústico à luz do art.º 204º nº 2 do CC. 3- Uma casa pré-fabricada, assente meramente no solo, uma tenda, uma barraca de madeira, não transformam um prédio rústico em prédio urbano. Para afastar o direito de preferência, o adquirente terá de provar que a sua intenção (o fim do negócio) foi dar ao terreno uma outra afectação ou destino, mas só isso não basta: ele terá de provar ainda que nada se opõe a que a sua intenção se concretize e que, portanto, a mudança de destino é legalmente possível. 4- Desde que o autor faça prova de todos os pressupostos ou requisitos constitutivos do direito de preferência previsto no art.º 1380º nº 1 do CC, o réu só logrará afastar o direito de preferência se provar que a sua aquisição preenche alguma das hipóteses mencionadas numa das duas alíneas do art.º 1381º do CC. 5- A lei não exige, no art.º 1380º nº 1 do CC, como requisito constitutivo do exercício do direito de preferência, a alegação e prova da efectiva exploração agrícola de qualquer dos prédios. Recorde-se que no art.º 1376º nº 1 (que inicia a Secção VII relativa ao fracionamento e emparcelamento de prédios rústicos, onde se insere o ar.tº 1380º) se refere expressamente terrenos aptos para cultura e não terrenos cultivados.
Texto Integral
Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
1-MFB, instaurou acção de preferência, com processo comum, contra MJFA, TDTM (vendedoras) e contra LM e VM (compradores), pedindo:
1- Reconhecer-se que o autor tem o direito de preferência em relação à compra, pelo valor de €46.150,00, do prédio rustico, composto por cultura arvense, com a área de 5 200 m2, denominado Alto …, sito em Assafora, inscrito na matriz cadastral rústica da freguesia de São João das Lampas e Terrugem sob o artigo … Secção A e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº 9…da freguesia de São João das Lampas;
2- Declarar-se que o autor tem o direito de se substituir aos 3ºs réus na posição que estes ocupam no referido contrato de compra e venda;
3 – Consequentemente, deve ser ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor do 3ºs réus e efectuado o registo de aquisição a favor do autor.
Alegou, em síntese, que é dono de um prédio rústico composto de cultura arvense, sito em Assafora, com a área de 5.200m2, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1…da secção A da união das freguesias de São João das Lampas e Terrugem e que esse imóvel confronta a norte com outro prédio rústico, composto de cultura arvense, sito em Assafora, com a área de 5.200m2, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 5…da secção A da união das freguesias de São João das Lampas e Terrugem, que era propriedade da 1ª e da 2ª rés, que por contrato celebrado em 25.02.2021, o venderam à 3ª e ao 4º réus, pelo preço de 46.150€
Mais alegaram que a 1ª e a 2ª rés não comunicaram ao autor as condições de venda do imóvel, para que este pudesse exercer o respectivo direito de preferência, uma vez que o terreno do autor tem área inferior à unidade de cultura e é confinante com o terreno vendido, sendo que a 3ª e o 4º réus não são proprietários de qualquer terreno confinante ao das demais rés.
Conclui que deve ser reconhecido ao autor o direito de preferência na aquisição do referido imóvel.
Efectuou o depósito legalmente previsto.
2- Citadas, as rés MJFA e TDTM, contestaram; em suma, reconheceram que o autor é dono do imóvel inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1… da secção A da união das freguesias de São João das Lampas e Terrugem, que esse imóvel confina a norte com o prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 5…da secção A da união das freguesias de São João das Lampas e Terrugem, que era propriedade das ora rés e que procederam à sua venda aos Réus LM e VM.
Mais alegaram que tentavam vender o imóvel desde há cerca de 4 anos, tendo publicitado essa sua pretensão através de uma agência imobiliária e embora o autor tive perfeito conhecimento da intenção das ora rés em vender aquele imóvel, nunca demonstrou qualquer interesse em adquiri-lo.
Alegaram ainda que os réus LM e VM, apesar de residirem na Alemanha, adquiriram o imóvel em causa para aí edificar uma construção do tipo modular ou pré-fabricada, o que fariam por respeito às condicionantes impostas pelo PDM e pela inserção da do imóvel em área da RAN/REN e após apresentação junto da Câmara Municipal de Sintra do respectivo projecto de arquitectura, nunca tendo sido intenção dos actuais proprietários a de afectar o terreno adquirido ao cultivo agrícola, facto este impeditivo do direito de preferência, conforme plasmado na alínea a) do artigo 1381.º do Código Civil, razão pela qual não cabia às rés enviar qualquer comunicação ao autor para o exercício do alegado direito de preferência.
Mais alegaram que o terreno da propriedade do autor não é efectivamente aplicado à exploração agrícola/florestal, sendo um terreno baldio desde há muitos anos, não gozando o autor, por isso, do invocado direito de preferência, atenta a ratio legis subjacente à norma prevista no nº 1 do artigo 1380º do Código Civil.
Concluíram defendendo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
3- Citados, os réus os Réus LM e VM apresentaram contestação, na qual, em suma, reconheceram que o autor é dono do imóvel inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1…da secção A da união das freguesias de São João das Lampas e Terrugem, que esse imóvel confina a norte com o prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 5…da secção A da união das freguesias de São João das Lampas e Terrugem, que era propriedade das Rés MJFA e TDTM e que procederam à sua venda aos ora réus.
Mais alegaram que o terreno da propriedade do autor é um terreno baldio ou, pelo menos, sem qualquer actividade agrícola/florestal, não gozando o autor, por isso, do invocado direito de preferência, atenta a ratio legis subjacente à norma prevista no n.º 1 do artigo 1380.º do Código Civil.
Alegaram ainda que adquiriram o imóvel em causa para aí edificar uma casa móvel/em madeira, para quando regressarem a Portugal aí gozarem a sua reforma e que o facto de o terreno em causa ser rústico e inserido em área denominada RAN/REN não constitui, por si só, em abstracto, empecilho legal a que ali se possa construir casas de tipo móvel ou modular, uma vez que se trata de terreno servido de infra-estrutura eléctrica, de saneamento, acessível por estrada municipal/nacional alcatroada e próximo de outros casarios, facto este impeditivo do direito de preferência, conforme plasmado na alínea a), 2ª parte, do artigo 1381º do Código Civil
Concluíram defendendo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
4- O autor e os réus LM e VM foram convidados a aperfeiçoar as respectivas peças processuais.
5- Os réus LM e VM vieram esclarecer que em relação ao solo do prédio ora em causa, de acordo com o plano director municipal do Município de Sintra e demais legislação aplicável, o mesmo estava qualificado como rústico e espaço agrícola. E que de acordo com o Plano de Pormenor da Praia Grande, não é possível a construção no artigo 5… da secção A da União das Freguesias de São João das Lampas e Terrugem sem o parecer favorável dos serviços municipais competentes.
6- O autor veio esclarecer que o seu terreno é utilizado para culturas agrícolas como ainda sucede. Respondeu à excepção invocada pelos réus dizendo não ser aplicável a previsão do art 1381º, al. a) do CC.
7- Realizada audiência prévia foi indicado o objecto do litígio e os temas de prova.
8- Realizada audiência final foi proferida sentença, com data de 28/08/2022 foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório:
“V – Decisão Face ao exposto, o Tribunal decide julgar procedente a presente acção e, em consequência, decide: 1. reconhecer que o Autor MFB tem o direito de preferência em relação à compra realizada em 25.02.2021, pelo valor de € 46.150 (quarenta e seis mil cento e cinquenta euros), do prédio rústico denominado “Alto …”, sito em Assafora, com a área total de 5200m2, composto de cultura arvense, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 5… da secção A da União das freguesias de São João das Lampas e Terrugem e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º 9… da freguesia de São João das Lampas 2. determinar, em consequência, a substituição, na posição do comprador, da pessoa dos Réus LM e VM, pelo Autor, quanto à aquisição do prédio rústico supra mencionado em 1, passando o Autor a ocupar a posição daqueles; 3. determinar o cancelamento da inscrição registral da aquisição a favor dos Réus LM e VM (ap. 2556 de 25.02.2021) e a inscrição da aquisição a favor do Autor; 4. atribuir aos Réus, Réus LM e VM, a quantia depositada nos autos a título do preço do imóvel, ou seja, € 46.150 (quarenta e seis mil cento e cinquenta euros).”
9- Inconformadas, as rés MJFA e TDTM (vendedoras) interpuseram o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: DO OBJECTO DO PRESENTE RECURSO
I. Vem o presente recurso interposto da Sentença que julgou procedente a presente acção e, em consequência, reconheceu que o Autor tem o direito de preferência em relação à compra de determinado imóvel;
II. O Tribunal a quo entendeu que o Autor não tem que provar que dedica o seu próprio terreno a actividade agrícola e que não tem que provar a sua intenção de destinar os terrenos (o seu e o adquirido através desta acção) a actividade agrícola;
III. Relativamente aos Réus, o Tribunal a quo entendeu que estes não lograram demonstrar que a compra tenha sido levada a cabo com a intenção de não destinar o terreno a actividade agrícola e que fosse legalmente viável afectar o terreno ao destino por si pretendido;
IV. Tais conclusões resultam de erros na fixação da matéria de facto dada como provada e como não provada e de uma errada interpretação das normas jurídicas relativas ao direito II - MOTIVAÇÕES DE RECURSO Reclamação da fundamentação de facto
- Dos factos dados como não provados
V. Ponto iii) Os Réus LM e VM compraram o imóvel mencionado em 2. com a intenção de aí instalar uma casa móvel/em madeira e aí residirem, quando regressarem a Portugal;
VI. O Tribunal a quo deu tal facto como não provado por entender necessário existirem outros meios de prova no sentido de os Réus compradores inquirirem junto da Câmara Municipal de Sintra acerca da viabilidade de instalarem uma casa móvel ou em madeira no referido terreno;
VII. Acontece, porém, que o recurso a regras de experiência comum em face do teor das afirmações da testemunha AM leva que tal ponto da matéria dada como não provada tivesse que ter sido dado como provado. Senão vejamos;
VIII. Do depoimento supra referido e transcrito podemos retirar os seguintes factos:
• Que os Réus compradores se dedicaram toda a vida à actividade de construção, ele, e à actividade doméstica, ela, não existindo qualquer menção no processo a alguma vez se terem dedicado à actividade agrícola ou perceberem alguma coisa desta;
• Que os Réus compradores pretendiam adquirir um sítio para morar perto dos filhos e dos netos para poderem prestar apoio à sua Família;
• Que os Réus compradores não tinham possibilidade de adquirir um apartamento ou uma vivenda.
IX. Nada no teor deste depoimento aponta no sentido de faltar credibilidade ao mesmo e o próprio Tribunal a quo também não coloca em questão a credibilidade deste depoimento;
X. Fazendo recurso às regras de experiência comum torna-se evidente que a intenção dos Réus compradores ao adquirirem o terreno jamais foi a de o dedicarem à actividade agrícola, atendendo ao facto de que as restantes alternativas não se conformam com os factos decorrentes do depoimento supra transcrito conforme supra melhor explicado nas
alegações;
XI. Ficando demonstrada que a intenção da compra era a de poderem viverem no terreno,
vejamos se argumentos levantados pelo Tribunal a quo em oposição a dar como provado
tal ponto são suficientes;
XII. Tal oposição assenta em dois pontos, por um lado no facto de o contrato de compra e venda referir que os Réus compradores destinam o terreno a ser rústico e, por outro, que face à sua alegada intenção seria necessário que tivessem inquirido a Edilidade competente acerca da viabilidade da sua pretensão e não apenas acreditado na palavra da mediadora;
XIII. Os Réus compradores afirmam na sua Contestação que a sua intenção era colocarem no terreno uma casa móvel ou seja uma caravana ou uma auto caravana ou, se possível, uma casa de madeira ou um pré-fabricado;
XIV. A colocação no terreno de algo com carácter temporário e, eventualmente, móvel (desde que não implique impermeabilização do terreno), não levaria à alteração da natureza rústica do terreno, pelo que cai por terra o primeiro ponto levantado pelo Tribunal a quo;
XV. Relativamente ao segundo ponto não se concorda com o entendimento do Tribunal a quo relativamente ao que este entende verificar-se na normalidade do comércio jurídico;
XVI. De facto, infelizmente, a grande maioria dos intervenientes em compras e vendas de terrenos que não o sejam numa qualidade profissional, confiam nas informações que lhes são transmitidas oralmente por mediadores, vendedores, amigos e outras pessoas;
XVII. Não sendo por isso motivo de estranheza que dois cidadãos Moldavos numa idade já próxima da reforma, pretendendo adquirir um imóvel relativamente perto dos seus filhos e não tendo dinheiro para adquirir uma casa ou apartamento tenham adquirido um terreno tendo acreditado na possibilidade de aí instalarem uma casa móvel, em madeira ou pré-fabricado, com base nas informações transmitidas pela imobiliária;
XVIII. No mundo real o facto é que grande parte dos negócios de compra e venda de terrenos (nos quais as partes não são profissionais) se fazem apenas com base nas informações prestadas por mediadores;
XIX. Não sendo os motivos invocados pelo Tribunal a quo suficientes para afastar a prova produzida em Tribunal através do depoimento supra referido e transcrito, impõe-se a alteração da matéria dada como provada e como não provada eliminando-se o ponto iii)
dos factos não provados e aditando-se aos factos provados um ponto 13. com o seguinte
texto:
“Os Réus LM e VM compraram o imóvel mencionado em 2. com a intenção de aí instalar uma casa móvel/em madeira e aí residirem, quando regressarem a Portugal.”
XX. Estando provada tal matéria, verifica-se que existe um facto extintivo, impeditivo ou
modificativo do direito invocado pelo Autor por aplicação da parte final da alínea a) do art.º 1381.º do Código Civil;
XXI. Atendendo a tudo o supra aduzido e aplicando-se o direito aos factos, verifica-se que a Sentença não se pode manter nos termos em que foi proferida, devendo ser substituída por outra que declare totalmente improcedente, por não provada a presente acção;
Caso assim não se entenda o que, por mero dever de patrocínio, à cautela, sem conceder se admite, sempre se diga que,
XXII. O Tribunal a quo entendeu que o Autor fez prova dos factos constitutivos do seu direito entendendo que não é necessário que este demonstre que o seu terreno se encontra afecto a actividade agrícola;
XXIII. Tal entendimento atenta contra o objectivo visado pela criação deste direito de preferência e encontra-se em clara oposição com grande parte da Jurisprudência da qual o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 14/01/2021, proferido no âmbito do processo n.º 892/18.7T8BJA.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt é apenas um exemplo;
XXIV. E, o motivo pelo qual o Tribunal a quo defende tal posição prende-se com a possibilidade de tal terreno não estar a ser utilizado para esse fim por não ter área suficiente para permitir o seu aproveitamento suficiente ou até poder estar em pousio;
XXV. Ora, se é este o caso então a alegação e prova desses factos recaía sobre o Autor, que não os demonstrou ao contrário dos Réus que demonstraram que o terreno em questão não se encontra correntemente afecto a qualquer exploração agrícola;
XXVI. Motivos pelos quais não se pode manter tal entendimento nem a decisão do Tribunal a quo;
XXVII. Para além disso, o entendimento expresso pelo Tribunal a quo revela uma outra questão que este não teve em conta;
XXVIII. Existindo este direito de preferência para permitir o aproveitamento fundiário eficiente então é lógico que quem invoque o direito tenha de demonstrar a intenção de o estar a exercer para levar a cabo actividade agrícola em ambos os terrenos;
XXIX. De outra forma, estar-se-ia perante uma restrição ao direito de propriedade que não cumpre o fim para o qual foi criada;
XXX. Bem assim como se estaria a exigir uma prova de intenção por parte dos Réus para impedir o direito do Autor sem que, de igual forma, se exigisse do Autor a prova de que se encontram preenchidos os requisitos do direito em que se arroga ou seja, que o exercício do direito deste preenche o desiderato para o qual a restrição legal ao direito de propriedade foi criada;
XXXI. Relativamente a esta matéria e analisados os factos dados como provados, apenas ficou provado que o terreno do Autor não está afecto a qualquer exploração agrícola;
XXXII. Não tendo o Autor provado que pretende destinar tais terrenos a tal actividade e, assim sendo, mal estaríamos se permitíssemos restrições ao direito de propriedade sem qualquer prova no sentido de que a restrição em causa está a ser levada a cabo para permitir cumprir os objectivos do legislador ao criar tal possibilidade;
XXXIII. Aliás, e em sentido contrário, acerca da intenção do Autor para o terreno em causa nestes autos, o que ficou demonstrado em julgamento é que este pretendia adquirir o terreno para construir uma casa para o seu filho conforme decorre das declarações de Réu supra transcritas;
XXXIV. Perante o supra aduzido verifica-se que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação das normas relativas a este direito de preferência;
XXXV. Sendo que tais normas deverão ser interpretadas no sentido de exigir a demonstração de que o terreno confinante (propriedade de quem invoca o direito) se encontra afecto a exploração agrícola e que a intenção de quem invoca a preferência é a de afectar ambos os terrenos a exploração agrícola;
XXXVI. Face ao exposto e aplicando-se o direito aos factos, verifica-se que a Sentença não se pode manter nos termos em que foi proferida, devendo ser substituída por outra que declare totalmente improcedente, por não provada a presente acção
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser considerado procedente o presente recurso, alterando-se a decisão recorrida nos termos requeridos.
***
10- O autor contra-alegou, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1- O entende Recorrido que a douta Sentença, que julgou “(…) julgou procedente a presente acção (…)” ora colocada em crise pelas Recorrentes não merece qualquer tipo de censura.
2- Interesse em agir é um pressuposto processual que consiste na necessidade ou utilidade da demanda, ou em prosseguir a mesma, tendo em vista impedir a prossecução de acções inúteis.
3- De acordo com o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/09/2017 em que foi Relator o Sr. Desembargador Jorge Bispo (proc. 339/14.8GAMNC.G1) “(…) Para a admissibilidade de um recurso torna-se legalmente necessário que, para além da necessidade de se comprovar a legitimidade de quem pretenda recorrer, isto é, que ficou vencido pela decisão recorrida, por esta ter sido proferida contra si (art. 401º, n.º1 do CPP) que se demonstre um interesse relevante em agir (n.º2 do mesmo artigo), ou seja, a necessidade de usar o procedimento, de o instaurar ou de o fazer prosseguir para tutelar o direito.”
4- Ainda de acordo com Ac. do STJ de 15 de fevereiro de 2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira) “A expressão “tenha ficado vencido” usada no artigo 631º, nº 1, do CPC, deve interpretar-se com o sentido de que pode recorrer a parte principal que tenha ficado “afetada ou prejudicada” pela decisão e que a pretenda impugnar para o tribunal hierarquicamente superior, não se confundindo o conceito de legitimidade para efeito de recurso com a noção de legitimidade processual a que se refere o artigo 30º do CPC”. A legitimidade para recorrer constitui um pressuposto do direito a impugnar por via de recurso uma decisão judicial desfavorável. Inversamente, a falta de interesse em agir não assenta no desentendimento da pretensão apresentada em juízo. Existe, sim, falta de interesse quando a parte não tem interesse em recorrer por nenhum efeito prático poder vir a obter, para si, com a decisão obtida no recurso. O artigo 660º, estabelece, inclusivamente, a regra geral do não conhecimento das decisões interlocutórias”.
5- O interesse em agir está ligado à finalidade da intervenção de um tribunal superior, que se traduz na possibilidade de a decisão que vier a resolver o conflito tenha um efeito positivo ou benéfico, para aquele que recorre.
6- Sendo as Recorrentes, as vendedoras do terreno, o recurso que reverta a decisão da 1ª instância não tem, para elas, qualquer efeito útil.
7- As Recorrentes, enquanto vendedoras, nada lhes interessa quem efectivamente fica com o imóvel objecto de venda. É indiferente para as Recorrentes quem ocupa a posição de comprador. Aquilo que lhes interessa é receber o preço pela transmissão do imóvel.
8- Atento o exposto, entende o Recorrido que o presente Recurso interposto pelas Recorrentes não deve ser admitido, uma vez que as Recorrentes não tem interesse em agir para a interposição do mesmo, porquanto não lhes traz nenhum efeito útil ou prático.
9- Referem as Recorrentes que o Tribunal a quo deu erradamente como não
provado o ponto iii).
10- Para tanto, as Recorrentes referem que o depoimento da testemunha AM, filha dos Réus compradores, onde é dito que os seus pais adquiriram o imóvel para aí habitarem.
11- Com este depoimento, as Recorrentes pretendem fazer extrair a conclusão de que a excepção que consta do artigo 1381º al a) do C.C. se encontra preenchido, impedindo com isso o direito de preferência do A. ora Recorrido.
12- Porém, ao contrário do que as Recorrentes referem, para que o facto aludido no artigo 1381º al. a) do C.C. opere os seus efeitos, é necessário que o adquirente alegue e prove, não só a sua intenção de dar outra afectação que não a cultura ao prédio adquirido, como também que esse afectação é legalmente permitida e possível. O que não sucedeu.
13- Como sobejamente demonstrado pelo A., não é possível a instalação de casa móvel nem de outro tipo de construção para habitação, uma vez que o imóvel se insere em zona de protecção parcial tipo II- cfra. facto provado 10.
14- Ademais, diga-se de passagem, esta alegação e prova sempre caberia aos RR. compradores, e não às RR. vendedoras, ora Recorrentes. É aos RR. compradores a quem cabe esse ónus (e interesse).
15- É incompreensível qual o interesse das aqui Recorrentes, uma vez que estas apenas tem interesse em receber o preço da venda do imóvel e não quem ocupa a posição de comprador, o que coincide com o argumento previamente aduzido de falta de interesse em agir.
16- Atento o exposto, o facto julgado como não provado pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura, encontrando-se correctamente julgado.
17- O A. sobejamente demonstrou a titularidade do seu direito de preferência legalmente atribuído, conforme o estatuído no artigo 1380º do C.C.
18- Com efeito, o A. é proprietário de um terreno confinante, de área inferior à unidade de cultura, não tendo as RR., ora Recorrentes, dado ao A. a preferência a que este tinha direito.
19- No entanto, referem as Recorrentes que o A. sabia da intenção de venda do terreno pelas mesmas. Porém, não só não foram as RR. capazes de demonstrar esse conhecimento, como mesmo que o A. tivesse conhecimento ou não da intenção destas em vender o terreno, o mero conhecimento da intenção de venda não constitui, de maneira alguma, a atribuição do direito de preferência.
20- Por forma a justificar a não concessão do direito de preferência ao A., as Recorrentes justificam-se na alegação, descabida, de o A. não realizar cultivo no seu terreno.
21- Conforme é visível para quem de facto sabe o que são as culturas de milho e trigo e como elas são, as fotografias juntas aos autos pelo A., e aliás visíveis do Google Earth, é perceptível que o terreno propriedade do A. é trabalhado e frequentemente cultivado.
22- Aliás, o próprio A. nas suas declarações além de referir tal facto, refere ainda que necessita dos cultivos para alimentar o gado que tem. Tendo o Tribunal a quo incorrectamente julgado o facto iv) da matéria de facto.
23- Ademais, se realmente bastasse a convicção do vendedor de que o proprietário do terreno contiguo não dedica o seu terreno à cultura, e consequentemente não lhe deve ser dado o direito de preferência que a lei lhe atribuiu, então em termos práticos esses vendedores teriam na sua esfera a total disponibilidade de retirar e atribuir direitos de preferência conforme a sua vontade/convicção.
24- Algo que claramente está fora da intenção do legislador, e da própria letra da lei, bem como do seu espírito.
25- O legislador não pretendeu colocar à disposição das partes a atribuição do direito de preferência legalmente atribuído. Se assim fosse, o artigo 1380º seria letra morta. O que é logicamente inconcebível e aberrante.
26- Atento o exposto, a Sentença ora colada em crise pelas Recorrentes, também nesta parte não merece qualquer censura, tendo correctamente considerado violado o direito de preferência do A.
Termos em que deve o presente Recurso interposto pelas Recorrentes ser rejeitado, por falta de interesse em agir, ou caso assim não se entenda, deve
o mesmo ser considerado não procedente, mantendo-se a sentença proferida pelo
Tribunal a quo.
*** II-FUNDAMENTAÇÃO
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (art.ºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelas recorrentes e pelo recorrido, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a) - Falta de Interesse em Agir na Interposição do Recurso;
b) - A Impugnação da Matéria de Facto;
c)- A Revogação da Sentença, com Improcedência da Acção.
***
2- Fundamentação de Facto.
A 1ª instância decidiu a seguinte matéria de facto:
A - Factos provados
1. Pela apresentação n.º 237 de 21 de Novembro de 2014, mostra-se inscrita a aquisição, por doação, a favor do Autor MFB, casado com MGP no regime da comunhão de adquiridos, do prédio rústico denominado “Alto…”, sito em Assafora, com a área total de 5200m2, composto de cultura arvense, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1…da secção A da União das freguesias de São João das Lampas e Terrugem e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º 3…da freguesia de São João das Lampas.
2. Pela apresentação n.º 14 de 24 de Fevereiro de 2005, mostrava-se inscrita a aquisição, sem determinação de parte ou de direito, a favor das Rés TDTM, divorciada, e MJFA, solteira, maior, do prédio rústico denominado “Alto…”, sito em Assafora, com a área total de 5200m2, composto de cultura arvense, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 5… da secção A da União das freguesias de São João das Lampas e Terrugem e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º 9…da freguesia de São João das Lampas.
3. O imóvel mencionado em 1. confronta a norte com o imóvel mencionado em 2..
4. Por documento particular autenticado denominado “Contrato de compra e venda”, outorgado em 25 de Fevereiro de 2021, a Ré TDTM, “por si e na qualidade de procuradora com poderes para o ato, em representação da sua irmã MJFA”, ali designada por Primeiro Outorgante e os Réus LM e VM, casados um com o outro sob o regime da comunhão de adquiridos, segundo o ordenamento jurídico moldavo, ali designados por Segundos Outorgantes, declararam que entre si “é celebrado o presente contrato de compra e venda que se rege pelas cláusulas seguintes: COMPRA E VENDA Primeira (Objecto) Pelo presente contrato o Primeiro Outorgante por si e na qualidade em que outorga, vende aos Segundos Outorgantes, que o aceitam, o prédio rústico composto por cultura arvense, sito em Assafora, denominado Alto.., com registo de aquisição a favor do Primeiro Outorgante sem determinação de parte ou direito pela apresentação 14 de 2005/02/24, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º 9… da freguesia de S. João das Lampas, concelho de Sintra (…). Segunda (Preço) O imóvel é vendido pelo preço de Euros: 46.150€ (quarenta e seis mil cento e cinquenta euros) que o Primeiro Outorgante por si e na qualidade em que outorga, já recebeu e de que dá quitação: - A título de pagamento, a quantia de 46.150€ (quarenta e seis mil cento e cinquenta euros), por cheque bancário n.º (…). Terceira (Ónus e encargos) O imóvel é vendido livre de ónus ou encargos. Quarta (Destino do Imóvel adquirido) Os Segundos Outorgantes destinam o Imóvel a TERRENO RÚSTICO. (…) Sexta (Outras declarações) O Primeiro Outorgante por si e na qualidade em que outorga declara para os devidos efeitos não ser proprietário de quaisquer outros prédios rústicos aptos para cultura contíguos ao prédio objecto do presente contrato. (…)”.
5. Pela apresentação n.º 2556 de 25 de Fevereiro de 2021, mostra-se inscrita a aquisição, a favor dos Réus LM e VM, por compra às Rés TDTM e MJFA, do imóvel mencionado em 2.
6. Os Réus LM e VM não são proprietários de qualquer terreno confinante ao imóvel mencionado em 3.
7. A pretensão de venda do imóvel mencionado em 2. foi publicitada através de meios disponibilizados por uma agência de mediação imobiliária.
8. O imóvel mencionado em 2. encontra-se inserido em zona de reserva ecológica nacional (REN) e está qualificado, na planta de ordenamento do Plano Director Municipal, como espaço agrícola.
9. O imóvel mencionado em 2. encontra-se próximo de uma linha da rede eléctrica de média tensão e confina a oeste com a Estrada de São… e a leste com o Caminho…
10. O imóvel mencionado em 2. encontra-se inserido no Parque Natural Sintra Cascais (parte em área de protecção parcial tipo II e outra parte em área de protecção complementar tipo I).
11. O imóvel mencionado em 2. encontra-se próximo de um aglomerado habitacional de génese ilegal.
12. O imóvel mencionado em 1. não é cultivado desde data não concretamente apurada. 13- Os Réus LM e VM compraram o imóvel mencionado em 2. com a intenção de aí instalar uma casa móvel/em madeira e aí residirem, quando regressarem a Portugal * (aditado em consequência da impugnação da matéria de facto).
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B. Factos não provados
i) O Autor tinha conhecimento da intenção das Rés TDTM e MJFA venderem o imóvel mencionado em 3.
ii) O imóvel mencionado em 2. encontra-se inserido em zona de reserva agrícola nacional (RAN).
iii) * (Passou a constar como ponto 13 dos factos provados em consequência da impugnação da matéria de facto).
iv) O imóvel mencionado em 1. sempre foi utilizado para a cultura de produtos agrícolas e em Fevereiro de 2021 era utilizado para a cultura de milho e trigo.
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3- As Questões Enunciadas.
3.1- Falta de Interesse em Agir na Interposição do Recurso.
Entende o autor/apelado que as rés, vendedoras, não têm interesse em agir ao interporem o presente recurso, argumentando que o interesse em agir pressupõe que o recurso a tribunal tenha um efeito positivo benéfico para quem recorre e, sendo as apelantes as vendedoras não lhes interessa quem fica com o imóvel objecto de venda, quem ocupa a posição de comprador, apenas lhes interessando receber o preço. Invocam dois acórdãos, um do STJ, de 15/02/2017 (Fernanda Isabel Pereira) e, outro do TRG, de 10/09/2017 (Jorge Bispo).
Será assim?
O art.º 631º, com epígrafe “Quem pode recorrer”, determina no seu nº 1, “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.”.
A regra geral relativa à legitimidade para recorrer é a seguinte: tem legitimidade para interpor recurso quem seja prejudicado com a decisão, ou seja, quem sofra gravame com a decisão, ou que seja afectado objectivamente com a decisão.
A parte afectada é a que não obteve a decisão mais favorável possível aos seus interesses, considerando o que pediu e não conseguiu obter na decisão impugnada. Utiliza-se, assim, um critério formal: atende-se ao que a parte pediu e compara-se com aquilo que ela obteve em juízo; se o que tiver conseguido, representar, em termos quantitativos ou qualitativos, um minus em relação ao que pediu, a parte possui legitimidade para recorrer (Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual do Processo Civil, vol. II, AAFDL, 2022, pág. 151). O mesmo critério é aplicável ao réu, quando este se tenha defendido por impugnação e ou por excepção (Cf. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, pág. 490). Ao fazê-lo, o réu deduz um pedido de improcedência da acção, de absolvição da instância e/ou do pedido. Isto porque, no fundo, a parte principal é aquela que pode dispor da instância e do objecto do processo, seja da acção seja da defesa (Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, vol. I, AAFDL, 2020, pág. 222). Vence, a parte activa ou passiva, cujo pedido é integralmente procedente, isto é, se a decisão enunciar o efeito jurídico pretendido; perde, a parte activa ou passiva, cujo pedido não é integralmente procedente, por razão material ou processual, isto é, se a decisão nega (total ou parcialmente) o efeito jurídico pretendido. “Não se pode afirmar que a parte vencedora obteve procedência do pedido porque o juiz lhe “deu” a decisão mais favorável segundo um mero critério económico material, mas sim, porque o juiz decretou o efeito jurídico enunciado naquele pedido.” (Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, vol. I, AAFDL, 2020, pág. 224).
No caso dos autos, as rés vendedoras, contestaram por impugnação e por excepção e terminam, a sua peça “pedindo”: “deverá ser julgada procedente, por provada, a exceção invocada e a presente ação ser julgada improcedente, por não provada, e em consequência absolvidas integralmente as Rés.”. E o resultado da acção, na 1ª instância, foi totalmente desfavorável às rés.
A esta luz e face ao que se expôs, as rés vendedoras têm legitimidade para interpor recurso. Quanto ao interesse em agir.
Vem sendo entendido que, para além da legitimidade, para que a parte possa recorrer é ainda necessário que tenha interesse em recorrer.
Como vimos, enquanto a legitimidade para recorrer é aferida pelo prejuízo causado à parte pela decisão impugnada - no sentido de ter visto desatendido o efeito jurídico a que se propunha - o interesse em recorrer é determinado em função da utilidade que para ela possa resultar do recurso. (Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual do Processo Civil…, cit., pág. 168).Ou seja, a parte principal vencida tem interesse em recorrer se, por intermédio do recurso pode obter a revogação da decisão que lhe foi desfavorável, isto é, a revogação da decisão que desatendeu o efeito jurídico pretendido, no caso, pelas rés.
A esta vista, dado que as rés/vendedoras viram desatendido o efeito jurídico que pretendiam alcançar, consistente na improcedência do pedido do autor e que, pelo recurso, podem ver revertida aquela decisão, conclui-se que têm legitimidade e interesse em recorrer. Improcede, assim, a pretendida falta de interesse das rés vendedoras com a interposição do recurso.
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3.2- Impugnação da Matéria de Facto.
As rés/apelantes impugnam a decisão sobre o ponto iii) dos factos não provados, defendendo que deve considerar-se provado, baseando-se para o efeito, no depoimento da testemunha AM.
Vejamos então.
Recordemos o teor do ponto iii) dos factos não provados:
“iii) Os Réus LM e VM compraram o imóvel mencionado em 2. com a intenção de aí instalar uma casa móvel/em madeira e aí residirem, quando regressarem a Portugal.”
A 1ª instância decidiu dar como não provado esse facto, fundamentando que:
“Quanto à alínea iii), resultou não provada desde logo face ao teor da cláusula quarta do contrato, na qual os Réus LM e VM declararam, expressamente, destinar o imóvel a terreno rústico (vd. fls. 11). Por outro lado, a testemunha AM, filha dos Réus LM e VM, referiu ser essa a intenção dos seus pais, o que foi corroborado pelas declarações da Ré TDTM, mas a verdade é que não foi produzida qualquer outra prova objectiva e isenta que corroborasse esta versão, v.g. a agente imobiliária com quem terão contactado e que, segundo, a filha, lhes disse que era possível construir naquele local dentro das condições legais. Além disso, note-se que o valor do negócio não é despiciendo, pelo que à luz das regras da experiência comum, sendo essa a sua intenção, seria normal que se informassem previamente junto de quem tem competência para autorizar a implantação daquela estrutura no terreno em causa, ao invés de, alegadamente, confiarem apenas na palavra da agente imobiliária (cujo interesse é apenas vender). Mas não consta dos autos qualquer documento comprovativo de terem apresentado, junto da Câmara Municipal de Sintra um pedido de informação destinado a confirmar (ou infirmar) a viabilidade daquela sua pretensão, acto material que corroboraria aquela sua alegada intenção. Em suma, considerou-se a prova produzida quanto a esta matéria manifestamente insuficiente para lograr convencer o Tribunal da sua efectiva verificação e face ao disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil, deu-se a mesma como não provada.”
Apreciemos.
Da audição da gravação do depoimento da testemunha AM (filha dos réus compradores) resulta que, no essencial, ela referiu o que as apelantes transcreveram na sua alegação. Concretamente, disse essa testemunha que, a hipótese que surgiu era eles (pais dela, réus compradores) construírem, não em betão, mas uma cabanita, para estarem perto dela e do irmão e dos netos quando regressassem a Portugal; nunca houve intenção de os pais se dedicarem à agricultura; o uso que pretendiam dar era construírem uma casita, pré-fabricada; os pais perguntaram à agência imobiliária que disse que eles podiam construir uma casa em madeira, uma cabanita.
A co-ré, TDTM, nas suas declarações de parte, disse que os compradores informaram, em termos básicos, que queriam colocar lá (no terreno) uma casa pré-fabricada, por que se diz o terreno é rústico e não dá para colocar outra coisa que não uma casa amovível.
Pois bem, destes depoimentos resulta, efectivamente, a intenção dos réus compradores quando adquiriram o terreno: colocarem nele uma casa em madeira, pré-fabricada, para nela ficarem quando viessem a Portugal.
A circunstância de não ter sido demonstrado que os réus compradores não se informaram, previamente, junto das entidades camarárias, não releva para efeitos da intenção dos réus ao adquirirem o terreno; quando muito, a falta de prévia informação poderia relevar para a autorização, ou não, de implantar a tal casa de madeira ou pré-fabricada.
E o mesmo se diga, quanto à circunstância de, no documento que titula a compra e venda, constar que os “Os réus destinam o imóvel a terreno rústico”. A qualificação do terreno como rústico ou urbano decorre da lei, designadamente do código civil (art.º 204º nº 2) e dos art.ºs 3º e 4º do CIMI e deriva, ainda, do que consta do registo predial do imóvel.
Portanto, face àqueles elementos de prova, somos a entender que deve ser considerado provado o ponto iii) dos factos não provados e, como tal, aditado como ponto 13, com a seguinte redacção:
“13- Os Réus LM e VM compraram o imóvel mencionado em 2. com a intenção de aí instalar uma casa móvel/em madeira e aí residirem, quando regressarem a Portugal.”
Do que se expôs, decorre que procede o recurso da impugnação da matéria de facto.
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3.3- A Revogação da sentença com absolvição dos réus do pedido.
Entendem as apelantes que deve ser revogada a sentença, alinhando para o efeito dois fundamentos:
- (i) A prova do facto aditado consubstancia um facto extintivo nos termos do artº 1381º, al. a) do CC;
-(ii)- O autor devia ter alegado e provado a prática de qualquer tipo de exploração agrícola no seu prédio, conforme decidiu o STJ (ac. de 14/01/2021, Rosa Tching) e, no caso, não se provou que o terreno esteja afecto a qualquer exploração agrícola ou que o autor tenha intenção de o destinar à actividade agrícola.
Será assim?
Vejamos cada um destes fundamentos invocados pelas rés vendedoras.
3.3.1- A prova do facto aditado consubstancia um facto extintivo nos termos do art.º 1381º, al. a) do CC.
Segundo as apelantes, tendo sido provado que “Os réus LM e VM compraram o imóvel mencionado em 2 com a intenção de aí instalar uma casa móvel/em madeira e aí residirem, quando regressarem a Portugal.”, consubstancia uma circunstância impeditiva do exercício do direito de preferência pelos autores nos termos do dispõe o art.º 1381º al. a) do CC. Ou seja, segundo defendem as vendedoras, estabelecendo o art.º 1381º, al. a) do CC, que não existe direito de preferência quando o prédio se destine a algum fim que não seja a agricultura e, no caso dos autos, destinando-se o prédio a nele ser construída uma casa de madeira para os réus compradores aí estabelecerem a sua habitação, não existe direito de preferência.
Será assim?
Vejamos o que determina o art.º 1381º, al. a) do CC, com epígrafe “Casos em que não existe o direito de preferência”:
“Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes: a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura;”
Ora bem, este preceito consubstancia um facto impeditivo do direito de preferência dos proprietários de terrenos confinantes e, exige, para que possa funcionar, que o réu demonstre uma de duas circunstâncias: (i)- constituir o terreno parte componente de prédio urbano; (ii)- ou se destine a algum fim que não seja a cultura.
Importa analisar cada uma destas situações.
A norma faz referência, em primeiro lugar, a terreno que seja parte componente de prédio urbano. Impõe-se esclarecer o que deve entender-se por terreno cuja parte componente seja prédio urbano.
O art.º 204º nº 2 do CC, com epígrafe “Coisas imóveis” define:
“2 - Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.”
Portanto, entende-se por prédio urbano, para efeito de direito civil, qualquer edifício incorporado no solo e os terrenos que lhe sirvam de logradouro. Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela (CC, vol. I, 3ª edição, 1982, pág. 195) “Edifício incorporado no solo é aquele que se encontra unido ou ligado ao solo, fixado nele com carácter de permanência, por alicerces, colunas, estacas ou qualquer outro meio. Não são, pois, prédios urbanos, as casas desmontáveis.” Ou seja, para que possa qualificar-se como urbano ou seu componente, torna-se necessário que o prédio tenha um edifício incorporado, com carácter de permanência. Se no prédio não existe qualquer edifício incorporado com carácter de permanência, o prédio tem-se por rústico. O mesmo é dizer que não sendo possível qualificar um prédio como urbano, por defeito, o prédio é rústico (Cf. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo II, Coisas, 2000, pág. 123 e seg.). Um imóvel sem qualquer construção não levanta quaisquer dúvidas quanto à sua qualificação como rústico à luz do código civil.
E não é qualquer construção no prédio que permite qualificá-lo como urbano. As construções que não tenham autonomia económica não mudam a natureza do prédio rústico: um armazém para guardar material ou alfaias agrícolas, sementes ou material de lavoura, um estábulo, um cercado de animais, ou dormitório para trabalhadores, não tem autonomia funcional e, por isso, não dão origem a um prédio urbano. Do mesmo modo, “…não basta assentar uma construção, mesmo com autonomia económica, sobre o imóvel. O nº 2 do art.º 204º fala em incorporação, o que sugere uma ligação material ao solo. O nº 3 do mesmo artigo dispõe no mesmo sentido. Acrescentando o “carácter de permanência”. Uma casa pré-fabricada, assente meramente no solo, uma tenda, uma barraca de madeira, não transformam um prédio rústico em prédio urbano.” (José Alberto Vieira, Direitos Reais, 3ª edição, pág. 159).
Por outro lado, como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (de 04/11/2008, Maria da Graça Santos Silva, CJ ano XXXIII, tomo V, 2008, pág. 5 e segs.) “Para excluir o direito de preferência do proprietário confinante, nos termos do artº 1381º, al. a) do CC, não basta uma mera intenção do adquirente, ainda que manifestada na escritura de compra e venda, de afectar o prédio ao fim de construção, sendo ainda necessário a prova de que esta é viável de acordo com a lei do ordenamento do território.”
Aliás, este acórdão baseou-se na doutrina defendida por Agostinho Cardoso Guedes (Exercício do Direito de Preferência, UCP, Porto, 2006, pág. 125 e seg.) que refere “…quer a liberdade reconhecida ao proprietário do terreno na afectação de outras finalidades que não a cultura, quer os antecedentes do artº 1381º al. a) do CC, permitem concluir que a intenção do adquirente de afectar a outro fim que não a cultura é relevante para excluir o direito de preferência do proprietário confinante. Todavia, não bastará a mera intenção, ainda que manifestada na escritura de compra e venda, sendo também necessário a prova da mesma, por qualquer meio, e ainda que o destino a dar ao imóvel pelo adquirente seja permitido por lei. Esta ressalva prende-se com os diversos institutos jurídicos de ordenamento do território que ultimamente começaram a ser publicados, aqui a expressão “lei” tem de ser entendida com maior amplitude, incluindo qualquer normativo de aplicação geral e abstracta que reja sobre a situação.”
Aliás, no mesmo sentido, Henriques Mesquita (Direito de Preferência, Parecer, CJ, ano XI, 1986, tomo 5, pág. 53) “Para afastar…o direito de preferência, o adquirente terá de provar, quanto a nós, que a sua intenção (o fim do negócio) foi dar ao terreno uma outra afectação ou destino. Mas só isso não basta: ele terá de provar, ainda qua nada se opõe a que a sua intenção se concretize e que, portanto, a mudança de destino é legalmente possível.”
Por outro lado, como dissemos acima, o art.º 1381º do CC contempla circunstâncias factuais que, a verificarem-se, operam como excepções peremptóriasimpeditivas do direito de preferência (Cf. Rui Pinto/Cláudia Trindade, CC anotado, AAVV, coord. Ana Prata, Vol. II, pág. 198). Como tal e nos termos gerais do art.º 342º nº 2 do CC, compete ao réu a respectiva prova.
No caso, as rés provaram que a intenção dos compradores era a de aí instalar uma casa móvel/em madeira e aí residirem, quando regressarem a Portugal. No entanto, não provaram que podiam, à face da lei, proceder a essa instalação no terreno.
Acresce ainda que, mesmo que tivessem demonstrado, que em face das normas que regem a possibilidade de colocação de casa de madeira/móvel no terreno, ainda assim, à luz do que dispõe o art.º 204º nº 2 do CC, o terreno não aquiria a qualidade de terreno urbano, dada a falta de fixação e de definitividade dessa construção.
Do que se expôs, restará concluir que não procede a excepção peremptória referida no art.º 1381º, al. a) do CC.
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3.3.2- O autor devia ter alegado e provado a prática de qualquer tipo de exploração agrícola no seu prédio.
Entendem as rés vendedoras/apelantes que o autor estava obrigado a alegar e provar a prática de qualquer tipo de exploração agrícola no seu prédio. Apoiam-se no que foi decidido pelo acórdão do STJ, de 14/01/2021 (Rosa Tching) que no respectivo sumário, além do mais, exarou “VII. O artigo 1380º, nº 1, do Código Civil vincula o exercício do direito de preferência à efetiva exploração dos terrenos rústicos para fins de cultura florestal e/ou agrícola, não se bastando com o facto de serem aptos para cultura.” e, como no caso em apreço, não se provou que o terreno esteja afecto a qualquer exploração agrícola ou que o autor tenha intenção de o destinar à actividade agrícola, deve improceder a acção.
Será assim?
A 1ª instância, afastou a aplicação, ao caso, do acórdão do STJ, de 14/01/2021 (Rosa Tching), baseando-se, essencialmente, no argumento de a lei não exigir, como requisito da acção de preferência entre prédios rústicos confinantes, a efectiva exploração agrícola dos prédios. Escreve a 1ª instância na sentença ora sob recurso:
“…o n.º 1 do artigo 1380.º do Código Civil não distingue entre terrenos confinantes meramente aptos para o desenvolvimento de actividade agrícola e/ou exploração florestal e entre terrenos confinantes que são efectivamente utilizados para o desenvolvimento daquelas actividades. E, para além disso e salvo o devido respeito, tal entendimento parece olvidar que, por vezes, precisamente face à reduzida dimensão de um determinado terreno (basta pensar no Norte de Portugal, onde predomina o minifúndio), o respectivo proprietário pode decidir que não é economicamente rentável proceder à sua exploração, não se vislumbrando que o legislador pretenda que alguém continue a explorar determinado terreno, ainda que com prejuízo, apenas para que no futuro, caso um vizinho decida vender o terreno ao lado do seu, lhe possa vir a ser reconhecido o exercício do direito de preferência. Acresce ainda que um terreno pode não ser explorado num determinado período de tempo de forma intencional, por a terra estar em pousio. E se o outro proprietário do terreno confinante decidir vender o seu terreno exactamente nesse período? Não faz sentido que não seja reconhecido o exercício do direito de preferência ao proprietário do terreno que está em pousio, apenas porque, naquele momento, não está a ser efectivamente explorado. Na verdade, conforme se conclui no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 20216, após transcrever alguns dos inconvenientes resultantes da pulverização agrária e dispersão da propriedade, elencados no Parecer da Câmara Corporativa (37/VII), de 26 de Abril de 1960, que antecedeu a aprovação da Lei n.º 2116, de 14 de Agosto de 1962, “Considerando as múltiplas finalidades de ordem pública visadas com a atribuição deste direito de preferência legal, não é possível eleger-se um acréscimo de produtividade resultante da reunião dos dois prédios no património do mesmo titular, em cada situação concreta, como um requisito imprescindível à constituição e exercício desse direito, nem sequer considerar a ausência desse acréscimo como um facto impeditivo do mesmo direito”. E acrescenta “a verificação de uma situação de confinância não exige, pois, uma comprovada rentabilização da propriedade, nem uma exploração única e contínua, proporcionada por uma continuidade física dos prédios em causa e pela facilidade de trânsito entre os mesmos, não existindo, pois, razões para que esses obstáculos impeçam a constituição e o exercício do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil.”
Vejamos então.
Estabelece o art.º 1380º nº 1 do CC, com epígrafe “Direito de Preferência”, que:
“1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.”
Pois bem, é pacífico o entendimento de serem requisitos constitutivos do direito de preferência de terrenos rústicos confinantes: a) - Que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b) - Que o preferente seja dono de prédio confinante alienado;
c) - Que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura;
d) - Que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante. (Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, CC anotado, vol. III, 2ª edição, pág. 270 e seg.; Menezes Leitão, Direitos Reais, pág. 520; Henriques Mesquita, Direito de Preferência, Parecer, CJ, ano XI, 1986, tomo 5, pág. 51 e segs.; Agostinho Cardoso Guedes, O exercício do Direito de Preferência, cit., pág. 114; Rui Pinto/Cláudia Trindade, CC anotado, AAVV, vol. II, coord. Ana Prata, pág. 196).
Portanto, “…desde que o autor faça prova de todos os pressupostos ou requisitos constitutivos desse direito de preferência previsto no art.º 1380º nº 1 do CC, o réu só logrará afastar o direito de preferência se provar que a sua aquisição preenche alguma das hipóteses mencionadas nas duas alíneas do art.º 1381º do CC” (Henrique Mesquita,Direito de Preferência, Parecer, CJ, ano XI, 1986, tomo 5, pág. 53).
Ora bem, a questão que se coloca é a de saber se, para além de ter de provar aqueles quatro requisitos constitutivos do direito de preferência, o autor/preferente também tem de alegar e provar a efectiva exploração dos terrenos, como refere o ac. do STJ de 14/01/2021 (Rosa Tching). Pois bem, antes de mais, uma nota: o acórdão em questão (STJ de 14/01/2021, Rosa Tching) versou sobre uma situação diferente da que está em causa nos nossos autos. Na verdade, naquele aresto do STJ, colocava-se a questão de saber se um proprietário de um prédio misto, tem direito de preferência em relação à venda de um prédio rústico confinante. E, nesse acórdão, perante a designação do prédio como misto - constituído por uma parte urbana com a área bruta de construção de 175,30 m2, correspondente a “casa de rés do chão com 5 compartimentos para habitação, cozinha e dependência, com o valor patrimonial de €8180,00, e por uma parte rústica, com a área total de 29,11250 ha, composta por diversas parcelas classificadas com cultura arvense (a maior parte de Classe 4ª ), com a área de 20 ha; montado de sobro com a área de 8,4938 ha e oliveira e vinha, esta com 4 ha, tudo com o valor patrimonial de €557,22 - face à ausência dessa qualificação na lei civil, entendeu aplicar o critério da prevalência da afectação, ou seja, da função dominante do prédio para aferir se se tratava de prédio rústico ou de prédio urbano. E, perante a falta de demonstração da efectiva exploração agrícola, entendeu tratar-se de prédio (prevalecente) urbano e, daí, negou o direito de preferência.
Pois bem, na linha do que ensina o Prof. Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo II, Coisas, 2000, pág. 123 e segs.) há situações de fronteira em que não é fácil dilucidar se determinado prédio, designadamente se têm implantadas construções, é rústico ou urbano. E esse Professor faz referência a quatro teorias para alcançar essa distinção: (i) teoria do valor; (ii) teoria da afectação económica; (iii) teoria do fracionamento; e (iv) teoria da consideração social. E depois de analisar cada uma dessas teorias, propõe “Ficam-nos, pois, as noções do Código Civil: o prédio rústico é o terreno, ainda que com construções, desde que estas não tenham autonomia económica e, o urbano, um edifício com logradouro. Vamos avançar a partir da fórmula do art.º 204º nº 2, na linha da afectação económica. Duas precisões prévias devem ser feitas: para efeitos de qualificação civil, é indiferente o tipo de inscrição matricial, dada a especificidade dos critérios fiscais, bem como o tipo de descrição predial, além disso a lei não admite, aqui, o qualificativo do prédio misto.” (…) “Um terreno não construído é rústico; o terreno totalmente coberto por edifício é urbano.” (…) “A ideia de “logradouro” torna-se, assim, chave da distinção. O Supremo explica que “logradouro”, na falta de definição legal, surge como um conceito jurídico indeterminado, que só se torna preciso aquando da aplicação ao caso concreto.” (…) “O logradouro está afecto ao edifício, normalmente para habitação; dá apoio aos moradores. Mas pode também apoiar um edifício industrial ou comercial: parque de estacionamento, área de depósitos de materiais, jardim de resguardo ecológico, campos de desporto, pistas de ensaios ou, simplesmente, área verde exigida pelos planos de urbanização, como anexo às edificações.” (…) “O prédio rústico, poderá ter uma afectação agrícola; as construções que nele existam não prejudicam essa qualificação global se não tiverem autonomia económica, servindo a agricultura. Mas o prédio rústico poderá ser estéril, estar abandonado…” (…) A solução de recurso será sempre a seguinte: não se provando factos que permitam a qualificação como urbano, o prédio é rústico.”
Pois bem, perante este ensinamento, percebe-se o porquê de naquele caso concreto decidido pelo STJ (ac. de 14/01/2021, Rosa Tching) ter sido entendido que tinha de ser invocada e provada a “efectiva exploração do terreno”. Mas, no caso dos autos, essa questão não se coloca: como vimos acima, o prédio vendido é um prédio rústicoe, mostram-se verificados os quatro requisitos constitutivos exigidos pelo artº 1380º nº 1 do CC para o exercício do direito de preferência.
Além disso, salvo o devido respeito, como verificámos acima, a lei não exige no artº 1380º nº 1 do CC, como requisito constitutivo do exercício do direito de preferência, a alegação e prova da efectiva exploração agrícola de qualquer dos prédios e, “…ubi lex non distinguit nec interpres distinguere debet…”.
Nem tão-pouco, a lei exige a identidade de culturas dos prédios.
Na verdade, conforme decidiu o Assento do STJ, de 18/03/1986, “…o direito de preferência conferido pelo artº 1380º do código civil não depende da afinidade ou identidade de culturas nos prédios confinantes” para que o proprietário de um deles possa exercer o direito de preferência.
Aliás, a lei, no art.º 1376º e segs. do CC, relativo à proibição de fracionamento de prédiosrústicos, refere-se à “aptidão para cultura” e não ao cultivo efectivo. Em anotação a esse Assento do STJ de 18/03/1986, o Prof. Antunes Varela (RLJ nº 3813, pág. 12) refere “O art.º 1380º, ao definir no nº 1 o perímetro do direito de preferência (…) refere-se genérica e indistintamente a “terrenos confinantes” de área inferior à área de cultura” abrangendo, por conseguinte, nas malhas relativamente largas do seu texto, tanto o caso de os terrenos confinantes, com área inferior à unidade de cultura, serem terrenos do mesmo tipo cultural (de igual natureza ou de idêntica aptidão agrícola)…”. (sublinhado nosso).
Por outro lado, a ratio legis da instituição do direito de preferência de prédios rústicos confinantes radica, essencialmente em razões de ordem pública que não meramente económica dos proprietários dos prédios. Com efeito, como é dito no acórdão do STJ, de 27/05/2015 (Alexandre Reis) relativamente ao exercício do direito de preferência de prédios rústicos contíguos “…no direito exercido nestes autos, mais do que a satisfação do mero interesse privado do proprietário confinante em aumentar o seu domínio fundiário, estão em causa, sobretudo, relevantes interesses de ordem pública, de natureza económica e social.” (…) e, mais adiante, na nota 8 refere “…a lei não exige essa identidade (de culturas) nem tão pouco que os terrenos estejam afectos a culturas agrícolas, podendo envolver mesmo culturas florestais ou, por ex., mato para ser utilizado noutros terrenos.”
Com relevância, refira-se ainda o acórdão do STJ, de 14/01/2021 (João Cura Mariano) que refere: “No Parecer da Câmara Corporativa (37/VII) de 26 de abril de 1960, que antecedeu a aprovação da Lei 2116, de 14 de agosto de 1962 que, pela primeira vez, atribuiu este direito aos proprietários confinantes de prédios rústicos, enunciam-se os inconvenientes mais palpáveis da pulverização agrária e da dispersão da propriedade, que a previsão deste direito, conjuntamente com outras medidas visava atenua e nessa extensa lista encontramos situações que pouco ou nada respeitam à maior produtividade que possa ser alcançada com a reunião dos dois prédios.” (…) Considerando as múltiplas finalidades de ordem pública visadas com a atribuição deste direito de preferência legal, não é possível eleger-se um acréscimo de produtividade resultante da reunião dos dois prédios no património do mesmo titular, em cada situação concreta, como um requisito imprescindível à constituição e exercício desse direito, nem sequer considerar a ausência desse acréscimo como facto impeditivo do direito.”
Voltemos ao ensinamento de Henrique Mesquita (Direito de Preferência, Parecer, CJ, ano XI, 1986, tomo 5, pág. 53) “Desde que o autor faça prova de todos os pressupostos referidos no nº 1 do art.º 1380º, o réu só logrará afastar o direito de preferência se provar que a sua aquisição preenche alguma das hipóteses mencionadas nas duas alíneas do art.º 1381º.”
Portanto, em face do que se expõe somos a entender que alei não exige no artº 1380º nº 1 do CC, como requisito constitutivo do exercício do direito de preferência, a alegação e prova da efectiva exploração agrícola de qualquer dos prédios. Recorde-se que no art.º 1376º nº 1 (que inicia a Secção VII relativa ao fracionamento e emparcelamento de prédios rústicos, onde se insere o art.º 1380º) a lei refere expressamente terrenos aptos para cultura e não terrenos cultivados.
À luz do que se expôs, conclui-se pela improcedência do recurso.
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III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, em consequência, mantém a sentença sob recurso.
Custas no Recurso, pelas apelantes, na vertente de custas de parte (as custas na vertente de taxas de justiça mostram-se previamente satisfeitas, não houve, no recurso, a prática de actos tributáveis como encargos).
Lisboa, 15/06/2023
Adeodato Brotas
Vera Antunes
Jorge Almeida Esteves