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VÍCIOS DA DECISÃO JUDICIAL
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE FUNDAMENTAÇÃO - NULIDADE
ANULAÇÃO (OFICIOSA) DA DECISÃO JUDICIAL
OMISSÃO TOTAL DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Sumário
I. É deficiente a decisão proferida pela 1.ª instância quando o que tenha dado como provado e como não provado não corresponda a tudo o que, de forma relevante, foi previamente alegado pelas partes; e constituirá o grau máximo dessa deficiência a omissão total de fundamentação de facto, justificando a anulação oficiosa da decisão de mérito assim proferida, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.
II. A possibilidade de alteração oficiosa da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no art. 662.º, n.º 2, do CPC, não pode ser feita de forma tão ampla que pretira a garantia, legal e constitucional, do duplo grau de jurisdição na apreciação, julgamento e decisão da matéria de facto; e, assim, será inaplicável quando tenha ocorrido omissão absoluta de fundamentação de facto.
Texto Integral
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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Comarca ... - Juízo de Comércio ... - Juiz ...
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ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO 1.1.Decisão impugnada 1.1.1. AA, residente na Rua ..., em ..., ..., veio (no apenso de liquidação do processo especial de insolvência pertinente a BB, que - com o n.º 3096/17.2T8VNF-J.G1- corre termos pela Comarca ..., Juízo de Comércio ..., Juiz ...) pedir que:
· a Administradora da Insolvência fosse notificada para lhe pagar metade do produto da venda de dois imóveis apreendidos e vendidos no âmbito da insolvência.
Alegou para o efeito, em síntese, ter contraído casamento com BB em ..., sob o regime de comunhão de bens adquiridos a título oneroso na constância do matrimónio, casamento esse dissolvido por divórcio em 29 de Junho de 2016, sem que tivesse sido partilhado o património comum do desfeito casal.
Mais alegou que deste património comum faziam nomeadamente parte duas fracções autónomas (uma destinada a habitação e outra a loja), depois aprendidas e vendidas nos autos de insolvência, tendo por isso direito a metade do produto dessa venda.
Alegou ainda que, tendo reclamado à Administradora da Insolvência essa quantia, por carta datada de 20 de Janeiro de 2023, aquela se recusou a proceder ao pretendido pagamento. 1.1.2. Foi proferido despacho, indeferindo a pretensão da Requerente (AA), lendo-se singelamente no mesmo: «Req7-2 9-2: Indefiro o requerido, atenta a informação prestada pela sra. Administradora de insolvência. Notifique, devendo esta informar em 10 dias do estado da liquidação».
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1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a Requerente (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse revogada e substituída por outra, a ordenar o pagamento das quantias por si reclamadas.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):
A) A Recorrente e o Insolvente BB não procederam à partilha dos bens comuns adquiridos na constância desse casamento;
B) Entre os bens comuns do ex-casal existiam os seguintes imóveis: - A fração autónoma designada pela letra ..., destinada a habitação, correspondente ao ... andar frente, lados sul-nascente, tipo ..., com uma garagem na cave, designada pelo número 3, integrada no prédio urbano sito no Lugar ... ou ..., da União de Freguesias ..., ... e ..., concelho ..., descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...45 e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...35. - Fração autónoma designada pela letra ..., correspondente à loja no ... esquerdo, bloco ..., terceira a contar do nascente, destinada a comércio, integrada no prédio urbano, sito no Lugar ..., ... ou Assento, da União de Freguesias ..., ... e ..., concelho ..., descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...92, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...76.
C) Esses bens foram apreendidos nesta Insolvência e recentemente vendidos no âmbito do presente processo de liquidação pelos seguintes valores:
Fração ... – 199.673,66€
Fração ... – 70.000,00€
D) Do produto da venda desses dois imóveis, metade do valor pertence à Recorrente, ou seja o valor de 134.836,93€, que corresponde à sua meação.
E) Nos termos do disposto nos artigos 743º do C.Proc. Civil e 143º do C.I.R.E tem a Recorrente direito de reclamar o valor dos seus direitos próprios estranhos à insolvência;
F) Por isso, por requerimento datado de 07/02/2023, a Recorrente requereu à Meritíssima Juiz do processo o pagamento das quantias reclamadas;
G) Em 14 de Fevereiro foi proferido o despacho aqui recorrido, cujo teor se transcreve:
“Indefiro o requerido, atento a informação prestada pela srª administradora da insolvência.”
H) Sucede que a Recorrente não é responsável por qualquer das dívidas contraídas pelo seu ex-marido.
I) Nunca a Recorrente foi interpolada por qualquer dos credores do seu ex-marido, nem tinha que o ser por nada lhes dever.
J) Nem a Recorrente alguma vez foi envolvida na insolvência do seu ex-marido.
K) A Recorrente foi citada nos termos do artº. 740º do Cod. Proc. Civil para requerer a separação dos bens comuns adquiridos na instância do casamento que contraiu com o insolvente BB.
L) A Recorrente optou por aceitar que a execução prosseguisse sobre os bens comuns e que estes pudessem ser vendidos no âmbito do processo de insolvência.
M) Neste caso a Recorrente pode, como efetivamente o requereu nos autos, reclamar o seu direito próprio, por ser estranho à insolvência nos termos do artº. 143º do C.I.R.E. .
N) Ao decidir em sentido contrário, indeferindo o pedido de pagamento do valor correspondente à meação da Recorrente, a Meritíssima Juiz a quo violou o disposto nos artigos 143º e 159º do C.I.R.E. devendo por isso o douto despacho Recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene o pagamento à Recorrente das quantias reclamadas assim se fazendo Justiça.
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1.2.2. Contra-alegações
Não foram juntas quaisquer contra-alegações.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar 2.2.1. Questão concreta posta pela Recorrente
Mercê do exposto, e do recurso interposto pela Requerente (AA), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:
· Questão única - Fez o Tribunal a quo uma erradainterpretação e aplicação do direito, não existindo fundamento legal para recusar à Requerente metade do produto da venda das duas fracções autónomas apreendidas e alienadas nos autos de insolência ?
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2.2.2. Questão adicional resultante da decisão recorrida
Contudo, verifica-se que, estando em causa nos autos o direito (ou a ausência dele) da Requerente (AA) a metade do produto da venda de duas fracções autónomas apreendidas e vendidas nos autos de insolvência (pertinentes ao seu ex-Cônjuge, com quem alegadamente foi casada sob o regime de comunhão de adquiridos), o Tribunal a quoomitiu por completo no despacho que indeferiu tal pretensão a enumeração/discriminação de quaisquer factos provados e não provados (nomeadamente, os alegados para aquele efeito pela Requerente), bem como a indicação de quaisquer normas ou institutos jurídicos (nomeadamente, os invocados para o mesmo efeito pela Requerente).
Face ao exposto, importará que se aprecie a dita omissão de qualquer fundamentação de facto e de direito registada na decisão recorrida; e de forma prévia à apreciação da concreta questão suscitada pelo recurso interposto.
Com efeito, lê-se no art. 663.º, n.º 2, do CPC que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º»; e lê-se no art. 608.º, n.º 2, do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Ora, o vício que atinge a decisão recorrida obsta à sua validade, tendo-se o mesmo de conhecimento oficioso (tudo conforme melhor se explicitará de seguida); e, por isso, deverá ser conhecido de imediato, já que, certificado, impedirá o conhecimento da concreta questão enunciada pela Requerente (AA).
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III - Vício da decisão judicial - Anulação da sentença/do despacho 3.1.Vícios da decisão judicial 3.1.1. Nulidades versus Erro de julgamento
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º, do CPC [3].
Precisando, entende-se em geral que «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença», já que «a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC)» (Ac. da RC, de 20.01.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, com bold apócrifo) [4].
Outros há, porém, que, concordando em princípio com esta posição, não deixam de admitir que poderão existir vícios da decisão de facto idóneos a justificar, de per se, a nulidade da própria sentença, enfatizando o facto desta, desde o CPC de 2013 (e ao contrário do que sucedia com o anterior, de 1961) conter agora simultaneamente a decisão de facto e a decisão de direito [5].
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3.1.2.Dever de fundamentação 3.1.2.1. Fundamentação de facto
Enunciando as regras próprias de elaboração da sentença, lê-se no art. 607.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC, que a «sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, e enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre conhecer», seguindo-se «os fundamentos de facto», onde o juiz deve «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as regras jurídicas, concluindo pela decisão final».
Mais se lê, no n.º 4, do mesmo art. 607.º citado, que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção»; e «tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados a presunções impostas pela lei ou por regras da experiência».
Por fim, lê-se no n.º 5, do mesmo art. 607.º, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», não abrangendo porém aquela livre apreciação «os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão da partes».
Reafirma-se, assim, em sede de sentença, a obrigação imposta pelo art. 154.º, do CPC, e pelo art. 205.º, n.º 1, da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme n.º 2, do art. 154.º citado).
Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art. 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação [6].
Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo; e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado. «A motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso» (Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBBVNO-A.C1).
Logo, e em termos de matéria de facto, impõe-se ao juiz que, na sentença, em parte própria, discrimine osfactos tidos por si como provados e como não provados (por reporte aos factos oportunamente alegados pelas partes, ou por reporte a factos instrumentais, ou concretizadores ou complementares de outros essenciais oportunamente alegados, que hajam resultado da instrução da causa, justificando-se nestas três últimas hipóteses a respectiva natureza).
Impõe-se-lhe ainda que deixe bem claras, quer a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim).
A explicitação da formação da convicção do juiz consubstancia precisamente a «análise crítica da prova» que lhe cabe fazer (art. 607.º, n.º 4, do CPC): obedecendo aos princípios de prova resultantes da lei, será em função deles e das regras da experiênciaque irá formar a sua convicção, sobre a matéria de facto trazida ao respectivo julgamento.
Com efeito, «livre apreciação da prova» (art. 607.º, n.º 5, do CPC) não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).
«É assim que o juiz [de 1.ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2.ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 591, com bold apócrifo).
Compreende-se, por isso, que se afirme que este esforço, exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida, «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causapelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
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3.1.2.2. Fundamentação de direito
De seguida, e do mesmo modo, o art. 607.º, n.º 3, do CPC, impõe ao juiz que proceda à indicação dos fundamentos de direito em que alicerce a sua decisão, nomeadamente identificando as normas e os institutos jurídicos de que se socorra, bem como a interpretação deles feita, concluindo com a subsunção do caso concreto aos mesmos.
Dir-se-á mesmo que «é na segunda parte da sentença, através da determinação, interpretação e aplicação das normas aos factos apurados, que reside a verdadeira motivação (fundamentação) da sentença. A importância capital desta parte da sentença reflecte-se claramente no facto de o art. 668º (1, b) [hoje, art. 615.º, n.º 1, l b)] incluir entre as causas de nulidade da sentença a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 666).
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3.1.3. Omissão de fundamentação - Nulidade
Lê-se no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que «é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
Precisa-se, porém, que vem sendo pacificamente defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa - nomeadamente, a falta de discriminação dos factos provados -, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação [7].
A concreta «medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto» (Ac. do STJ, de 11.12.2008, citado pelo Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBVNO-A.C1).
Reitera-se, porém, que saber se a «análise crítica da prova» foi, ou não, correctamente realizada, ou se a norma seleccionada é a aplicável, e foi correctamente interpretada, não constitui omissão de fundamentação, mas sim «erro de julgamento»: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma (conforme Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277).
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Mais se lê, no art. 613.º, n.º 3, do CPC, que o «disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações, aos despachos».
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3.1.4. Anulação (oficiosa) da decisão judicial - Art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC
Lê-se no art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, que a «Relação deve (…), mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que (…) permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto (…)».
Com efeito, a «decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento», resultando nomeadamente de se revelar, total ou parcialmente, deficiente, obscura ou contraditória
(António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Julho de 2013, pág. 239).
A decisão será: deficiente quando aquilo que se deu como provado e não provado não corresponde a tudo o que, de forma relevante, foi previamente alegado (isto é, não foram considerados todos os pontos de facto controvertidos, ou a totalidade de um facto controvertido); será obscura quando o seu significado não possa ser apreendido com clareza e segurança (isto é, os pontos de facto considerados na sentença são ambíguos ou poucos claros, permitindo várias interpretações); e será contraditória quando pontos concretos que a integram tenham um conteúdo logicamente incompatível, não podendo subsistir ambos utilmente (isto é, diversos pontos de facto colidam entre si, de forma inconciliável) [8].
Logo, quando se verifique que a decisão sobre a matéria de facto omitiu a «pronúncia sobre factos essenciais ou complementares», possui uma «natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa», ou revela «incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso», deve o Tribunal da Relação, oficiosamente, anulá-la, quando não lhe seja possível» suprir tais vícios (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Julho de 2013, págs. 239 e 240).
Contudo, importa ter presente que «os Recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram ainda submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal Recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso» (António Santos Abrantes Geraldes, op, cit., págs. 98 e 99).
Por outras palavras, «o regime consagrado entre nós para os recursos ordinários é de (…) reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último» (Ac. da RC, de 27.05.2015, Isabel Silva, Processo n.º 416/13.2TBCBR.C1).
Defende-se, assim, que a consideração e aplicação do disposto no art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, não pode ser feita de forma tão ampla que pretira a garantia, legal e constitucional, do duplo grau de jurisdição na apreciação, julgamento e decisão da matéria de facto; e, assim, será inaplicável quando tenha ocorrido omissão absoluta de fundamentação de facto [9], ou de conhecimento de qualquer das questões de mérito submetidas à apreciação do Tribunal a quo [10].
Enfatiza-se, em abono deste entendimento, que o preceito em causa expressamente refere a possibilidade de «alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto», quando do processo já constem todos os elementos necessários para o efeito, e não a simultânea possibilidade de colmatar a omissão da dita decisão (isto é, não refere a possibilidade de «elaboração de uma inédita decisão de facto»).
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3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável) 3.2.1. Nulidade da decisão judicial - Falta absoluta de motivação
Concretizando, compulsado o despacho recorrido, verifica-se que o mesmo consubstancia uma decisão de mérito (e não meramente interlocutória), já que indefere a pretensão da Requerente (AA), de que lhe seja entregue metade do produto da venda de dois imóveis apreendidos e vendidos nos autos de insolvência (sem que tais bens são, em regra, os de maior valor para o comum dos cidadãos).
Verifica-se ainda que, no dito despacho, se omitiu completamente qualquer discriminação dos factos provados e não provados, e de normas ou institutos jurídicos (sabido que essa indicação não pode ser feita por remissão para os fundamentos alegados no requerimento e na oposição), para alicerçar o seu posterior juízo de indeferimento da pretensão da Requerente (AA).
Fica-se, assim, sem saber se o juízo de indeferimento do Tribunal a quo se deveu à insuficiência de factos alegados, à insuficiência da sua prova, ou à respectiva falta de idoneidade para preencherem as normas legais a cuja tutela a Requerente (AA) se pretendia subsumir; ou, ainda, se se deveu à falta desta mesma tutela (seja nas normas legais que aquela invocou, seja em quaisquer outras novas - por ela não ponderadas - por a tanto se oporem,).
Logo, tem-se como verificada a nulidade dessa decisão, consistentes na falta de especificação dos respectivos fundamentos de factoe de direito, prevista na al. b), do n.º 1, do art. 615.º do CPC.
Contudo, a mesma não foi arguida pela Requerente (AA), no recurso de apelação que interpôs do dito despacho, considerando este Tribunal da Relação que tal vício não é de conhecimento oficioso (atento o disposto nos arts. 614.º, n.º 1, 615.º, n.º 2 e n.º 4, e 617.º, n.º 1 e n.º 6, todos do CPC) [11].
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3.2.2. Anulação da decisão judicial - Falta absoluta de fundamentação de facto
Dir-se-á, porém, que não obstante essa falta de oportuna arguição da nulidade incorrida pelo despacho em apreciação (por vício pertinente à sua elaboração e estruturação), consubstanciando a dita omissão simultaneamente um outro e distinto vício (desta feita, próprio do conteúdo da própria decisão de facto), pode o mesmo - nesta segunda vertente - ser apreciado oficiosamente por este Tribunal da Relação, ao abrigo do distinto regime previsto no art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC [12].
Com efeito, se a lei, no art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, permite a anulação oficiosa da decisão proferida na 1.ª Instância quando a decisão de facto respectiva seja deficiente, por maioria de razão tê-lo-á que permitir quando a mesma seja absolutamente omissa, por esta omissão total ser o grau máximo daquela deficiência.
Assim, na expressão «deficiência» caberá necessariamente, não só a falta de decisão sobre um facto essencial, como a falta absoluta de decisão sobre todos os factos essenciais [13].
Compreende-se que assim seja, já que «se houver uma total ausência de decisão sobre a matéria de facto, não pode este Tribunal exercer o poder censório, não só quanto à matéria de facto provada, como também sobre o direito aplicado e aplicável».
Dir-se-á mesmo que não será só o Tribunal de Recurso que ficará impedido de exercer a sua função de sindicância, outro tanto sucedendo relativamente a pretendido recorrente, já que «tal procedimento também impede as partes» de cumprirem o ónus de impugnação que lhes está cometido pelo art. 640.º, n.º 1, als. a) e b) do CPC, incluindo «de cabalmente argumentarem na defesa das suas posições (…) porquanto desconhecem a convicção do Mmº Juiz a quo, restando-lhes supor que factos terá considerado como provados para concluir como o fez» (Ac. da RL, de 27.10.2009, Maria José Simões, Processo n.º 3084/08.0YXLSB-A.L1-1, com bold apócrifo).
Concluindo, impõe-se anular oficiosamente o despacho proferido pelo Tribunal a quo, para que ele, face nomeadamente à prova produzida nos autos, o fundamente de facto (conforme imposto pelo art. 607.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 5 do CPC), já que cabe a este Tribunal da Relação sindicar esse juízo de facto que realize, e não substituir-se-lhe no mesmo (produzindo-o de forma inédita e integral).
Do mesmo passo, deverá ainda fundamentar de direito a decisão que venha a proferir, com expressa indicação das normas ou institutos jurídicos onde alicerce o seu juízo, nomeadamente afastando as invocadas pela Requerente (AA) em abono da sua pretensão, por diferente interpretação que faça delas, ou indicando outras que contrariam aquele seu pedido.
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela anulação do despacho proferido pelo Tribunal a quo, por forma a que seja colmatada a sua actual e absoluta falta de fundamentação de facto (que, em sentido amplo, inclui quer a falta de discriminação dos factos provados e não provados, quer a falta de qualquer apreciação crítica da prova); e, na esteira da dita anulação, ainda a sua actual e absoluta falta de fundamentação de direito.
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Fica, do mesmo passo, prejudicado o conhecimento do objecto do recurso interposto do dito despacho, o que aqui se declara, nos termos do art. 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma.
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IV - DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
· Anular o despacho recorrido, por forma a que seja fundamentado de facto, conforme imposto pelo art. 607.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 5 do CPC, e bem assim de direito;
· Declarar prejudicado o conhecimento do objecto do recurso de apelação interposto do mesmo despacho pela Requerente(AA).
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Custas da apelação pela massa insolvente (art. 304.º, do CIRE).
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Guimarães, 07 de Junho de 2023.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes; 2.º Adjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas.
[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - inwww.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). [2]Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [3] Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14. [4]No mesmo sentido, de distinção das nulidades da sentença dos vícios que afectam a própria elaboração da decisão de facto (estes últimos entendidos como passíveis de serem qualificados como nulidades processuais, nos termos do art. 195.º, n.º 1 do CPC), Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2. [5] Neste sentido, de eventual não distinção dos vícios que afectam a elaboração da decisão de facto das nulidades da sentença, José LebredeFreitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 733 e 734, onde se lê que «atualmente a sentença contém tanto a decisão sobre a matéria de direito como a decisão sobre a matéria de facto (cf. o art. 607-4), pelo que os vícios da sentença não se autonomizam hoje dos vícios da decisão sobre a matéria de facto, diversamente do que antes sucedia (cf. os arts. 608 e 653-4 do CPC de 1961). Esta circunstância, se não justifica a aplicação, sem mais, do regime do art. 615 à parte da sentença relativa à decisão sobre a matéria de facto - desde logo porque a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.ºs 2 e 3 do art. 662) -, obriga, pelo menos, a ponderar, caso a caso, a possibilidade dessa aplicação». [6] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex Edições Jurídicas, 1997, pág. 348. [7]Por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processos Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704, e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 332.
Contudo, e para este autor e para Isabel Alexandre, face à solução consagrada no CPC de 2013 (de integrar na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto, como a fundamentação respectiva), só a falta da primeira integra a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, e não também a falta da segunda (v.g. genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito), a que será aplicável o regime previsto no art. 662.º, n.º 2, al. d) e n.º 3, als. b) e d), do CPC (conforme Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 736, com indicação de jurisprudência conforme). [8]Em sentido conforme: Alberto dos Réus, Código de Processo Civil Anotado, IV Volume, Coimbra Editora, Limitada, pág. 553; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 656; ou José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 664. [9] Neste sentido: . Ac. da RG, de 18.12.2017, Helena Melo, Processo n.º 1099/17.6T8VNF.G1- onde se lê que a «regra da substituição do Tribunal de recurso ao tribunal recorrido não pode ser entendida como tendo aplicação nos casos em que o tribunal recorrido simplesmente não se pronuncia sobre nenhuma das questões suscitadas e de que devia conhecer. Pretendeu-se que o tribunal de recurso supra alguma nulidade pontual que possa ter ocorrido, mas não que seja ele a proferir totalmente a decisão, deste modo suprimindo totalmente um grau de jurisdição. A intenção subjacente à regra da substituição que tem como fundamento a celeridade não se aplica aos casos de total ausência de pronúncia, devendo, nesses casos, a decisão ser anulada». . Ac. da RC, de 03.03.2020, Jorge Arcanjo, Processo n.º 713/10.9TBFIG.C2 - onde se lê que, conhecendo «oficiosamente a Relação da existência do vício da deficiência de facto (art.662º, nº 2, c) CPC), tal implica a anulação do julgamento e reenvio do processo ao tribunal da 1ª instância, ainda que a prova produzida em audiência tenha sido integralmente gravada»; mas quando «o nº 2, c) do art.662º remete para o nº 1, refere-se a todos os elementos que “permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto”, pressupondo logicamente a respectiva individualização ou discriminação, ou seja, para o poder de substituição ou de reexame pela Relação não basta a mera gravação da prova testemunhal, sem qualquer indicação ou individualização, pois de outro modo tal exigiria uma audição integral e indiscriminada».
Acresce que, por «outro lado, implicando o vício da deficiência a ampliação dos temas da prova, o reexame na Relação importaria a privação do contraditório, do direito à prova quanto aos factos omitidos e a proibição do duplo grau de jurisdição». . Ac. da RL, de 07.12.2021, Ana Rodrigues da Silva, Processo n.º 8513/09.2YYLSB-B.L2-7 - onde se lê que, quando «exista uma ausência da fundamentação de facto, por falta de especificação de factos provados e não provados, bem como por omissão de qualquer apreciação crítica da prova produzida, e sua subsunção ao direito aplicado, impedindo, assim, a sua sindicância, estamos perante uma situação de falta de fundamentação, o que determina a nulidade da sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do art. 615º, nº 1, al. b) do CPC».
Contudo, esta «nulidade apenas pode ser colmatada pelo tribunal que proferiu a sentença, porquanto a apreciação da prova produzida pelo tribunal de recurso significaria a diminuição de um grau de jurisdição na apreciação e julgamento da matéria de facto». [10] Neste sentido, Ac. da RL, de 19.05.2016, Maria Teresa Pardal, Processo n.º 478-14.5TBCSC.L1-6, onde se lê que, tendo «a decisão recorrida conhecido de um pressuposto processual e não do fundo da causa, não deverá operar a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista no artigo 665º nº2, que só deverá aplicar-se nas situações em que o tribunal recorrido já apreciou o fundo da causa, não se pronunciando sobre questões que ficaram prejudicadas (artigo 608º nº2 do CPC), como parece indicar a expressão “por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio”. Já não será assim quando, como é o caso, a decisão recorrida se limitou a conhecer de um pressuposto processual e a absolver da instância, sob pena de a Relação poder eventualmente decidir a causa em 1ª instância, com a consequente supressão de um grau de jurisdição». [11] Aparentemente em sentido contrário, isto é, admitindo o conhecimento oficioso de uma tal nulidade, «quando haja controversão de factos julgados ou a julgar, para que se apreciar a aplicabilidade dos critérios substantivos constantes da norma ou normas jurídicas elegíveis», Ac. da RC, de 19.02.2013, Virgílio Mateus, Processo n.º 618/12.9TBTNV.C1. [12]Aparentemente no mesmo sentido - uma vez que então se pronunciava sobre o art. 712.º do anterior CPC -, Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª edição aumentada e reformulada, Almedina, Outubro de 2009, pág. 227. [13] Neste sentido: Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV Volume, Coimbra Editora, Limitada, pág. 553; ou Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, Almedina, pág. 611.
Na jurisprudência: Ac. da RL, de 27.10.2009, Maria José Simões, Processo n.º 3084/08.0YXLSB-A.L1-1; ou Ac. da RC, de 19.02.2013, Virgílio Mateus, Processo n.º 618/12.9TBTNV.C1, onde se lê que, «se a lei concede tal poder nos casos em que a decisão sobre a matéria de facto é meramente deficiente ou escassa para decisão de todos os pontos controvertidos da questão de direito, por maioria de razão também o concede quando se verifique uma total ausência da fixação da matéria de facto na sentença».