APOIO JUDICIÁRIO
LIMITES AO PAGAMENTO FASEADO DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário

I- O art.º 13.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31-08, sob a epígrafe “Limitação do número de prestações do pagamento faseado” estipula:
 “1 - Se o somatório das prestações pagas pelo beneficiário de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado for, em dado momento, superior a quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial, o beneficiário pode suspender o pagamento das restantes prestações; tratando-se de processo em que não seja devida taxa de justiça inicial, a suspensão pode ter lugar quando o somatório das prestações pagas pelo beneficiário for superior a 2 UC.
2 - Caso o beneficiário suspenda o pagamento das prestações, nos termos do número anterior, e da elaboração da conta resulte a existência de quantias em dívida por parte do mesmo, o seu pagamento pode ser efectuado, de forma faseada, em prestações de montante idêntico ao anteriormente estipulado pelos serviços de segurança social.”
II- A possibilidade de suspensão do pagamento das prestações destina-se a constituir uma vantagem adicional aos beneficiários de apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado e não um encargo para os mesmos.
III- Por isso, a aplicação deste preceito ao beneficiário do apoio judiciário não pode conduzir a que, num determinado momento processual, aquele fique numa posição mais desvantajosa do que a parte que não goza de tal benefício.

Texto Integral

Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
P, melhor identificado nos autos de embargos de executado em que é embargante, vem interpor recurso do despacho com a Refª 419648695/419648999, datado de 10.10.2022 e notificado ao Recorrente em 14.10.2022, que ordena que a secretaria diligencie junto do Embargante pelo pagamento das “prestações em falta” acrescidas de multa nos termos do art.º 10º nº 1, al. f) da LAJ, por considerar que nos termos do art.º 13º da Portaria nº 1085-A/2004 de 31/08 o Recorrente/Embargante e beneficiário de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, apenas pagou três prestações da taxa de justiça devida, no valor de 80,00€ cada. O Tribunal a quo considera que o Embargante deveria ter pago quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial, pois que só a partir daí pode suspender o pagamento das restantes prestações.
Junto com o despacho de que recorre foi anexada a Guia 703380089650808 com a importância total a pagar pelo Recorrente de 1.768,00€ no prazo de 10 dias, e com a cominação de que a falta de pagamento implica o cancelamento do apoio judiciário, na modalidade concedida.
Formula as seguintes conclusões:
I- Deve ser dado como provado que o Recorrente pagou 4 prestações de taxa de justiça, no montante de € 320,00 da seguinte forma:
- Prestação 1, através do requerimento com a Ref.ª Citius 29565040 de 17.06.2021 conforme DUC, comprovativo de pagamento, no valor de 80,00€ e comprovativo da concessão do apoio judiciário;
- Prestação 2, através do requerimento com a Ref.ª Citius 29910970 de 27.07.2021 conforme DUC e comprovativo de pagamento, no valor de 80,00€;
- Prestação 3, através do requerimento com a Ref.ª Citius 30125200 de 30.08.2021, conforme DUC e comprovativo de pagamento, no valor de 80,00€;
- Prestação 4, através do requerimento com a Ref.ª Citius 30448309 de 6.10.2021, conforme DUC e comprovativo de pagamento, no valor de 80,00€, sendo que este último pagamento apenas foi introduzido pela secretaria no Citius em 14.10.2022, Ref.ª 419647020, ou seja, mais de 1 ano após o pagamento da 4ª prestação, com base nos referidos requerimentos com as referências Citius indicadas.
ISTO POSTO
II- Devia o Tribunal a quo ter feito uma interpretação actualística do nº 1 do art.º 13º da Portaria 1085-A/2004 de 31/08, à luz do disposto nos artigos 6.º nº 1 e 13.º nº 1 e 2 do RCP, pelo que a suspensão a que alude o citado art.º 13º nº 1 da Portaria nº 1085-A/2004 deverá ocorrer logo que estejam pagas prestações que correspondam ao valor da taxa de justiça devida, ou seja, logo que a taxa de justiça esteja paga, como é o caso dos autos.
III- É que o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL 34/2008 de 26/02, que nas sua sucessivas formulações, abandonou o conceito de taxa de justiça do processo decomposta em taxa de justiça de cada parte, tal como era prevista no CCJ, sendo esta por sua vez integrada por taxa de justiça inicial e subsequente, passando a ser devida por cada parte um só taxa de justiça , tendencialmente paga integralmente de uma só vez por cada parte.
IV- Não o tendo feito, violou o Douto Despacho o disposto nos artigos 6.º nº 1 e 13.º nºs 1 e 2 do RCP.
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,
V- Deve o disposto no nº 1 do art.º 13º da Portaria 1085-A/2004 de 31/08, por violação dos artigos 2º e 20.º da CRP porquanto se o beneficiário do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça, obtido junto da Segurança Social após análise, verificação e constatação da sua insuficiência económica, como é o caso do Recorrente, for obrigado a pagar um valor superior a 4 vezes a taxa de justiça do processo, mesmo que faseadamente -o que, in casu, resultaria no pagamento de valor superior a €1224,00 (306,00x4)- então fica obliterado o referido benefício porquanto, para além da óbvia desigualdade em relação à parte contrária, que apenas tem que pagar um taxa de justiça de €306,00, o referido benefício passa a ser um encargo dado que, em termos absolutos, o esforço económico da parte beneficiária do apoio – o aqui Recorrente- é muito superior do que aquele que teria que suportar sem o benefício.
VI- Sendo que o disposto no nº 1 do artigo 13.º da mencionada Portaria não é compatível com nenhuma das exigências do principio da proporcionalidade em sentido lato e em sentido estrito, como resulta do que se disse atrás: não é adequado a alcançar os objectivos de garantia de acesso ao direito por parte de quem, como o Recorrente, não tem capacidade económica para pagar de uma só vez a taxa de justiça, e traduz-se na imposição ao beneficiário do apoio judiciário um ónus de pagar um valor muito superior ao valor da taxa de justiça previsto no Regulamento das Custas, que é aquele que paga a parte contrária.
VII- Ao não desaplicar o artigo 13.º nº 1 da Portaria 1085-A/2004 de 31.08 por inconstitucional, e ao proceder à sua aplicação nos presentes autos violou o Despacho Recorrido o disposto nos artigos 2.º e 20.º da CRP.
Pelo exposto, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que considere paga, faseadamente e na íntegra pelo Recorrente a taxa de justiça devida, com o que Vossas Excelências farão a devida, merecida e costumada JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

II- OS FACTOS

Os elementos relevantes para a decisão, são os que constam do relatório, destacando-se ainda o seguinte que dos autos consta:
1- O Recorrente pagou 4 prestações de taxa de justiça, no montante total de € 320,00, da seguinte forma:
- Prestação 1, através do requerimento com a Ref.ª Citius 29565040 de 17.06.2021 conforme DUC, comprovativo de pagamento, no valor de 80,00€ .
Prestação 2, através do requerimento com a Ref.ª Citius 29910970 de 27.07.2021 conforme DUC e comprovativo de pagamento, no valor de 80,00€;
- Prestação 3, através do requerimento com a Ref.ª Citius 30125200 de 30.08.2021, conforme DUC e comprovativo de pagamento, no valor de 80,00€;
- Prestação 4, através do requerimento com a Ref.ª Citius 30448309 de 6.10.2021, conforme DUC e comprovativo de pagamento, no valor de 80,00€, sendo que este último pagamento apenas foi introduzido pela secretaria no Citius em 14.10.2022, Ref.ª 419647020.
2- O despacho recorrido tem o seguinte teor:
 “Constata-se que do presente apenso apenas constam três comprovativos do pagamento faseado (mensal) de taxa de justiça e demais encargos com o processo, no valor de €80, 00 cada.
Conforme resulta do art.º 13º nº1 da Portaria nº 1085-A/2004, de 31/08 “ Se o somatório das prestações pagas pelo beneficiário de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado for, em dado momento, superior a quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial, o beneficiário pode suspender o pagamento das restantes prestações; tratando-se de processo em que não seja devida taxa de justiça inicial, a suspensão pode ter lugar quando o somatório das prestações pagas pelo beneficiário for superior a 2 UC.”
Não basta, pois, para que se possa suspender o pagamento das prestações, que se atinja um valor global pago de montante equivalente ao da taxa de justiça devida; só pode haver lugar a tal suspensão quando o montante pago atinja o valor referido no referido art.º 13 nº1. Assim, diligencie a secretaria junto do embargante pelo pagamento das prestações em falta acrescidas de multa nos termos previstos no art.º 10.º nº1 al. f) da LAJ.”
3-A Embargada B, LDA, que não goza do benefício do apoio judiciário, pagou a quantia de €306,00, a título de taxa de justiça.

III- O DIREITO

Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, a única questão a apreciar consiste na interpretação e aplicação do disposto no art.º 13.º n.º 1 da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31-08, averiguando, por conseguinte se, no despacho recorrido, foi feita a correcta aplicação desse preceito legal.

Vejamos, antes de mais, o que estipula o referido art.º 13.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31-08, sob a epígrafe “Limitação do número de prestações do pagamento faseado”:
 “1 - Se o somatório das prestações pagas pelo beneficiário de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado for, em dado momento, superior a quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial, o beneficiário pode suspender o pagamento das restantes prestações; tratando-se de processo em que não seja devida taxa de justiça inicial, a suspensão pode ter lugar quando o somatório das prestações pagas pelo beneficiário for superior a 2 UC.
2 - Caso o beneficiário suspenda o pagamento das prestações, nos termos do número anterior, e da elaboração da conta resulte a existência de quantias em dívida por parte do mesmo, o seu pagamento pode ser efectuado, de forma faseada, em prestações de montante idêntico ao anteriormente estipulado pelos serviços de segurança social.”
A fim de extrairmos o verdadeiro sentido da norma, não podemos perder de vista que a referida portaria fixa os critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a concessão da protecção jurídica, respondendo “ao propósito de simplificação do procedimento administrativo gizado na lei, atribuindo, simultaneamente, uma vantagem adicional[1] aos beneficiários de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado cujo valor da prestação, apurado nos termos da lei e concretizado pela presente portaria, se situe no intervalo entre um valor fixo e o valor fixo imediatamente seguinte. Nestes casos, o montante a liquidar é, pois, definido por referência ao valor fixo mais baixo.
Ainda no âmbito do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, prevê-se a possibilidade de suspensão do pagamento das prestações sempre que o respectivo somatório atinja determinado montante, sem prejuízo de eventual acerto a final”, conforme se pode ler no respectivo preâmbulo.
Por conseguinte, a possibilidade de suspensão do pagamento das prestações destina-se a constituir uma vantagem adicional aos beneficiários de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado e não um encargo para os mesmos.
Por isso, a aplicação deste preceito ao beneficiário do apoio judiciário não pode conduzir a que, num determinado momento processual, aquele fique numa posição mais desvantajosa do que a parte que não goza de tal benefício.

Assim, da leitura integral do preceito referido, resulta que o ali estipulado só faz sentido se as prestações disserem respeito a valores devidos numa fase adiantada do processo e não quando apenas esteja em dívida a taxa de justiça inicial. Se assim não for entendido, então o apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado redundaria não num benefício, mas numa sobrecarga para o requerente do apoio judiciário. Na verdade, no caso concreto, enquanto a parte contrária, sem apoio judiciário, pagou uma taxa de justiça de €306,00, o ora Apelante, por lhe ter sido concedida a possibilidade de pagamento faseado, teria de pagar €1224,00 e só após esse pagamento poderia suspender o pagamento das prestações. Não faz sentido esta interpretação.
Acresce que, ao contrário do que vem mencionado no despacho recorrido, está comprovado nos autos que o ora Apelante pagou não três, mas quatro prestações, no valor de €80,00, cada uma, o que perfaz €320,00. Logo, está satisfeita a obrigação de pagamento da taxa de justiça, não havendo, pois, fundamento legal para aplicação da multa prevista no art.º 10.º n.º 1 f) da Lei do Apoio Judiciário (LAJ).
Procedem, pois, as conclusões de recurso.

IV- DECISÂO

Em face do exposto, acordamos nesta 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso e, por consequência, revogando a decisão recorrida, considerar que, por ora, nada mais é devido a título de custas, por parte do Apelante.
Custas deste recurso pela parte vencida a final.

Lisboa, 15 de Junho de 2023
Maria de Deus Correia
Maria Teresa Pardal
Anabela Calafate
_______________________________________________________
[1] Negrito nosso.