PROVA PERICIAL
PERÍCIA PSIQUIÁTRICA
NECESSIDADE
IMPUTABILIDADE
INIMPUTABILIDADE
Sumário


I - A prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos – art.º 151º, do C.P.P.
II - A realização de perícia mostra-se dependente, no mínimo, da alegação de factos de onde resulte a respectiva pertinência e essencialidade no sentido da determinação da sua necessidade para a percepção ou apreciação de factos; estes terão de ser factos alegados pela acusação ou pela defesa de onde resulte que a finalidade da perícia se mostre essencial e necessária.
III - A perícia psiquiátrica, a que se reporta o artigo 159.º do Código de Processo Penal, sobretudo os seus n.ºs 6 e 7, só deve ser realizada quando se suscitar, fundadamente, a inimputabilidade ou a imputabilidade diminuída do arguido.

Texto Integral



Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I.
No processo comum n.º 49/21.0JAEVRdo Juízo Central Cível e Criminal de Évora, Comarca de Évora, o arguido AA veio recorrer do despacho de que indeferiu o pedido de realização de perícia médico-legal, na área de psiquiatria forense, do próprio recorrente.
Apresentou motivação da qual extraiu as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso tem como objeto, o despacho judicial que indeferiu o pedido de prova pericial colegial do recorrente, na área de psiquiatria, de modo a se poderem avaliar as características de personalidade do mesmo; em concreto, se padece de alguma patologia comportamental que justifique
os factos constantes da acusação e se estamos no âmbito da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída.
2. O tribunal recorrido fundamenta o despacho recorrido no merecimento dos autos que o arguido apresentou na contestação, i.e., que quanto às diligências probatórias requeridas, o recorrente nada veio fundamentar que permitisse aferir da substância material do requerido.
3. O Tribunal recorrido fundamenta tal indeferimento com a opinião do Professor Doutor Paulo Sérgio Pinto de Albuquerque que no seu Código de Processo Penal comentado à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no sentido de referir que “Com a contestação o arguido pode juntar o “rol de testemunhas” e a lista das demais provas, isto é, os meios de prova e de obtenção de prova cuja produção ou exame são requeridos e os factos que através deles se espera provar. Com efeito, qualquer pedido de produção ou exame de meios de prova e de meios
de obtenção de prova deve ser acompanhado da respetiva justificação, isto é, da indicação do facto que se pretende provar, para os efeitos do artigo 340.º, n.º 4.”
4. Ou ainda o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/11/2016, em que foi Relatora a Exma. Sra. Juíza Desembargadora Dra. Maria Pilar de Oliveira, proc. n.º 204/14.9JAGRD.C1.
5. O fundamento do indeferimento, apenas assenta num Código de Processo Penal anotado e de jurisprudência que não plasmam a situação do caso concreto, afastando a realização de prova mais que justificada perante o tipo de crime de que o arguido, aqui recorrente, vem acusado.
6. Fundamenta o despacho recorrido, ou tenta fundamentar, o seu indeferimento com o facto de nada ser aduzido na contestação que permita ao Tribunal descortinar o desiderato prosseguido com a perícia, não se mostrando carreado para os autos qualquer elemento que permita suspeitar que o arguido padece de qualquer anomalia psíquica (nem este a invoca).
7. Considera o despacho recorrido que não se descortina a razão para sustentar um juízo de necessidade de realização de uma perícia.
8. O Recorrente discorda totalmente com os fundamentos dados no despacho recorrido.
9. A bem da sua defesa, o arguido pode entender não querer explicitar na contestação os factos que pretende ver provados em sede de discussão e julgamento, não devendo, nem podendo ser prejudicado por isso até porque a contestação em processo-crime, nos termos do art.º 311-B do C.P.P. não está sujeita a formalidades especiais e a sua falta não importa a confissão dos factos.
10. Tal não obsta a que o Tribunal deva diligenciar, para a descoberta da verdade, a realização das diligências necessárias à boa decisão da causa, estando assim adstrito ao preceituado no art.º 340.º do CPP.
11. No direito processual penal do arguido, devem ser-lhe asseguradas as garantias de defesa com tutela constitucional – art.º 32.º da C.R.P., competindo-lhe decidir sobre a sua defesa, escolhendo como e quando se quer defender, se antecipando na contestação a sua posição sobre os factos da acusação, ou relegando-a para a audiência de julgamento.
12. Nos termos do art.º 311-B do CPP, o recorrente requereu a prova que lhe permitirá ou poderá permitir demonstrar que a factualidade vertida na acusação não corresponde à realidade e para isso, requereu a audição das testemunhas.
13. O arguido não pode ser coartado dos meios que entenda adequados à sua defesa, não podendo ser prejudicado pelo facto de ter apresentado uma contestação sem as formalidades especiais.
14. Ao contrário do que refere o despacho recorrido, o recorrente justificou os motivos que estiveram na base do requerimento da “perícia médico-legal, na área da psiquiatria forense a realizar pelo Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, com o objetivo de serem avaliadas as características da personalidade do mesmo e, em concreto, se porventura padece de alguma patologia comportamental que possa justificar os factos constantes da acusação e se se estaria no domínio da inimputabilidade ou de uma inimputabilidade diminuída.”
Dos elementos constantes dos autos mostra-se indiciado o pressuposto da imprescindibilidade da realização de perícia para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio, na medida em que a “prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas não devam ser objeto de inspeção judicial”
15. O recorrente apresentou o conjunto de quesitos que pretenderia ver respondidos para se poder avaliar acerca da sua eventual inimputabilidade ou inimputabilidade diminuída, concretizando os actos relativos á necessidade da realização da perícia, absolutamente essencial para a efetivação dos seus direitos de defesa e para a descoberta da verdade material e efetiva aplicação da justiça.
16. O arguido cumpriu o ónus de especificar as questões que pretendia ver resolvidas com estas perícias e fê-lo quando apresentou os quesitos com o requerimento probatório na contestação
17. Estas evidências processuais não necessitam de ser alegadas especificadamente pelo arguido na contestação, resultando notoriamente dos autos a potencial existência de anomalia psíquica, ou, no mínimo, de uma afetada condição psíquica/psicológica do arguido que pode influir decisivamente nas suas ações, pois não é normal, para o homem médio, que um rapaz de 16/17 anos tenha qualquer interesse sexual por crianças de 8 ou 9 anos ou por rapazes de 13/14 anos. É aliás do senso comum.
18. O requerimento de perícia consubstancia-se no n.º 1, do art.º 159.º do Cód. De Proc. Penal, uma vez que o recorrente, pretende ser sujeito a uma perícia médico-legal de modo a se poder determinar se o mesmo enferma de alguma patologia que o possa fazer-se considerar como inimputável ou com uma imputabilidade diminuída.
19. O recorrente marcou consultas psiquiátricas, no sentido de se poder determinar se sofre de alguma patologia, ou se tem algum comportamento ou distúrbio a nível de personalidade que possa justificar alguns dos atos que vêm referidos na acusação, no entanto, por indisponibilidade de recursos humanos e de meios materiais, o estabelecimento prisional onde aquele se encontra preso preventivamente, nunca conseguiu permitir que o mesmo se deslocasse a essas consultas, o que o impediu de, na fase de inquérito de solicitar a intervenção do IMLCF.
20. Com apresentação de contestação, decidiu o aqui recorrente não expor qualquer tipo de factualidade que viesse a contrariar os factos constantes da acusação, requerendo uma perícia médico-legal na área da psiquiatria (nos termos do art.º 159.º do CPP), bem como uma avaliação acerca da sua personalidade (nos termos do art.º 160.º do CPP).
21. Existe uma diferença clara entre a perícia psiquiátrica médico-legal, prevista no art.º 159.º, n.º 6 do CPP, que serve o propósito de avaliar da existência de alguma causa patológica de inimputabilidade (art.º 20.º, n.º 1 do CP) ou inimputabilidade diminuída (art.º 20.º, n.º 2 do CP), quer para averiguar da passibilidade de culpa, quer relevando na determinação da medida da pena – e a perícia de personalidade, prevista no art.º 160.º do CPP – que tem como fito avaliar as características psíquicas independentes de causa patológica, bem como o grau de socialização.
22. No caso concreto suscita-se a necessidade de averiguar tanto as características da personalidade do arguido como, e especialmente da existência de alguma psicopatologia de que padeça, que seja carecida de tratamento sério e que possa ter influenciado os comportamentos do arguido no período de tempo que vem descrito na acusação, como os próprios quesitos juntos claramente indicam.
23. O recorrente, não pode alegar ou invocar a existência de qualquer patologia ou distúrbio da sua personalidade, uma vez que nunca lhe foi facultada ou permitida a possibilidade de ser observado por profissionais da área de psiquiatria, seja por falta de meios ou por falta de vontade do estabelecimento prisional onde se encontra preso preventivamente, não podendo ser prejudicado em virtude de o Tribunal recorrido entender o mesmo não alegou padecer de nenhuma patologia psíquica.
24. O recorrente pretende ser avaliado nos termos dos artigos 159.º e 160.º do CPP, tal como resulta do requerido em sede de contestação, sendo tal essencial para a sua defesa podendo vir a demonstrar relevantes distúrbios a nível da sua personalidade e, quiçá, a sua inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, influindo na obtenção da verdade material dos factos e para a boa decisão da causa que o próprio Tribunal recorrido deve ter em conta e almejar alcançar.
25. No Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13-05-2014, processo n.º 200/11.8GTEVR.E1, relator João Gomes de Sousa, esclarece-se que “há casos claros de exigência legal (literal), a implicar necessariamente a realização de perícia. Então neste caso, pelo menos, os previstos nos artigos 166.º, n.º 2 (documento cifrado) e 351.º, n.º 1 (imputabilidade), do Código de Processo Penal, e no artigo 18.º da Lei 45/2004 (autópsia médico-legal).”, não resultando claro do artigo 151º do CPP, se a determinação da realização da perícia é facultativa ou obrigatória, importando perceber se a execução de perícia depende da ponderação da autoridade judiciária ou se existem situações em que a sua realização tem cariz obrigatório.
26. Certo e líquido é que perante a factualidade trazida pela acusação, pode considerar-se que estamos perante um caso em que a perícia se revela essencial para a descoberta da verdade, tornando-a indispensável, pelo que se deve entender que mesmo inexistindo obrigatoriedade legal, sempre que
a perícia se mostre como essencial para a descoberta da verdade, como é no caso, deverá sempre ser realizada.
27. A preterição de tal perícia poderá ser considerada nula, nos termos do art.º 120.º, n.º 2, al. d) do CPP ou, caso assim não seja considerado, sujeito ao regime da irregularidade, prevista no art.º 123.º do mesmo Diploma Legal.
28. Não estamos perante crimes menores, estamos perante crimes contra a liberdade sexual de menores e em número bastante elevado, pelo que a realização de uma perícia à personalidade do arguido, bem como saber se este sofre de alguma patologia que possam justificar a sua atuação conforme referido na acusação é de grande utilidade, tratando-se de prova legal e como tal considerada nos termos do art.º 34.º, n.º 1 e 125.º do CPP, sem qualquer aplicabilidade dos fundamentos referidos no despacho recorrido que nem sequer se consegue entender quais as normas invocadas que justifiquem tais motivações, de tão confuso que o despacho é.
29. Pelo que tal despacho judicial se afigura nulo em face do disposto na alínea d), do n.º 2, do art.º 120.º do CPP.
30. Sem prejuízo da anterior questão, o despacho recorrido é ilegal por violar claramente o n.º 1, do art.º 340.º do CPP, e bem assim o art.º 125.º do mesmo Diploma Legal.
31. O Tribunal recorrido interpretou ilegalmente o art.º 340.º, n.º 1 do CPP, por eventual confusão ou desconsideração da norma processual, sem qualquer justificação, que não se entende, nem se compreende.
32. A decisão do tribunal recorrido, com fundamentação manifestamente insuficiente ao desiderato do indeferimento, ofende os mais básicos postulados constitucionais de garantias de defesa em processo criminal e direito a um processo equitativo e violando, também, os n.ºs 1 e 3, do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem gerando, por si só, a nulidade da decisão recorrida nesta parte nos termos previstos do referido art.º 120.º, n.º 2, al. d) do CPP, por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade, nulidade que supra se invocou e se volta a invocar.
33. Afigura-se ter havido no despacho recorrido, claro erro de julgamento, aplicando-se indevida e ilegalmente fundamentos que nada têm a ver com a situação do deferimento ou indeferimento dos meios de prova requeridos.
34. A interpretação que o Tribunal recorrido fez do art.º 125.º e 340.º do CPP, por omissão, é contrária à norma fundamental consagrada pelo n.º 1, do art.º 20.º e 32.º, n.º 1 da CRP, impedindo ilegalmente o arguido, aqui recorrente, de se defender nos autos por meio de prova legal que recorreu atempadamente, colocando-se em causa o seu direito à prova e ao processo justo que este tem que merecer por parte do Tribunal recorrido que o irá julgar nos presentes autos.
35. A prova pericial requerida pelo recorrente não se mostra inútil nem dilatória, não se podendo sequer aplicar ou invocar as alíneas c) e d), do n.º 4, do art.º 340.º do CPP, tendo o tribunal feito uso e interpretação indevidos dos art.ºs 311-A e 340.ºdo CPP, tratando-se isso sim de prova legal, requerida atempadamente, na contestação, essencial para a defesa do arguido e descoberta da verdade material dos factos e boa decisão da causa.
36. Pelo que deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene a realização do meio de prova por exame médico legal nos termos dos art.ºs 159.º e 160.º, ambos do CPP.
37. Visando o presente recurso a revogação do despacho proferido em 20/01/2023, na parte em que indefere a realização de perícias psiquiátricas e de personalidade ao arguido, todas requeridas por este na sua contestação, onde concretizou os factos que pretende provar nos quesitos submetidos com a contestação, almejando ver provados os factos que resultam da resposta às questões colocadas nos quesitos formulados.
38. Os fatores e conceitos que se pretendem ver esclarecidos e densificados nas respostas dadas pelos profissionais de saúde que, de outra forma não se consegue, estão intimamente ligados ao tipo de crime em questão, sendo mais facilmente verificáveis através da referida perícia de patologia e de personalidade, parecendo resultar clara a intenção legitima do arguido na solicitação destes meios probatórios.
39. Em suma, existe no entender do recorrente, um erro na apreciação das normas de direito aplicáveis no caso concreto, bem como uma incorreta interpretação dada às mesmas por parte do Tribunal recorrido, devendo, por isso, ser a decisão corrigida por esse Douto Tribunal Superior adotando outra
decisão que passe a respeitar a legislação aplicável.”
Termina peticionando que a decisão recorrida seja revogada e substituída por decisão que determine a realização da perícia médico-legal nos termos recorridos

O Ministério Público respondeu ao recurso concluindo:
“1. Pressuposto da realização de uma perícia é o conhecimento de factos que exijam, para a sua apreciação, especiais conhecimentos técnicos.
2. O arguido pretende a realização de uma perícia com vista a aferir da sua imputabilidade ou inimputabilidade em razão de patologia psiquiátrica, sem que, contudo, existam nos autos indícios de que o arguido padece de alguma anomalia psíquica. De facto,
3. Nem em sede de contestação o arguido sequer alega que padece de alguma anomalia psíquica nem qualquer outro elemento probatório junto aos autos indicia que tal ocorra.
4. O despacho que determina a realização de uma perícia psiquiátrica tem de se mostrar fundado em elementos fácticos tendentes a habilitar o Tribunal a tomar uma posição fundada relativamente à necessidade ou não da sua realização, o que não ocorre face aos elementos juntos aos autos.
5. A decisão recorrida em nada colide com os direitos de defesa do arguido constitucional e legalmente consagrados.”

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto elaborou parecer em que se manifesta no sentido de que o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que relegue a decisão para a audiência de julgamento, estribada então no que aí for probatoriamente produzido a propósito.
Dado cumprimento ao disposto no art.º 417º n.º 2 CPP, veio o recorrente responder mantendo a sua pretensão formulada no recurso.

II.
Colhidos os vistos legais procedeu-se à conferência.
A decisão recorrida é do seguinte teor:
Em sede de contestação, veio o arguido AA, ao abrigo do disposto no artigo 98.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, requerer que seja oficiada a Meta Platforms, Inc., com sede em 1601 Willow Road, Menlo Park, California 94025, USA, para que esclareça qual o IP usado nas contas de instagram e whatsapp que indica. Invoca, para tanto, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.03.2004 no sentido de só poderem ser indeferidas que notoriamente sejam irrelevantes, supérfluas, cujo meio de prova seja inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou que o pretendido tem finalidade meramente dilatória (1).
Solicita ainda a realização de perícia médico – legal colegial na área da psiquiatria forense (2) “com o objectivo de serem avaliadas as características da personalidade do arguido, em concreto se padece de alguma patologia comportamental que justifique os factos constantes da acusação e se estarmos no âmbito da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída, considerando que dos elementos dos autos se mostra indiciado pressuposto da imprescindibilidade da realização desta perícia que reputa como necessária para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio”. Indica quesitos.
O Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento de ambas as diligências. No tocante à primeira, caso a mesma vise a identificação do utilizador dos perfis das redes sociais identificadas pelo arguido, remetendo para o despacho que antecede a dedução de acusação [este no sentido de que o utilizador das referidas redes sociais, face à prova até então produzida, seria o arguido e de que a prova se afigurava irrelevante e dilatória] e de que com os elementos indicados pelo arguido, a sua pretensão é irrespondível.
No tocante à segunda das diligências, o Digno Magistrado do Ministério Público considera que nos termos em que a mesma vem requerida deve ser indeferida, já que não resultam dos autos elementos que permitam indicar que o arguido padece de qualquer anomalia psíquica, além do que o pedido formulado por este não se enquadra no formalismo processual vertido nos artigos 160.º e 159.º, ambos do Código de Processo Penal – Referência Citius n.º 32637328, de 10.02.2023.
Cumpre apreciar e decidir:
Consigna-se que o arguido em sede de contestação ofereceu o merecimento dos autos, o que significa dizer, quanto às diligências de prova que requer, que nada veio fundamentar que permita aferir da substância material do por si requerido, não tendo aduzido qualquer factualidade para fundar as diligências probatórias em questão.
A contestação não está sujeita a formalidades especiais – cfr. artigo 311.º-B do Código de Processo Penal – no entanto, entende o Tribunal que impende sobre o arguido o ónus de alegar e demonstrar em concreto a necessidade das aludidas diligências probatórias para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Em rigor, o objecto do processo é o objecto da acusação, no sentido de que é esta que fixa os limites da actividade cognitiva e decisória do tribunal pelo que, na ausência de uma contestação que ofereça elementos (de facto e de direito) ao Tribunal que justifiquem as diligências probatórias requeridas, em face do que oferecem os autos, as mesmas afiguram-se como inadequadas e de obtenção muito duvidosa (esta última quanto ao 1.º pedido formulado).
No sentido de que o arguido tem o ónus de alegar e demonstrar a necessidade das referidas diligências, ALBUQUERQUE, Paulo Sérgio Pinto de - Comentário do Código Penal: à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. – 3.ª Edição, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2015. DL 401487/15. ISBN: 9789725404898, pg. 833, [em anotação ao artigo 315.º na redacção anterior à Lei 94/2021, de 21.12 que disponha quanto à contestação a apresentar pelo arguido], refere que “Com a contestação o arguido pode juntar o “rol de testemunhas” e alista das demais provas, isto é, os meios de prova e de obtenção de prova cuja produção ou exame são requeridos e os factos que através deles se espera provar.
Com efeito, qualquer pedido de produção ou exame de meios de prova e de meios de obtenção de prova deve ser acompanhado da respectiva justificação, isto é, da indicação do facto que se pretende provar, para os efeitos do artigo 340.º, n.º 4. É assim durante a audiência e também na contestação. De outro modo, o juiz ficaria impedido de apreciar a legalidade dos meios de prova requeridos e de proferir decisão sobre a sua admissibilidade.” (sublinhado nosso).
Na mesma linha de raciocínio, e sem que se vislumbre razão para discordar da argumentação ali aduzida, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.11.2016, em que foi Relatora a Exma. Sra. Juíza Desembargadora Dra. Maria Pilar de Oliveira, processo n.º 204/14.9JAGRD.C1, disponível em www.dgsi.pt, quando se refere [sumário]: “I – 1 Quer a prova requerida em julgamento, quer a prova a produzir na fase de julgamento e requerida na contestação, não podem colidir com o interesse da realização da justiça penal, justificando-se em ambos os casos a aplicação do disposto no artigo 340.º do CPP, sendo decisivo para tal conclusão o teor dos artigos 283.º, n.º 3, alínea f) e 315.º, n.º 3, do CPP.
II - A tese da irrestrita possibilidade de apresentação de meios de prova a produzir na fase de julgamento consentiria a realização de diligências inúteis para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, podendo conduzir, no limite, à própria frustração da justiça penal.
III - Estando as provas requeridas na contestação (com excepção da testemunhal e por declarações de peritos ou consultores técnicos) sujeitas a controle judicial, nos termos do artigo 340.º do CPPP, impende sobre o requerente o ónus de alegar e demonstrar em concreto a sua necessidade para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.”
Deste modo, em face do exposto, e sem prejuízo do que se dirá infra, entende o Tribunal ser de indeferir o pretendido pelo arguido.
Acrescentar-se-á, no tocante à realização de perícia médico – legal colegial na área da psiquiatria forense, que não se descortina se o arguido pretende a realização de uma perícia psiquiátrica, se tem em vista uma perícia sobre a personalidade, ou se requer ambas, sendo certo que os quesitos que indica (e o pouco contexto que oferece no pedido formulado) apontam num e noutro sentido, além de se debruçarem sobre aspectos que, considera o Tribunal, exigem a realização de perícia, não ao arguido, mas aos ofendidos – quesito 10.
A perícia psiquiátrica médico-legal, prevista no artigo 159.º, nºs 6 e 7 do Código de Processo Penal serve o propósito de avaliar da existência de alguma causa patológica de inimputabilidade (ao encontro do previsto no artigo 20.º, n.º 1 do Código Penal) ou imputabilidade diminuída (n.º 2 do citado artigo 20.º), para apreciação da culpa do agente ou relevando na determinação da medida da pena e só deve ser realizada quando se suscitar, fundadamente, a inimputabilidade ou a imputabilidade diminuída do arguido (veja-se o disposto no artigo 351.º, n.ºs 1 e 2). Por seu turno, a perícia de personalidade, prevista no artigo 160.º Código de Processo Penal visa avaliar as “características psíquicas independentes de causa patológica, bem como o grau de socialização”, citado Autor pg. 455.
Neste sentido, escreve Santos Cabral, GASPAR, António da Silva Henriques [et al.] – Código de Processo Penal – Comentado, 2.ª Edição revista. Coimbra: Edições Almedina, SA, 2016. DL 370973/14. ISBN 978-972-40-6498-7, pg. 629, “[…] enquanto que a perícia psiquiátrica está relacionada com a determinação da inimputabilidade, e assenta em estados patológicos do foro mental (Cf. arts. 159.º, n.ºs 6 e 7, e 351.º), a perícia sobre a personalidade destina-se a avaliar apenas a pessoa do arguido na sua especial, ou particular personalidade, e na sua perigosidade, com a finalidade de uma adequada avaliação da sua culpa ou a uma adequada tomada de posição sobre a revogação da prisão preventiva, […] ou sobre a sanção a aplicar”, distinção que não invalida que na perícia relativa a questões psiquiátricas não possam também participar especialistas em psicologia – [cf. n.º 6 do artigo 159.º do CPP].
Ora, revertendo ao caso concreto, nada é aduzido na contestação que permita ao Tribunal descortinar o desiderato prosseguido com a perícia, não se mostrando carreado para os autos qualquer elemento que permita suspeitar que o arguido padece de qualquer anomalia psíquica (nem este a invoca).
Mais se dirá que decorre da disciplina prevista no Código de Processo Penal, no atinente à prova pericial, que quando a perícia se revelar de especial complexidade ou exigir conhecimento em matérias distintas, pode ser realizada perícia colegial ou interdisciplinar (artigos 152.º n.º 2, 157.º n.º 5, 158.º n.º 1, alínea b), e 160.º n.º 2, todos do Código de Processo Penal).
Sucede, porém, que no caso concreto, não se descortina a razão para sustentar um juízo de necessidade de realização de uma perícia colegial, como pretendido pela defesa.
Em face de todo o exposto, atento o quadro legal elencado, por não se revelarem como diligências probatórias necessárias à boa decisão da causa, sendo carecidas de fundamento, indefere-se o requerido.”

Com o presente recurso o Recorrente põe em causa o despacho que lhe indeferiu a realização de perícia médico psiquiátrica que havia requerido, manifestando que apresentou o conjunto de quesitos que pretenderia ver respondidos para se poder avaliar acerca da sua eventual inimputabilidade ou inimputabilidade diminuída, concretizando os factos relativos à necessidade da realização da perícia, absolutamente essencial para a efetivação dos seus direitos de defesa e para a descoberta da verdade material e efetiva aplicação da justiça, ou seja, cumpriu o ónus de especificar as questões que pretendia ver resolvidas com estas perícias e fê-lo quando apresentou os quesitos com o requerimento probatório na contestação.
Como se constata, a questão posta no recurso resume-se a saber se o tribunal se mostra vinculado à realização da perícia pelos termos em que a mesma foi requerida.
A questão posta mostra-se simples e a respectiva solução também se nos afigura simples.
Seguindo de perto a resposta do M.º P.º ao recurso, diremos que a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos – art.º 151º, do C.P.P.
Contudo, a realização de perícia mostra-se dependente, no mínimo, da alegação de factos de onde resulte a respectiva pertinência e essencialidade no sentido da determinação da sua necessidade para a percepçao ou apreciação de factos. Mas estes factos não são quaisquer uns; terão de ser factos alegados pela acusação ou pela defesa de onde resulte que a finalidade da perícia se mostre essencial e necessária.
Nesta perspectiva, podemos dizer que o pressuposto mínimo da sua realização é o conhecimento de factos que exijam, para a sua apreciação, a esses especiais conhecimentos.
No caso o arguido pretende a realização de uma perícia com vista a aferir da sua imputabilidade ou inimputabilidade em razão de patologia psiquiátrica, sem que, contudo, existam nos autos indícios de que o arguido padece de alguma anomalia psíquica.
Sendo essa a finalidade adiantada pelo arguido para requerer a realização da perícia, não se mostra feita ao longo do processo qualquer alegação relativa a elementos pessoais interiores, inerentes à sua personalidade e/ou revelados na sua conduta pessoal, de onde se infira indiciariamente a possibilidade de se encontrar afectado de qualquer doença psíquica que determine a sua inimputabilidade.
Apesar de vir agora em sede de recurso dizer que “já por diversas vezes tentou solicitar consultas psiquiátricas, no sentido de se poder determinar se sofre de alguma patologia, ou se tem algum comportamento ou distúrbio a nível de personalidade que possa justificar alguns dos atos que vêm referidos na acusação, no entanto, por indisponibilidade de recursos humanos e de meios materiais, o estabelecimento prisional onde aquele se encontra preso preventivamente, nunca conseguiu permitir que o mesmo se deslocasse aos consultórios dos profissionais dessa área”, .certo é que esse pressuposto não estava manifestado anteriormente nos autos de molde a ser ponderado no despacho em apreciação e os termos que agora invoca afinal revelam que não tem fundamento mínimo para afirmar da necessidade da perícia
Temos, assim, por assente que o arguido nunca alegou, ao longo do desenvolvimento do processo, que padece de alguma anomalia psíquica ou juntou algum elemento clínico que sustente ou admita essa possibilidade, nada permitindo até ao momento do despacho que permitisse fundar a realização de perícia psiquiátrica.
Não menos certo é que as perícias, podem ser realizadas em qualquer das fases processuais, como atesta o disposto no art.º 154º, nº 1, do C.P.P., ao determinar que a sua realização é ordenada, a requerimento ou oficiosamente, por despacho da autoridade judiciária, nada impedindo que o julgamento possa realizar-se antes da sua realização, existindo até muitos casos em que só no decurso do julgamento, se colhem elementos tendentes a habilitar o Tribunal a tomar uma posição fundada relativamente à necessidade ou não da sua realização, o que se mostra compaginável com o disposto no art.º 340º CPP.
Na verdade, o tribunal, oficiosamente, tem o poder-dever de investigar os factos para constituição do suporte da sua decisão, devendo para tal ordenar a produção de todos os meios de prova essenciais à descoberta da verdade e boa decisão da causa, esclarecendo todas as dúvidas, lançando mão dos mecanismos ao seu dispor consagrados no art. 340º do C.P.P., preceito legal que consagra o princípio da unidade material ou da investigação, admitindo com grande amplitude a produção em audiência de todos os meios de prova, desde que necessários à descoberta da verdade material, legalmente admissíveis, adequados ao objecto da prova.
O princípio da investigação oficiosa no processo penal tem os seus limites previstos na lei e está condicionado, desde logo, pelo princípio da necessidade, uma vez que só os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitar o julgador a uma decisão condenatória ou absolutória devem ser produzidos por determinação do tribunal na fase do julgamento, oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais (Ac. STJ de 1 de Julho de 1993, Proc.43022/3ª).
E "a necessidade para a descoberta da verdade é o critério simultaneamente justificativo e delimitador deste ónus que impende sobre o juiz (...). Deve fazer produzir todas as provas que apontem no sentido de contribuir para o esclarecimento dos factos e a responsabilidade do arguido sendo conhecidas. Só podem produzir-se as provas que sejam indispensáveis para atingir esta finalidade, o que significa que este poder-dever do juiz é para usar, sempre e apenas, quando as provas produzidas na audiência se revelam insuficientes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa (...)" (cfr. Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, págs.851 e 852), até porque é ao tribunal que incumbe formular o juízo de necessidade, e não ao sujeito processual que requer a produção de prova.
Para além das referências feitas na decisão recorrida em termos de suporte doutrinário ou jurisprudencial, veja-se, entre outros, o Ac. da R.L. de 05.12.2008, proferido no Proc. nº 10442/2008-3, em que se decidiu:
“I – A prova pericial, sobretudo quando puder influir na apreciação da questão da imputabilidade ou, por outra forma, no juízo de culpa, deve ser realizada, em princípio, nas fases preliminares do processo, podendo, no entanto, ser ordenada, oficiosamente ou a requerimento, no decurso da audiência.
II – Não pode, contudo, ser ordenada, nem realizada, na fase de julgamento antes de iniciada a audiência porquanto o processo penal não comporta, no período destinado à realização dos actos preliminares da fase de julgamento, qualquer momento para a produção de prova, salvo nas situações excepcionais previstas nos artigos 319.º e 320.º do Código de Processo Penal.
III – Esta solução justifica-se, em especial, pelo facto de o juiz que aprecia os requerimentos formulados neste período poder não ser, muitas vezes, aquele que vai presidir à audiência e poder não integrar sequer, em alguns casos, o tribunal que vai realizar o julgamento, quando este tem uma estrutura colegial.
IV – É a este tribunal, e não ao juiz do processo, que compete exercer os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 340.º do Código de Processo Penal porque é ele que, a final, tem que proferir a decisão a que se reporta o artigo 368.º e, em caso de condenação, o artigo 369.º daquele diploma.
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V – A perícia psiquiátrica, a que se reporta o artigo 159.º do Código de Processo Penal, sobretudo os seus n.ºs 6 e 7, tem em vista apurar se o arguido sofre de alguma anomalia psíquica que possa justificar o juízo de inimputabilidade ou de imputabilidade diminuída. Só deve ser realizada quando se suscitar, fundadamente, a inimputabilidade ou a imputabilidade diminuída do arguido.” (sublinhado e destaque nossos)
Trata-se nada mais nada menos que a consagração da exigência de fundamentação de um juízo de necessidade para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, inscrito no n.º 1 do art.º 340º CPP, exigível quer para o tribunal quando oficiosamente determina a realização de qualquer meio de prova, quer para a acusação, quer para o arguido, o que, transposto para o caso, se traduziria na necessidade de a requerida perícia ser acompanhada de alegação de sinais, evidenciados pelo arguido, de afectação de qualquer défice psiquiátrico que só por via dessa perícia poderia ser avaliado e conseguida a finalidade enunciada da verificação da sua (in)imputabilidade.
Assim sendo, não se encontrando sustentado em qualquer elemento junto aos autos, os pressupostos previstos nos preceitos legais acima referidos, não se encontram preenchidos.
Dada a latitude permitida no art.º 340º n.º 1 CPP no tocante à produção de outros meios de prova, nada impede que, tal como defende o Exmo. PGA no seu parecer, a questão da realização da perícia em questão seja posta em sede de audiência de julgamento e, eventualmente, ser determinada a sua realização.
Concluindo, o despacho recorrido é, por ora, de confirmar, decaindo o arguido no seu recurso.

III.
Por todo o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente, confirma-se o despacho recorrido.
Custas a cargo do recorrente - artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, n.º 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais -, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.
Elaborado e revisto pelo primeiro signatário.
Évora, 6 de Junho de 2023.

João Carrola
Fernando Pina
Gomes de Sousa