RESPONSABILIDADE CIVIL
DANO PATRIMONIAL FUTURO
EQUIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário

I - Quando o défice funcional permanente de que o lesado fica a padecer é impeditivo da atividade profissional habitual, permitindo apenas que esse lesado exerça outras profissões compatíveis com a área da sua preparação técnica desde que não exijam a execução de tarefas complexas, a limitação acrescida que tal situação implica, justifica que no cálculo do dano patrimonial futuro seja devidamente ponderada tal situação, reduzindo o impacto que a habitual redução por antecipação do capital implica.
II - Considerando que o A. à data do acidente com 23 anos de idade, estava desempregado, que o salário médio nacional em tal data era de € 925,00 e que o A. ficou afetado de uma incapacidade de 61 pontos impeditiva da atividade profissional habitual, permitindo apenas que esse lesado exerça outras profissões compatíveis com a área da sua preparação técnica desde que não exijam a execução de tarefas complexas, entende-se adequado e recorrendo a critérios de equidade fixar o valor indemnizatório a título de dano patrimonial futuro no montante de € 400.000,00 tal como peticionado pelo autor.
III - Levando em consideração a total ausência de culpa do autor na produção do acidente que à data do acidente era um jovem de 23 anos de idade; a sua modesta condição económica; a imensa gravidade das lesões sofridas pelo autor que implicaram um défice funcional permanente de 61 pontos e a prolongadíssima recuperação – até à consolidação médico-legal das lesões decorreram sensivelmente dois anos e meio; o quantum doloris fixado no grau 6 de uma escala de 7 , a permanência para o resto da vida das dores físicas, incómodo e mal estar que as sequelas lhe provocam e que o acompanharão para o resto da vida, entende-se ser de arbitrar a título de danos não patrimoniais o valor de € 175.000,00.

Texto Integral

Processo nº. 21244/17.0T8PRT.P1 Secção Cível
Relatora Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso T J Comarca de Porto Jz. Central Cível do Porto
Apelantes/ “A... Companhia de Seguros, S.A.” (Ré) e AA (Autor)
Apelados / AA (Autor) , “A... Companhia de Seguros, S.A.” (Ré) e outros

Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
AA instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “A... Companhia de Seguros, S.A.”.
Pela procedência da ação peticionou o A. a condenação da R. a pagar ao A. a quantia de € 484.728,00, acrescida de juros de mora contados desde a citação e até integral e efetivo pagamento.
Para tanto e em suma alegou ter ocorrido um acidente de viação no qual foi interveniente o veículo identificado em 4º da p.i., onde o A. seguia como passageiro e que ao descrever uma curva entrou em despiste por do mesmo ter perdido controlo o seu condutor, nos termos que melhor descreveu na p.i..
Condutor que conduzia esse mesmo veículo por conta e no interesse de sua proprietária – pelo que se presume a culpa - a qual transferira para a aqui R. a responsabilidade civil emergente da circulação deste veículo.
R. que sempre responderia a título de risco.
Em consequência do acidente descrito tendo o A. sofrido vários danos que nos autos identificou e cuja indemnização peticiona da R..
Posteriormente (por requerimento de 08/11/2021), o A. formulou ampliação do pedido para o montante de €1.279.728,00. Ampliação de pedido admitida por despacho de 10/11/2021 (em ata).

Contestou a R. em suma:
i- excecionando a inexistência de seguro válido e eficaz.
Para tanto alegou a prestação de declarações inexatas por parte da segurada quanto ao condutor habitual do veículo, com o propósito de enganar a R. quanto a tal facto, que teria influenciado na decisão sobre o risco assumido pela R. e na quantificação do prémio.
Invalidando esta inexatidão ou falsidade ab initio os efeitos da apólice nos termos dos artigos 24º e 25º do DL 72/2008.
Não estando a ré obrigada a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter conhecimento do incumprimento doloso da obrigação do tomador do seguro ou do segurado declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
Pelo que deve o tribunal considerar o contrato anulado com efeitos a 17/02/2016, nos termos da comunicação que a R. enviou à segurada em 13/09/2017;
ii- Sem prescindir, impugnou a R. a factualidade alegada.
Tendo ainda alegado ter o A. também responsabilidade nos danos que sofreu, já que circulava sem cinto de segurança colocado, para além de o veículo circular sem os airbags a funcionar. Desconhecendo a R. se o A. sabia deste problema dos airbags.
iii- Requereu ainda a R. a intervenção acessória da tomadora do seguro e do condutor do veículo, atendendo às questões por si suscitadas sobre o contrato de seguro propriamente dito e com a inexistência de condições técnicas de segurança ao nível dos airbags destinados a proteger o passageiro, e outras ainda respeitantes à responsabilidade do próprio autor por falta da utilização do cinto de segurança.

Assim concluindo:
“a) Quanto ao incidente de intervenção: Requer a V. Exa., uma vez ouvido o autor, se
digne admitir a intervenção da tomadora do seguro, BB, residente na Rua ..., ..., 4.º dto., ..., ... Matosinhos, e do condutor do veículo, CC, residente na Rua ..., ..., ... Gondomar.
b) Quanto à ação:
a) Deve ser considerada e reconhecida a extinção, por anulabilidade, do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., referente ao veículo com a matrícula ..-PI-.., com efeitos reportados ao início da sua vigência, ou seja, 17/02/2016, e, em consequência, a absolvida do pedido;
ou, caso assim não se entenda, o que por mero exercício de raciocínio se admite,
b) A presente ação deverá ser julgada tomando em consideração a contribuição total ou parcial do autor para as lesões por si sofridas no acidente de viação relatado nos autos.”

Respondeu o A. às exceções invocadas, tendo a final requerido a intervenção principal provocada:
- Do Fundo de Garantia Automóvel;
- De BB e - De CC.

Foi admitida a intervenção principal provocada de BB, CC e “Fundo de Garantia Automóvel”.

Citados, todos contestaram, concluindo a final pela sua absolvição do pedido.

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Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova, sem reclamação.
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Por requerimento da aqui R. “A...” de 06/01/2021 peticionou esta a apensação a estes autos, da ação intentada pelo Centro Hospitalar ..., EPE contra os aqui intervenientes passivos e na qual o autor peticionou a condenação dos ali RR. ao pagamento total de 79.987,28 €, acrescido dos juros vencidos peticionados, no montante de 6.148,16 € e que perfazem um total de 85.135,44 € e dos vincendos até efetivo e integral pagamento.
Valor este peticionado a título de assistência hospitalar prestada ao aqui A. como consequência do acidente em discussão nos autos.
Apensação que foi deferida nos termos da decisão de 27/04/2021 [cfr. ainda cota de apensação do apenso C de 07/05/2021].
*
Realizada audiência final foi após proferida sentença, decidindo:
“Julga-se parcialmente procedente a presente ação, e, consequentemente:
a) Condena-se a Ré, A..., S. A., a pagar ao A., AA a quantia de €362.215,58, no entanto, opera-se a compensação de €6.000,00 pagos a título de reparação provisória, pelo que fica a R. obrigada a pagar a quantia de €356.215,58 (trezentos e cinquenta e seis mil duzentos e quinze euros e cinquenta e oito cêntimos), bem como juros moratórios legais civis, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
b) Condena-se a R. a pagar ao A. AA a quantia a liquidar em execução de sentença relativo ao valor correspondente a apoio de terceira pessoa até ao limite de €700.000,00, nos termos do artº 609º, 2, do CPC.
c) Condena-se a R. a pagar ao Centro Hospitalar ..., EPE o valor de €78.987,28 (setenta e oito mil novecentos e oitenta e sete euros e vinte e oito cêntimos), bem como juros de mora vencidos no montante de €6.148,16 (seis mil cento e quarenta e oito euros e dezasseis cêntimos), bem como os juros de mora vincendos à taxa legal.
d) Julga-se improcedente o remanescente do pedido deduzido pelo A. AA e dele se absolve a R..
e) Absolve-se os Intervenientes Principais, BB, CC e Fundo de Garantia Automóvel da presente ação.
***
Custas da ação pelo A. AA e pela na proporção do vencimento e decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que aquele beneficie, sendo que o valor que se relega para liquidação é de €700.000,00 e cujas custas serão fixadas oportunamente.
Custas do pedido do processo apenso pela R.”
*
DO ASSIM DECIDIDO APELARAM:
A)
A “A...”
Oferecendo alegações e formulando as seguintes Conclusões:
“1 - O presente recurso, com reapreciação da prova gravada, tem por objeto não a decisão de facto mas também a decisão de direito.
2 - Relativamente à matéria de facto, a primeira observação prende-se com a redação que foi dada ao proémio do facto provado n.º 57.
3 - A defesa da assenta essencialmente no que lhe foi possível apurar na averiguação que solicitou ao Gabinete de Peritagens denominado "B...", e, portanto, no trabalho em campo desenvolvido pelo perito averiguador e testemunha DD, cujo depoimento foi prestado na segunda sessão da audiência de julgamento, realizada em 15/12/2021, de 00:00:01 a 02:10:17.
4 - A matéria da averiguação encontra-se alegada na contestação, imensos dos documentos anexos ao relatório de averiguação foram juntos com esse articulado, e o próprio relatório da averiguação foi junto aos autos, a requerimento do autor, apresentado na referida sessão de 15/12.
5 - O tribunal a quo ponderou devidamente o depoimento do referido perito averiguador e testemunha, DD, como decorre da fundamentação das respostas, tendo esse depoimento durado mais de duas horas, sujeito às mais diversas instâncias e contra-instâncias, tendo a testemunha sempre sabido manter a coerência nas suas respostas, pelo que o seu depoimento revelou-se credível, seguro e consistente.
6 - Da forma como está escrito o proémio do facto provado n.º 57, não é clara a demonstração objetiva da vária factualidade do mesmo constante, sendo importante, mais do que afirmar que os factos fazem parte do relatório, responder no sentido da sua efetiva prova.
7 - Assim sendo, a recorrente propõe que a redação do proémio do facto 57 passe a ser a seguinte: "No decurso dessa averiguação, que aquele Gabinete terminou em 24 de abril de 2017, e doutras diligências realizadas posteriormente pela ré, foi apurado o seguinte:"
8 - A segunda alteração aqui defendida relativamente à decisão de facto, prende-se com as declarações inexatas no contrato de seguro incidente sobre o veículo acidentado, por parte da tomadora do seguro e interveniente BB, no que concerne à figura do condutor habitual.
9 - A interveniente BB não era a condutora habitual do Jaguar. Prova disso é o facto de não saber que o veículo tinha velocidades automáticas.
10 - Como se consegue perceber da visualização da foto junta com a contestação da sob o n.º 20, que é a foto 23 do relatório de averiguação, o veículo possuía apenas dois pedais, inexistindo manete da caixa manual de velocidades.
11 - A sentença, quando aborda o depoimento do perito averiguador DD, refere, relativamente à confrontação desta testemunha com o doc. 20, o facto do veículo ter velocidades automáticas.
12 - A interveniente BB, em sede de esclarecimentos ao seu depoimento de parte, disse que a caixa do Jaguar era manual (1.ª sessão da audiência de julgamento de 10/11/202, 00:13:01).
13 - Depois de se ter apercebido, pela troca de palavras entre o Mmo Juiz a quo e o mandatário da "A...", que tinha cometido uma gaffe, a interveniente BB tentou emendar, dizendo, de forma titubeante, que se estava a confundir.
14 - Esta declaração da BB não admite hesitações no que à questão do condutor habitual diz respeito. A interveniente não era a condutora habitual do Jaguar. Apesar desta passagem do seu depoimento não fazer parte da assentada e, por conseguinte, não constituir prova plena com base em confissão, a mesma está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador.
15 - Surpreendentemente, o Mmo. Juiz a quo arranjou uma justificação para o que disse a interveniente. Diz o Mmo. Juiz a quo que "a referência inicial da BB ao veículo ser de caixa manual [é] um mero lapso de linguagem e que logo corrigiu" - cfr. págs. ... da sentença. Isso não corresponde à realidade. Não se tratou de qualquer lapso de linguagem. A interveniente BB, depois de se aperceber que meteu o "pé na poça", é que, quando questionada de novo, veio falar de uma hipotética confusão, terminando por dizer "não sei". Isto não é um lapso. É a constatação da BB que tinha acabado de estragar a produção da sua prova. Há, aqui, pois, com o devido respeito, um notório erro de apreciação da prova, que deve merecer uma resposta contrária, isto é, que não era a BB a condutora habitual do Jaguar mas sim o CC.
16 - Por outro lado, a confissão não formalizada da BB é condizente com o facto de todos os acidentes que se conhecem deste veículo terem acontecido quando o CC era o seu condutor.
17 - Com efeito, no dia 29 de Março de 2015, o CC teve um acidente com o Jaguar, num choque contra um muro em Gondomar, tendo o mesmo sido considerado "perda total" - cfr. facto provado n.º 57 - e, no dia 09/07/2016, por volta da 01H15, na Avenida ..., no Porto, o CC circulava com o Jaguar quando teve que efetuar marcha atrás num espaço de cerca de dois metros, embatendo, com o para-choques traseiro na frente de um veículo que circulava à sua retaguarda - cfr. o mesmo facto provado n.º 57 - , pelo que, antes do acidente dos autos, em que era o CC que ia ao volante, o mesmo havia tido dois acidentes a conduzir o mesmo veículo.
18 - O facto de em três acidentes ocorridos entre 29/03/2015 e 04/09/2016, surgir constantemente o CC a guiar o Jaguar, concatenado com o facto da BB não saber que a caixa de velocidades desse veículo era automática, leva à extração da presunção judicial de que o condutor habitual era o CC.
19 - Também não é de menosprezar o facto do averiguador DD, quando se dirigiu ao estabelecimento comercial de cabeleireiro do CC, aquando da averiguação do sinistro de 09/07/2016, ter encontrado o Jaguar estacionado junto ao cabeleireiro - cfr. o depoimento do perito entre 00:05:00 e 00:07:00.
20 - Nesta ocasião, em julho de 2016, a questão do condutor habitual não se colocava perante a ré. Tratava-se do primeiro sinistro ocorrido ao abrigo da apólice contraída junto da recorrente, e de um sinistro simples, com danos pouco relevantes. Daí que, apesar do condutor ser o CC e do averiguador ter presenciado o veículo junto do CC quando o foi inquirir, nada fazia suspeitar que o verdadeiro condutor habitual era o próprio CC.
21 - Na análise crítica da prova, o tribunal a quo parece confundir a questão do condutor habitual com a da propriedade do veículo. Menciona-se na sentença que "Relativamente à questão muito debatida sobre a propriedade do veículo e condutor habitual do veículo, o Tribunal considerou ser de todo afastar a versão trazida aos autos pela R. A...". E, mais à frente, sufraga a tese trazida aos autos pela interveniente BB, justificativa da compra do Jaguar - essa sim, para o tribunal a quo, merecedora de verosimilhança - para de imediato concluir que, se houve razões para comprar o Jaguar não razões para o condutor habitual ser o CC.
22 - As questões da propriedade e do condutor habitual são distintas. O importante para a tarifação do prémio de seguro é o condutor habitual.
23 - Não dúvidas que o veículo era conduzido pelo CC antes da contração da apólice junto da e que, depois, continuou a ser pelo mesmo conduzido, apesar de colocado no nome da interveniente BB, cliente do salão de cabeleireiro do CC.
24 - O CC, com o acidente grave que tinha tido anteriormente à contração da apólice dos autos, e com o facto de ser encartado apenas desde 14/11/2014, não iria conseguir efetuar o seguro na "A..." ou em qualquer outra seguradora, sendo certo que qualquer seguradora que fosse obrigada a tal, nos termos dos regulamentos da Autoridade de Supervisão Financeira e Fundos de Pensões, iria cobrar um prémio altíssimo, tal como foi explicado pela testemunha EE, gestor de sinistros da ré, ouvido logo a seguir ao DD - cfr. o seu depoimento a partir do m 00:29:00.
25 - A concatenação da factualidade provada de 57 a 68, com a argumentação acima aduzida referente (i) às declarações prestadas pela interveniente BB em sede de depoimento de parte; (ii) aos dois sinistros anteriores verificados com este veículo, em que o CC surge sempre como seu condutor; e (iii) ao facto de aquando do sinistro de julho de 2016 se ter constatado que o CC tinha consigo o veículo no momento em que foi visitado pelo averiguador; levam a concluir que o CC não circulava com o veículo porque lhe tivesse sido emprestado ocasionalmente pela BB, para arranjar um comprador, mas sim porque o CC era efetivamente o seu condutor habitual.
26 - Houve testemunhas que desfilaram pela audiência de julgamento com o objetivo de vir contar que viram a interveniente BB a conduzir o Jaguar. Foram elas o funcionário administrativo da BB, para quem trabalha 23 anos, FF, a cozinheira da BB, entre 2011 e 2020, mas que antes tinha exercido funções de contabilista para a mesma, GG, o contabilista da BB, para quem trabalha 20 anos, HH, e o agente comercial, que conhece a BB mais de 30 anos, é seu amigo e a BB é sua contabilista, II. Lamenta-se mas ficou-se com a convicção de que estas testemunhas apenas vieram dizer que a BB conduzia o Jaguar, algo que não é possível porque ela nem sabia que o Jaguar tinha velocidades automáticas.
27 - Para o tribunal a quo, estas testemunhas foram credíveis, tanto assim que na sentença se diz "haver várias testemunhas a confirmarem ter visto a BB várias vezes a conduzir o veículo automóvel Jaguar interveniente nos autos, vide os depoimentos das testemunhas FF, GG, HH e II". Competiria ao tribunal a quo compreender o motivo por que a interveniente indicou estas testemunhas e desvalorar o seu depoimento por razões óbvias.
28 - Por conseguinte, a recorrente entende que os factos provados n.º 13, 14, 79, 85, 86, 87, 91, 92, 93, 96, 97, 98 e 110, e os factos não provados das als. d) e e), devem ser sujeitos às seguintes alterações:
Factos Provados
13) O seu teor deve ser o seguinte: Acrescente-se ainda que, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o referido condutor conduzia o veículo por sua conta e interesse.
14) Deve transitar para os factos não provados.
79) O seu teor deve ser o seguinte: O condutor habitual do veículo ..-PI-.. era o Interveniente CC.
85) Deve transitar para os factos não provados.
86) O seu teor deve ser o seguinte: A interveniente BB era possuidora de outro veiculo automóvel.
87) Deve transitar para os factos não provados. 91) Deve transitar para os factos não provados. 92) Deve transitar para os factos não provados. 93) Deve transitar para os factos não provados. 96) Deve transitar para os factos não provados.
97) O seu teor deve ser o seguinte: A interveniente BB ficou absolutamente perturbada quando soube do acidente ocorrido.
98) Deve transitar para os factos não provados.
110) Deve transitar para os factos não provados. Factos não provados
d) O seu teor deve ser o seguinte: Que na data do acidente o veículo automóvel ..-PI-.. a Interveniente BB não fosse a sua proprietária.
e) Deve transitar para os factos provados.
29 - A terceira alteração aqui defendida relativamente à decisão de facto, tem a ver com as razões subjacentes à aquisição da viatura por parte da interveniente BB.
30 - É um facto inegável que a viatura, depois de um longo período de hibernação em consequência do grave acidente de março de 2015, foi reposta a circular no nome da interveniente BB, a partir de fevereiro de 2016, mês em que a apólice de seguro da "A..." entrou em vigor.
31 - Isto apesar da BB surgir no registo automóvel como sua proprietária desde 02 de dezembro de 2015 - cfr. doc. 3 da contestação e facto provado 57.
32 - A primeira estranheza desta aquisição prende-se precisamente com este facto: porque é que o automóvel fica registado no nome da BB em 02/12/2015 e cerca de 2 meses depois é que o seguro é feito? Se o objetivo da compra era circular com o carro então o lógico seria efetuar o seguro em simultâneo com a aquisição. Tal, porém, não aconteceu.
33 - Em segundo lugar, o CC precisava de dinheiro - veja-se o seu depoimento de parte (00:11:07). Ninguém melhor que a BB para lhe emprestar dinheiro, que era economicamente desafogada, sua amiga e cliente. Como se menciona na sentença, "a interveniente BB era pessoa que não tinha dificuldades económicas". Aliás, o seu poderio económico foi referido pelas diversas testemunhas que arrolou, designadamente, FF ("Advogado: Sim. É uma pessoa com uma situação financeira, que o senhor conheça de vinte anos, desafogada? Ou uma pessoa que vive o dia a dia?
HH: Bastante desafogada.").
34 - Em terceiro lugar, a BB alegou que o salvado do veículo, decorrente do acidente dos autos, foi vendido por 2.700,00 €, tendo tal matéria sido dada como provada no facto n.º 102. Sucede que esse montante é contraditório com o documento que o justifica. Na verdade, através do requerimento apresentado pela interveniente BB no dia 27/04/2018, de fls. 357 e ss (ref.ª citius 18619027), esta juntou, sob o n.º 10, um documento intitulado "Contrato de Compra e Venda", em que vem declarado que o salvado do Jaguar foi vendido por 2.800,00 €.
35 - Alega a interveniente BB que, em virtude da perda do Jaguar, foi ressarcida pelo CC pela quantia de 19.000,00 €, paga em 17 prestações, a primeira, no valor de 3.000,00 €, e as restantes dezasseis no montante mensal de 1.000,00 cada - cfr. arts. 40.º a 46.º da contestação da BB. A primeira prestação de 3.000,00 era constituída pelo valor da venda do salvado (2.700,00 €) e pelo montante de 300,00 que o CC entregou diretamente à BB, em setembro de 2016. Os 3.000,00 encontram-se referidos no email de 2 de novembro de 2016, dirigido pelo CC à BB, junto sob o n.º 7 com o mencionado requerimento de fls. 357 e ss. (não se dizendo, nesse email, a que título é paga a quantia de 3.000,00 €), e essa verba está mencionada, de forma manuscrita, no canto inferior direito do doc. 6 do mesmo requerimento, onde se pode ler "setembro deu 3 000 €".
36 - Ora, se o CC, como vem referido no art. 44.º da contestação da BB, acrescentou 300,00 ao valor do salvado para perfazer o valor de 3.000,00 da primeira prestação, o salvado não pode ter sido vendido por 2.800,00 €, como resulta do teor do contrato de compra e venda.
37 - Ademais, para fazer prova do pagamento das 16 prestações mensais de 1.000,00 €, entregues pelo CC à BB, este juntou os docs. 1 a 8 anexos ao requerimento de fls. 357 e ss. Da análise a esses documentos, constata-se o seguinte:
- A 1.ª prestação de 1.000,00 está titulada pelo doc. 8 e reporta-se a um depósito em numerário efetuado em 02/11/2016, pelo CC na conta da BB. Esta importância também vem refletida no extrato de conta junto sob o n.º 6, com a designação "DEP NUM/CHQS MBanco 1.../VIS".
- A 2.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 6, vem datada de 02/12/2016, e tem a designação "DEP NUM/CHQS MBanco 1.../VIS";
- A 3.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 5, vem datada de 03/01/2017, e tem a designação de "TRF CC";
- A 4.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 4, vem datada de 10/02/2017, e tem a designação de "TRF DE CC";
- A 5.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 4, vem datada de 02/03/2017, e tem a designação de "TRF DE CC";
- A 6.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 3, vem datada de 05/05/2017, e tem a designação de "TRF DE CC";
- A 7.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 3, vem datada de 07/06/2017, e tem a designação de "TRF DE CC";
- A 8.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 3, vem datada de 04/07/2017, e tem a designação "DEP NUM/CHQS MBanco 1.../VIS";
- A 9.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 2, vem datada de 04/08/2017, e tem a designação de "TRF DE CC";
- A 10.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 2, vem datada de 04/09/2017, e tem a designação de "TRF DE CC";
- A 11.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 2, vem datada de 10/10/2017, e tem a designação de "TRF DE CC";
- A 12.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 2, vem datada de 03/11/2017, e tem a designação de "TRF DE CC";
- A 13.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 2, vem datada de 05/12/2017, e tem a designação de "TRF DE CC";
- A 14.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 1, vem datada de 04/01/2018, e tem a designação de "TRF DE CC";
- A 15.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 1, vem datada de 08/02/2018, e tem a designação de "TRF DE CC";
e, por fim,
- A 16.ª prestação de 1.000,00 está refletida no extrato de conta junto sob o n.º 1, vem datada de 12/03/2018, e tem a designação de "TRF DE CC".
38 - Destas 16 prestações, duas em relação às quais apenas temos como referência "DEP NUM/CHQS MBanco 1.../VIS": a 2.ª e 8.ª prestações. É certo que a 1.ª prestação também vem refletida, no extrato de conta, dessa forma. Mas existe o talão de depósito no nome do CC que permite associar a si a entrega desse valor.
39 - Ora, outras prestações de 1.000,00 €, 2.000,00 e 3.000,00 €, que vêm mencionadas nos extratos de conta com a mesma identificação de "DEP NUM/CHQS MBanco 1.../VIS". São elas:
- No doc. 5, o lançamento a crédito de 2.000,00 €, efetuado em 30/12/2016;
- No doc. 4, o lançamento a crédito de 1.000,00 €, efetuado em 17/01/2017; e - No doc. 1, o lançamento a crédito de 3.000,00 €, efetuado em 12/03/2018.
40 - Da mesma forma que a interveniente BB associa ao CC os dois referidos depósitos designados "DEP NUM/CHQS MBanco 1.../VIS", também é possível associar ao CC os restantes depósitos designados da mesma forma. E se forem associados, o CC terá entregado à BB o total de 25.000,00 €: 3.000 + 16.000 + 6.000. A quantia de 25.000,00 pode muito bem dizer respeito a um empréstimo efetuado pela BB ao CC, tendo o veículo ficado registado no nome da BB como garantia do bom cumprimento, o que se compatibiliza com o facto provado 82, do seguinte teor: A BB, que sempre havia elogiado o carro do CC, e apercebendo-se de que poderia fazer um bom negócio, em face das confessadas dificuldades financeiras do CC, falou com o seu marido que a informou que o carro poderia valer €25.000,00.
41 - São dúvidas que se levantam e que colocam em crise a explicação trazida aos autos pela interveniente, tanto mais que sendo a mesma possuidora de vários carros, não se entende muito bem porque queria mais um. Na verdade, para além de, à data dos factos, ser possuidora de um VW Golf, com a matrícula ..-JF-.. - cfr. facto provado n.º 62 -, a mesma possuía ainda, pelo menos, um BMW (cfr. depoimento de FF (a partir do m 00:06:45)).
42 - Junto o desafogo económico de uma à necessidade de outro, e facilmente se percebe que a colocação do veículo no nome da interveniente BB servia de garantia a um empréstimo que a mesma lhe fez.
43 - Encontrando-se a prova da matéria justificativa da aquisição da propriedade do Jaguar, a cargo de quem a invoca, terá necessariamente que jogar contra si as dúvidas existentes sobre essa matéria, nos termos dos arts. 342.º, n.º 1 e 346.º do CC, e 414.º do CPC. Note-se que não estamos aqui a falar do facto da interveniente ser a proprietária do veículo e da presunção iuris tantum que resulta do registo automóvel. O que aqui se aborda são as razões justificativas da colocação da propriedade do veículo no seu nome, importantes por causa da questão do condutor habitual.
44 - Dever-se-á, assim, proceder à alteração da resposta dada aos factos 83, 84, 88, 89, 90, 94, 95, 100, 102, 103, 104 e 109, da seguinte forma:
83) Deve transitar para os factos não provados. 84) Deve transitar para os factos não provados. 88) Deve transitar para os factos não provados. 89) Deve transitar para os factos não provados. 90) Deve transitar para os factos não provados. 94) Deve transitar para os factos não provados. 95) Deve transitar para os factos não provados.
100) Deve passar a ter a seguinte redação: A BB, depois do acidente, não queria o carro.
102) Deve passar a ter a seguinte redação: O carro foi vendido como salvado, pelo valor de €2.800,00, pagos em numerário a um comerciante indicado pelo CC.
103) Deve transitar para os factos não provados. 104) Deve transitar para os factos não provados.
109) Deve passar a ter a seguinte redação: O CC jamais referiu que o carro se encontrasse limitado em termos de condições de segurança, designadamente sem airbags funcionais.
45 - A quarta alteração aqui defendida relativamente à decisão de facto, tem a ver com a circulação do veículo acidentado sem airbags em funcionamento, com o conhecimento do interveniente CC.
46 - Nesta matéria dos airbags, a recorrente não pode deixar de manifestar a sua total discordância com a forma como o tribunal a quo abordou esta questão. Diz-se na sentença que a testemunha DD prestava serviço para a "B..." a pedido da seguradora, a qual tem todo o interesse em se eximir ao pagamento da indemnização. Ou é impressão da recorrente ou nota-se neste excerto um parti pris do tribunal relativamente às seguradoras, o que não abona em nada a favor da sua imparcialidade. Uma afirmação desse género seria mais consentânea se proferida pela parte contrária.
Não é verdade que com a questão dos airbags a seguradora conseguisse eximir-se do pagamento da indemnização ao autor. É que o autor não tem qualquer responsabilidade por esse facto.
47 - Por outro lado, não se entende que a imparcialidade do perito seja posta em causa, quando o seu trabalho se encontra devidamente exposto e documentado, sujeito à crítica e apreciação pelas contrapartes que, aliás, não se pronunciaram nem impugnaram o teor do relatório depois de junto na segunda sessão da audiência de julgamento.
48 - Ouvindo-se o depoimento do perito averiguador, lendo-se o seu relatório e analisando os vários documentos que o compõem, não nada que aponte para uma suspeita de que o que vem mencionado está errado ou não corresponde à verdade. As provas fotográficas e os documentos técnicos juntos com o relatório de averiguação são gritantes, demonstrando à saciedade que desde o acidente de março de 2015, nunca o Jaguar teve os airbags do habitáculo a funcionar.
49 - O que não poderia deixar de ser do conhecimento da interveniente BB se ela conduzisse o veículo - o que não sucedia -, que, sempre que ligasse a ignição, seria confrontada com a luz de avaria dos airbags.
50 - Refere-se na sentença que não houve produção de prova direta e imediata sobre a questão de saber se o veículo possuía ou não airbags do condutor e passageiro. Discorda-se completamente desta asserção. O veículo, depois de ter sido retirado do concessionário da Jaguar, após o acidente de março de 2015, foi reparado numa oficina desconhecida, e voltou a ser colocado em circulação. Em julho de 2016, na averiguação do pequeno sinistro ocorrido nessa data, foi tirada uma fotografia ao painel de instrumentos da viatura em que se verifica que o sistema de airbags do Jaguar não funcionava, de acordo com a informação que era apresentada no tablier, ao colocar o veículo em funcionamento - cfr. doc. 6 da contestação -, e onde a capa do volante era constituída por um material diferente do original, verificando-se que o CC ao optar pela reparação em vez da venda do salvado, abdicou de ter o airbag do condutor, situado no volante, em funcionamento - cfr. doc. 7 da contestação.
51 - Esta adulteração do equipamento do veículo demonstra que o CC o pôs a funcionar, após o grave acidente do final de março de 2015, apenas com um mínimo de condições e pelo menor custo.
52 - no âmbito do acidente dos autos, o perito-averiguador deslocou-se à "C...", no Porto, e na realização do diagnóstico ao Jaguar foi obtida a informação, no sistema informático, que o airbag do condutor e passageiro pertencem ao veículo desde novo, pelo que, tendo em consideração o acidente em 2015, em que foi atribuída perda total e o sistema dos airbags foi acionado, no sinistro em análise o veículo não tinha o sistema de airbags no seu devido funcionamento. A situação dos airbags era a seguinte (cfr. docs. 8, 9 e 20 a 24 da contestação):
- airbag do condutor: o volante apresentava a referida capa exterior que não era de origem e o airbag não existia.
- airbag do passageiro: encontrava-se cortado, sem possibilidade de funcionamento, e com a referência de fábrica.
- airbag lateral do passageiro: encontrava-se na mala do veículo, intacto, não tendo, portanto, sido acionado no acidente em análise.
53 - Toda esta factualidade encontra-se vertida no facto provado n.º 57, que deve ver o seu proémio alterado nos termos supra referidos. Não se consegue perceber como é que o facto do veículo ter sido vendido como salvado a um centro de abate e, depois, ter sido encontrado numa oficina, onde se iniciava a sua reparação, mas estando ainda intacto no que aos airbags dizia respeito, possa ter perturbado a pureza da prova. O airbag do condutor não existia, o original do passageiro estava cortado e o original lateral do passageiro estava na mala, sem nunca ter sido acionado.
54 - Em suma, na data do sinistro dos autos, o Jaguar encontrava-se a circular com o sistema de segurança de airbags desativado, motivo pelo qual estes, com o impacto, não foram acionados - cfr. ainda a foto junta sob o n.º 19 com a contestação, onde se visualiza o veículo acidentado sem os airbags disparados.
55 - A quinta alteração aqui defendida relativamente à decisão de facto, relaciona-se com o não uso do cinto de segurança por parte do autor, passageiro do veículo.
56 - Com decorre do apenso C - ação instaurada pelo Hospital ... (Centro Hospitalar ..., EPE) - houve uma adulteração dos relatórios completos de episódio de urgência respeitantes ao AA e ao CC, que determinaram a instauração de um processo-crime. Com efeito, de acordo com a certidão emitida em 15/12/2020, pelos Serviços do Ministério Público - DIAP - 5.ª Secção do Porto, junta aos autos a fls. ..., no âmbito do processo de inquérito n.º 15638/19.4T9PRT, de que consta os relatórios completos dos episódios de urgência elaborados pelo autor Centro Hospitalar, relativos ao assistido/interveniente CC e ao assistido AA, resulta que os relatórios juntos aos autos com a p. i. desse Centro Hospitalar (docs. 1 e 2) se encontram adulterados ou viciados, que foram eliminados dos mesmos os seguintes registos constantes da história clínica:
- Quanto ao "Episódio Completo" do assistido/interveniente CC: "o doente recorria ao SU após corte na mão direita, com faca, no domicílio" "durante o percurso até ao hospital"
"AP Esplenectomia na infância após traumatismo" "sem medicação habitual"
"sem alergias medicamentosas"
"sem medicação habitual. Sem alergias medicamentosas. PNV em dia" "Mão direita com ligadura" "Abdómen inocente"
- Quanto ao "Episódio Completo" do assistido AA: "sem cinto de segurança"
57 - É relevante e significativo que do relatório de urgência do autor AA tenha sido eliminada a referência de que circulava sem cinto de segurança.
58 - No entanto, a verdade é que, de acordo com o teor do verdadeiro relatório de urgência, o autor AA circulava sem cinto de segurança e não houve disparo de airbags -cfr. a parte final da pág. 1/6 desse relatório (pág. 9 da referida certidão judicial).
59 - O tribunal não relevou esta informação porque no que concerne à questão do cinto de segurança pelo A. no momento do acidente, a única informação que consta nos autos é a relativa ao internamento de urgência do A. no hospital que faz referência a tal situação, desconhecendo-se como é que tal foi aposta.
Instadas as testemunhas que estiveram no local do acidente nenhuma soube responder se o A. tinha ou não cinto de segurança aposto, vide os depoimentos das testemunhas JJ, KK, LL.
Não havendo qualquer outro elemento de prova credível o Tribunal considerou ser de dar por não provado que o A. não fosse portador de cinto de segurança.
60 - Estranha-se que para o Mmo. Juiz a quo seja importante saber "como é que tal [a informação da falta do cinto de segurança] foi aposta". Não bastaria o facto da informação estar "lá aposta"? Se a informação de que seguia sem cinto de segurança e de que os airbags não dispararam foi vertida na ficha de urgência foi porque o técnico que verteu essa informação entendeu que tal era relevante, do ponto de vista médico, para a apreciação do estado clínico em que se encontrava o sinistrado, o que não pode deixar de significar que tal corresponde à verdade.
61 - Seria grave que numa situação de urgência, em que urge atuar rápido e dar as informações mais importantes para se acudir à vítima, se vertessem informações falsas.
62 - O médico do serviço de urgência que compareceu no local do sinistro foi ouvido na audiência de julgamento. Trata-se da testemunha Dr. KK, tendo o seu depoimento sido prestado na sessão de 10/11/2021, e ficado gravado do minuto 00:00:01 ao minuto 00:21:57. Tendo tido o médico receio em dar certezas, decorre do seu depoimento que a conclusão mais provável a tirar - acrescentaríamos nós, a única - é a de que o AA circulava sem cinto de segurança.
63 - Acresce que, quando alguém leva colocado o cinto de segurança e acontece um acidente como o dos autos, é natural que fique uma marca ou um abrasão no peito, em virtude fricção do cinto causada pelo aperto. Foi o que aconteceu ao CC. O CC ficou com um abrasão no peito por causa do cinto de segurança - cfr. o seu relatório de episódio completo de urgência, na referida certidão, imediatamente a seguir ao relatório do episódio de urgência do AA (cfr. pág. 1/7 onde se pode ler "Abrasão do cinto de segurança"). O facto do AA não ter apresentado essa abrasão é mais uma prova a ter em consideração para se dar como provado que não tinha o cinto posto.
64 - Em consequência, a matéria das als. f) e p) dos factos não provados deve passar para os factos provados, sendo que a al. p) deve passar com a seguinte redação: "O interveniente CC verificou que o AA não colocou o cinto de segurança".
65 - A sexta alteração aqui defendida relativamente à decisão de facto, tem a ver com a falta de dedução na sentença do valor arbitrado ao autor no procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, que constitui o apenso D dos autos, fixado, por acordo, no montante de 6.000,00 €, pago de uma e única vez.
66 - O autor instaurou dois procedimentos cautelares contra a ré. O primeiro, antes de proposta a presente ação, e o segundo na pendência dos presentes autos. A matéria da primeira providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, porque ficou assente antes de proposta a presente ação, foi alegada na contestação e figura nos factos provados -cfr. factos 73 a 75.
67 - Porém, a matéria da providência cautelar que correu perante o tribunal a quo e que constitui o apenso D, não mereceu qualquer lugar na sentença, o que pode ter ficado a dever-se a lapso.
68 - Nesse apenso D, foi realizado um acordo nos mesmos termos do apenso B, que constitui a primeira providência cautelar, tendo a adiantado ao autor mais 6.000,00 €, pelo que, no total, o autor recebeu 12.000,00 por conta da indemnização devida a final.
69 - A testemunha MM, gestor de sinistros da ré, onde desempenha funções desde 1999, chamou a atenção para esse facto no seu depoimento prestado na sessão de 10/11/2021 (veja-se a partir de 00:18:02), onde menciona o facto da seguradora ter adiantado 12.000,00 €.
70 - Com efeito, o apenso D foi instaurado em 25/06/2021 e a providência foi extinta por acordo, tendo a aceitado pagar ao autor, por conta da indemnização eventualmente devida a final, mais 6.000,00 €. O acordo foi homologado por sentença.
71 - Nos termos do art. 388.º, n.º 3 do CPC, a liquidação provisória, a imputar na liquidação definitiva do dano, é fixada equitativamente pelo tribunal.
Decorre, pois, da lei, que a indemnização é imputada na liquidação definitiva do dano, o que o tribunal a quo não fez.
72 - Deverá, assim, ser acrescentada, aos factos provados, a seguinte matéria:
Facto n.º ... - Uma segunda providência cautelar de arbitramento de reparação provisória foi instaurada pelo autor em 25/06/2021, constitui o apenso D, tendo a providência sido extinta por acordo em que a aceitou pagar ao autor, por conta da indemnização eventualmente devida a final, mais 6.000,00 €.
Facto n.º ... - O acordo foi realizado nos seguintes termos:
1. O requerente convola o pedido para a quantia de 6.000,00 (seis mil euros), a receber de uma vez, que será paga em exclusivo pela 1.ª requerida, no prazo de 20 dias, a contar da presente data, por transferência bancária para a conta com o seguinte IBAN: ...
2. Ambas as partes declaram que:
a) A quantia referida em 1 tem a natureza de reparação provisória do dano nos termos e para os efeitos do disposto no art. 388.º do CPC;
b) A presente liquidação provisória do dano será deduzida na indemnização final em que a 1.ª requerida vier eventualmente a ser condenada, ou será restituída pelo requerente caso a 1.ª requerida venha a ser absolvida.
3. Tal como na primeira providência cautelar instaurada pelo requerente, a 1.ª requerida manifesta particular interesse em declarar que aceitou realizar a presente transação em obediência a pressupostos de ordem prática, não abdicando do entendimento plasmado na contestação quanto à invalidade do contrato de seguro e responsabilidade do próprio requerente na produção ou agravamento das lesões que sofreu, entendendo que a presente providência cautelar - em que razões de ordem de celeridade constrangem o apuramento efetivo da verdade material e a decisão é tomada com base em indícios -, não é o meio processual adequado para discutir as questões por si levantadas.
4. As custas serão suportadas em partes iguais por requerente e 1.ª requerida, prescindindo reciprocamente de custas de parte.
Facto n.º ... - Este acordo foi homologado por sentença e a quantia paga ao autor.
73 - Face ao que antecede, a sentença deveria ter deduzido à quantia de 362.215,58 €, em que condenou a ré, não apenas 6.000,00 €, mas sim 12.000,00 €.
74 - A última alteração defendida relativamente à decisão de facto, respeita a uma deficiência ou imprecisão na forma como vêm redigidos os factos provados 42 e 55.
75 - O facto provado 42 refere que o Autor, por força do sinistro, ainda está absolutamente incapaz de prover ao seu sustento, necessitando do auxílio de terceira pessoa em especial para se deslocar no exterior, não saindo de casa sozinho por ser incapaz de se orientar. Ora, o facto provado 42 está absolutamente limitado no tempo e reporta-se à alta hospitalar que foi dada ao em maio de 2017, como decorre do facto provado n.º 40.
76 - É que, quando houve a consolidação médico-legal das lesões, com alta atribuída em 25/03/2019, o autor ficou com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 61 pontos, sendo as sequelas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, cortador de carnes verdes, podendo ser, no entanto, compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, que não exijam a execução de tarefas complexas - cfr. facto provado 48.
77 - Havendo uma clara associação do facto 42 ao facto 40, propõe-se que os factos 40, 41 e 42 se unam num só, nos seguintes termos:
" 40) Aquando da alta (maio de 2017), era o seguinte o seu quadro:
- Obteve o Autor alta, mas com indicação para continuação do tratamento em regime ambulatório;
- O Autor, por força do sinistro, ainda está absolutamente incapaz de prover ao seu sustento, necessitando do auxílio de terceira pessoa em especial para se deslocar no exterior, não saindo de casa sozinho por se incapaz de se orientar. "
78 - O facto provado 55 refere que a proprietária do Jaguar, transferiu para a a responsabilidade civil emergente da sua circulação, através de adequado contrato de seguro titulado pela apólice ..., plenamente válida e eficaz àquela data.
79 - Afigura-se que o último segmento ("plenamente válida e eficaz àquela data") constitui matéria conclusiva que deve ser extirpada da factualidade provada. Propõe-se, assim, que este facto passe a ficar redigido da seguinte maneira:
"55) A proprietária do Jaguar transferiu para a a responsabilidade civil emergente da sua circulação, através de adequado contrato de seguro titulado pela apólice ...."
80 - Passando à matéria de direito, o primeiro tema é o da subsunção ao direito da factualidade supra referida quanto às declarações inexatas no contrato de seguro incidente sobre o veículo acidentado, por parte da tomadora do seguro e interveniente BB, ao nível do condutor habitual (bem como às razões subjacentes à aquisição da viatura por parte dessa interveniente BB), o que determina a absolvição da "A..." do pedido.
81 - Na proposta de seguro ficou a constar, como condutor habitual, a própria segurada, nascida em .../.../1960 e com carta desde 16/04/1982 - cfr. 1.ª pág. do doc. 11 da contestação. Foi indicado, na proposta de seguro, que o condutor habitual esteve 6 anos sem sinistros, inexistindo sinistros da sua responsabilidade (a data que foi colocada no campo destinado a indicar esse tipo de sinistros é de 16/04/1982, ou seja, a data da sua carta). De acordo com estes dados, a atribuiu à segurada um bónus de 50% no prémio. Acontece que quem conduzia habitualmente a viatura ..-PI-.. era o CC. Tal inexatidão é grave que, quando o seguro foi efetuado, o CC tinha carta de condução menos de dois anos, e tinha sofrido um grave acidente com o mesmo veículo, em março de 2015.
82 - A referência ao condutor habitual na proposta de seguro é muito importante para a apreciação do risco assumido pela e possui reflexos na quantificação do prémio. Quanto mais inexperiente e acidentado é o condutor mais elevado é o risco e maior é o prémio. Se a soubesse que o condutor habitual era o CC e não a segurada, não teria aceitado celebrar este seguro - facto provado 65.
83 - Na proposta de seguro foi prestada a informação de que "Este contrato poderá considerar-se nulo e, consequentemente, não produzirá quaisquer efeitos em caso de sinistro, quando da parte do tomador do seguro ou do segurado tenha havido declarações inexatas assim como reticências de factos ou circunstâncias dele conhecidas, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato" - cfr. doc. 11 da contestação e facto 66.
84 - Na proposta de seguro, foi prestada a seguinte declaração: "Declaro que me foram postas à disposição todas as Condições Gerais e Especiais do contrato, com a advertência de que delas devo tomar conhecimento antes da subscrição da presente proposta, como condição da exata compreensão do seu conteúdo, das garantias que confere e das exclusões que contém" - facto 67.
85 - Foi ainda declarado: "Declaro ter tido conhecimento e respondido com exatidão, verdade e sem omissão ou reticência de qualquer facto ou circunstância por mim conhecidos, a todas as perguntas que me foram colocadas, não induzindo em erro nem suscitando quaisquer dúvidas à A... Seguros, na apreciação do risco proposto, ainda que a proposta tenha sido preenchida por terceiros e por mim assinada, nos termos do previsto no ponto 1 e 2 da cláusula 6.ª, bem como da cláusula 7.ª e 8.ª das Condições Gerais da Apólice referente ao seu incumprimento" - cfr. as Condições Gerais da Apólice junta sob o n.º ... com a contestação e facto 68.
86 - Apesar de todas as advertências e declarações, a interveniente BB teve o propósito de enganar a quanto à identidade do condutor habitual da viatura -matéria atualmente na al. e) dos factos não provados que a recorrente, nos termos acima expostos, entende dever passar para os factos provados. Essa inexatidão ou falsidade invalida, ab initio, os efeitos da apólice, ou seja, a cobertura da responsabilidade civil inerente à circulação do veículo.
87 - Com efeito, de acordo com o art. 24.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 72/2008, de 16/04, que estabelece o regime jurídico do contrato de seguro, o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador, mesmo que não sejam solicitadas em questionário eventualmente fornecido para o efeito.
88 - Ora, da proposta de seguro consta expressamente a necessidade de indicar o condutor habitual e os dados relativos à sua data de nascimento e carta de condução, que esses são elementos essenciais para a seguradora avaliar o risco. Em resposta a essa solicitação, foi indicado à que a condutora habitual do veículo é a segurada, com 56 anos à data da contração da apólice, encartada cerca de 34 anos, e sem sinistralidade, quando tal não corresponde à verdade.
Efetivamente, o condutor habitual da viatura era o NN, com carta menos de 2 anos e um acidente (grave) menos de um ano antes da contração da apólice. Essa inexatidão ou falsidade provoca a anulabilidade do contrato de seguro.
89 - Na realidade, o art. 25.º do DL n.º 72/2008, dispõe o seguinte:
"1 Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.
2 Não tendo ocorrido sinistro, a declaração referida no número anterior deve ser enviada no prazo de três meses a contar do conhecimento daquele incumprimento.
3 O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo -se o regime geral da anulabilidade.
4 O segurador tem direito ao prémio devido até ao final do prazo referido no n.º 2, salvo se tiver concorrido dolo ou negligência grosseira do segurador ou do seu representante.
5 Em caso de dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, o prémio é devido até ao termo do contrato."
90 - Assim, o contrato de seguro é anulável mediante declaração enviada ao tomador do seguro, e a não está obrigada a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter conhecimento do incumprimento doloso da obrigação do tomador do seguro ou do segurado declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
91 - em 24/04/2017 é que a "B..." apresentou à a averiguação - cfr. facto 57 -, apesar de logo em 27 de outubro de 2016, e em cumprimento dos prazos céleres de resposta que o DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, impõe na regularização dos sinistros, a ter comunicado, quer à segurada quer ao autor, que declinava o sinistro - cfr. docs. 15 e 16 da contestação.
92 - Nessas missivas a apontava para um problema relacionado com a "validade do seguro automóvel". Antes dessas missivas, a interveniente BB, por carta expedida para a em 30/09/2016, havia solicitado a anulação da apólice em virtude do Jaguar ter sido vendido no dia 28/09/2016 - cfr. doc. 17 da contestação. Aliás, atualmente, o veículo encontra-se reparado e a circular sob a apólice ... da "D..." - cfr. doc. n.º 12 da contestação.
93 - Tendo a concluído que houve declarações inexatas por parte da segurada, comunicou-lhe, por carta registada com aviso de receção, datada de 13/09/2017 (doc. 18 da contestação), e recebida no dia 15 seguinte (doc. 27 da contestação), designadamente, o seguinte (cfr. facto provado 71):
" (...) na sequência das diligências levadas a efeito para enquadramento do sinistro nas garantias da apólice, concluíram os nossos serviços técnicos após diligências de averiguação, que houve declarações inexatas no ato de subscrição do seguro, pelo que vamos considerar o mesmo nulo e sem efeito desde a data do seu início (17/02/2016).
As declarações inexatas por ora observadas, influenciavam a aceitação do risco ou um ajustamento do respetivo prémio de seguro".
94 - Consequentemente, o contrato de seguro deve ser considerado anulado ab initio, isto é, desde 17/02/2016. A anulação do contrato de seguro, com efeitos desde o início, determina a absolvição da dos pedidos do autor AA, e do Centro Hospitalar ..., EPE, e a correspondente condenação dos intervenientes principais BB, CC, e Fundo de Garantia Automóvel.

Todavia, sem prescindir,
95 - Caso o tribunal ad quem não conclua pela absolvição dos pedidos da recorrente -o que se admite por dever de patrocínio -, a alteração da decisão de facto acima propugnada trará consequências ao nível do enquadramento jurídico do presente caso.
96 - Desde logo, a alteração do proémio do facto 57 e a sua ligação à circulação do veículo sem airbags em funcionamento, com o conhecimento do interveniente CC, fará com que recaia, sobre quem impende o ónus da conservação e manutenção do veículo, responsabilidades ao nível do agravamento das lesões do autor.
97 - O Despacho n.º 11 625/2002 (2.ª série), publicado em 22/05, estabelece as condições de ativação e desativação do airbag do condutor e do passageiro. Nos termos do art. 27.º, n.º 1, al. h), do DL n.º 291/2007, demonstrada a factualidade atinente à falta de condições de segurança do veículo no que aos airbags diz respeito, e sendo o não funcionamento destes causa adequada do agravamento das lesões do autor, sobretudo ao nível do TCE - traumatismo crânio-encefálico -, tem a ré, sendo condenada no pagamento de indemnização, a possibilidade de vir a exercer o direito de regresso contra a proprietária do veículo em que se fazia transportar o autor e/ou o respetivo condutor, com base no não cumprimento das obrigações legais de caráter técnico relativamente ao estado e condições de segurança do veículo.
98 - Por outro lado, também consequências a extrair da prova da circulação do autor sem cinto de segurança.
99 - O uso do cinto de segurança é obrigatório nos termos do art. 82.º do Código da Estrada e da Portaria n.º 894/94, de 22 de setembro. Como é do conhecimento comum, o uso do cinto de segurança impede que, em caso de colisão, o seu utilizador choque contra partes que compõem o interior do veículo, atenuando as consequências advenientes de acidente. Quando um condutor tem um acidente, o seu corpo e o dos passageiros continuam a seguir à mesma velocidade que o veículo no momento do impacto. Quando o veículo pára, os passageiros sem cinto batem, designadamente, no volante ou no tablier, e seguem o movimento que o carro tinha com a mesma velocidade. Os cintos são a melhor proteção em caso de acidente. Foram criados para que as forças sejam absorvidas pelas zonas mais fortes do corpo: ancas, ombros e peito.
100 - A falta de uso do cinto de segurança por parte do autor determinou necessariamente um agravamento das lesões sofridas, que se ele o tivesse utilizado não teria embatido da forma que embateu na carroçaria e peças que compõem o veículo, como tablier, para-brisas e pilares, e não teria sofrido as lesões graves que sofreu. O uso de cinto de segurança teria prevenido, ou, no mínimo, atenuava algumas das lesões alegadas, ao nível do TCE grave. Por esse facto não pode o autor deixar de ser responsável. Deverá, pois, ser imputada ao autor uma quota-parte da responsabilidade nos danos ou lesões por si sofridas, nos termos do artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil, a fixar numa percentagem não inferior a 15%.
101 - A recorrente discorda da quantificação do dano não patrimonial efetuada pelo tribunal a quo. A indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade proporcionar um certo desafogo económico que de algum modo mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar, proporcionando uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir um certo otimismo que permita encarar a vida de uma forma mais positiva. Isto é, esta indemnização destina-se a proporcionar, na medida do possível, ao autor, uma compensação económica que lhe permita satisfazer com mais facilidade as suas necessidades primárias que possam constituir um alívio e um consolo para o mal sofrido.
102 - Considerado o quadro factual julgado provado e tendo em conta as lesões, as dores, as angústias, as ansiedades, os desgostos sofridos, ponderando ainda as sequelas permanentes e graves de que ficou a padecer o autor (com caráter permanente e limitativo), o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 61 pontos, impeditivas do exercício da atividade profissional habitual de cortador de carnes verdes, mas compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, que não exijam a execução de tarefas complexas; o quantum doloris elevado (de grau 6 numa escala crescente de 1 a 7), o dano estético de grau 4, a repercussão nas atividades desportivas e de lazer (graduadas no plano 3, também na dita escala crescente de 1 a 7), a idade da vítima e as demais afeções sofridas, à luz do que decorre dos factos provados, afigura-se que o valor fixado na decisão recorrida não será o mais adequado e equitativo à reparação dos danos não patrimoniais sofridos.
103 - Propugna-se que a indemnização por danos não patrimoniais do autor não seja superior, tomando em consideração os valores praticados na atualidade, ao montante de 75.000,00 €.
104 - Por fim, discorda-se também do valor indemnizatório no que respeita ao dano patrimonial futuro. O autor continua a poder exercer uma atividade profissional num posto diferente daquele em que se encontrava, o que, felizmente, constitui uma possibilidade de se reabilitar e de poder, inclusivamente, continuar a contribuir economicamente para o sustento do agregado familiar.
105 - Estipula o art. 566.º, n.º 3 do CC que, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o Tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. Para o cálculo indemnizatório do dano ora em consideração, e sempre considerando qualquer critério a usar como meramente orientador e não puramente matemático - arts. 562.º, 564.º e 566.º, n.ºs 1 e 2 -, dever-se-á seguir o critério que foi utilizado pela Relação de Coimbra, em Acórdão de 4.4.95 (CJ II, p.23), e que representa um desenvolvimento e ajustamento do critério que vinha sendo utilizado pelo S.T.J. em alguns arestos - vejam-se os Ac. S.T.J. de 4.2.93 (CJ STJ I, p.128) e de 5.5.94 (CJ STJ II, p.86).
106 - O recurso a determinadas fórmulas ou tabelas financeiras deve servir apenas de critério de orientação no sentido de objetivar e uniformizar jurisprudencialmente o quantum indemnizatório.
107 - Para a determinação do quantum indemnizatório destinado a compensar a perda de rendimento futuro é de perfilhar um critério comparativo, temperando o uso das fórmulas matemáticas de determinação do capital produtor de um rendimento remunerado à taxa de juro praticada na banca para depósitos a longo prazo mas que se esgota no final da vida ativa do lesado, com critérios corretivos, pela intervenção de juízos de equidade, com apelo às regras da experiência que a caracteriza.
108 - No presente processo, o autor tinha 23 anos de idade à data do acidente, do que resulta que a sua esperança média de vida, nesse momento, era de cerca 55 anos, de acordo com os dados estatísticos divulgados no site www.pordata.pt.. Com efeito, em 2019, a esperança média de vida para os homens era de 78,1 anos.
109 - Começando por se fazer os cálculos utilizando, por analogia, o que dispõe a Lei n.º n.º 98/2009, de 04/09 (Lei dos Acidentes de Trabalho - LAT), para o caso de pensão por IPATH, essa pensão, nos termos do art. 48.º, n.º 3, al. b), corresponderá a uma pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra função compatível.
Assim, temos:
8.274,00 (591 x 14) x 50% = 4.137,0 0 8.274,00 x 70% = 5.791,80 5.792,80 - 4.137,00 = 1.654,80 1.654,80 x 61% = 1.009,43
4.137,00 + 1.009,43 = 5.146,43 5.146,43 : 14 = 367,60
110 - Ora, levando em linha de conta o valor mensal de 367,60 €, a indemnização, a este título, será de 217.691,66 €, de acordo com a tabela financeira utilizada pela Relação de Coimbra, no referido acórdão de 4.4.95 (CJ II, p.23), mas reajustada de acordo com os seguintes elementos:
- Taxa de juro nominal líquida de 2%; - Taxa de inflação de 1%; e
- Esperança de vida até aos 78 anos.
111 - Por outro lado, deixando de lado a analogia que se estabeleceu com a lei dos
acidentes de trabalho, e socorrendo-nos diretamente da tabela financeira para o cálculo da indemnização, com a introdução do salário mensal de 591,00 €, IPP de 61%, taxa de juro nominal líquida de 2%, taxa de inflação de 1% e esperança de vida até aos 78 anos, o resultado final será um total de capital a pagar de 213.260,92 €.
112 - E, utilizando-se o critério definido pelo tribunal a quo, afigura-se à recorrente que se deverá reajustar o valor final com a subtração de uma percentagem, por mais pequena que ela seja, face ao recebimento imediato da totalidade do capital, de modo a evitar o enriquecimento injusto que poderia resultar desse facto. Não devendo esse reajustamento ser inferior a 10%, o valor do capital obtido através do cálculo de base enunciado na sentença para o cálculo do dano patrimonial futuro ascenderia a 213.494,02 (237.215,58 - 23.721,56).
113 - Está, assim, a recorrente convicta de que a indemnização pelo dano patrimonial futuro, corrigida pela prolação de um juízo de equidade, deverá oscilar entre os 210.000,00 e os 220.000,00 €.
114 - A sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, os arts. 342.º, n.º 1, 494.º, 496.º, n.º 4 (1.ª parte), 562.º, 564.º, 566.º, n.ºs 2 e 3, 570.º, n.º 1, todos do C. Civil, 414.º do CPC, e art. 25.º do DL n.º 72/2008, de 16/04.
TERMOS EM QUE o presente recurso deve merecer provimento e a douta sentença revogada de acordo com o supra exposto, com o que se fará
INTEIRA E JUSTIÇA!”

APRESENTOU O AUTOR AA CONTRA ALEGAÇÕES em suma tendo concluído pela improcedência do recurso da recorrente “A...”, remetendo no mais para o por si pugnado no recurso que interpôs.

IGUALMENTE APRESENTOU A CHAMADA BB CONTRA ALEGAÇÕES em suma tendo concluído pela improcedência do recurso da recorrente “A...”, pugnado pela manutenção do decidido pelo tribunal a quo, mantendo-se a sua absolvição do pedido.
Entre o mais, pugnou:
- pela improcedência da alteração pugnada quanto à redação conferida ao ponto 57 dos factos provados;
- e quanto à questão das “Declarações inexatas no contrato de seguro incidente sobre o veículo acidentado, por parte da tomadora do seguro e interveniente BB, ao nível do condutor habitual” alegou que a recorrente “não cumpre minimamente o ónus previsto no art. 640º do CPC, uma vez que não indica os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados. Assim, não se como possa merecer provimento o alegado quanto a esta questão, uma vez que a recorrida nem sequer consegue descortinar como pode responder a esta alegação, atenta a não indicação de que ponto da matéria de facto deveria ser alterado.”;
- relativamente às razões subjacentes à aquisição da viatura por parte da interveniente BB [em causa os factos provados 83, 84, 88, 89, 90, 94, 95, 100, 102, 103, 104 e 109] alegando serem tais questões “absolutamente irrelevantes, uma vez que a única questão que poderia resolver o diferendo a favor da recorrente seria a prova de que a recorrida não era a condutora habitual do veículo.”, tendo resultado “inequivocamente provado que a recorrida era a condutora habitual da viatura, pelo que tudo o que mais se pode dizer se torna irrelevante.”;
Sem prejuízo de concluir pela improcedência da pretensão da recorrente também neste campo;
- finalmente e sobre a questão da “Circulação do veículo acidentado sem airbags em funcionamento, com o conhecimento do interveniente CC” tendo tal matéria sido julgada não provada, pelo que também aqui não merece censura o decidido pelo tribunal a quo.

TAMBÉM O INTERVENIENTE “FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL” APRESENTOU CONTRA ALEGAÇÕES em suma tendo concluído pela improcedência do recurso da recorrente “A...”, pugnando pela manutenção do decidido pelo tribunal a quo, mantendo-se a sua absolvição do pedido.

B)
O AUTOR AA
Oferecendo alegações e formulando as seguintes Conclusões:
“1ª
O presente recurso versa sobre matéria de facto e matéria de direito, com destaque, no essencial, quanto às seguintes questões:
a) factos provados n.ºs 11 e 48 incorretamente julgados; b) factos n.ºs 40 e 42 requerem retificação;
c) facto não provado sob a al. c) incorretamente julgado;
d) factualidade alegada na petição inicial que deveria ter sido dada como provada; e) do quantum indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais;
f) do quantum indemnizatório relativo ao dano patrimonial futuro e dano biológico.
Relativamente à matéria de facto e aos concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado diversa da recorrida, consideramos os depoimentos das testemunhas OO, PP, QQ e ainda o depoimento da Perita do INML - Drª RR.

Testemunha Drª. RR depoimento prestado no dia 10/11/2021, com início às 12:23:40 e fim às 13:04:01.
Concreta passagem: 00:05:03 às 00:16:32
Comentário
Todo o depoimento constante da concreta passagem acima mencionada resume-se a uma total incerteza. A Srª Perita chama a atenção para o facto de não ser da área de Trabalho, mas continua a dar sugestões/reproduzir o que consta do relatório sem qualquer fundamento.
A dificuldade em prever quais as tarefas que o AA conseguirá fazer no futuro, diz muito sobre a sua incapacidade, o que vem reforçar a tese do relatório do Dr. SS, no sentido do Autor estar incapaz para toda e qualquer profissão.
Por último, relativamente à repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, parece-nos mais adequada o enquadramento atribuído pelo Dr. SS no relatório junto a fls. 588, (R. E. 30439642), de 4 numa escala de 7. Lembramos que o A. foi comparado a um idoso, mas com a ressalva que não pode ser um idoso “muito ativo”! A comparação fala por si…

Testemunha OO depoimento prestado no dia 10/11/2021, das 15:57:24 às 16:16:52.
Concretas passagens: 00:00:50 às 00:02:48; 00:04:10 às 00:04:36; 00:05:28 às 00:06:00; 00:09:38 às 00:10:37; 00:11:17 às 00:12:37; 00:12:43 às 00:14:00; Comentário:
Das concretas passagens acima sinalizadas, ficamos esclarecidos quanto à real intenção do A. em ingressar na Legião estrangeira e, por isso, o alegado nos artigos 80º a 83º da p.i. deveria ter sido dado como provado e, consequentemente, ser levado em consideração para a fixação do dano patrimonial futuro, uma vez que o salário, à data, era de 1.200€.
Deste depoimento também se tornou clara a dependência que o AA tem de terceiros, nomeadamente da sua mãe e a escassa expectativa de, no futuro, vir a ter uma vida autónoma.

Testemunha PP depoimento prestado no dia 10/11/2021, com início às 16:16:53 e fim às 16:31:19.
Concretas passagens: 00:01:10 às 00:03:58; 00:05:04 às 00:05:48; 00:06:10 às 00:07:14; 00:07:34 às 00:08:42; 00:11:05 às 00:12:19; Comentário:
À semelhança do depoimento da mãe do AA, a carreira militar, mais especificamente, a legião estrangeira voltou a ser abordada de uma forma totalmente espontânea, natural e convicta.
Quanto às suas limitações, a sua irmã acabou por dar mais detalhes do dia-a-dia do AA, falando, não da desorientação espacial, como da dificuldade em memorizar que o torna totalmente dependente.
Ora, se o A., apesar da insistência, tem dificuldade em distinguir uma laranja de uma maça (e tal dificuldade aplica-se a muitos outras questões do quotidiano) como poderá vir a desempenhar uma atividade profissional? Como poderá distinguir as diferentes peças da carne para proceder ao embalamento? o conseguirá por caridade de quem o contratar.

Testemunha QQ depoimento prestado no dia 10/11/2021, das 16:31:40 às 16:52:47. Concreta passagem:
00:04:59 às 00:06:36. Comentário:
Uma vez mais, ficou demonstrado que o relatado no facto provado 42, com referência a 2017 ainda se mantém e que A. é completamente depende de terceiros.
Inclusivamente, a testemunha chamou a atenção para noção que o A. tem do dinheiro
que é nenhuma! Como poderia uma pessoa nestas condições trabalhar numa caixa registadora?!

O Dr. SS (especialista em neurocirurgia) concorda com vários pontos do relatório do INML, no entanto, defende que o A. (que padece de uma deficiência multifatorial, maior de 60%) está incapaz para toda e qualquer profissão.
Discorda também da fixação do prejuízo de atividade de desporto e lazer deveria ser fixado em 4 numa escala de 7 o que nos parece mais adequando tendo em consideração os próprios esclarecimentos da perita do INML, como se constata do depoimento acima transcrito.
Em suma, do presente relatório, do depoimento das testemunhas acima identificadas e dos esclarecimentos da Perita do INML, dever-se-ia ter dado como provado o facto constante da al. c) dos factos não provados.

Tendo em consideração a fotografia que consta na própria p. i. (cfr. art. 12º) e que foi retirada do google maps, com referência ao ano de 2015, parece-nos que se teria de dar como provado que a sinalização vertical proibia a circulação a mais de 40km/h, e não, a 50km/h.
Assim, a redação deste facto deve passar a ser a seguinte:
11) Poucos metros antes do local onde ocorreu o sinistro existe sinalização vertical de indicação de curva perigosa à esquerda e de proibição de circular a mais de 40 km/h aposta quer do lado direito, quer do lado esquerdo, da faixa de rodagem.

Salvo o devido respeito, da análise dos esclarecimentos (titubeantes) da Perita do INML, das testemunhas e do relatório do Dr. SS, jamais o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que as sequelas do A. são compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, que não exijam a execução de tarefas complexas”
Assim, o facto 48 deverá ter a redação abaixo descrita:
48) De acordo com o relatório médico-legal e suas conclusões: A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25/03/2019; Período de Défice Funcional Temporário Total num período de 256 dias; Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 677 dias; Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 933 dias; Quantum Doloris no grau 6/7; Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 61 pontos; As sequelas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, impeditivas do exercício de toda e qualquer profissão exceto em empregos de favor, IPSS ou, eventualmente, organismos do estado necessitando, sempre, de supervisão e incentivo; Dano estético permanente no grau 4/7; Repercussão Permanente nas atividades desportivas e de lazer no grau 4/7; Repercussão permanente na atividade sexual no grau 4/7; Ajudas técnicas permanentes, medicamentosas, tratamentos médicos, ajudas técnicas, ajuda de terceira pessoa.
10ª
Quanto ao facto 40, carece de ser retificado. Mais concretamente, deverá ser aditado o quadro (imagem) constante da petição inicial, mais concretamente no artigo 50º.
A sua ausência poderá levar a uma associação (errada) entre o facto 40, 41 e 42, quando, na verdade, são totalmente autónomos.
Ora, dar-se o facto 40 como provado sem o respetivo quadro poderá ter ocorrido por lapso do tribunal a quo, pelo que deverá ser o mesmo aditado.
11ª
Quanto ao facto 42, como podemos dos depoimentos acima mencionados, o mesmo reporta-se à situação atual do Autor.
No entanto, e para que dúvidas não restem, deverá ser também retificado, passando a ter a seguinte redação:
42) O Autor, por força do sinistro, à data da presente decisão, está absolutamente incapaz de prover ao seu sustento, necessitando do auxílio de terceira pessoa em especial para se deslocar no exterior, não saindo de casa sozinho por ser incapaz de se orientar.
12ª
Quanto ao facto indevidamente dado como não provados sob a alínea c), ao abrigo dos mesmos argumentos aduzidos supra (facto 48) dever-se-ia dar como provado.
13ª
Quanto aos factos alegados nos artigos 80º a 83º da petição inicial, eventualmente por lapso, o Tribunal não os deu como provados nem como não provados. A factualidade descrita nos artigos 80, 81 e 82, encontra-se provada pelo depoimento da testemunha OO (cfr. concreta passagem 00:00:50 a 00:02:48; 00:05:28 a 00:06:50; 00:09:38 a 00:09:37) da testemunha PP (cfr. passagens 00:01:10 a 00:03:58; 00:11:05 a 00:12:19).
O alegado no artigo 83 encontra-se provada pelo depoimento das testemunhas acima identificadas e por ambos relatórios médicos.
14ª
No que diz respeito à matéria de direito, o presente recurso versa sobre os seguintes pontos:
(1) Valor indemnizatório atribuído a título de danos não patrimoniais
(2) Valor indemnizatório fixado a título de dano patrimonial futuro e dano biológico 15ª
O AA, aquando do acidente, tinha 23 anos. Estava na “flor da idade” (como se pode ver da fotografia junta como doc. 07 com a petição inicial) era dinâmico, aventureiro e cheio de projetos. Profissionalmente ambicionava ingressar na carreira militar. Tinha o gosto de viajar pelo mundo, fazer amigos - como se comprova pela última viagem que fez (caminhos de Santiago o caminho Francês).
16ª
O presente sinistro acabou, praticamente, com tudo. Perdeu anos de vida em recuperação, perdeu parte do passado (memória) e convive com essa perda diariamente, os projetos de vida, a carreira profissional, a ambição de constituir família, a destreza física, tudo isto desvaneceu.
17ª
Ainda assim, e após ultrapassar vários obstáculos (factos acima assentes sob os números 16 a 54) conseguiu ter a vida que tem que, diga-se, é uma vida absolutamente limitada e dependente de terceiros.
18ª
No caso dos autos, temos que, como danos não patrimoniais, surgem as dores sofridas pelo Autor com as lesões, quantum doloris 6/7, a afetação da vida quotidiana e a incapacidade geral de que padeceu e ainda padece (61 pontos), o prejuízo de afirmação pessoal, o dano estético 4/7, prejuízo sexual 4/7, tudo conforme matéria assente designadamente nos números 16 a 54.
19ª
Perante todos estes factos sofrimento e todo o percurso até à alta médica, toda a fase de recuperação e ainda as dores e limitações de que ainda padece, fixar a indemnização em 125.000,00€ é, na nossa modesta opinião, tudo menos equitativo. Inclusivamente, entendemos que o valor peticionado é escasso.
20ª
Posto isto, entendemos como razoável e equitativo, a título de danos não patrimoniais, (art.º 566.º, n.º 3 do Cód. Civil), o montante peticionado de €175.000,00, mais ajustado aos valores que, em casos similares, têm sido fixados na casuística, mormente do STJ cfr. Ac. de 19.12.2018, Proc. 1173/14.OT2AVR.P1.S1, de 2.03.2011 (processo 1639/03.8TBBNV.L1-6ª secção) e Ac. de 29.10.2008 (processo 3380/05).
21ª
Para efeitos de dano biológico e dano patrimonial futuro, devem ser levados em considerações os seguintes aspetos:
1 A idade do AA 23 anos à data do sinistro; 2 A esperança de vida dos homens 78 anos;
3 Salário de 591€ em 2016.
4 Sonho de ingressar na carreira militar e expectativa de vir a auferir cerca de 1200€/mês (valor em 2016)
5 Taxas de juro negativas e inflação
6 Incapacidade para ingressar no mercado de trabalho. 22ª
Atendendo à idade do Autor e ao facto de, desde aí, não mais ter trabalhado (e, muito provavelmente, não conseguirá voltar a trabalhar) e que a esperança de vida nos homens é de 78 anos, atingimos 55 anos de perda de rendimento e de limitações na sua vida.
23ª
Sendo pacífico que, para efeitos de indemnização, não deve ser levada em linha de conta a idade ativa/idade da reforma, mas sim a esperança de vida. Ora, sendo, atualmente, 78 anos a esperança média de vida dos homens, atingimos aqui 55 anos de perde de rendimentos e de limitações na sua vida.
24º
Acresce ainda que o Tribunal a quo, para nosso espanto, usa como base de cálculo o salário que o A. auferia no Brasil e que, por equivalência, resultou num montante de 591€/mês. Tal raciocínio é impensável a partir do momento em que informação nos autos de que pretendia vir para prosseguir carreira militar o que lhe iria proporcionar um rendimento bastante superior (superior a 1200€).
25º
Nem o salário mínimo o Tribunal considerou. Basta analisar a evolução do salário mínimo nacional desde 2016 até 2022 e perspetivar o que irá acontecer nos próximos anos para perceber que não se deverá levar em consideração, apenas, o salário que auferia aquela data por ser extremamente redutor e penalizador para o A.
26ª
Por outro lado, apesar de entendermos que o AA nunca mais irá conseguir arranjar um emprego real, o Tribunal ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode (e deve!) refletir também na indemnização arbitrada a título de perda de oportunidades profissionais futuras que decorram do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e refletindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado veja-se o acórdão do STJ de 10.11.2016, proc. 175/05.2TBPSR.E2.S1, em que é relator o Conselheiro Lopes do Rego e ainda o acórdão do STJ de 01.03.2018, em que é relatora a Colenda Conselheira Maria Graça Trigo.
27ª
Levando em consideração os acima citados arestos, parece-nos que o Tribunal não avaliou de forma justa a grave situação do AA. É necessário ter em consideração a sua idade (23 anos), a esperança média de vida dos homens (78 anos), o Défice Funcional da Integridade Físico-psíquica (61 pontos) e apesar de o relatório médico dizer que o AA poderá vir a exercer outra profissão dentro da sua área de aptidão, parece-nos muito pouco provável, para não afirmar que será totalmente impossível vir a fazê-lo.
28ª
As tabelas de avaliação do dano são distintas e a própria perita do INML afirmou não ser especialista em trabalho referindo, sem grande convicção, que o AA poderá desempenhar outras atividades (referindo “eu acho”) mas também confirmou que este deveria ser supervisionado nas tarefas e que as mesmas não poderiam ser complexas.
29ª
Desde o momento do acidente até à presente data o AA não conseguiu arranjar um emprego e decorreram quase 6 anos. Com as notórias limitações físicas e intelectuais será muito difícil encontrar trabalho (quem é que vai querer contratar alguém como o AA, tendo que ter uma outra pessoa a supervisioná-lo e a incentivá-lo?!). que reconhecer que a situação do AA se enquadra no acórdão acima citado, isto é, que estaremos perante uma situação de incapacidade total permanente para o trabalho.
30ª
Não concordamos com a forma como o Tribunal alcançou o montante indemnizatório a título de dano patrimonial futuro, não é razoável reduzir a indemnização em cerca de 40%, como se a capacidade do AA fosse, na prática, de trabalhar a 40%.
31ª
Também deveria ter levado em consideração a esperança de vida até aos 78 anos e a probabilidade de vir a ingressar na carreira militar e a ter um aumento salarial bastante considerável.
32ª
Sendo a indemnização fixada ao abrigo da equidade, levando em consideração todos os factos alegados a indemnização a fixar terá de ser de, pelo menos, de 400.000,00€.
Termos em que, e nos melhores de direito, pelas razões enunciadas, deve o Tribunal alterar a decisão em crise, nos termos peticionados condenando a na totalidade do valor peticionado, fazendo-se, assim, JUSTIÇA!”

APRESENTOU A “A...” CONTRA ALEGAÇÕES em suma tendo concluído pela improcedência do recurso do recorrente autor, quer quanto à alteração da decisão de facto por este pugnada, quer quanto à decisão de direito no sentido pelo mesmo pretendido. No mais dando por reproduzido o por si alegado no seu recurso.
*
Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
***
II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes, serem questões a apreciar:
A) Do recurso da R. “A...”
i- erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto. ii- erro na aplicação do direito.
B) Do recurso do Autor AA”
i- erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto. ii- erro na aplicação do direito.
***
III- Fundamentação
O tribunal a quo julgou como provados os seguintes factos:
“1) No verão de 2016, o Autor, cidadão de nacionalidade brasileira e até ali naquele país residente, decidiu viajar para a Europa para, entre outros, fazer os caminhos de Santiago e, mais concretamente, o caminho francês.
2) Em 6 de agosto de 2016, o Autor deu início ao percurso do mencionado caminho que veio a finalizar em Santiago de Compostela no dia 27 do mesmo mês e ano (documento que se junta sob o n.º 1 e que, como os demais adiante juntos, se por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
3) De Espanha veio para Portugal em data não apurada.
4) No dia 4 de setembro de 2016, em Portugal, o Autor viajou, na qualidade de passageiro, no veículo de matrícula ..-PI-.., ligeiro de passageiros, da marca Jaguar (doravante apenas Jaguar), da propriedade de BB, então conduzido por CC.
5) Nesse mesmo dia, pelas 09h40m, circulava o Jaguar, pela Estrada Nacional ..., na direção ... - ....
6) Ao chegar à zona de confluência entre aquela estrada (conhecida por Estrada ...) com a Rua ..., próximo do centro comercial ..., o referido veículo sofreu um acidente, na freguesia ..., concelho de Gondomar.
7) Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, circulava o Jaguar na referida via e ao chegar à zona de confluência da EN ... com a Rua ..., o condutor do veículo perdeu o seu controlo, entrou em despiste e foi embater nos rails de proteção situados do lado direito, atento o seu sentido de marcha.
8) Atento o sentido prosseguido pelo Jaguar, a via tem piso betuminoso, em bom estado de conservação.
9) Era de dia, o tempo estava bom e a visibilidade era excelente.
10) No local do sinistro, a via desenvolve-se em curva acentuada, com inclinação ascendente.
11) Poucos metros antes do local onde ocorreu o sinistro existe sinalização vertical de indicação de curva perigosa à esquerda e de proibição de circular a mais de 50 km/h aposta quer do lado direito, quer do lado esquerdo, da faixa de rodagem.
12) O Jaguar, depois de entrar em despiste e antes de se imobilizar, deixou impresso no pavimento um rastro de travagem de 21 m (documento 2).
13) Acrescente-se ainda que, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o referido condutor conduzia o veículo por conta e no interesse da sua proprietária,
14) Que lho havia cedido, no uso dos seus poderes de disposição, por amizade.
15) Ao local do sinistro ocorreu uma viatura de emergência médica do INEM, uma ambulância, uma viatura de desencarceramento dos Bombeiros ..., os Bombeiros Voluntários ..., entre outros meios de assistência (documento 3).
16) Como consequência direta e necessária do sinistro o Autor ficou encarcerado, inconsciente, politraumatizado, com hemorragia digestiva, enfisema subcutâneo direito, conforme doc. 3
17) Os Bombeiros tiveram que proceder à remoção de um pilar da viatura com vista ao desencarceramento do Autor doc. 3,
18) A quem estabilizaram com colar cervical, colete de extração, tubo de guedel, administraram-lhe O2, aspiraram-no quatro vezes, até entubação endotraqueal, devido a hemorragia interna, tendo-lhe sido colocado cinto aranha de modo a possibilitar o seu transporte, doc. 3.
19) Ainda no local, a equipa da emergência médica do Hospital ..., sedou-o, entubou-o e colocou-o em suporte ventilatório mecânico, doc. 3.
20) Sendo, depois, conduzido às urgências do Hospital ....
21) Ao chegar ao Hospital ... foi diagnosticado ao Autor politrauma com traumatismo craniano grave, hematoma peri-orbitrário direito com pupila ipsilateral midriática e não reativa, hemorragia nasal e da orofaringe importante (documento 4),
Tendo-lhe sido identificados os seguintes traumas:
a) Inúmeros focos de contusão hemorrágicos em ambos os hemisférios cerebrais. Hematomas extra-axiais com cerca de 7,2 mm de espessura máxima deformando os lobos adjacentes. Apagamento generalizado dos sulcos e das cisternas da base com as amígdalas cerebelosas a aflorar o plano do buraco magno; não se definia o III ventríloco.
b) Na face traços de fratura nos ossos do maciço facial, seios maxilares, esfeinodal, frontais, paredes das orbitas e nos ossos próprios do nariz; fratura na vertente posterior do canal ótico esquerdo, na apófise zigomática direita e grande asa esfenoide direita.
c) No tórax, provável fratura não descoaptada do manúbrio external; fratura de vários arcos costais bilateralmente e fratura da asa da omoplata direita.
22) A 21 de setembro foi submetido a traqueostomia cirúrgica para proteção da via aérea, vide doc. 4.
23) Padeceu ainda de pneumonia de aspiração, celulite do MSD,
24) Permaneceu nos cuidados intensivos até 23 de setembro de 2016, sendo depois transferido para o serviço de TCE, onde lhe veio a ser retirada a cânula de traqueostomia.
25) A 6 de outubro de 2016 foi o Autor submetido a craniotomia frontal bilateral com drenagem de pneumocefalo e plastia do andar anterior por fistula traumática.
26) Desenvolveu hematoma epidural pós craniotomia pelo que, a 12 de outubro de 2016, foi novamente submetido a cirurgia com reabertura de craniotomia e drenagem de hematoma.
27) Desenvolveu durante o internamento pneumonia de aspiração bilateral e pneumonia associada a ventilação invasiva, com isolamento pseudomonas MS SR
28) A 15 de novembro de 2016 foi transferido para o serviço de fisiatria do Hospital ..., para tratamento fisiátrico intensivo.
29) À entrada neste serviço, o Autor mostrava-se desorientado no tempo e no espaço e necessitava de auxílio para se alimentar, vestir e cuidar da sua higiene.
30) Os défices cognitivos de que ficou a padecer eram muitíssimo significativos, os quais embora tenham melhorado, persistem na presente data.
31) Naquele serviço fez, entre outros, terapia da fala e fisiatria.
32) Quanto à lesão ocular, o serviço de oftalmologia do Hospital, deu indicação para se aguardar entre 6 a 8 meses e depois avaliar a intervenção cirúrgica a efetuar.
33) É transferido para o Centro de Reabilitação ... em 11 de janeiro de 2017, apresentando à chegada a esta instituição (documento 5):
a) Suspeita de alterações cognitivas múltiplas b) Disartria flácida ligeira,
c) Discreta alteração na prova dedo-nariz à direita, provavelmente por falta de visão, que o Requerente não via, nem com o olho direito, em consequência do sinistro;
d) Caminhava mas com baixa dissociação das cinturas e instabilidade pélvica à direita, tendo necessidade de recorrer a bastão,
e) entre outras.
34) Naquele Centro realizou programa de reabilitação integral e abrangente, em esquema bidiário multimodal (fisioterapia, terapia da fala, enfermagem de reabilitação e reabilitação cognitiva), doc. 5.
35) O Autor apresentava, entre outros:
a) Discurso tendencialmente organizado mas por vezes descontextualizado e com incongruências temporais;
b) Reconhecia que teve um acidente automóvel mas não tinha, como ainda não tem, memória do mesmo;
c) Reconhecia as alterações motoras mas não as alterações neuropsicológicas, não tendo consciência de tal défice.
36) Reavaliado um mês apos o internamento, verificou-se que mantinha um funcionamento da memória de trabalho inferior, tendo até uma ligeira diminuição, revelando ainda um IVP muito inferior.
37) Aquando da alta não necessitava de auxiliares de marcha mas carecia de supervisão por manter desorientação espacial.
38) Conseguia subir um lanço de escadas sem apoio no corrimão mas sem total segurança,
39) Tinha autonomia para a maior parte das atividades da vida diária mas necessitava e ainda necessita de supervisão para as atividades da vida diária instrumentadas.
40) Aquando da alta (maio de 2017), era o seguinte o seu quadro:
41) Obteve o Autor alta, mas com indicação para continuação do tratamento em regime ambulatório.
42) O Autor, por força do sinistro, ainda está absolutamente incapaz de prover ao seu sustento, necessitando do auxílio de terceira pessoa em especial para se deslocar no exterior, não saindo de casa sozinho por se incapaz de se orientar.
43) Antes do sinistro, o Autor trabalhava num supermercado, na secção de talho, onde auferia a quantia mensal de 2200 reais, o equivalente, sensivelmente, a €591,00.
44) Com tal montante provia ao seu sustento e ao da sua família (mãe e irmã), pagando a renda de casa, as despesas com água, luz e internet.
45) Também por força do sinistro, a sua mãe e irmã, que também residiam no Brasil de onde todos são naturais e cidadãos, tiveram que abandonar a vida que ali tinham e vir para Portugal.
46) Assim, não o Autor perdeu o seu emprego e o seu meio de sustento como deixou de poder prover ao sustento da sua família,
47) Apesar dos tratamentos a que se submeteu o Autor ficou a padecer definitivamente:
Défice funcional permanente s ao nível da comunicação, b) Défice de compreensão,
c) Dificuldades de locomoção,
d) Défice ao nível da compreensão do mundo exterior, e) Défices de memória,
f) Amnésia relativamente à época em que ocorreu o sinistro
g) Dificuldades / défice ao nível da orientação espaço-temporal; h) Perda de visão
i) Deformidade do olho esquerdo.
Sequelas que lhe determinam uma IPG de 60,97301 pontos, numa escala de 1/100. 48) De acordo com o relatório médico-legal e suas conclusões:
A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25/03/2019; Período de Défice Funcional Temporário Total num período de 256 dias; Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 677 dias;
Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 933 dias;
Quantum Doloris no grau 6/7;
Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 61 pontos;
As sequelas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, cortador de carnes verdes, podendo ser, no entanto, compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, que não exijam a execução de tarefas complexas;
Dano estético permanente no grau 4/7;
Repercussão Permanente nas atividades desportivas e de lazer no grau 3/7; Repercussão permanente na atividade sexual no grau 4/7;
Ajudas técnicas permanentes, medicamentosas, tratamentos médicos, ajudas técnicas, ajuda de terceira pessoa.
49) Sendo que esteve totalmente incapacitado, no período compreendido entre a data do sinistro e a data da alta (17/05/2017),
50) A lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas muito intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos.
51) E as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida e, sobretudo, provocam-lhe um profundo sentimento de desgosto.
52) O A. nasceu em .../.../1993, conforme (doc. 6).
53) E era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico e trabalhador.
54) Gostava de sair com os amigos, ir a bares, cafés, festas, ginásios e praticar atividades físicas, em especial desportos ao ar livre.
55) A proprietária do Jaguar, transferiu para a a responsabilidade civil emergente da sua circulação, através de adequado contrato de seguro titulado pela apólice ..., plenamente válida e eficaz àquela data,
***
56) A solicitou ao gabinete de peritagens "B..." uma averiguação ao sinistro.
57) No decurso dessa averiguação, que aquele Gabinete terminou em 24 de abril de 2017, e doutras diligências realizadas posteriormente pela ré, foi elaborado um documento onde consta e se escreveu o seguinte:
- O NN, condutor do Jaguar, tinha, à data do acidente, 33 anos de idade, uma vez que nasceu em .../.../1982 - cfr. doc. 1.
- O NN tem carta de condução de veículos ligeiros apenas desde 14/11/2014 - cfr. doc. 2.
- Antes deste acidente, o NN teve pelo menos dois acidentes, ao volante do mesmo veículo.
- O NN comprou o Jaguar em março de 2015, cerca de 3 meses depois de ter tirado a carta - cfr. registo automóvel ora junto sob o n.º 3, através do qual se verifica que a propriedade do ..-PI-.. foi registada em seu nome em 06/03/2015.
- No dia 29 de março de 2015 o NN teve um acidente com o Jaguar, num choque contra um muro em Gondomar, tendo o mesmo sido considerado "perda total".
- O Jaguar deu entrada acidentado nas instalações da "E...", concessionário da Jaguar, e saiu como perda total em novembro de 2015.
- Nessa data, ou seja, novembro de 2015, o NN ainda figurava como proprietário desta viatura - cfr. doc. 3.
- a partir de 02/12/2015 é que a propriedade do veículo passou a estar registada no nome de BB,
- Em nome da qual veio a ser contraída mais tarde, em 17/02/2016, junto da ré, a apólice n.º ..., respeitante ao seguro obrigatório de responsabilidade civil, por danos provocados a terceiros, emergente da circulação rodoviária do ..-PI-.. - cfr. doc. 4.
- Como o Jaguar ficou sem circular por causa do acidente ocorrido em março de 2015, o NN cancelou o seguro do veículo, que havia sido celebrado com a congénere "F...", sob o n.º ..., a partir de 30/03/2015, tendo o veículo permanecido sem seguro até fevereiro de 2016, data em que foi contraída a apólice junto da - cfr. a pesquisa na base de dados da "G..." - docs. 12 e 13.
- Na realidade, o veículo, depois de ter sido retirado do concessionário da Jaguar, foi reparado numa oficina que a desconhece, e voltou a ser colocado em circulação com deficiência de funcionamento dos airbags.
- Este deficiente funcionamento dos airbags pôde ser constatado na sequência da averiguação do sinistro em análise, e depois do perito-averiguador ter conseguido encontrar, após múltiplas diligências, o paradeiro da viatura,
- Mas também no decurso de uma averiguação anterior, encetada em julho de 2016, por ocasião de outro sinistro que o NN teve ao volante do Jaguar, num momento em que se encontrava seguro na ré.
- No dia 09/07/2016, por volta da 01H15, na Avenida ..., no Porto, o NN circulava com o Jaguar quando teve que efetuar marcha atrás num espaço de cerca de dois metros, embatendo, com o para-choques traseiro na frente de um veículo que circulava à sua retaguarda - cfr. a "Declaração Amigável" que o NN apresentou na ré, conforme doc. 5.
- Por ocasião desse sinistro, o perito-averiguador apercebeu-se que o sistema de airbags do Jaguar não funcionava, de acordo com a informação que era apresentada no tablier, ao colocar o veículo em funcionamento - cfr. doc. 6.
- Para além disso, a capa do volante era constituída por um material diferente do original, percebendo-se que ao optar pela reparação se abdicou de ter o airbag do condutor em funcionamento - cfr. doc. 7
- No âmbito do acidente dos autos, a também efetuou um diagnóstico, no concessionário da Jaguar, ao sistema de airbags.
- O perito-averiguador deslocou-se à "C...", no Porto, e na realização do diagnóstico ao Jaguar foi possível concluir que o airbag do condutor e passageiro pertencem ao veículo desde novo, pelo que, tendo em consideração o acidente em 2015, em que foi atribuída perda total e o sistema dos airbags foi acionado, no sinistro em análise o veículo não tinha o sistema de airbags no seu devido funcionamento.
- A situação dos airbags era a seguinte (cfr. docs. 8, 9 e 20 a 24):
- airbag do condutor: o volante apresentava a referida capa exterior que não era de origem e o airbag não existia.
- airbag do passageiro: encontrava-se cortado, sem possibilidade de funcionamento, e com a referência de fábrica.
- airbag lateral do passageiro: encontrava-se na mala do veículo, intacto, não tendo, portanto, sido acionado no acidente em análise.
- Da leitura à unidade do sistema de airbags, a informação é que o número máximo de eventos de ativação do sistema de proteção para peões foi atingido - cfr. doc. 10.
- Assim, na data do sinistro dos autos, o Jaguar encontrava-se a circular com o sistema de segurança de airbags desativado, motivo pelo qual estes, com o impacto, não foram acionados - cfr. ainda a foto junta sob o n.º 19.
58) Em 17/02/2016 foi subscrita a proposta de seguro perante a ré, assinada pela segurada, BB, referente ao veículo Jaguar ..-PI-...
59) Na proposta de seguro, ficou a constar, como condutor habitual, a própria segurada, nascida em .../.../1960 e com carta desde 16/04/1982.
60) Foi indicado, na proposta de seguro, que o condutor habitual esteve 6 anos sem sinistros, inexistindo sinistros da sua responsabilidade (a data que foi colocada no campo destinado a indicar esse tipo de sinistros é de 16/04/1982, ou seja, a data da sua carta).
61) De acordo com estes dados, a atribuiu à segurada um bónus de 50% no prémio. 62) A BB costuma conduzir vários carros entre os quais um VW Golf, com a matrícula ..-JF-...
63) A referência ao condutor habitual na proposta de seguro é importante para a apreciação do risco assumido pela e possui reflexos na quantificação do prémio.
64) Quanto mais inexperiente e acidentado é o condutor mais elevado é o risco e maior é o prémio.
65) Se a soubesse que o condutor habitual era o dito NN e não a segurada, não teria aceitado celebrar este seguro, ou teria introduzido um agravamento no prémio e não um bónus de 50%, como foi concedido.
66) Na proposta de seguro foi prestada a informação de que "Este contrato poderá considerar-se nulo e, consequentemente, não produzirá quaisquer efeitos em caso de sinistro, quando da parte do tomador do seguro ou do segurado tenha havido declarações inexatas assim como reticências de factos ou circunstâncias dele conhecidas, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato".
67) Na proposta de seguro, foi prestada a seguinte declaração: "Declaro que me foram postas à disposição todas as Condições Gerais e Especiais do contrato, com a advertência de que delas devo tomar conhecimento antes da subscrição da presente proposta, como condição da exata compreensão do seu conteúdo, das garantias que confere e das exclusões que contém".
68) Foi ainda declarado: "Declaro ter tido conhecimento e respondido com exatidão, verdade e sem omissão ou reticência de qualquer facto ou circunstância por mim conhecidos, a todas as perguntas que me foram colocadas, não induzindo em erro nem suscitando quaisquer dúvidas à A... Seguros, na apreciação do risco proposto, ainda que a proposta tenha sido preenchida por terceiros e por mim assinada, nos termos do previsto no ponto 1 e 2 da cláusula 6.ª, bem como da cláusula e 8.ª das Condições Gerais da Apólice referente ao seu incumprimento".
69) A segurada BB, por carta expedida para a em 30/09/2016, havia solicitado a anulação da apólice em virtude do Jaguar ter sido vendido no dia 28/09/2016.
70) Atualmente, o veículo encontra-se reparado e a circular sob a apólice ... da "D...".
71) A R. comunicou à BB, por carta registada com aviso de receção, datada de 13/09/2017 (doc. 18 em anexo), e recebida no dia 15 seguinte (doc. 27 em anexo), designadamente, o seguinte:
"(...) na sequência das diligências levadas a efeito para enquadramento do sinistro nas garantias da apólice, concluíram os nossos serviços técnicos após diligências de averiguação, que houve declarações inexatas no ato de subscrição do seguro, pelo que vamos considerar o mesmo nulo e sem efeito desde a data do seu início (17/02/2016).
72) As declarações inexatas por ora observadas, influenciavam a aceitação do risco ou um ajustamento do respetivo prémio de seguro".
73) O autor, em 18/08/2017, instaurou contra a uma providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, cujos termos correram sob o 2682/17.5T8GDM, pelo Juízo Local Cível de Gondomar - Juiz 1.
74) A referida providência foi extinta por acordo, tendo a aceitado pagar ao autor, por conta da indemnização eventualmente devida a final, a quantia de €6 000,00, nos seguintes termos:
“1. O requerente reduz o pedido para a quantia de €6.000,00 (seis mil euros), que a requerida se compromete a pagar no prazo de 20 dias, a contar da presente data, por cheque e contra recibo, no escritório da Ilustre Mandatária do requerente.
2. Ambas as partes declaram que:
a) a quantia referida em 1 tem a natureza de reparação provisória do dano nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 388 do CPC;
b) que a presente liquidação provisória do dano será deduzida na indemnização final em que a requerida vier eventualmente a ser condenada, ou será por si restituída caso a requerida venha a ser absolvida.
2. As custas serão suportadas em partes iguais por requerente e requerida, prescindindo reciprocamente de custas de parte.
3. A requerida manifesta particular interesse em declarar que aceitou realizar a presente transação em obediência a pressupostos de ordem prática, não abdicando do entendimento plasmado na contestação quanto à invalidade do contrato de seguro e responsabilidade do próprio requerente na produção ou agravamento das lesões que sofreu, entendendo que a presente providência cautelar - em que razões de ordem de celeridade constrangem o apuramento efetivo da verdade material e a decisão é tomada com base em indícios -, não é o meio processual adequado para discutir as questões por si levantadas.”
75) O acordo foi homologado por sentença e a quantia paga ao autor - cfr. carta, recibo e cheque n.º ..., sacado s/ Banco 2... e emitido em 2017/09/20, enviado ao autor.
76) Correu processo crime sob o número 348/16.2PAGDM, tendo como denunciante o aqui Interveniente CC e arguido o aqui A.
77) O interveniente CC conheceu o aqui autor AA em circunstâncias não apuradas no Verão de 2016, tendo ambos travado amizade, tendo o CC permitido deixar o aqui A. AA pernoitar em sua casa.
78) Na declaração amigável de acidente automóvel (sob doc. 5 da contestação da R. A...), relativo a acidente ocorrido na Alameda ..., Porto, em 09/07/16, com o veículo automóvel Jaguar ..-PI-.., consta como condutor do veículo no momento do acidente o aqui Interveniente CC.
79) O condutor habitual do veículo ..-PI-.. era a Interveniente BB. 80) O Interveniente CC é o cabeleireiro, desde muito tempo, da OO
Fernanda.
81) Em conversa casual, “de cabeleireiro”, o CC comunicou à BB que estava com dificuldades financeiras e que queria vender o seu Jaguar.
82) A BB, que sempre havia elogiado o carro do CC, e apercebendo-se de que poderia fazer um bom negócio, em face das confessadas dificuldades financeiras do CC, falou com o seu marido que a informou que o carro poderia valer €25.000,00.
83) Pelo que a BB, fez uma proposta de compra bastante abaixo do valor do veículo, mas que seria pago de imediato.
84) Tendo o CC acabado por aceder na venda do veículo por €19.000,00.
85) Assim que regularizou a documentação, a BB começou a utilizar o veículo no seu dia-a-dia, o que fez até à data do acidente.
86) Sendo certa que sendo possuidora de outro veiculo automóvel, sempre utilizava aquele mais ao fim de semana ou quando ia para o seu restaurante, designado: H... em Matosinhos, uma vez que dispunha sempre de estacionamento.
87) Em meados de 2016, a BB, em mais uma ida ao cabeleireiro, confidenciou ao CC que não se estava a habituar ao tamanho e ao tipo de condução proporcionado pelo Jaguar, pelo que estava a pensar vendê-lo.
88) Em face desta informação, o CC de imediato se propôs a encontrar um comprador, uma vez que várias pessoas lhe haviam transmitido terem pena de não saber que o Jaguar estava à venda, ainda por cima por um preço tão atrativo.
89) Em troca, o CC pedia apenas uma comissão sobre a margem de lucro que a BB obtivesse.
90) A BB acedeu ao proposto pelo CC, pois, sendo pessoa muito ocupada, não queria ter o trabalho de encontrar comprador, tendo ambos acordado que o CC poderia vender o carro pelo preço mínimo de €22.000,00, e que como comissão ficaria com todo o valor acima dos €22.000.00 que conseguisse pelo veículo.
91) No âmbito deste acordo, a BB disponibilizou o veículo ao CC para o mostrar aos interessados.
92) Tais disponibilizações nunca foram por mais de 3 ou 4 dias, uma vez que normalmente era ao fim de semana, para que este o pudesse mostrar a potenciais compradores.
93) Assim, o veiculo foi disponibilizado alguns dias à feira e devolvido à feira.
94) Mas na verdade pelo menos em 2 ocasiões os compradores queriam comprar, mas queriam pagar a prestações, o que a BB não aceitou.
95) Sendo que em agosto surgiu um interessado para pagar o carro a pronto.
96) Pelo que mais uma vez o CC levou o carro para o interessado o experimentar e unicamente para esse fim.
97) Neste âmbito, ficou absolutamente perturbada quando soube do acidente ocorrido.
98) Mais perturbada ficou quando tomou conhecimento de que, no âmbito destas disponibilizações, o CC, pelo menos no dia do acidente, estava a usar o veículo para fins pessoais, em completa contravenção das indicações que tinha da proprietária do veículo.
99) Aliás, a BB responsabilizou em absoluto e de imediato o CC pelo acidente ocorrido, tendo exigido o valor do carro.
100) Uma vez que a BB, depois do acidente não queria o carro, acordaram em o CC pagar o valor que aquela havia despendido, ou seja, o valor de €19.000,00, a receber em prestações.
101) Pois o CC, não tinha disponibilidade para assumir o prejuízo de imediato. 102) Assim, o carro foi vendido como salvado, pelo valor de €2.700,00, pagos em
numerário a um comerciante indicado pelo CC.
103) Tendo o CC acrescentado €300,00 e pago como primeira prestação de imediato o valor de €3.000,00.
104) E tendo pago o restante valor em 16 prestações mensais de €1.000,00.
105) A propriedade do veículo passou a ser da BB a partir de 2/12/2015.
107) A Interveniente BB desconhecia se os airbags estavam em bom estado de funcionamento.
108) Apenas garantiu que o veículo se encontrava com as inspeções em dia.
109) Quando vendeu o carro, o CC jamais referiu que este se encontrasse limitado em termos de condições de segurança, designadamente sem airbags funcionais.
110) A BB tinha cedido o veículo ao CC, exclusivamente, com o intuito de o vender, sendo que este no momento do acidente fez do veículo uso pessoal.
111) Em consequência do acidente dos autos, o Centro Hospitalar ..., EPE prestou assistência a CC nos serviços de urgência em 04/09/2016 e a AA, no Serviço de urgência em 04/09/2016, internamento de 04/09/2016 a 11/01/2017, Consulta externa de cuidados pós internamento UCIP em 04/07/2017, consultas externas de fisiatria em 13/04/2017, 28/12/2017 e 12/07/2018, consultas externas de oftalmologia em 14/06/2017, 16/10/2018, 29/11/2018, 16/01/2019, 15/03/2019 e 25/03/2019.
112) A R. foi interpelada pelo Centro Hospitalar por ofício datado de 09/12/2016 e via correio eletrónico nos dias 18/09/ e 11/01/2019 para pagar as despesas hospitalares tidas com a prestação de serviços ao aqui A. e ao Interveniente CC.
113) O valor das despesas tidas pela aludida prestação de serviços importou em €78.987,28.”
*
O tribunal a quo julgou ainda não provada a seguinte factualidade: “Factos não provados:
a) A velocidade permitida em 11) fosse de 40km/h.
b) A mãe tenha vendido tudo quanto tinha, de modo a custear as despesas de deslocação para Portugal e ter meios que lhe permitissem aqui sobreviver durante algum tempo para o acompanhar.
c) Ao nível da capacidade para o trabalho, as sequelas são de tal ordem que o impedem de exercer qualquer profissão remunerada, desconhecendo-se se algum dia estará apto para o desempenho da sua profissão habitual ou de qualquer outra compatível, pelo que, a este nível, a sua incapacidade é de 100%.
d) Que na data do acidente o veículo automóvel ..-PI-.. a Interveniente BB não fosse a sua proprietária, ou não fosse a sua condutora habitual.
e) Apesar de todas as advertências e declarações, a segurada BB teve o propósito de enganar a quanto à identidade do condutor habitual da viatura.
f) O A. circulava sem o cinto de segurança colocado.
g) No dia 4 de setembro de 2016, de manhã, o AA, sem motivo aparente, deslocou-se à cozinha do CC, onde agarrou numa faca, tendo-se dirigido ao quarto deste, onde, com essa faca, o tentou matar.
h) O que não conseguiu, porque o CC agarrou a lâmina, tendo-se cortado num dedo com gravidade e defendeu-se entrando ambos em luta.
i) Dessa luta e porque caíram ambos agarrados pela escada do primeiro andar, zona dos quartos, resultaram ferimentos para os dois.
j) Tendo o CC gritado por socorro na sua porta.
k) Mas como era domingo e a sua casa é individual, ninguém o socorreu.
l) Perante o facto de ambos estarem feridos e a casa cheia de sangue, acordaram pôr fim à contenda e deslocarem-se ambos para o hospital.
m) Tenha sido por tal razão que estavam a efetuar a viagem no Jaguar aquando do acidente.
n) O CC conduzia com o dedo médio absolutamente cortado de cima a baixo e com um pano a estancar o sangue.
o) Pelo que a forma como segurava o volante da viatura era limitada e absolutamente nervosa.
p) Até porque verificou que o AA não colocou o cinto de segurança, o que o fazia prever grande mobilidade deste para o voltar a atacar.
q) E na verdade não satisfeito com o desfecho do seu ataque, o AA, durante o percurso para o hospital, de forma inopinada e absolutamente criminosa, agarrou o volante do veículo, que estava a ser conduzido pelo CC, dando-lhe uma guinada para o seu lado, i.é. o lado direito.
r) Tenha sido este ato forte e inesperado e a limitação física do CC, este perdeu o controle da viatura acabando por se despistar.
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Conhecendo.
Na reapreciação da decisão de facto, importa ter presente os seguintes pressupostos:
1- Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que as conclusões têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório. Tratamento diverso merece o vício imputado à decisão de facto com base em eventual deficiência, obscuridade ou contradição da decisão proferida, que quando invocado e se procedente, ou mesmo conhecido oficiosamente, poderá implicar quando dos autos não constem todos os elementos necessários, a anulação da decisão de facto para suprimento de tais vícios ou ampliação da decisão de facto nos termos do artigo 662º nº 2 al. c) do CPC.
Estes últimos vícios não estão, como tal, sujeitos aos requisitos impugnativos prescritos no artigo 640º nº 1 do CPC “os quais condicionam a admissibilidade da impugnação com fundamento em erro de julgamento dos juízos probatórios concretamente formulados”.
Requisitos impugnativos de admissibilidade da impugnação da decisão de facto com base em erro de julgamento que encontram o seu fundamento na garantia da “adequada inteligibilidade do objeto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso”.[1]

2- Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662º do CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Sem prejuízo de e quanto aos factos não objeto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no artigo 662º n.º 2 al. c) do CPC.
Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.
Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. 2014, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recurso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.
Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso.
Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.os 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis. Fazendo ainda [vide António S. Geraldes in ob. cit., em anotação ao artigo 662º do CPC, págs. 229 e segs. que aqui seguimos como referência]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide artigo 349º do CC), sem prejuízo do disposto no artigo 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no artigo 607º n.º 4 última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objeto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi artigo 663º do CPC (norma que define as regras de elaboração do Acórdão e que para o disposto nos artigos 607º a 612º do CPC remete, na parte aplicável).
Por fim de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.
Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C..
iii- Na medida em que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, temos de concluir que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objeto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo [vide neste sentido Acs. do TRG de 12/07/2016, nº de processo 59/12.8TBPCR.G1; e de 11/07/2017 nº de processo 5527/16.0T8GMR.G1 ambos in www.dgsi.pt/jtrg ].
iv- Pelos mesmos motivos, temos igualmente de concluir que as questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, não podem pelo tribunal de recurso ser consideradas, salvo se de conhecimento oficioso [vide, entre outros, Ac. TRC de 14/01/14, nº de processo 154/12.3TBMGR.C1; Ac. TRP de 16/10/2017, nº de processo 379/16.2T8PVZ.P1; Ac. TRG de 08/11/2018 nº de processo 212/16.5T8PTL.G1; Ac. TRP de 10/02/2020, nº de processo 22441/16.1T8PRT-A.P1, todos in www.dgsi.pt].
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Na medida em que ambos os recorrentes impugnam a decisão de facto, analisaremos a observância dos ónus de impugnação e especificação separadamente, em relação a cada um dos recursos interpostos, tendo presentes os considerandos supra.
E na medida em que seja admitida a impugnação aduzida, será apreciada a mesma igualmente de forma autónoma, mas seguida (já que a apreciação terá necessária influência na aplicação do direito).

Do recurso da “A...”.

Impugnação da decisão de facto.

Analisadas as conclusões do recurso da ré, bem como do corpo alegatório é possível das primeiras extrair quais os pontos da decisão de facto objeto de recurso, bem como a decisão que no seu entender deveria ter sido proferida.

Impugna a recorrente em concreto:
i- a redação dada ao ponto 57 dos factos provados, em relação ao qual pugna seja a mesma alterada por forma a no seu proémio e onde consta:
“57- No decurso dessa averiguação, que aquele Gabinete terminou em 24 de abril de 2017, e doutras diligências realizadas posteriormente pela ré, foi elaborado um documento onde consta e se escreveu o seguinte:”
passe a constar:
- "57) No decurso dessa averiguação, que aquele Gabinete terminou em 24 de abril de 2017, e doutras diligências realizadas posteriormente pela ré, foi apurado o seguinte:" [vide conclusões 2 a 7]:
Alega para tanto a recorrente que a sua defesa assentou essencialmente no que lhe foi possível apurar na averiguação que solicitou ao Gabinete de Peritagens denominado “B...” e assim no trabalho desenvolvido pelo perito averiguador e testemunha DD, cujo depoimento “foi prestado na segunda sessão de julgamento realizada em 15/12/2021 do minuto 00.00.01 a 02.10.17”.
Matéria que mais argumenta, se encontra “alegada na contestação, imensos dos seus documentos foram juntos com esse articulado e o próprio relatório de averiguação foi junto aos autos, a requerimento do autor, apresentado na referida sessão de 15/12.”
Tendo o tribunal, «para a prova dos vários factos que contém o “facto 57”, se apoiado “no relatório elaborado e a pedido da R., junto em sede de audiência de discussão e julgamento, intitulado Relatório de Averiguação ...” cfr. fundamentação da matéria de facto para a resposta conjunta aos factos 56 e 57».
Mais tendo alegado que o tribunal a quo ponderou o depoimento do referido perito averiguador e testemunha DD.
Depoimento em relação ao qual a recorrente se limitou a indicar a referência da sua gravação pelo total período indicado de mais duas horas sem qualquer outra indicação ou referência quanto ao em concreto constante desse mesmo depoimento.
Claramente pretende a recorrente transformar o que foi a reprodução por parte do tribunal do teor do relatório elaborado numa multiplicidade de factos provados que na decisão recorrida não constam enquanto tal. Nomeadamente no que concerne à questão da existência dos airbags de passageiro e condutor. Questão que na fundamentação da decisão de facto o tribunal a quo, de forma clara e expressa, afirma não ter sido produzida prova cabal sobre tal assunto, incluindo menção ao depoimento da testemunha DD, sobre cujo depoimento afirma “prestava serviço para a Real Peritos a pedido da R. A..., a qual tem todo interesse em se eximir ao pagamento da indemnização”.
Após concluindo o tribunal a quo “Em suma, muitas dúvidas sobre a existência ou não dos airbags e quais é que existiam ou não.”
Da fundamentação da decisão de facto resulta pois claro não ter o tribunal a quo formado convicção positiva quanto à veracidade dos factos relatados no relatório que reproduziu.
E assim sendo, se era intenção da recorrente transformar todos os elementos constantes do relatório e reproduzidos no ponto 57 dos factos provados em matéria factual provada, teria que ter alegado e concretizado a prova que lhe permitiria obter tal alteração da decisão de facto.
E entendendo-se que o fez com o recurso ao depoimento da testemunha DD [e outra prova não foi sequer mencionada] impunha-se que justificasse tal alteração de forma concreta, observando nomeadamente o disposto no artigo 640º nº 2 al. a), indicando com exatidão as passagens do seu depoimento que imporiam decisão diversa.
O que não observou e é fundamento de imediata rejeição do recurso na respetiva parte.
Concluindo, rejeita-se com fundamento no disposto no artigo 640º nº 2 al. a) e pela não observância do neste exigido quanto à prova produzida a reapreciação deste ponto factual 57, cujo sentido é o da mera reprodução do teor do relatório a que se reporta.
ii- em segundo lugar pugna a recorrente pela alteração dos seguintes pontos factuais: factos provados n.º 13, 14, 79, 85, 86, 87, 91, 92, 93, 96, 97, 98 e 110, e os factos não provados das als. d) e e)” cujas alterações indica na conclusão 28 e que relaciona com a questão das declarações inexatas no contrato de seguro, nomeadamente sobre quem era o condutor habitual da viatura.
Convocou para tanto os depoimentos da própria interveniente BB; da testemunha DD e da testemunha EE, observando quanto aos mesmos o exigido no nº 2 al. a) do artigo 640º do CPC.
Acrescentando ser de desvalorizar os depoimentos das testemunhas da interveniente BB que vieram atestar ser esta quem conduzia o Jaguar, sem que quanto a estas tenha feito em concreto qualquer referência às concretas passagens da gravação.
De qualquer modo, entendem-se observados os ónus de impugnação e especificação quanto a estes pontos factuais [aos quais respeitam as conclusões 8 a 28];
iii- em terceiro lugar impugnou a recorrente os pontos factuais provados 83, 84, 88, 89, 90, 94, 95, 100, 102, 103, 104 e 109,” cujas alterações indica na conclusão 44 e que relaciona com as alegadas razões da interveniente BB para adquirir a viatura [vide conclusões 29 a 44].
Convocou para tanto os depoimentos do interveniente CC bem como das testemunhas FF e HH - estas duas últimas quanto à situação financeira da BB, sem que quanto ao depoimento destas testemunhas tenha observado o disposto no artigo 640º nº 2 al. a) do CPC neste conspecto.
Convocou ainda o teor dos docs. juntos pela interveniente em 27/04/2018 para sobre estes tecer considerações desvalorizando o seu teor e a este ponto associado tendo convocado o depoimento da testemunha FF mencionando o minuto em que este afirmou ter a interveniente Fernanda outros veículos.
Com as condicionantes acima notada, quanto à convocação dos depoimentos das testemunhas FF e HH, será reapreciada a impugnação da decisão de facto;
iv- em quarto lugar identificou a recorrente como “quarta alteração aqui defendida relativamente à decisão de facto, tem a ver com a circulação do veículo acidentado sem airbags em funcionamento, com o conhecimento do interveniente CC.” - [a este ponto respeitam as conclusões 45 a 54].
Para este efeito convoca o recorrente [vide corpo alegatório] a matéria que “resultou provada (…) extraída do facto 57”.
Após teceu considerações sobre a análise que o tribunal a quo efetuou sobre a questão dos airbags – análise em que o tribunal a quo analisou a credibilidade da testemunha DD para justificar a sua convicção – e sobre a qual a recorrente expressa o seu desacordo.
Para concluir (no corpo alegatório) reiterando que pelos motivos que aponta defendeu a alteração da redação dada ao ponto 57 dos factos provados – ponto cuja reapreciação foi rejeitada pelos motivos supra expostos.
Uma vez mais a recorrente não identifica qualquer trecho da gravação do depoimento da testemunha DD que convocou em observância do exigido pelo artigo 640º nº 2 al. a).
Convoca ainda prova documental cujo valor probatório é de livre apreciação e que como tal e dissociada da análise da prova testemunhal produzida e gravada não impõe decisão diversa fundada nomeadamente em violação de regras de direito probatório material (o que seria então caso de conhecimento oficioso).
A recorrente limita-se na verdade a reiterar, com os mesmos fundamentos, que seja dado como provado o que na sua perspetiva deveria constar como provado em 57 dos factos provados [o que se depreende do corpo alegatório].
Mas, mais uma vez, não observa o exigido pelo artigo 640º nº 2 al. a) do CPC, o que é motivo de rejeição da reapreciação pretendida.
Acresce que nas conclusões a recorrente tão pouco observa o exigido pelo artigo 640º nº 1 al. a) porquanto destas não resulta com clareza qual o ponto impugnado [apenas percetível no corpo alegatório] o que também seria fundamento da rejeição assinalada.
Em conclusão, rejeita-se a reapreciação da factualidade mencionada em 4º lugar, por não observados os ónus de impugnação e especificação nomeadamente previstos nos artigos 640º nº 1 al. a) e 640º nº 2 al. a).
v- em quinto lugar impugnou a recorrente os pontos factuais não provados constantes das als. f) e p), cujas alterações indica na conclusão 64 e que relaciona com o não uso do cinto de segurança [vide conclusões 55 a 64].
Convocou para tanto o depoimento da testemunha KK associado a prova documental.
Consideram-se observados os ónus de impugnação e especificação sobre este ponto factual, pelo que será reapreciada esta matéria em conformidade.
vi- em sexto lugar pugnou a recorrente pelo aditamento aos factos provados da existência de um acordo celebrado no âmbito de uma segunda providência cautelar apensa a estes autos como apenso D e valor recebido pelo autor ao abrigo de tal factualidade [à primeira providência respeita o apenso B descrito em 73 a 75 dos factos provados].
Convocou ainda o depoimento da testemunha MM [fazendo referência ao trecho da gravação] que confirmou o pagamento das duas quantias de € 6.000,00 perfazendo um total de € 12.000,00 ao abrigo dos acordos celebrados em tais procedimentos.
A matéria em causa por omissão, está validamente impugnada e será reapreciada em conformidade [vide conclusões 65 a 73];
vii- em sétimo e último lugar, questionou ainda a recorrente a redação dada aos pontos provados 42 e 55.
Propondo um esclarecimento da redação do ponto 42 por referência ao que consta provado em 40), associando os pontos 40 a 42 num só ponto factual, nos termos por si propostos.
Mais pugnando pela eliminação do último segmento do ponto 55 dos factos provados por conclusivo.
A redação destes pontos factuais será analisada na perspetiva invocada pela recorrente, ou seja, de em causa estar uma deficiência ou imprecisão [vide conclusões 74 a 79].
*
Consigna-se ter-se procedido à audição de toda a prova gravada. *
Apreciando.
a) da alteração dos pontos factuais n.º 13, 14, 79, 85, 86, 87, 91, 92, 93, 96, 97, 98 e 110, e os factos não provados das als. d) e e)”.
Fundou a recorrente a alteração pugnada nos depoimentos das testemunhas DD, EE e da própria interveniente BB.
Os pontos factuais provados 13 e 14 e 97 e 98 respeitam à utilização do PI no concreto dia e momento da ocorrência do acidente pelo seu condutor CC. E na verdade são entre si contraditórios.
Em 13 e 14 foi julgado provado que o veículo naquelas circunstâncias de tempo e lugar era conduzido pelo CC por conta e no interesse da sua proprietária (13) que lho havia cedido por conta e no interesse da mesma (14).
E em 97, 98 e 110 foi julgado provado que a proprietária do veículo BB ficou perturbada quando soube do acidente ocorrido na medida em que no dia do acidente o CC estava a usar o veículo para fins pessoais, em contravenção às suas indicações, que (de acordo com os anteriores factos provados) lhe havia sido entregue para ser experimentado por um potencial interessado na aquisição da viatura.
Os demais pontos aqui impugnados respeitam precisamente ao motivo porque o PI estava na detenção do CC, nomeadamente aquando do acidente.
Começaremos por estes pontos.
E para tanto convocamos aqui os depoimentos das testemunhas FF, funcionário da interveniente Fernanda há 23 anos no escritório de contabilidade desta; GG, cozinheira e amiga da mesma interveniente e com quem chegou a trabalhar; HH, contabilista na empresa da interveniente há 20 anos; II, amigo da interveniente há mais de 30 anos e com quem costuma conviver, nomeadamente saindo junto com a sua esposa e o marido da primeira (os dois casais portanto) em convívio; e mesmo TT adquirente da viatura em causa à BB, após a ocorrência do sinistro.
Todas as testemunhas – com exceção da última que apenas confirmou ter comprado à Fernanda a viatura PI a quem pagou o valor acordado – confirmaram ter visto a BB com o veículo em questão, apresentando-se como sua dona e com ele circulando, manifestando até agrado na sua compra. Explicaram também que esta é uma mulher de negócios que quando vê uma boa oportunidade de ganhar dinheiro avança. Tendo sido nesse contexto que a testemunha HH referiu até que a compra do PI surgiu por parecer à interveniente um bom negócio. Igualmente tendo confirmado ter já conhecido à BB outros veículos, nomeadamente da marca BMW, Mercedes, Audi e VW – este um golf azul.
Testemunhas que depuseram com coerência, justificando pela larga relação com a interveniente, seja laboral seja de amizade, o conhecimento do caráter da mesma e a aquisição e utilização da viatura em causa.
Depoimentos que se compatibilizam com o que a própria afirmou, de ter decidido comprar o carro por gostar dele e lhe parecer um bom negócio, numa altura em que o CC referiu querer vender o carro por estar a precisar de dinheiro. Tal como se compatibiliza com a afirmação de entretanto ter decidido vender o carro – a testemunha GG mencionou que a BB chegou a estacionar o carro à frente do seu restaurante em Matosinhos H..., tendo dito entretanto que achava o carro muito comprido e por isso não gostava de o conduzir – e ao falar com o CC ter aceite que o mesmo tentasse encontrar comprador para o carro, permitindo que ele ganhasse algum dinheiro acima do valor que para si estabelecera de € 22.000,00.
Contexto em que lhe entregava o carro quando o mesmo dizia ter interessados que queriam ver o carro.
A versão assim apresentada, associada ao facto de a interveniente ter sido descrita como uma empresária séria e com condição económica desafogada; ao registo do carro em seu nome logo após a sua aquisição e a celebração do contrato de seguro também em conformidade conferem credibilidade aos factos julgados provados 85, 86, 87 e 91.
Quanto aos factos provados 92 e 93, não foi na verdade clarificado seja pelas testemunhas seja pela depoente BB, os dias ou por quanto tempo o veículo era entregue ao CC, pelo que estes factos devem transitar para os factos não provados.
Quanto aos factos provados 96, 97 e 98, igualmente não foi feita prova da exata data e momento em que o carro foi entregue ao CC, sem prejuízo de ter a BB afirmado a perturbação pelo conhecimento do acidente, bem como pela utilização do veículo fora do contexto em que fora entregue ao CC. O que aliás é um sentimento conforme às regras da experiência.
Nesta medida é de manter a redação dos pontos 97 e 98 dos factos provados. E igualmente o provado em 110) dos factos provados que é uma consequência do antes já apreciado.
No entanto o ponto 96 impõe uma retificação porquanto se desconhece a data em que fora entregue a viatura ao CC para os fins previstos e assim a ligação do ponto 95 ao 96 dos factos provados tem de ser eliminada.
Motivo por que se altera a redação dada ao ponto 96 dos factos provados, para do mesmo passar a constar apenas:
“96- O CC levou o carro no âmbito do acordo mencionado em 90 para um interessado o experimentar e unicamente para esse fim”.
Consequentemente as als. d) e e) dos factos não provados devem manter-se nos factos não provados, porquanto não foi produzida prova cabal que imponha decisão diversa.
O assim decidido, impõe ainda a alteração da redação dada aos pontos 13 e 14 dos factos provados, porquanto nas circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu o acidente o CC conduzia o veículo para além das ordens, instruções ou autorização que a sua proprietária lhe dera[2].
Impondo assim a alteração destes pontos factuais por forma a se compatibilizarem com o que está julgado provado em 90, 91 e 96 a 98, passando a constar como não provado o ponto 13 dos factos provados.

E passando o ponto 14 dos factos provados a ter a seguinte redação:
”14) O veículo “PI” havia sido cedido ao seu condutor no uso e poderes de disposição
da sua proprietária para os fins indicados em 96) e no âmbito do acordo mencionado em 90) e 91) dos factos provados.”
A recorrente pretendendo afastar a credibilidade destas testemunhas convocadas igualmente pelo tribunal a quo, convocou o depoimento das suas testemunhas DD e EE.
Estas testemunhas respetivamente perito da “B...” autor do relatório apresentado à R. e EE, profissional de seguros vieram em suma sustentar a versão da R., baseada no mencionado relatório aludido no ponto 57 dos factos provados. Na base das suspeitas está a apontada existência de 3 acidentes em que o condutor foi o CC.
Ocorre que no primeiro acidente este era efetivamente o proprietário do veículo e como tal nada de estranho há a apontar ser o mesmo o condutor da viatura à data do 1º acidente.
Nos 2º e 3º acidentes, ocorridos quando a interveniente Fernanda é já a proprietária da viatura, apresentou a mesma uma explicação julgada válida e que mereceu credibilidade para a condução da viatura por parte do CC.
Sendo que e quanto ao 2º acidente o mencionado CC alegou não ter tido no mesmo responsabilidade, questão que, diga-se na verdade, não releva para as suspeitas da R. seguradora quanto à falsidade de declarações que imputou à interveniente Fernanda. Fundada apenas no interesse do CC em obter um seguro mais barato para o veículo que continuaria a ser seu. Para o que teriam de comum acordo simulado uma venda e declarado falsamente ser o condutor habitual da viatura não o CC, mas antes a BB.
Como o tribunal a quo explicou, não se mostrou verosímil esta versão no contexto atrás já analisado, atendendo a que a nenhuma razão plausível foi apresentada para que a interveniente BB aceitasse participar em tal
esquema.
A que acresce o também exigido pagamento ao CC do valor que a este pagara pela viatura.
Por último de referir que o apontado desconhecimento por parte da BB de que a viatura em causa era de caixa automática não assume o relevo que a recorrente lhe pretende dar.
Sendo certo que inicialmente a recorrente afirmou ser o carro de mudanças manuais, a seguir e quando confrontada, corrigiu-o dizendo admitir o engano, o que justificou com o tempo já decorrido. Note-se que a viatura esteve na sua propriedade menos de um ano e foi por ela vendida já em 2016.
Sendo que conforme as suas testemunhas atestaram, foi proprietária de muitas outras viaturas. Neste contexto o erro, admitido, não afasta a demais argumentação acima já enunciada.
Em suma, para além das retificações ordenadas, nenhuma censura merece o juízo formulado pelo tribunal a quo quanto ao afastamento da versão apresentada pela R. recorrente;
b) da alteração dos pontos factuais 83, 84, 88, 89, 90, 94, 95, 100, 102, 103, 104 e 109”.
Fundou a recorrente a alteração pugnada nos depoimentos do chamado CC e das testemunhas FF e HH.
Estas duas quanto à situação económica da BB, mas sem que tenha observado o disposto no artigo 640º nº 2 al. a).
Convocou ainda o teor dos documentos oferecidos com o requerimento de 27/04/2018 para os desvalorizar, bem como o depoimento da testemunha FF, para fazer notar que o mesmo mencionou ter a interveniente BB outros veículos.
Estes pontos factuais respeitam aos termos em que a aquisição da viatura foi negociada, bem como depois acordada a venda através do CC. Ainda os termos em que foi acordado o pagamento do valor do veículo após o sinistro à BB.
Alega a recorrente que os documentos oferecidos pela BB em 27/04/2018 demonstram, não o pagamento acordado entre a BB e o CC na sequência do estado em que o carro ficou após o sinistro (nos termos apurados em 100 a 104 dos factos provados) mas antes a existência de um empréstimo feito pela primeira ao segundo em que o carro serviu de garantia.
O que fundamenta precisamente na situação económica desafogada confirmada pelas testemunhas desta interveniente.
Salvo o devido respeito, nenhuma testemunha levantou sequer tal hipótese, muito menos sobre esta matéria foi produzida qualquer prova.
Ao invés, e como acima já notámos, por ser a BB uma mulher com apetência para o negócio, aceitou nos termos da prova que foi produzida adquirir o PI por um valor que entendeu apetecível e quando decidiu vender o mesmo, visou obter lucro com essa mesma venda.
Mais e quando viu o seu investimento destruído, como consequência do acidente ocorrido, pediu ao CC o pagamento do valor que havia investido – os mencionados € 19.000,00 que este pagou em prestações de mil euros, acrescido do valor da venda do veículo a que o CC acrescentou o remanescente para perfazer 3.000,00.
Isto foi o que precisamente afirmou CC no seu depoimento; corroborado pelo depoimento da BB que mencionou que o valor da venda foi “dois mil e muito” a que o CC acrescentou o restante para perfazer logo 3 mil euros. E está suportado quanto ao pagamento do valor acordado de € 19.000,00 nos documentos oferecidos com o requerimento de 27/04/2018, os quais correspondem a extratos da conta bancária da BB onde se identificam 13 transferências bancárias com a identificação expressa de CC ou CC o que perfaz € 13.000,00 (em jan/fev/março/maio/junho/agosto/set./outubro/nov e dez. de 2017 e jan/fev. e março de 2018).
A estes depósitos acresce o depósito de € 1.000,00 efetuado em novembro de 2016 conforme o demonstra o doc. 8 junto com este requerimento e que encontra confirmação no extrato oferecido pela interveniente com a mesma data e valor, mas com a identificação de DEP NUM/CHQ (…); sendo que no mês seguinte de dezembro de 2016 aparece igual depósito e com igual descrição o que se repete no mês de julho de 2017.
Pela cadência e valores em causa nestes dois últimos depósitos merece credibilidade a afirmação da BB de que a conta evidencia esses depósitos em consonância com a afirmação do CC de que tudo pagou.
No total, estes depósitos e transferências perfazem 16 mil euros, que se acrescidos aos iniciais € 3.000,00 provenientes da venda efetuada à testemunha TT que a confirmou [a declaração de venda encontra-se junta a fls. 365 a 367 como docs. 9 e 10, constando o valor de € 2.800,00 e não 2.700,00] e o demais acrescido pelo CC), perfazem os declarados € 19.000,00.
De referir que a testemunha TT mencionou que comprou à Fernanda o veículo a quem pagou o valor declarado de € 2.800,00 não sabendo já pormenores nomeadamente se pagou em numerário ou cheque. O que implica, em função desta prova a alteração da redação dada aos pontos 102 e 103, nos termos que infra se indica.
Em suma a prova produzida e que foi analisada pelo tribunal a quo conferem credibilidade à versão apurada e constante dos factos provados 83, 84, 88, 89, 90, 94, 100 e 104 a qual não merece qualquer censura.
De igual modo não merece censura a redação conferida ao ponto 109 dos factos provados.
A BB assim o afirmou e não se mostra credível que a mesma aceitasse adquirir uma viatura para com a mesma circular se soubesse que esta não oferecia garantias de segurança.
Quanto ao facto 95 o mesmo merece uma precisão: não foi produzida prova clara sobre a data em que apareceu um interessado para pagar o carro a pronto.
Nomeadamente se foi em agosto.
Como tal o ponto 95 dos factos provados passará a ter a seguinte redação:
“95 - Em data não apurada, surgiu um interessado para pagar a pronto o carro”.
Por outro lado, e quanto aos pontos 102 e 103, em função da prova documental analisada e depoimentos prestados e acima referidos, os mesmos passarão a ter a seguinte redação:
“102) Assim o carro foi vendido como salvado pelo valor de € 2.800,00 pagos pela testemunha TT”
“103) Tendo o CC acrescentado € 200,00 e assim considerado como pago a primeira prestação de € 3.000,00”.
Termos em que improcede a impugnação deduzida, sem prejuízo das alterações ordenadas.
c) da alteração dos pontos factuais f) e p) dos factos não provados.
Em causa a não utilização de cinto de segurança por parte do Autor no momento do acidente.
Alega o recorrente que houve adulteração dos relatórios completos de episódio de urgência respeitantes (no que ora releva), ao autor AA.
Para tanto invoca a certidão que no apenso C foi junta pelo CH ... da qual foi eliminada a menção para o autor de “Sem cinto de segurança”.
Mais alegando que o verdadeiro relatório é o que está junto com a certidão emitida em 15/12/2020 pelo DIAP e junta a estes autos (vide doc. de fls. 532 e segs.).
Analisados os autos e documentação oferecida constata-se o seguinte:
- junto com a p.i. o autor oferece entre outros documentos uma nota de alta do “INT FISIATRIA / HSA” datada de 11/01/2017 onde consta entre o mais e na descrição da história da doença atual
“(…)
Foi vítima de acidente de viação com politraumatismo grave no dia 04/09/2016 (ia no lugar do passageiro de um carro, sem cinto de segurança[3] e sem disparo de airbag) …” (doc. 4 fls. 35 do processo físico);
- no relatório de alta da Misericórdia ..., datado de 17/05/2017 - doc. 5 junto a fls. 38 e segs. do processo físico, é de novo feita referência na história da doença atual “vítima de acidente de viação com politraumatismo grave no dia 04/09/2016 (lugar do passageiro de carro, sem cinto de segurança[4] nem airbag).
Assim e destes documentos importa apenas realçar que o autor juntou aos autos documentos onde constava já a menção à inexistência de cinto de segurança.
O que se refere apenas para que fique claro que a imputação invocada pela recorrente em nada tem a ver com o autor.
Aliás e de acordo com a certidão junta pela recorrente aos autos em 06/01/2021, resulta que o próprio CH ... apresentou queixa crime pela adulteração de registos clínicos que nada tem a ver com os intervenientes nos autos.
Assim e no que releva para os autos é claro que no “Relatório completo de episódio de urgência” – M25, com a menção de data de admissão às 11.41 de 04/09/2016, elaborado pelo CH ..., consta na p. 1 do mesmo, no fim e sobre a indicação de “sala de emergência”
“Homem de 23 anos, vitima de acidente de viação (carro) ia no lugar de passageiro da frente, sem cinto de segurança, sem disparo de airbags. Ficou encarcerado cerca de 1 hora.
(…)”.
Para a recorrente e na sua perspetiva tanto basta para que se julgue provado que o autor efetivamente circulava sem cinto de segurança.
Afirma esta “não bastaria o facto da informação estar lá aposta”. Salvo o devido respeito, não assiste razão à recorrente.
O relatório da urgência é nesta parte elaborado com base nas informações que o seu autor recebe.

Se essas informações são corretas, o mesmo desconhece. Não faz como tal prova plena a menção no relatório da urgência a tal realidade.
Precisamente por isso é necessária produzir prova sobre este facto e o ónus da sua demonstração recaía sobre a recorrente, tal como o tribunal a quo deu nota.
Dito isto, a recorrente convocou ainda em abono da sua pretensão o depoimento da testemunha KK. Médico do INEM que assistiu o A. no local e o acompanhou às urgências onde transmitiu as primeiras informações.
Em conformidade com o que – reconheceu – é preenchido o relatório inicial das urgências.
Esclareceu que a menção à existência ou não de cinto de segurança, bem como disparo de airbags é um parâmetro que analisam, porquanto é orientativo do tipo de lesões que podem estar em causa.
Dito isto afirmou não se recordar se o autor tinha ou não cinto de segurança; esclareceu que não foram a primeira equipa a chegar ao local, estando inclusive no local civis; a vítima (autor) teve de ser desencarcerado o que demorou; quando viu a vítima já não tem cinto, porque está desencarcerado e nessa medida afirmou não poder confirmar a informação de que o autor circulava sem cinto, à altura do acidente.
Acrescentou que as lesões que normalmente se associam a quem circula sem cinto são ao nível da articulação coxofemoral que tanto quanto se recorda não existiam (e efetivamente não constam identificadas) e traumatismo crânio encefálico – esse sim presente.
Mais disse que quem circula com cinto, normalmente é mais favorável apresentar traumatismos torácicos que o autor também apresentava.
E questionado se o autor apresentaria abrasão na pele do cinto afirmou não se recordar. Ainda que admitindo que se tivesse visto o transmitiria.
Atendendo às múltiplas e graves sequelas que o autor apresentava, afigura-se-nos que a menção a uma abrasão seria no caso pouco relevante.
Por outro lado, igualmente reconheceu ser possível levar cinto e ocorrer traumatismo craniano, da mesma forma que pode não haver cinto e ocorrer traumatismo torácico.
Esclarecendo que funcionam por probabilidades e em função do que verificam, estão mais atentos a uns ou outros sinais.
Valem estes considerandos para concluir que a recorrente não fez prova cabal de que o autor circulava sem cinto, já que o depoimento não foi seguro quanto a tal realidade.
Implicando, na ausência de outra prova e perante a identificação de lesões que permitem justificar a existência de cinto (dentro da regra das probabilidades mencionada pela testemunha – vide lesões torácicas associadas à ausência de lesões a nível da articulação coxofemoral) não merecer censura o julgamento do tribunal a quo quanto a este ponto, o qual não evidencia erro de julgamento que imponha decisão diversa.
Como acima deixamos assinalado, embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.
Sendo esta convicção que pelos motivos expostos não foi criada.

Termos em que se mantém a redação das als. f) e p) dos factos não provados.
d) do aditamento aos autos da existência de um acordo celebrado no âmbito da providência cautelar que correu seus termos sob o apenso D.
Assiste toda a razão à recorrente nesta questão.
Os autos e seus apensos evidenciam a celebração do acordo.
O seu pagamento foi confirmado pela testemunha MM no seu depoimento, sem que tal tenha sido questionado.

E como tal são aditados à factualidade provada os seguintes pontos factuais, que para o que releva é suficiente:
«114) No âmbito do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, que constitui o apenso D dos autos, foi celebrado o seguinte acordo, devidamente homologado por sentença:
1. O requerente convola o pedido para a quantia de 6.000,00 (seis mil euros), a receber de uma vez, que será paga em exclusivo pela 1.ª requerida, no prazo de 20 dias, a contar da presente data, por transferência bancária para a conta com o seguinte IBAN: ...
2. Ambas as partes declaram que:
a) A quantia referida em 1 tem a natureza de reparação provisória do dano nos termos e para os efeitos do disposto no art. 388.º do CPC;
b) A presente liquidação provisória do dano será deduzida na indemnização final em que a 1.ª requerida vier eventualmente a ser condenada, ou será restituída pelo requerente caso a 1.ª requerida venha a ser absolvida.
3. Tal como na primeira providência cautelar instaurada pelo requerente, a 1.ª requerida manifesta particular interesse em declarar que aceitou realizar a presente transação em obediência a pressupostos de ordem prática, não abdicando do entendimento plasmado na contestação quanto à invalidade do contrato de seguro e responsabilidade do próprio requerente na produção ou agravamento das lesões que sofreu, entendendo que a presente providência cautelar - em que razões de ordem de celeridade constrangem o apuramento efetivo da verdade material e a decisão é tomada com base em indícios -, não é o meio processual adequado para discutir as questões por si levantadas.
4. As custas serão suportadas em partes iguais por requerente e 1.ª requerida, prescindindo reciprocamente de custas de parte.”

e) em e último lugar importa apreciar o pedido de retificação da redação dada aos pontos 42 e 55 dos factos provados.

Quanto ao ponto 42, alega a recorrente tão só que este facto está absolutamente limitado no tempo e reporta-se à alta hospitalar dada ao autor em maio de 2017, como decorre do facto 40. Pretendendo assim uma associação do ponto 40 em que ocorreu a alta hospitalar à necessidade de terceira pessoa.
Não assiste razão à recorrente na ilação que apresenta. Em causa estão momentos temporais diferentes.
O ponto 40 [sobre o qual infra nos pronunciaremos, por ser objeto do recurso do autor] e 41 relatam o momento da alta e a indicação para tratamento ambulatório [extraídos do alegado em 50º e 51º da p.i.].
O ponto 42 relata o momento presente. É o que resulta da sua redação, extraído por sua vez do alegado em 54º e 55º da p.i.
Se a recorrente entendia que o decidido neste ponto não estava conforme à prova produzida, deveria ter impugnado o mesmo em conformidade.
Não o fez, limitando-se a fazer uma interpretação que não tem suporte factual.
Termos em que se indefere a impugnação quanto a este ponto.
Em segundo lugar, pugnou a recorrente pela alteração da redação conferida ao ponto 55 dos factos provados.
O qual tem o seguinte teor:
55) A proprietária do Jaguar, transferiu para a a responsabilidade civil emergente da sua circulação, através de adequado contrato de seguro titulado pela apólice ..., plenamente válida e eficaz àquela data,”
Pugna a recorrente pela eliminação do último segmento por ser conclusivo.

Embora esta seja uma fórmula habitual e consensual, atendendo a que a recorrente efetivamente questionou a validade do seguro – sendo a si que incumbia fazer a prova dos elementos que permitiriam concluir pela não validade ou vigência do seguro à data do sinistro – entende-se assistir razão na crítica apontada, por se tratar de matéria conclusiva o último segmento.
Termos em que se decide eliminar o último segmento deste ponto 55 dos factos provados que assim passa a ter a seguinte redação:
“55) A proprietária do Jaguar, transferiu para a a responsabilidade civil emergente da sua circulação, através de adequado contrato de seguro titulado pela apólice ...”.
* *
Do recurso do autor AA. Impugnação da decisão de facto.
Analisadas as conclusões do recurso do autor, bem como do corpo alegatório é possível das primeiras extrair quais os pontos da decisão de facto objeto de recurso, bem como a decisão que no seu entender deveria ter sido proferida.
Impugna o recorrente em concreto: i- os factos provados 11 e 48.
O recorrente pugna pela alteração da sua redação.
Invoca para a alteração do ponto 11º a existência de uma fotografia retirada do Google maps com referência ao ano de 2015.
E quanto ao ponto 48 invoca o relatório do “Dr. SS” (inserto nos autos físicos a fls. 587 v/588) - em causa o documento oferecido pelo recorrente autor com o seu requerimento 08/11/2011, intitulado “Relatório Pericial de Avaliação do Dano Corporal”. Documento este subscrito por “SS” que se identifica como “Especialista em Neurocirurgia / Perito de Medicina Legal / Ex-Perito contratado do INML / Perito de Avaliação do Dano Corporal”.
Mais convoca o depoimento das testemunhas OO; UU; QQ e declarações da Sra. Perita RR. Indicando as passagens da gravação que transcreveu e entendeu pertinentes.
Entendem-se observados os ónus de impugnação e especificação quanto a estes pontos factuais [aos quais respeitam as conclusões 1ª a 9ª];
ii- em segundo lugar impugnou o recorrente os pontos factuais 40 e 42, bem como a al. c) dos factos não provados.
Peticionou a retificação do ponto 40, para evitar uma associação errada aos pontos 41 e 42. E a retificação do ponto 42 para esclarecimento de que o mesmo se reporta ao momento atual / da decisão.
Convoca o depoimento das mesmas testemunhas antes identificadas.
As retificações/alterações serão alvo de apreciação, considerando-se cumpridos os ónus impugnatórios. [vide conclusões 10ª e 11ª]
iii- em terceiro lugar pugnou o recorrente pela introdução nos factos provados do por si alegado em 80º a 83º da p.i., com fundamento nos mesmos depoimentos testemunhais que convocou, identificando os trechos da gravação, conjugando quanto ao ponto 83º o que consta dos relatórios médicos.

Apreciando.
i- Factos provados 11 e 48.
Para o facto 11, em causa a velocidade permitida no local do acidente ao momento da sua ocorrência, invoca o recorrente o teor da fotografia que alega ter sido retirada do Google maps com referência ao ano de 2015.
Ora não só o acidente foi em 2016, como a existência da mencionada fotografia só por si não implica a veracidade da alteração ora pretendida, pois não faz prova plena do facto em causa.
Termos em que se julga improcedente esta pretendida alteração do ponto 11 [de que a al. a) dos factos não provados seria o contraponto].
Impugna em seguida o recorrente o ponto 48 dos factos provados – cuja redação aqui se reproduz [introduzindo a negrito as partes que o recorrente pugna sejam alteradas]:
48) De acordo com o relatório médico-legal e suas conclusões:
A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25/03/2019; Período de Défice Funcional Temporário Total num período de 256 dias; Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 677 dias;
Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 933 dias; Quantum Doloris no grau 6/7; Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 61 pontos;
As sequelas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, cortador de carnes verdes, podendo ser, no entanto, compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, que não exijam a execução de tarefas complexas;
Dano estético permanente no grau 4/7;
Repercussão Permanente nas atividades desportivas e de lazer no grau 3/7; Repercussão permanente na atividade sexual no grau 4/7;
Ajudas técnicas permanentes, medicamentosas, tratamentos médicos, ajudas técnicas, ajuda de terceira pessoa.”
Pugnando que ao mesmo seja conferida uma nova redação, do seguinte teor: “48) De acordo com o relatório médico-legal e suas conclusões: A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25/03/2019; Período de Défice Funcional Temporário Total num período de 256 dias; Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 677 dias; Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 933 dias; Quantum Doloris no grau 6/7; Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 61 pontos; As sequelas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, impeditivas do exercício de toda e qualquer profissão exceto em empregos de favor, IPSS ou, eventualmente, organismos do estado necessitando, sempre, de supervisão e incentivo; Dano estético permanente no grau 4/7; Repercussão Permanente nas atividades desportivas e de lazer no grau 4/7; Repercussão permanente na atividade sexual no grau 4/7; Ajudas técnicas permanentes, medicamentosas, tratamentos médicos, ajudas técnicas, ajuda de terceira pessoa.”
Como se percebe, o desacordo do recorrente respeita de um lado ao grau de repercussão nas atividades desportivas e de lazer, cujo grau foi fixado em 3/7 e o recorrente pugna seja fixado antes em 4/7.
De outro lado à repercussão permanente na atividade profissional, que defende deverá ser considerada para toda e qualquer profissão excetuando “empregos de favor, IPSS ou, eventualmente, organismos do estado necessitando, sempre, de supervisão e incentivo” ao invés do julgado provado pelo tribunal a quo, de acordo com o relatório do INML que considerou serem as sequelas impeditivas do exercício do atividade profissional habitual, podendo no entanto ser compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional que não exijam atividades complexas.
O grande suporte da alteração pretendida pelo recorrente é o relatório que fez juntar aos autos em 08/11/2021, datado de 02/11/2021 e subscrito pelo Dr. SS. Juntamente com o pedido de ampliação do pedido formulado pelo recorrente.
Relatório que a R. A... e o interveniente FGA impugnaram em sede de exercício do contraditório na medida em que seja contraditório com relatório final da perícia médico-legal.
O autor do relatório em causa não foi ouvido em audiência.
As testemunhas OO e UU mãe e irmã do autor vieram em suma dizer que seu filho/irmão está totalmente incapaz para o exercício de qualquer profissão. De fazer seja o que for.
Mas este seu depoimento para além de evidenciar incapacidade de distanciamento pela sua proximidade com o lesado, foi até contrariado pelo depoimento da testemunha QQ, o qual mencionou que o A. chegou a ajudar numa casa de frutas carregando e descarregando caixas, pelo que lhe pagavam 5 euros por dia [desconhece-se por quantas horas]. Não tendo continuado pelas dificuldades em chegar ao local de trabalho, pois era distante e não ia sem companhia.
Pelo que se tem de concluir, no caminho seguido pelo relatório do INML, pela capacidade para exercer funções simples.
De modo algum se pretende menorizar as limitações e dificuldades notórias de que o A. ficou a padecer, tanto que a Sra. Perita que elaborou o relatório do INML concluiu estar o mesmo totalmente incapacitado para o exercício da sua atividade profissional habitual.
Apenas concluiu igualmente que essa incapacidade não era para toda e qualquer profissão pelo que e aproveitando os seus conhecimentos adquiridos naquela profissão poderia exercer outras profissões compatíveis com a área da sua preparação técnico-profissional, acrescentando ainda, que não exijam execução de tarefas complexas.
E isso mesmo reafirmou nos seus esclarecimentos. Quando questionada que outras atividades poderia fazer dentro da sua área-profissional reconheceu não ser da área laboral e assim não conseguir identificar outras tarefas concretas dentro da mesma área profissional. Esclarecendo que avaliou a perda do autor, ou seja, do que deixou de poder fazer. E tal não retira credibilidade ao seu depoimento, nem tão pouco às suas conclusões.
Note-se aliás que as partes quando notificadas do relatório pericial nenhum esclarecimento pediram sobre o mesmo, assim aceitando o seu teor.
E o que é afirmado é que o autor poderá exercer outras profissões compatíveis com a área da sua preparação técnico profissional, não que seja exatamente ou necessariamente na mesma área. Anotando ainda a limitação de serem tarefas que não exijam execução complexa.
Ou seja, as conclusões do relatório nesta parte não merecem censura.
E a alteração pretendida, baseada substancialmente no teor do outro relatório oferecido, mas cujo teor foi impugnado e não foi sequer sustentado em sede de audiência de julgamento pelo seu autor, não merece procedência.
No que se inclui a alteração também pretendida quanto ao grau de afetação para as atividades desportivas e de lazer, por não feita prova cabal de que deverá ser tal de grau superior ao confirmado pela Sra. Perita nos seus esclarecimentos.
Em suma, improcede a pretendida alteração quanto ao ponto 48 dos factos provados.
ii- Factos provados 40 e 42, bem como a al. c) dos factos não provados. Peticionou o recorrente a retificação do ponto 40, para evitar uma associação
errada aos pontos 41 e 42.
Para tanto peticionando que seja introduzido neste ponto o quadro por si indicado em 50º da p.i., de onde provém este ponto factual.
É evidente que o ponto 40, na sua redação se encontra incompleto porquanto remete para um quadro que no mesmo não consta.
Padece este ponto factual de um manifesto lapso que importa retificar.
Como resulta da fundamentação da decisão de facto, este ponto factual foi julgado provado com base no teor do doc. 5.
Doc 5 do qual se retira o quadro que o autor reproduziu no artigo 50º da p.i. e do qual se resultou provado o facto em questão.
Como tal o ponto 40 dos factos provados passará a ter a seguinte redação: “40) Aquando da alta (maio de 2017) era o seguinte o seu quadro:

Medida de Independência Funcional (MIF)ENTRADA (<72H)OBJETIVOALTA (<48H)
AutocuidadosAlimentação677
Higiene pessoal575
Banho575
Vestir metade superior575
Vestir metade inferior575
Utilização da sanita575
Controlo de esfíncteresBexiga567
Intestino166
TransferênciasLeito/Cadeira/CR477
Sanita475
Banheira/Duche475
locomoçãoMarcha/CR ( M )465
Escadas466
TOTAL MOTOR (91)518773
ComunicaçãoCompreensão666
Expressão666
Consciência do mundo exteriorInteração Social465
Resolução dos problemas354
Memória252
TOTAL COGNITIVO (35)212823
TOTAL (126)7211596

Em segundo lugar o recorrente pugnou pela alteração da redação do ponto 42, para esclarecimento de que o mesmo se reporta ao momento atual / da decisão.
Tal como acima já deixámos enunciado a propósito da impugnação da recorrente R., não há dúvidas que o ponto 42) dos factos provados se reporta à situação atual do autor.
Pelo que e por desnecessário, nada há a alterar. Quanto à al. c) dos factos não provados.
Por inerência da improcedência da alteração do ponto 48 dos factos provados e pelos motivos nele expostos, improcede a alteração pretendida desta al. que representa o contraponto do que o recorrente pretendia ver alterado no ponto 48 dos factos provados.
iii- em terceiro lugar pugnou o recorrente pela introdução nos factos provados do por si alegado em 80º a 83º da p.i., com fundamento nos mesmos depoimentos testemunhais que convocou, identificando os trechos da gravação, conjugando quanto ao ponto 83º o que consta dos relatórios médicos.
Ora no que a estes pontos factuais respeita, está em causa a seguinte alegação:
“80
Sendo que pretendia seguir a carreira militar. 81
Aliás aquando da vinda à Europa, acima referida, o Autor tinha como objetivo deslocar-se à sede da Legião Francesa para verificar os requisitos e condições de ingresso na mesma,
82
Pois esse era o seu sonho e projeto de vida, 83
Projeto que jamais se poderá concretizar por força do sinistro em apreço nos presentes autos.”
Justifica o recorrente esta alteração com fundamento na indemnização dos danos patrimoniais futuros que alega, em conformidade com o assim alegado, implicará ser considerado no seu cálculo o rendimento que ali viria a auferir de € 1.200,00 mensais.
Salvo o devido respeito desta ambição ou sonho não resulta que o A. viesse a ter condições de ingressar na mencionada Legião Estrangeira.
Muito menos quanto viria a auferir em tal caso.
Pelo que se revela inócuo para os autos a introdução nos factos provados de tal factualidade.
Pelo que assim se julga improcedente esta pretensão.
Procede assim parcialmente a impugnação apresentada, nos termos acima assinalados.
No mais se mantendo a decisão de facto.
*
*
Do direito.
A impugnação em sede de direito será reapreciada em conjunto, quanto às pretensões dos recorrentes A. e R. A..., na medida em que em causa estejam os valores indemnizatórios arbitrados.
No recurso da R. A... questionou a mesma em primeiro lugar o decidido quanto à validade do seguro fundado em declarações inexatas.
Em causa as declarações falsas que a mesma imputou à segurada e interveniente BB quanto à declaração de ser a habitual condutora do PI. Como é evidente a sua pretensão estava nesta parte totalmente dependente
da alteração da decisão de facto que foi julgada improcedente.

Estando provado que a BB era a condutora habitual do PI durante o período em que efetivamente este esteve registado em seu nome e seguro na R., claramente improcede toda a argumentação deduzida pela recorrente e fundada nas supostas falsas declarações por referência ao previsto no artigo 25º do DL 72/2008, ao abrigo do qual pretendia ver anulado o seguro.
Pretensão que assim improcede.
Em segundo lugar peticiona a recorrente que seja considerado ter o autor contribuído para a produção dos danos, numa percentagem que indicou de 15% ao abrigo do artigo 570º do CC, fundado no por si alegado não uso de cinto de segurança.
Também esta pretensão estava claramente dependente da alteração da decisão de facto, no que respeita a este ponto factual que foi julgado não provado e assim mantido.
Motivo por que tem de improceder, sem mais esta pretensão.
Sendo que também quanto à questão dos airbags, nenhuma alteração foi produzida, sem prejuízo de como a recorrente mencionou, relevar tal para efeitos de direito de regresso, pelo que neste campo nada mais se nos oferece dizer.
Seguidamente, manifestou a recorrente o seu desacordo quanto aos valores indemnizatórios fixados ao autor seja a título de danos não patrimoniais, seja a nível do dano patrimonial futuro.
No 1º caso o tribunal a quo arbitrou o montante de € 125.000,00. Pugnando a recorrente pela fixação de tal valor em € 75.000,00, No 2º caso, arbitrou o tribunal a quo o montante de € 237.215,58.
Defendendo a recorrente que tal valor, levando em consideração o valor do salário mínimo nacional, deverá ser fixado entre os € 210.000,00 e os € 220.000,00.
O recorrente autor pugna por sua vez, igualmente pela alteração dos valores indemnizatórios arbitrados.
Defendendo que a título de danos não patrimoniais, o valor a fixar deverá ser de € 175.000,00.
E a título de dano patrimonial futuro, pugnando pela sua fixação em pelo menos € 400.000,00. Considerando para tanto e entre o mais, a esperança média de vida de 78 anos para os homens e um salário que poderia vir a auferir de € 1.200,00 mês numa carreira militar [como mencionámos a propósito da reapreciação da decisão de facto, o autor nunca alegou este salário].
Neste ponto do recurso, porque comum a ambos os recorrentes será reapreciado o decidido em conjunto.

Dos danos não patrimoniais.
Sendo indiscutido o direito à sua indemnização pela gravidade dos danos apurados, resta aferir se o valor arbitrado pelo tribunal merece censura.
Para tanto recordando, o reiterado entendimento jurisprudencial de que a fixação de um quantum indemnizatório em que se recorre a juízos de equidade como é o caso do dano não patrimonial, porque assente na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, apenas deverá ser alterado quando evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares.
Assim foi decidido no Ac. do STJ de 04/06/2015, nº de processo 1166/10.7TBVCD.P1.S1; reafirmado no Ac. STJ de 22/02/2017, nº de processo 5808/12.1TBALM.L1.S1, bem como no mais recente Ac. do STJ de 15/09/2022, nº de processo 2374/20.8T8PNF.P1.S1; tal como no já antes citado Ac. do STJ de 17/12/2019, todos in www.dgsi.pt/jstj, onde se conclui (invocando ainda decisões anteriores do mesmo STJ) “E porque um tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», tem-se defendido, designadamente nos Acórdãos do STJ, de 05.11.2009 (proc. 381/2009.S1) de 20.05.2010 (proc. 103/2002.L1.S1), de 28.10.2010 (proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1), de 07.10.2010 (proc. 457.9TCGMR.G1.S1) e de 25.05.2017 (proc. 868/10.2TBALR.E1.S1)[21], que «tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade muito em particular, se o critério adotado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e atualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adoção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade».
Motivo por que, prossegue o Ac. em citação, em sede de recurso visando o valor indemnizatório arbitrado, “importa essencialmente verificar (…) se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis em situação em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afetam, de forma sensível e irremediável, o padrão e a qualidade de vida de lesados».”
Na ponderação da quantificação deste dano não patrimonial, levou o tribunal a quo em consideração os seguintes pontos factuais:
“- Como consequência direta e necessária do sinistro o Autor ficou encarcerado, inconsciente, politraumatizado, com hemorragia digestiva, efisema subcutâneo direito;
- Ainda no local, a equipa da emergência médica do Hospital ..., sedou-o, entubou-o e colocou-o em suporte ventilatório mecânico.
- Ao chegar ao Hospital ... foi diagnosticado ao Autor politrauma com traumatismo craniano grave, hematoma peri-orbitrário direito com pupila ipsilateral midriática e não reativa, hemorragia nasal e da orofaringe importante.
- Permaneceu nos cuidados intensivos até 23 de setembro de 2016, sendo depois transferido para o serviço de TCE, onde lhe veio a ser retirada a cânula de traqueostomia.
- A 6 de outubro de 2016 foi o Autor submetido a craniotomia frontal bilateral com drenagem de pneumocefalo e plastia do andar anterior por fistula traumática.
- Desenvolveu hematoma epidural pós craniotomia pelo que, a 12 de outubro de 2016, foi novamente submetido a cirurgia com reabertura de craniotomia e drenagem de hematoma.
- Desenvolveu durante o internamento pneumonia de aspiração bilateral e pneumonia associada a ventilação invasiva, com isolamento pseudomonas MS SR
- Os défices cognitivos de que ficou a padecer eram muitíssimo significativos, os quais embora tenham melhorado, persistem na presente data.
- Quantum Doloris no grau 6/7;
- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 61 pontos; - Dano estético permanente no grau 4/7;
- Repercussão Permanente nas atividades desportivas e de lazer no grau 3/7; - Repercussão permanente na atividade sexual no grau 4/7;”

A estes elementos acrescentamos (todos extraídos dos factos provados):
- no local do acidente o A. foi estabilizado pelos bombeiros, com colar cervical, colete de extração, tubo de guedel, administraram-lhe O2, aspiraram-no quatro vezes, até entubação endotraqueal, devido a hemorragia interna, tendo-lhe sido colocado cinto aranha de modo a possibilitar o seu transporte, doc. 3.
- ao chegar ao HSA foram-lhe identificados os seguintes traumas:
a) Inúmeros focos de contusão hemorrágicos em ambos os hemisférios cerebrais. Hematomas extra-axiais com cerca de 7,2 mm de espessura máxima deformando os
lobos adjacentes. Apagamento generalizado dos sulcos e das cisternas da base com as amígdalas cerebelosas a aflorar o plano do buraco magno; não se definia o III ventríloco.
b) Na face traços de fratura nos ossos do maciço facial, seios maxilares, esfeinodal, frontais, paredes das orbitas e nos ossos próprios do nariz; fratura na vertente posterior do canal ótico esquerdo, na apófise zigomática direita e grande asa esfenoide direita.
c) No tórax, provável fratura não descoaptada do manúbrio external; fratura de vários arcos costais bilateralmente e fratura da asa da omoplata direita.
- A 21 de setembro foi submetido a traqueostomia cirúrgica para proteção da via aérea.
- Padeceu ainda de pneumonia de aspiração, celulite do MSD,
- A 15 de novembro de 2016 foi transferido para o serviço de fisiatria do Hospital ..., para tratamento fisiátrico intensivo.
- À entrada neste serviço, o Autor mostrava-se desorientado no tempo e no espaço e necessitava de auxílio para se alimentar, vestir e cuidar da sua higiene.
- Naquele serviço fez, entre outros, terapia da fala e fisiatria.
- Quanto à lesão ocular, o serviço de oftalmologia do Hospital, deu indicação para se aguardar entre 6 a 8 meses e depois avaliar a intervenção cirúrgica a efetuar.
- É transferido para o Centro de Reabilitação ... em 11 de janeiro de 2017, apresentando à chegada a esta instituição (documento 5):
a) Suspeita de alterações cognitivas múltiplas b) Disartria flácida ligeira,
c) Discreta alteração na prova dedo-nariz à direita, provavelmente por falta de visão, que o Requerente não via, nem com o olho direito, em consequência do sinistro;
d) Caminhava mas com baixa dissociação das cinturas e instabilidade pélvica à direita, tendo necessidade de recorrer a bastão,
- Naquele Centro realizou programa de reabilitação integral e abrangente, em esquema bidiário multimodal (fisioterapia, terapia da fala, enfermagem de reabilitação e reabilitação cognitiva).
- O Autor apresentava, entre outros:
a) Discurso tendencialmente organizado mas por vezes descontextualizado e com incongruências temporais;
b) Reconhecia que teve um acidente automóvel mas não tinha, como ainda não tem, memória do mesmo;
c) Reconhecia as alterações motoras mas não as alterações neuropsicológicas, não tendo consciência de tal défice.
- Reavaliado um mês apos o internamento, verificou-se que mantinha um funcionamento da memória de trabalho inferior, tendo até uma ligeira diminuição, revelando ainda um IVP muito inferior.
- Aquando da alta não necessitava de auxiliares de marcha mas carecia de supervisão por manter desorientação espacial.
- Conseguia subir um lanço de escadas sem apoio no corrimão mas sem total segurança,
- Tinha autonomia para a maior parte das atividades da vida diária mas necessitava e ainda necessita de supervisão para as atividades da vida diária instrumentadas.
- esteve totalmente incapacitado, no período compreendido entre a data do sinistro e a data da alta (17/05/2017),
- As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas muito intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos.
- E as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida e, sobretudo, provocam-lhe um profundo sentimento de desgosto.
- antes do sinistro, o A. era um jovem saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico e trabalhador; que gostava de sair com amigos, ir a bares, cafés e ginásios e praticar atividades físicas, em especial desportos ao ar livre.
- tendo nascido em .../.../1993, pelo que à data do acidente era um jovem de 23 anos de idade.
Os factos provados e acima elencados evidenciam a imensa gravidade das lesões sofridas pelo autor e a prolongadíssima recuperação – até à consolidação médico-legal das lesões decorreram sensivelmente dois anos e meio. Denotando o inerente sofrimento suportado quer durante a recuperação – fixado o quantum doloris no grau 6 de uma escala de 7 – quer para o resto da vida pelas dores físicas, incómodo e mal-estar que as sequelas lhe provocam e que o acompanharão para o resto da vida.
Vida de que o autor se viu subitamente subtraído de poder viver com a normalidade de um jovem da sua idade e quando ainda tinha em aberto todas as possibilidades, atendendo à sua juventude e capacidade física e dinamismo (vide fp 53).
Não fornecendo a lei critérios normativos concretos que fixem o seu montante indemnizatório e dada a consabida dificuldade em o fazer, o legislador fez, por isso, assentar a sua quantificação através do recurso à equidade (cfr. artºs. 496º, nº. 4, e 494º, 566º, nº. 3, e 4º), constituindo, porém, entendimento prevalecente, que se deverá atender para o efeito, nomeadamente, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, devendo ser proporcional à gravidade do dano e tomando em conta na sua fixação todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, e sem perder de vista a peculiaridade de que se reveste o caso concreto (vide, por todos, os profs. Pires Lima e Antunes Varela, in “Ob. cit., págs. 473/474”, e Acs. do STJ de 17/12/2019, proc. 2224/17.2T8BRG.G1.S1, de 17/12/2019, proc. 480/1.TBMMV.C1.S2, de 02/12/2013, proc. 1110/07.9TVLSB.L1.S1, e de 02/06/2016, proc. 6244/13.8TBVNG.P1.S1, disponíveis in dgsi.pt).
Como escreve Maria Veloso (in “Danos não patrimoniais”, Comemorações dos 35 anos do Código Civil, Vol. III, Direito Das Obrigações, pág. 542”), nesse cálculo a natureza e a intensidade das lesões devem servir como “factor-base da ponderação”.
Danos esses que, como se extrai do exposto, devem ser condignamente compensados, como, aliás, vem sendo a afirmado neste mais alto tribunal, e cujo entendimento vem, sobretudo nos últimos tempos, grassando, numa espiral crescente, nos nossos tribunais.”[5]
Levando em consideração, tal como assinalado na decisão acima citada, sem que se possa olvidar que infelizmente situações mais gravosas existem – como é o caso relatado no Ac. STJ de 21/06/2022 acima citado no qual foi atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais de € 500.000,00 - a total ausência de culpa do autor na produção do acidente que à data do acidente era um jovem de 23 anos de idade; a sua modesta condição económica atendendo a que então não trabalhava e quando o fazia auxiliava a família, o que demonstra também a sua modesta condição económica; a imensa gravidade das lesões sofridas pelo autor que implicaram um défice funcional permanente de 61 pontos e a prolongadíssima recuperação – até à consolidação médico-legal das lesões decorreram sensivelmente dois anos e meio; o quantum doloris fixado no grau 6 de uma escala de 7 , a permanência para o resto da vida das dores físicas, incómodo e mal estar que as sequelas lhe provocam e que o acompanharão para o resto da vida, entende-se ser de arbitrar a tal título o valor de € 175.000,00 pecando por defeito o valor fixado pelo tribunal a quo em € 125.000,00.

Com efeito, não só o valor pugnado pela recorrente peca em muito por defeito, considerando os valores seguidos para casos similares[6], como também o valor arbitrado pelo tribunal a quo se nos afigura afastar dos mesmos padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados a casos similares[7].
Justificando a fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais no peticionado valor do recorrente de 175.000,00.

Do dano patrimonial futuro.
Como já supra referido, a este título o tribunal a quo arbitrou o montante de € 237.215,58.

Defendendo a recorrente R. que tal valor, levando em consideração o valor do salário mínimo nacional, deverá ser fixado entre os € 210.000,00 e os € 220.000,00.
E defendendo o recorrente autor que tal valor deverá ser fixo em pelo menos € 400.000,00. Considerando para tanto e entre o mais, a esperança média de vida de 78 anos para os homens e um salário que poderia vir a auferir de € 1.200,00 mês numa carreira militar – carreira sobre a qual e como mencionámos a propósito da reapreciação da decisão de facto, o autor nuca alegou implicar este salário. Aliás tendo na p.i. mencionado o que seria o seu salário de € 591,00 – vide 87º da p.i.. Embora contabilizando o valor final peticionado a este título nos já mencionados € 400.000,00.
Também no apuramento deste valor há que recorrer a critérios de equidade, sendo como tal no seu cálculo aplicável as regras acima já aludidas sobre os termos em que merecem censura os valores arbitrados.
No cálculo efetuado pelo tribunal a quo, foram considerados os seguintes factos:
“- O Autor, por força do sinistro, ainda está absolutamente incapaz de prover ao seu sustento, necessitando do auxílio de terceira pessoa em especial para se deslocar no exterior, não saindo de casa sozinho por se incapaz de se orientar.
- Antes do sinistro, o Autor trabalhava num supermercado, na secção de talho, onde auferia a quantia mensal de 2200 reais, o equivalente, sensivelmente, a €591,00.
- Apesar dos tratamentos a que se submeteu o Autor ficou a padecer definitivamente: - Défice funcional permanente ao nível da comunicação,
- Défice de compreensão,
- Dificuldades de locomoção,
- Défice ao nível da compreensão do mundo exterior, - Défices de memória,
- Amnésia relativamente à época em que ocorreu o sinistro,
- Dificuldades / défice ao nível da orientação espaço-temporal;
- Perda de visão
- Deformidade do olho esquerdo.
- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 61 pontos;
- As sequelas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, cortador de carnes verdes, podendo ser, no entanto, compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, que não exijam a execução de tarefas complexas;
- O A. nasceu em .../.../1993.”
E conjugando o “Défice Funcional Permanente de 61 pontos de que ficou a padecer, conjugado com o vencimento auferido pelo A. (€591,00), bem como o período provável de vida ativa até aos 70 anos de idade, isto é, 47 anos de vida ativa (aquando do acidente tinha 23 anos de idade) concluiu o tribunal a quo que o A. viu a sua capacidade de ganho reduzida na proporção de 61 pontos, ou seja € 237.215,58 considerando as seguintes contas: o A. auferiria o montante total de €388.878,00 durante os 47 anos de vida ativa sem qualquer redução de capacidade de ganho (€491,00 x 14 meses = €8.274,00 x 47 anos).
Seguindo a corrente jurisprudencial que considera ser de ponderar o valor do salário médio nacional em circunstâncias em que o lesado ainda não exerceu uma atividade profissional ou quando se encontra desempregado e é ainda relativamente jovem[8], circunstancialismo que se aplica ao aqui autor; sendo o salário médio nacional à data do acidente em 2016 de € 924,09 que se arredonda para € 925,00 [vide dados indicados em pordata.pt] e tendo o autor uma esperança média de vida de mais 55 anos, encontramos um valor ficcionado de perda de rendimentos, considerada a incapacidade apurada de 61 pontos de € 434.472,50 [€925,00x14x55x0.61].
Habitualmente este valor é ajustado considerando que o capital é recebido de uma só vez, oscilando a nossa jurisprudência entre 1/3 e 1/4 desse montante, ou na redução desse montante em 10% ou 20% do capital antecipado, dependendo das circunstâncias do caso concreto.

Ocorre que no caso justifica-se introduzir um outro elemento.
O autor ficou incapaz totalmente de exercer a sua profissão habitual.
E quanto às demais, está apurado que apenas poderá exercer atividades compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional desde que não exijam execução de tarefas complexas.
Ora quando o défice funcional permanente de que o lesado fica a padecer é impeditivo da atividade profissional habitual, permitindo apenas que esse lesado exerça outras profissões compatíveis com a área da sua preparação técnica desde que não exijam a execução de tarefas complexas, a limitação acrescida que tal situação implica, justifica que no cálculo do dano patrimonial futuro seja devidamente ponderada tal situação, reduzindo o impacto que a habitual redução por antecipação do capital implica.
Nesta medida, considerando que o A. à data do acidente com 23 anos de idade, estava desempregado, que o salário médio nacional em tal data era de € 925,00 e que o A. ficou afetado de uma incapacidade de 61 pontos impeditiva da atividade profissional habitual, permitindo apenas que esse lesado exerça outras profissões compatíveis com a área da sua preparação técnica desde que não exijam a execução de tarefas complexas, entende-se adequado e recorrendo a critérios de equidade fixar o valor indemnizatório a título de dano patrimonial futuro no montante de € 400.000,00 tal como peticionado pelo autor.
Ao valor total arbitrado e que monta a € 575.000,00 há que deduzir o valor de € 12.000,00 adiantados já pela R. A... - como o evidenciam os factos provados 73) a 75) e 114) e 115) e foi peticionado pela R. A....
Termos em que se julga totalmente procedente o recurso do autor. E parcialmente procedente o recurso da R. A....
***
IV. Decisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela R. A... e totalmente procedente o recurso interposto pelo A., consequentemente e revogando parcialmente a decisão recorrida decidindo:
Condenar a R. A... a pagar ao A. a quantia global de € 575.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais futuros.
A esta quantia deduzindo o valor de € 12.000,00 já adiantados pela R., assim reduzindo o valor a pagar ao total de € 563.000,00.
No mais mantem-se o decidido pelo tribunal a quo. Custas do recurso do A. pela R. A....
Custas do recurso da R. A... também pela mesma, na proporção do decaimento.

Porto, 2023-05-08.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
__________________
[1] Cfr. Ac. STJ de 22/03/2018, nº de processo 290/12.6TCFUN.L1.S1, in www.dgsi.pt
[2] Sobre o conceito de direção efetiva de um veículo e interesse na sua utilização, para efeitos do previsto no artigo 503º nº 1 do CC cfr. Ac. TRP de 09/03/2023, nº de processo 688/21.9T8PVZ.P1 in www.dgsi.pt onde assim se esclarece o que sobre este conceito se tem entendido:
“A primeira destina-se a abranger todos aqueles casos em que, com ou sem domínio jurídico, parece justo impor a responsabilidade objetiva, por se tratar das pessoas a quem especialmente incumbe, pela situação de facto em que se encontram investidas, tomar as providências para que o veículo funcione sem causar dano a terceiros. São normalmente o proprietário, o usufrutuário, o locatário, o comodatário, o adquirente com reserva de propriedade, aquele que utiliza o veículo sem autorização e contra a vontade do que tinha a respetiva direção efetiva, etc. A direção efetiva do veículo é o poder real (de facto) sobre o veículo; é o elemento fundamental que serve de suporte legal à responsabilidade objetiva na circulação terrestre. Tem a direção efetiva do veículo aquele que, de facto, goza ou usufrui as vantagens dele, e a quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento.
A segunda --- utilização do veículo no próprio interesse --- visa afastar a responsabilidade objetiva daqueles que, como o comissário, utilizam o veículo, não no seu próprio interesse, mas em proveito ou às ordens de outrem.[…]
Tem-se entendido, tradicionalmente, que o interesse na utilização tanto pode ser um interesse material ou económico (se a utilização do veículo visa satisfazer uma necessidade suscetível de avaliação pecuniária), como um interesse moral ou espiritual[…] (como no caso de alguém emprestar o carro a outrem para lhe ser agradável), nem sequer sendo caso de exigir aqui que se trate de um interesse digno de proteção legal. Pode tratar-se mesmo de um interesse reprovável (empréstimo do veículo para um fim imoral ou ilícito): seria um contrassenso libertar o dono do veículo da responsabilidade objetiva que, em princípio, recai sobre o detentor, a pretexto de ser contrário à lei ou aos bons costumes o fim que determinou a cedência do veículo.
Posição semelhante segue Dario Martins de Almeida[…] quando refere: “O criador do risco pode ser então o proprietário, o usufrutuário o locatário, o comodatário, possuidor em nome próprio, o adquirente com reserva de propriedade desde que passe a utilizar a viatura, o que a utiliza sem autorização ou contra a vontade daquele que dela tinha a respetiva direção efetiva, o comprador que passou a ter a direção do veículo ainda que o contrato seja nulo, aquele que, antes da compra do veículo, vai experimentá-lo, no seu interesse e sob a sua exclusiva direção, o ladrão que se apodera fraudulentamente da viatura e passa a conduzi-la, o candidato que faz exame de condução e enquanto o faz, o instrutor de condução de automóveis, desde que não seja um mero comissário, o amigo a quem, no interesse dessa amizade, se cede o veículo para um passeio."
Menezes Leitão[…] defende que "direção efetiva do veículo" significa ter um poder de facto ou exercer controlo sobre o veículo, independentemente da titularidade ou não de algum direito sobre o mesmo.
Tudo depende do real sentido das situações, a ponderar e interpretar caso a caso, sendo indispensável que, em cada um deles, se conjuguem, cumulativamente, os dois requisitos: o da direção efetiva do veículo e o da utilização no próprio interesse; sem essa verificação conjunta não é possível ter essas pessoas como criadoras de risco e responsabilizá-las, em consequência, ao abrigo do art.º 503º, 1, do Código Civil.”
[3] Realce nosso.
[4] Realce nosso.
[5] Cfr. Ac. STJ de 21/06/2022 nº de processo 1633/18.4T8GMR.G1.S1, in www.dgsi.pt onde foi apreciada uma situação de lesado com 26 anos de idade à data do acidente e que ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica compreendido entre 88 a 90 pontos - com um quadro de paraplegia com diparésia braquial abaixo de C-6, que é também designado, na nomenclatura utilizada pela Fisiatria, como de tetraplegia ASIA B, abaixo de C-6.; deslocando-se de cadeiras de rodas, desempregado à data do sinistro e com um défice temporário funcional total de 730 dias. Tendo a este sido atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais o valor de € 500.000,00 e pelo dano patrimonial futuro € 450.000,00 considerando para o efeito e entre o mais o valor do salário médio nacional à data do acidente também em 2016 de € 925,00.
[6] Veja-se que para situação em que ao lesado com 30 anos à data do acidente em que foi fixado um défice funcional permanente de 15 pontos, tendo sido atribuído ao lesado um quantum doloris de 6 numa escala de 7, um dano estético relevante de 4 em 7 e repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de 6 em 7 pontos - uma vez que, quanto a este índice, ficou privado de continuar a praticar o motociclismo, o que fazia com regularidade, participando em diversas provas, incluindo federadas e, ainda, impossibilitado de praticar desportos que também fazia, como bicicleta BTT, esqui na neve e esqui aquático, tendo ficado, ainda, condicionado no exercício da atividade desportiva de mergulho, que também praticava- a tudo acrescendo a circunstância de ter sido submetido a cinco intervenções cirúrgicas, com um pós-operatório prolongado (com uma repercussão temporária na atividade profissional total de 870 dias), de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro e de continuar padecer de dores, foi arbitrada uma indemnização de € 70.000 por danos não patrimoniais [cfr. Ac. STJ de 08/11/2022, nº de processo 2133/16.2T8CTB.C1.S1 in www.dgsi.pt]. Embora seja também muito relevante o dano suportado por este lesado, é notória a superior gravidade dos danos suportados e a suportar pelo aqui autor.
[7] Cfr. Ac. TRC de 24/01/2023, nº de processo 2833/17.0T8CBR.C1 in www.dgsi.pt onde foi arbitrado o valor indemnizatório de danos não patrimoniais em € 150.000,00 a lesada prestes a completar 36 anos de idade aquando do acidente; permaneceu acamada durante 3 meses; utilizou cadeira de rodas durante 1 mês e meio, passando depois a apoiar-se em canadianas; realizou fisioterapia durante 1 ano; sofreu stress pós-traumático; teve um défice funcional temporário total de 210 dias (a que acresce um período de 7 dias), um défice funcional temporário parcial de 822 dias (a que acresce um período de 30 dias) e uma repercussão temporária na atividade profissional total de 1032 dias (a que acresce um período de 30 dias); apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 53 pontos, que é impeditivo do exercício da sua atividade profissional habitual, mas é compatível com outras atividades profissionais da sua área de preparação técnico-profissional, com esforços acrescidos; teve um quantum doloris de 7/7, ficou com cicatrizes que lhe conferem um dano estético de 5/7; uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de 5/7; uma repercussão na atividade sexual de 6/7 e que passou a necessitar de assistência vitalícia em termos de medicamentos e tratamentos médicos regulares.
[8] Assim se decidiu e entendeu no Ac. STJ de 21/06/2022 já supra citado e que aqui seguimos de perto.