I. O arguido apresenta requerimento de recusa relativo aos 3 Senhores Juízes Desembargadores, após a prolação por estes de dois acórdãos, sendo que o primeiro conheceu do recurso interposto pelo arguido do acórdão condenatório proferido nos autos, sem que tivesse observado previamente o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP e, o segundo, em resumo, declarou verificada a irregularidade do não cumprimento dessa norma (art. 417.º, n.º 2, do CPP), ordenando o seu cumprimento e anulando o primeiro acórdão.
II. Não estando em causa neste caso, a imparcialidade daqueles Magistrados, nem ocorrendo motivo suscetível de pôr em causa a sua imparcialidade, nada há que leve a desconfiar sobre a imparcialidade daqueles Srs. Desembargadores, como o próprio requerente admite, sabendo que o primeiro acórdão foi anulado e outro terá de ser proferido para conhecer do mesmo recurso que interpôs do acórdão condenatório.
III. Nem sequer é aplicável o disposto no art. 43.º, n.º 2, do CPP, no segmento em que refere que “Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art. 40.º”, porque o acórdão anulado foi proferido na mesma fase de recurso, isto é, a intervenção do ... em causa ocorreu na fase do conhecimento do recurso do arguido relativo à decisão condenatória (estando em causa inclusivamente o conhecimento do mesmo recurso).
III. De resto, ao caso também não é aplicável o disposto no art. 40.º, n.º 1, al. d), do CPP, uma vez que está em causa o conhecimento do mesmo recurso do arguido e não de recurso anterior.
IV. Assim, conclui-se que, a presente situação não é motivo de recusa nos termos do art. 43.º do CPP, nem motivo de impedimento nos termos do art. 40.º, n.º 1, al. d), do CPP, improcedendo o pedido de recusa.
I - Relatório
1. O arguido AA nos autos de processo comum (tribunal coletivo) n.º 280/08.3GFVFX.L1, pendente no Tribunal da Relação de Lisboa, veio apresentar incidente de recusa dos Senhores Juízes Desembargadores que decidiram, em conferência de 23.03.2023, proferindo na mesma data o acórdão que conheceu do recurso por si interposto naqueles autos (de que este incidente é apenso) e, que igualmente proferiram o acórdão de 27.04.2023, que reconheceu a existência da irregularidade previamente invocada pelo arguido (por não ter sido dado cumprimento ao art. 417.º, n.º 2, do CPP, apesar de ser junto aos autos parecer apresentado pelo Sr. PGA), ordenando o cumprimento daquela norma (art. 417.º, n.º 2, do CPP) e anulando o processado subsequente ao despacho que ordenou a remessa dos autos aos vistos, incluindo do acórdão de 23.03.2023, com os seguintes fundamentos:
1. O arguido veio arguir a irregularidade do Acórdão proferido nos presentes autos porquanto não foi notificado do parecer do Ministério Público deste Tribunal, que não se tinha limitado a apor o visto.
2. A arguida irregularidade mereceu o provimento, tendo agora sido notificado desse mesmo parecer.
3. Ora, é evidente que já se conhece o sentido da decisão a proferir por parte de quem participou na conferência, sendo manifestamente visível que nada de substantivo poderá ser aditado para contrariar o sentido já dado a conhecer.
4. E assim, a intervenção anterior dos Exmos. Senhores Juízes Desembargadores que decidiram em conferência está marcadamente visível a todas as luzes da clarividência.
5. Não se trata de suspeita acerca da imparcialidade no sentido extenso que essa cáustica palavra ou frase poderá comportar.
6. Mas trata-se de estar desenhada a decisão previamente e isso também será motivo de recusa, salvo o muitíssimo e devido respeito.
7. O motivo em si, é um motivo sério, a prolação de douto Acórdão.
8. Dispõe o nº2 do artigo 43º do CPP que pode constituir fundamento de recusa, nos termos do disposto no nº1, a intervenção de juiz (…) ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos previstos no artigo 40º.
9. Aqui acontece a intervenção dos Exmos. Senhores Juízes Desembargadores que decidiram o recurso previamente, sem a realização do exercício do contraditório nesta instância, o que configura a prática de um ato processual subsumível ao preceito invocado.
10. Pelo que, em síntese, suscita-se, ainda que respeitosamente – como não podia e não deixa de acontecer – a recusa dos Exmos. Senhores Juízes Desembargadores signatários do douto Acórdão de 23-03-2023, nos termos conjugados dos artigos 43º e 45, nº1, al. b) todos do CPP.
11. Esta recusa tem como fundamento o facto de o sentido da decisão proferida suscitar a questão de que o resultado do dito recurso se encontra já desenhado.
12. Não tem que ver, obviamente, com a questão de falta de imparcialidade, jamais o teria, tão só com o traçado de uma decisão prévia que não deveria ter ocorrido e que marca a futura decisão se for realizada pelos mesmos e anteriores decisores.
13. Isto, pese embora, não é demais dizê-lo, o alto respeito tido e devido, mas que a obrigação do patrocínio impõe que seja suscitada.
14. De notar que, a interpretação constitucionalmente conforme o disposto na al. d) do artigo 40º do CPP, sempre será a de que está abrangida qualquer intervenção subsequente que tenha lugar na fase de recurso ainda que seja a mesma, desde que nesta fase tenha conhecido, a final, do objeto do processo, sob pena de qualquer outra interpretação normativa estar ferida de inconstitucionalidade.
Pelo que se requer a V. Exa seja dado cumprimento ao preceituado no disposto no nº1 do artigo 45º do CPP e ainda que sejam os autos remetidos para o STJ, o Tribunal competente para apreciação da recusa suscitada, tudo nos termos do disposto no nº2 do artigo 45º do CPP.
2. Os Três Senhores Desembargadores em causa, pronunciaram-se conjuntamente nos termos do disposto no art. 45.º, n.º 3, do CPP, nos seguintes termos:
Colendos Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça
No presente incidente de recusa suscitado pelo recorrente, cumpre aos signatários nele visados pronunciarem-se nos termos do artigo 45.º, nº 3, do Código de Processo Penal, o que fazem pela forma seguinte:
O requerente não questiona a imparcialidade subjectiva dos signatários no seu requerimento, como, aliás, no mesmo o próprio reconhece.
No entanto, podendo gerar-se suspeição relativamente a uma subsequente intervenção nesta fase de recurso com a prolação de novo acórdão, cumprirá referir que a postura de estrita imparcialidade e isenção com que foi proferido o primeiro acórdão nos autos, que conheceu do mérito do recurso e que foi anulado por acórdão ulterior, igualmente subscrito pelos signatários, se mostra incólume e intocada, porquanto nenhuma circunstância posterior ocorreu, de natureza processual ou outra, susceptível de a beliscar.
Acrescenta-se que os signatários não se encontrarão impedidos nem inibidos de, na nova decisão a proferir na sequência da anulação do acórdão anteriormente publicado, proferir decisão diferente da primeira, no todo ou em parte, em função da reapreciação e reanálise dos fundamentos invocados no recurso interposto pelo recorrente, assim como não se encontrarão de igual modo de o fazer em sentido idêntico à decisão anterior, se tal for a conclusão decisória consentânea com aquela reapreciação e com a aplicação do Direito ao caso, sem que tal signifique, assim, qualquer quebra na sua postura de imparcialidade e isenção.
Deste modo, salvo o devido respeito por diverso entendimento, a intervenção anterior no processo não se nos afigura constituir em concreto motivo sério e grave adequado a gerar dúvidas sobre a imparcialidade e isenção dos signatários.
Consequentemente, com o muito devido respeito que opinião contrária nos merece, parece-nos não existir fundamento que permita concluir pela procedência da recusa suscitada.
Contudo, V. Ex.as, apreciando e decidindo conforme for de Direito, farão a costumada Justiça.
3. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
2.1. Factos
Extrai-se dos elementos constantes dos autos, incluindo da sua consulta informática, com interesse para a presente decisão, o seguinte:
a) - no processo comum (tribunal coletivo) n.º 280/08.3GFVFX, a correr termos no Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., comarca de Lisboa Norte, não se conformando com o acórdão que o condenou, o arguido AA recorreu para a Relação de Lisboa em 17.10.2022;
b) - tramitado o recurso na 1ª instância, quando o processo subiu à Relação de Lisboa o Sr. PGA emitiu parecer em 7.02.2023;
c) - sem ter sido previamente ordenado o cumprimento do disposto no at. 417.º, n.º 2, do CPP, os Srs. Juízes Desembargadores da 9ª secção, que compunham aquele coletivo (sendo relatora a Srª Drª BB e Adjuntos o Sr. Dr. CC e o Sr. Dr. DD) proferiram o acórdão de 23.03.2023, onde conheceram do recurso interposto pelo referido arguido, dando-lhe provimento parcial, nos termos ali indicados;
d) - entretanto, perante a arguição de irregularidade pelo mesmo arguido (dada a falta de cumprimento do art. 417.º, n.º 2, do CPP), o mesmo Coletivo, proferiu novo acórdão em 27.04.2023, no qual decidiu, conceder provimento à irregularidade invocada pelo arguido e, em consequência, determinou o cumprimento do disposto no art. 417º, n.º 2, do CPP relativamente ao Parecer emitido pelo Sr. PGA em 7.02.2023 e, nos termos do art. 123º, n.º 1 do CPP, anulou os atos processuais subsequentes afetados pela irregularidade, designadamente o despacho que determinou a remessa aos vistos, a conferência realizada, bem como o acórdão proferido em 23.03.2023;
e) - notificado desse acórdão (após envio de oficio datado de 28.04.2023), veio o arguido requerer a recusa nos termos supra indicados no dia 25.05.2023;
f) - em 10.05.2023 foi enviado ofício ao mandatário do arguido para dar cumprimento ao disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP;
g) - pela consulta informática do processo não consta que tivesse sido designada nova conferência para conhecer do recurso do arguido, sendo certo que, se parte do princípio que o tribunal passou a ter em atenção o disposto no art. 45.º, n.º 2, do CPP.
2.2. Direito
O arguido apresenta requerimento de recusa relativo aos 3 Senhores Juízes Desembargadores, após a prolação por estes dos dois acórdãos acima referidos, sendo que o primeiro conheceu do recurso interposto pelo arguido do acórdão condenatório proferido nos autos, sem que tivesse observado previamente o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP e, o segundo, em resumo, declarou verificada a irregularidade do não cumprimento dessa norma (art. 417.º, n.º 2, do CPP), ordenou o seu cumprimento e anulou o primeiro acórdão.
Como bem diz o arguido, não está em causa neste caso, a imparcialidade do tribunal, mas antes o que o impressiona, é o facto daquele Coletivo já ter previamente decidido o recurso que apresentara do acórdão final proferido no processo, sem lhe ter dado o contraditório, perante o parecer apresentado na Relação pelo Sr. PGA (e, assim, já estar desenhado o sentido da decisão), ainda que, posteriormente, por julgar verificada a arguida irregularidade, a tivesse sanado e, igualmente anulado todo o processado, incluindo o relativo ao acórdão proferido em 23.03.2023.
Efetivamente, não está em causa a imparcialidade daqueles Magistrados, sendo certo que também não ocorre motivo suscetível de pôr em causa a sua imparcialidade.
Nada há que leve a desconfiar sobre a imparcialidade daqueles Srs. Desembargadores, como o próprio requerente admite, sabendo que o primeiro acórdão foi anulado e outro terá de ser proferido para conhecer do mesmo recurso que interpôs do acórdão condenatório.
Argumenta o requerente que seria aplicável o disposto no art. 43.º, n.º 2, do CPP, no segmento em que refere que “Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art. 40.º”.
No entanto, não se verifica essa situação porque o acórdão anulado foi proferido na mesma fase de recurso, isto é, a intervenção do Coletivo de Desembargadores em causa ocorreu na fase do conhecimento do recurso do arguido relativo à decisão condenatória.
E, que é a mesma fase de recurso (estando em causa inclusivamente o conhecimento do mesmo recurso) é incontornável.
O facto do Coletivo de Desembargadores, em acórdão posterior (27.04.2023), ter reconhecido a existência da apontada irregularidade, ordenando o cumprimento do art. 417.º, n.º 2, do CPP (para ser cumprido o contraditório em relação ao arguido/recorrente) e anulado o processado a partir do despacho que ordenara a remessa dos autos aos vistos, o que incluiu a anulação do acórdão de 23.03.2023, mostra, além do reconhecimento do seu erro, a sua isenção e a sua capacidade de alterar a decisão/acórdão anteriormente proferido (nomeadamente tendo em atenção o teor da resposta ao parecer, argumentos ali apresentados que justifiquem a mudança de posição).
Por isso mesmo é que anulou o acórdão de 23.03.2023, o que lhe permite, formular uma nova decisão/acórdão, tendo em atenção a resposta ao parecer e argumentos que nele forem apresentados.
Aliás, o mesmo se passa, quando um tribunal superior declara nulo um acórdão, por se verificar um dos vícios apontados no art. 379.º do CPP, sendo nesse caso precisamente o mesmo coletivo que profere novo acórdão suprindo a nulidade detetada.
De resto, ao caso, também não é aplicável o disposto no art. 40.º, n.º 1, al. d), do CPP, uma vez que está em causa o conhecimento do mesmo recurso do arguido e não de recurso anterior.
Assim, conclui-se que, a presente situação não é motivo de recusa, nem motivo de impedimento nos termos do art. 40.º, n.º 1, al. d), do CPP.
Improcede, pois, o pedido de recusa, sendo certo que não foram violados os preceitos legais invocados pelo requerente.
Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em negar provimento ao pedido de recusa formulado pelo requerente/arguido AA.
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC`s.
Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)
Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro Adjunto)
Sénio Alves (Juiz Conselheiro Adjunto)