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PEAP
ADMINISTRADOR JUDICIAL
REMUNERAÇÃO VARIÁVEL
MAJORAÇÃO
REFORMATIO IN PEJUS
Sumário
I - A “situação líquida” a que se refere a alínea a) do n.º 4 do art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial, é a diferença entre o montante dos créditos reclamados (cfr. art.º 222º D n.º 2 do CIRE) e o montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano. II – A majoração a que se refere o n.º 7 do art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial, apenas será aplicado no PEAP (e no PER e no plano de recuperação aprovado em processo de insolvência) se e quando o Plano de Pagamento (ou Plano de revitalização ou plano de recuperação) previr que parte dos créditos sejam imediatamente satisfeitos por via de liquidação de bens. III – À luz do disposto no art.º 635 n.º 4 do CPC, a decisão recorrida não pode ser modificada ex officio em termos que se revelem mais desfavoráveis para o recorrente
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
1. Relatório
Nos autos de Processo Especial para Acordo de Pagamento, em que é requerente BB, de que os presentes são apenso, por despacho de 17/03/2022, foi nomeado Administrador Judicial Provisório o Dr. AA.
A 28/07/2022 foi junto aos autos Plano de pagamento cujo integral teor se dá aqui por reproduzido.
A 09/08/2022 foi proferida decisão homologatória do plano.
A 11/08/2022 veio o Sr. AJP requerer a junção aos autos do cálculo da remuneração variável, no valor de € 13.053,00, requerendo a sua fixação e pagamento, nos seguintes termos:
A – Remuneração variável em função da situação líquida
1. Situação liquida (30 dias após a homologação do PEAP) 10 403,14€
SL=Ativo+CP-Passivo (total de créditos reclamados)
SL= 175 712,73€ + 30 114,26€ - 195 423,85€ = 10 403,14€
2. Alterações introduzidas pelo Plano:
(…)
2.12. Total das alterações introduzidas pelo Plano 0,00€
(somatório de 2.1. a 2.11)
3. Situação líquida 30 dias após homologação
(cf. a) do n.º 4 do art.º 23º) 10 403,14€
4. Remuneração variável sobre a situação líquida (10% x3.) sem IVA 1 403,31€
5. Taxa de IVA (…) 23%
6. Remuneração variável sobre a situação líquida (10% x3.) Com IVA 1 279,59€
6. Pagamento
6.1. Primeira prestação (50%): no momento da aprovação do Plano (n.º 3 do art.º 29º) 639,79€
6.2. Segunda prestação (50%): 2 anos após a aprovação do Plano
(n.º 3 do art.º 29º) 639,79€
B – Remuneração variável em função da satisfação dos créditos
7. Créditos reclamados e admitidos 195 423,85€
8. Grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos
8.1. Valor 191 437,56€
8.2. Percentagem 97,96%
9. Majoração decorrente da satisfação dos créditos (com IVA) 11 773,41€
C – Total remuneração variável do processo ( com IVA) [A6+B9] 13 053,00€
10. Valor remuneração variável (com IVA) 13 053,00€
10.1 Valor já recebido 0,00€
10.2. Valor a receber 13 053,00€
Alegou para tanto que foi nomeado a 18/03/2022, esteve encarregue de várias tarefas que elenca, nos termos do art.º 23º n.º 1 do EAJ tem direito a uma remuneração fixa no valor de € 2.000,00 e. além disso, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo tem direito a uma remuneração variável, em função dos resultados da recuperação do devedor, cujo valor é calculado com base nos créditos a satisfazer e por 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano especial para acordo de pagamento do devedor.
Foi ordenada a notificação do devedor e dos credores para se pronunciarem.
O requerente BB veio dizer que, tendo em consideração o número de credores (6) e o curto espaço de tempo em o processo correu (4 meses), a remuneração fosse fixada em € 1.500,00
A 16/11/2022 foi proferido o seguinte despacho:
“ (…)
Cumpre apreciar e decidir:
Analisados os cálculos efectuados pelo Sr. administrador judicial provisório, constata-se que o mesmo teve em consideração as normas previstas no Estatuto do Administrador Judicial (EAJ), com as alterações introduzidas pela Lei nº 9/2022 de 11 de Janeiro. Neste contexto, importa fixar a remuneração do Sr. administrador judicial provisório, o que obrigará, entre o mais, a analisar e aferir da bondade dos critérios e cálculos efectuados pelo mesmo.
Desde logo, cumpre decidir se, na fixação da remuneração devida ao administrador judicial provisório, serão aplicáveis as normas em vigor antes, ou depois das introduzidas pela Lei nº 9/2022 de 11 de Janeiro. Para tanto, importa relevar que, por força do disposto no artigo 12º do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro e ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. Ali se prevendo igualmente que, quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Ora, tendo presente os referidos princípios gerais, caberá ainda relevar que o legislador previu um regime transitório, no artigo 10º da Lei nº 9/2022 de 11 de Janeiro, ali dispondo que a referida Lei, será imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor, sem prejuízo das ressalvas ali consignadas (onde não se incluem as alterações ao EAJ). Afigurando-se-nos assim, que o legislador, de forma expressa, dispôs directamente sobre o conteúdo da relação jurídica em causa, abstraindo dos factos que lhe deram origem. Outrossim, efectivamente, as alterações ao regime remuneratório dos administradores judiciais, introduzidas pela Lei nº 9/2022 de 11 de Janeiro, serão imediatamente aplicáveis aos processos que ainda estivessem pendentes à data da sua entrada em vigor e onde ainda não tivesse sido fixada a remuneração, pelo que, cumprirá fixar a remuneração devida ao Sr. administrador judicial provisório, de harmonia com o referido novo regime remuneratório. Com efeito, nos termos conjugados pelo disposto nos artigos 23º nº 1 e 29º nº 2, do Estatuto do Administrador Judicial, o administrador judicial provisório, em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência, nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de €2.000,00, a qual é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data de encerramento do processo, resultando desta forma ser inequívoco que ao Sr. AJP é devida tal remuneração fixa.
*****
Na verdade, o que suscita mais dúvidas é se lhe serão igualmente devidos todos os montantes reclamados a título de remuneração variável.
Vejamos:
Nos termos do disposto no artigo 23º nº 4 do EAJ, o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: a) 10 % da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5; b) 5 % do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
Naturalmente, que, para tais efeitos, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência, em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano (artigo 23º nº 5 do EAJ).
Aqui chegados, assume-se como inequívoco, que o valor concreto a encontrar, correspondente aos referidos 10%, dependerá do que se deva entender por resultado da recuperação, conceito que o legislador repetiu em ambos os nºs 4 e 5 da referida disposição legal, mas que não delimitou com a necessária objectividade ou precisão.
Na interpretação das referidas normas aplicáveis, teremos de nos nortear pelos critérios de interpretação constantes do artigo 9º do Código Civil, tomando como certo que, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas deverá reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Mas acima de tudo, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Assim, afigura-se-nos que, na interpretação a dar ao que se deverá entender por resultado da recuperação, não se poderão desconsiderar quais as finalidades que subjazem ao PER, PEAP e Plano de Insolvência, no âmbito de uma insolvência já declarada, designadamente que os mesmos visam possibilitar que o requerente/insolvente prossiga a sua actividade, com a consequente restrição dos direitos dos seus credores (incluindo dos que não reclamaram créditos), no pressuposto da sua viabilidade económica e financeira, apenas alcançável por via do plano de recuperação, sendo inequívoco que a recuperação do requerente/insolvente, será tanto maior quanto maior forem as restrições dos direitos dos credores previstas no plano, já que, será precisamente por via de tais restrições, que aquele obterá o necessário desafogo económico e financeiro e como tal a sua recuperação total e plena, sendo em função da medida de tal recuperação, que o legislador visará remunerar de forma acrescida o administrador judicial.
Deste modo, resulta da leitura conjugada pelos nºs 4 e 5, do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial, levando em consideração a unidade do sistema jurídico, que o valor correspondente a 10% da situação líquida do devedor, terá por medida precisamente a diferença entre o valor total dos créditos reconhecidos e o valor de tais créditos resultante da execução do plano de recuperação. Sem que a referência à situação líquida se reporte a qualquer conceito contabilístico ou se procure através dele reflectir a diferença entre o activo e o passivo, uma vez que, tal conceito seria apenas aplicável às sociedades comerciais, quando na verdade o legislador de forma deliberada e expressa não diferenciou o PER do PEAP.
Acresce referir que, apenas num quadro em que a remuneração variável vise precisamente compensar o administrador judicial na proporção da recuperação, se compreenderá que, de harmonia com o disposto no artigo 29º nºs 3 e 4 do EAJ, a remuneração variável relativa ao resultado da recuperação do devedor, seja paga em duas prestações de igual valor, sendo a primeira liquidada no momento da aprovação do plano de recuperação e a segunda apenas dois anos após a aprovação do referido plano, mas caso o devedor continue a cumprir regularmente o plano aprovado. Já que, caso o devedor deixe de cumprir o plano aprovado, o valor da segunda prestação será então reduzido para um quinto.
Não fazendo sentido, face ao que se expôs, que o legislador tivesse pretendido que os mencionados 10% tivessem por referência a diferença entre o activo e o passivo (equivalente a situação liquida ou capital próprio), após a aprovação do plano de recuperação - o que fará sentido e é compatível com a expressão “considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano” será entender que, o montante da recuperação e consequentemente da remuneração variável terá por base e estará dependente da maior ou menor redução do valor dos créditos a satisfazer no plano, no confronto com o que existia antes.
Aliás, a tomar-se como boa a interpretação que o Sr. administrador judicial provisório fez, no sentido de aplicar os referidos 10% à situação líquida do devedor (o que, como se disse, será sempre inaplicável ao PEAP), teríamos de constatar que, ainda que não existisse qualquer redução de créditos, mas um mero deferimento de pagamentos, ainda que curto, seria sempre devida a remuneração variável, num montante correspondente a 10% da diferença entre o activo e o passivo. O que em certos casos poderá determinar uma remuneração variável sem qualquer correspondência com a recuperação, podendo mesmo tal remuneração inviabilizar qualquer recuperação, sem que se encontre qualquer justificação para que a remuneração variável tenha qualquer correspondência com os capitais próprios da empresa (sem possibilidade de aplicação ao PEAP, como se disse e se enfatiza novamente), pelo que, não poderá a remuneração do administrador judicial constituir precisamente obstáculo (e em alguns casos o maior) a tal recuperação.
O que não faz qualquer sentido quando o que se visa com o processo é a recuperação e é em função da recuperação que o administrador judicial deverá ser remunerado.
Assim, em primeiro lugar, estamos em crer que a majoração prevista no artigo 23.º n.º 7, do EAJ se deve fazer em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos em 5% dos créditos satisfeitos, apenas com referência aos créditos cujo pagamento se ache previsto para os dois anos a que se refere o artigo 29.º n. 3, do EAJ, pois de outro modo, correr-se-ia o risco de o AJP vir a ser remunerado em função da suposta satisfação de créditos que, afinal, podem bem permanecer insatisfeitos, caso o devedor deixe de cumprir o aprovado plano de pagamentos após o referido período de dois anos.
Acresce ainda que, contrariamente ao entendimento propugnado pelo Sr. AJP estamos em crer que a situação líquida a que se refere o artigo 4.º al. a) do artigo 23.º do aludido estatuto, não deve ser apurada pelo confronto entre o activo e o passivo do devedor, como é próprio de um processo de liquidação, mas antes deve ser fixada pelo confronto entre os seus rendimentos e o serviço da dívida.
Pelo exposto, atendendo aos critérios e em função do resultado da recuperação, e tendo em consideração as funções desempenhadas e o trabalho desenvolvido pelo AJP deverá o mesmo reformular o cálculo da sua remuneração variável em função da interpretação exposta. “
Interpôs o Sr. AJP recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
Primeiro.
Através do requerimento de referência ...56, datado de 11-08-2022, requereu o aqui recorrente que lhe fosse fixada a remuneração fixa no valor de 2.000,00€, acrescida de uma remuneração variável, no montante de €13.053,00.
Segundo.
Se o valor da remuneração fixa propugnado pelo aqui recorrente não mereceu qualquer reparo do douto tribunal a quo, o mesmo não sucedeu quanto ao cálculo da remuneração variável, relativamente ao qual se determinou, através do despacho de referência ...43, datado de 16/11/2022, o seguinte: “Pelo exposto, atendendo aos critérios e em função do resultado da recuperação, e tendo em consideração as funções desempenhadas e o trabalho desenvolvido pelo AJP deverá o mesmo reformular o cálculo da sua remuneração variável em função da interpretação exposta.”
Terceiro.
Em suma, a Mma. Juiz a quo recusou sufragar o cálculo da remuneração variável proposto pelo aqui recorrente (tanto da remuneração variável prevista no artigo 23.º, n.º 4, al. a) e n.º 5, como da majoração prevista no artigo 23.º, n.º 7, ambos do EAJ - Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro), refutando os critérios que lhe serviram de base e determinando-lhe que o reformulasse em conformidade com um conjunto de critérios que discriminou no despacho recorrido.
Quarto.
Sucede que não pode o recorrente conformar-se com tal decisão, o que motiva o presente recurso.
I –Da REMUNERAÇÃO VARIÁVEL PREVISTA NO ARTIGO 23.º, n.º 4, al. a) e n.º 5 do EAJ
Quinto.
Relativamente ao disposto no artigo 23.º, n.º 4, al. a) e n.º 5 do EAJ, seguimos de perto as teses CC, MM.º Juiz de Direito no ... Juízo de .../..., em estudo que dedica à matéria. Cfr. Doc. ..., ora junto.
Sexto.
Ao contrário do vertido no despacho recorrido, em que vem recusada a tese de que “a referência à situação líquida se reporte a qualquer conceito contabilístico ou se procure através dele reflectir a diferença entre o activo e o passivo”, CC regista o seguinte: “(…) deve reconhecer-se que, mesmo na falta de um conceito legal, é possível proceder à definição da «situação líquida» (presumivelmente) do devedor, tarefa na qual é possível e natural intuir a pertinência de convocar a utilização das regras contabilísticas em vigor. Segundo as quais, no essencial, a situação líquida corresponde à designada «equação patrimonial», em que ao activo (bens+direitos, ou então, capital social+reservas+resultados retidos) é deduzido o passivo (obrigações), muitas vezes usada como sinónimo de capital próprio.” Cfr. Doc. ..., ora junto, pags. 28 e 29.
Sétimo.
Subscrevendo na íntegra o citado entendimento, o aqui recorrente apurou a situação líquida do devedor pelo confronto entre os respectivos activo e passivo, correspondendo o activo ao valor total de €205.826,99, e o passivo ao valor total de €195.423,85, respeitantes à totalidade dos créditos reclamados nos presentes autos, conforme lista provisória de créditos junta aos autos com a referência ...69.
Oitavo.
Apurada uma situação líquida no valor de €10.403,14, aplicou sobre o recorrente sobre o mesmo a percentagem de 10% prevista no artigo 23.º, n.º 4, al. a) do EAJ, obtendo uma remuneração variável no valor de €1.040,31 (valor sem IVA).
Nono.
No apuramento da situação líquida, o recorrente considerou, quanto ao passivo do devedor, o valor totalidade dos créditos reclamados nos autos. Mas a verdade é que aquele preceito determina que a situação líquida seja calculada só após a homologação do plano de recuperação do devedor, isto é, num momento em que o passivo do devedor se encontra mitigado em virtude da aplicação do plano,
Décimo.
Nesta matéria, cita-se novamente as lapidares palavras do distinto Juiz de Direito CC: «Por outro lado, também é possível ensaiar um modelo para que, sendo positiva, essa situação líquida contabilística incida, nos termos da remissão da al. a) do n.º 4, para o n.º 5 do art. 23.º, sobre o valor “determinado com base no montante dos créditos a satisfazer”. Desta forma, supondo que, de acordo com a contabilidade devidamente organizada ou, na sua ausência, em face dos elementos constantes no processo, o activo do devedor é de €5.000.000,00, sendo o passivo de €6.000.000,00, e prevendo o plano a redução das dívidas a pagar para €4.000.000,00, teríamos que deduzir estes 4.000.000 aos referidos 5.000.000, apurando uma situação líquida após a homologação do plano de €1.000.000,00, e arbitrar em consequência uma remuneração variável de 10%, i. é, no valor de €100.000,00» Cfr. Doc. ..., ora junto, pag. 29.
Décimo primeiro.
Conforme preconiza o eminente magistrado, a situação líquida do devedor resulta do confronto entre os respectivos activo e passivo, sendo que o passivo, porque calculado após a homologação do plano de recuperação do devedor, terá de corresponder não ao valor da totalidade dos créditos reclamados nos autos, mas ao valor dos créditos a satisfazer nos termos daquele plano de recuperação.
Décimo segundo.
No caso vertente, o valor dos créditos a satisfazer nos termos do plano de recuperação é de €185.376,62.
Décimo terceiro.
Assim, em conformidade com o entendimento do distinto Juiz de Direito CC, a situação líquida corresponde, no caso sub judice, ao valor de €20.450,37 (que resulta da subtracção €185.376,62 - valor dos créditos a satisfazer nos termos do plano de recuperação – ao montante de €205.826,99 – valor do activo do devedor).
Décimo quarto.
Aplicando a percentagem de 10% ao referido valor de €20.450,37, conforme prevê o artigo 23.º, n.º 4, al. a). do EAJ, resulta apurada uma remuneração variável no valor de €2.045,04 (valor sem IVA).
Décimo quinto.
Conforme advoga o já profusamente citado magistrado CC, o cálculo da remuneração variável nos termos e segundo os critérios vindos de expor deve prevalecer sobre quaisquer outras interpretações do artigo 23.º, n.º 4, al. a). e n.º 5 do EAJ – designadamente, no que ao âmago do presente recurso respeita, sobre a interpretação sufragada pelo tribunal a quo no despacho recorrido -, sendo o que tem maior correspondência com o elemento literal da lei.
Décimo sexto.
Assim, embora, por erro de cálculo, o recorrente haja apurado um valor de €1.040,31 de remuneração variável, o montante que lhe é devido a esse título é de €2.045,04, conforme resulta da aplicação do artigo 23.º, n.º 4, al. a) e n.º 5 na interpretação sufragada.
II- Da MAJORAÇÃO DA REMUNERAÇÃO VARIÁVEL: ART.º 23.º n.º 7
Décimo sétimo.
Quanto ao disposto no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ, entende o tribunal a quo que a majoração aí prevista deve ser calculada “apenas com referência aos créditos cujo pagamento se ache previsto para os dois anos a que se refere o artigo 29.º, n.º 3 do EAJ.
Décimo oitavo.
Nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º 2 do CCivil, não pode o intérprete considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Décimo nono.
Ora, salvo o devido respeito, a tese propugnada pelo tribunal a quo não encontra qualquer correspondência na letra da lei, pelo que não poderá sufragar-se, considerando o disposto no citado artigo 9.º, n.º 2 do CCivil.
Vigésimo.
Uma vez mais, não poderá deixar de subscrever-se, nesta matéria, o entendimento do mui ilustre Juiz de Direito CC, que, recuperando o exemplo que utiliza para ilustrar o cálculo da remuneração variável prevista nos artigos artigo 23.º, n.º 4, al. a). e n.º 5 do EAJ, regista lapidarmente o seguinte: «À qual [remuneração variável], segundo o disposto no n.º 7 do art. 23.º, vai ainda acrescer 5% do valor previsto satisfazer aos credores nos termos do plano, e que no exemplo dado seria de 4.000.000 (valor do qual, 5% corresponde a 200.000), pelo que, daqui resultaria um total de €300.000,00 a título de remuneração variável.»
Cfr. Doc. ..., ora junto, pag. 29.
Vigésimo primeiro.
Nesta esteira, a percentagem de 5% prevista no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ terá, no caso vertente, de ser aplicada sobre o valor de €185.376,62, correspondente ao valor previsto satisfazer aos credores nos termos do plano.
Vigésimo segundo.
Assim, a majoração prevista no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ, cifra-se no valor de €9.268,83 (valor sem IVA).
Vigésimo terceiro.
Ao contrário do propugnado por certa jurisprudência, também não poderá, salvo melhor opinião, argumentar-se que a supra referida percentagem de 5% devesse aplicar-se não directamente ao montante dos créditos satisfeitos, mas a uma outra percentagem que correspondesse ao grau de satisfação dos créditos reconhecidos.
Vigésimo quarto.
Com efeito, a redacção do artigo 23.º, n.º 7 do EAJ é sobejamente clara, determinando expressamente que a majoração da remuneração corresponde a 5% do montante dos créditos satisfeitos.
Vigésimo quinto.
No sentido de que a referida percentagem de 5% deve ser aplicada directamente sobre o montante dos créditos satisfeitos, vide, inter alia:
-ARAÚJO, Nuno Marcelo da Nóbrega dos Santos de Freitas, “A remuneração do Administrador Judicial e a sua apreciação jurisdicional depois de Abril de 2022”, Data Venia, revista digital, ano 10, n.º 13, abril de 2022, pp. 67 a 110 – Cfr. Doc. ..., ora junto (pags. 32 a 35);
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 20-09-2022 (em que foi relatora a Exma. Sra. Dra. Fátima dos Reis Silva, e subscrito pela Exma. Sra. Dra. Amélia Sofia de Barros Rebelo e Exma. Sra. Dra. Manuela Espadaneira Lopes), Cfr. Doc. ...., ora junto;
-Parecer do Exmo. Sr. Dr. Alexandre de Soveral Martins, Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, datado de 20/11/2022, Cfr. Doc. ..., ora junto (Vide, designadamente, as conclusões 6.ª a 11.ª e 14.ª).
POR TODO O EXPOSTO;
Vigésimo sexto.
Com o devido respeito, o despacho recorrido sustenta-se numa interpretação incorrecta do disposto nos art.ºs 23.º, n.º 4, al. a)., n.º 5 e n.º 7 do EAJ;
Vigésimo sétimo.
Devendo ser objecto de revogação no disposto quanto à remuneração variável, e substituído por outro que, da lavra dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação, e em conformidade com os critérios propugnados pelo recorrente, fixe aquela remuneração em:
a. €2.000,00 a título de remuneração fixa, mantendo nessa parte a decisão proferida pelo tribunal a quo;
b. €2.045,04 a título de remuneração variável a que alude o art.º 23.º n.º 4, alínea a) da Lei n.º 22/2013, de 23 de Fevereiro;
c. €9.268,83 a título de majoração a que alude o art.º 23.º n.º 7 da Lei n.º 22/2013, de 23 de Fevereiro;
d. montantes esses acrescidos de IVA à taxa legal em vigor. Cfr. Doc. ..., ora junto.
Vigésimo oitavo.
O que representa um total de €13.916,06 (valor com IVA) a título de remuneração variável prevista no art.º 23.º, n.º 4, al. a)., n.º 5 e n.º 7 do EAJ.
Vigésimo nono.
Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se admite, deve ainda assim revogar-se o despacho recorrido e fixar-se, pelo menos, a remuneração variável no valor de €13.053,00, inicialmente calculado pelo recorrente, conforme requerimento de referência ...56, datado de 11-08-2022.
Trigésimo.
Montantes (a título de remuneração variável) a serem pagos em duas prestações de igual valor, vencendo-se a primeira no momento da aprovação do plano de recuperação e a segunda dois anos após a aprovação do referido Plano, conforme decorre do disposto no artigo 29º, n.º 3 do EAJ.”
Não consta tenham sido apresentadas contra-alegações.
2. Questões a decidir
O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
A questão que cabe apreciar é a de saber em que termos deve ser fixada a remuneração variável do Sr. Administrador Judicial Provisório num Processo Especial para Acordo de Pagamento.
3. Fundamentação de facto
As incidências fácticas relevantes para a decisão são as indicadas no antecedente relatório, que aqui se dão por reproduzidas. 4. Fundamentação de direito 4.1. Aplicação da lei no tempo
As normas convocadas, quer pela decisão recorrida, quer pelo Sr. AJP, são, essencialmente, os art.ºs 23º e 29º do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei n.º 22/2013, objecto de duas alterações legislativas, a última das quais pela Lei n.º 9/2022, de 11/01 e que entrou em vigor 90 dias após a sua publicação, como determinado pelo seu art.º 12º, ou seja, a 11/04/2022.
Na referida data os autos de PEAP, de que os presentes são apenso, já estavam pendentes.
O n.º 1 do art.º 10º da citada Lei dispõe que sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a presente lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor.
Nos números seguintes não há qualquer ressalva quanto ás alterações introduzidas no EAJ.
Mas importa precisar
Resulta do art.º 12º n.º 2 do CC que, quando a lei nova “dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que (…) abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”
A Lei n.º 9/2022 dispôs sobre o regime jurídico do Administrador Judicial e, mais concretamente, sobre a “Remuneração de pagamento do administrador judicial”, epigrafe do Capítulo do EAJ em que se integram os normativos que se impõe sejam convocados para apreciação do recurso.
Assim sendo, impõe-se concluir que a Lei n.º 9/2022 dispôs diretamente sobre o conteúdo da “relação jurídica” da administração judicial, pelo que abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor, como é o caso dos autos, pelo que o regime jurídico dela resultante é imediatamente aplicável.
4.2. Da remuneração variável 4.2.1. Do art.º 23º n.ºs 4, alínea a) e 5 do EAJ.
Dispõe o art.º 22º do EAJ que o administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas.
E o n.º 1 do art.º 23º dispõe que o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2000 (euro).
O normativo refere-se a três realidades: o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização; o administrador judicial provisório em processo especial para acordo de pagamento; o administrador da insolvência em processo de insolvência.
Resulta das incidências processuais relevantes que o processo principal, de que os presentes são apenso, é um Processo Especial para Acordo de Pagamento, no qual, por despacho de 17/03/2022, foi nomeado Administrador Judicial Provisório o Dr. AA, aqui recorrente.
Antes de avançar impõem-se uma breve referência ao PEAP.
Como decorre do art.º 1º do CIRE, actualmente e no domínio do “direito da insolvência” são possíveis duas realidades: a situação pré-insolvencial – que a lei caracteriza, em várias disposições – art.º 1º n.º 2 e 3, 17º - A, n.º 1, art.º 222º Aº, n.º 1 - como situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente – e a situação insolvencial.
E, como decorre do mesmo normativo, a essas situações correspondem vias de reacção diferentes: para a situação pré-insolvencial das empresas, o Processo Especial de Revitalização, cujo regime essencial se encontra nos art.ºs 17º A a 17º J do CIRE; para a situação pré-insolvencial, do devedor que não seja empresa, o Processo Especial de Acordo de Pagamento, cujo regime essencial se encontra nos art.ºs 222º A a 222º J do CIRE, ainda que, depois, o mesmo contenha um conjunto de remissões para normas do plano de insolvência; não sendo possível nenhuma delas e verificando-se uma situação de insolvência, a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
A atenção que tem vindo a ser dada, ao longo do tempo e de forma crescente à situação de pré-insolvência decorre, em essência, do entendimento de que a insolvência, com a liquidação do património, importa amplas e dificilmente abarcáveis consequências económicas (mesmo no que respeita às pessoas singulares, pois são consumidores e, assim, o sustentáculo de muitas empresas) e sociais.
Se tais consequências puderem ser evitadas, através da recuperação da empresa ou da superação das dificuldades económicas por parte da pessoa singular (a expressão é de Catarina Serra, Lições de Direito da insolvência, 2ª edição, pág. 321), actuadas numa fase de menor gravidade da situação económico-financeira e, portanto, com potencial de reversibilidade, então deve dar-se primazia a essa actuação.
Para o caso releva apenas o PEAP.
Decorre do disposto no art.º 222º A n.º 1 do CIRE que o processo especial para acordo de pagamento destina-se a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes, acordo de pagamento.
O âmbito objectivo do PEAP é a situação pré-insolvencial, isto é, uma situação económica difícil ou uma situação de insolvência meramente iminente (a sua análise não releva para o presente recurso) e o âmbito subjectivo é o devedor que não seja empresa. Não porque a situação subsequente seja, necessária e inelutavelmente, a insolvência, mas porque ainda não se verifica essa situação.
E porque assim é e porque o seu âmbito subjectivo não é a empresa, mas o devedor que não seja empresa, em essência, pessoas singulares, a filosofia deste instrumento jurídico não é a recuperação, que não é aplicável.
Tanto assim é que há uma diferença essencial entre a referida norma do PEAP e a norma relativa ao PER, concretamente o nº 1 do artigo 17º-A (sublinhado nosso): “O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordos conducente à sua revitalização.”
O PEAP, em consonância com o seu âmbito subjectivo, não exige que o devedor seja susceptível de recuperação, como também não exige que o acordo de pagamento seja conducente à revitalização.
Assim, refere Catarina Serra in Lições de Direito da Insolvência, 2ª edição, pág. 319: “Associar-se, no Direito da insolvência, a recuperação a pessoas singulares ou humanas quale tale não seria – não é – natural. Em matérias como esta, com relevo jurídico-económico, a função de recuperação pressupõe a existência, não de uma actividade humana qualquer, mas de uma actividade económica, em que a prática continua e organizada de determinados actos pelos sujeitos (a empresa) se autonomiza e [os] transcende.”
E mais adiante (pág. 320) conclui: “A empresa e só a empresa é, portanto, susceptível de recuperação.”
A filosofia subjacente ao PEAP é tentar evitar ou prevenir que sobrevenha a insolvência (Leticia Marques Costa, in A insolvência de pessoas singulares, Almedina, pág. 391 e Luís Menezes Leitão, A Recuperação Económica dos Devedores, Almedina, 2ª edição, 2020, pág. 79), com todas as consequências daí advenientes (ainda que na prática se corra o risco, como em tudo, de o instrumento em referência se poder traduzir “num expediente tendente a atrasar a declaração de insolvência” - cfr. Leticia Costa, ob. cit. pág. 419).
E evitar ou prevenir significar criar as condições para que o devedor e os credores negoceiem, de boa fé e de forma equilibrada, e tentem chegar a um acordo de pagamento (que, considerado em termos amplos, pode ser através da reorganização do pagamento do passivo e/ou da reconfiguração ou reestruturação do mesmo), que permita ao devedor, com tempo, superar as dificuldades, em vez da pura e simples liquidação do património, e permita aos credores a satisfação dos respectivos créditos (o que pode muito bem não suceder se houver uma pura e simples liquidação do património, tudo dependendo do valor do activo face ao valor do passivo e da graduação dos créditos).
Naturalmente que o objectivo de evitar ou prevenir que sobrevenha a insolvência será tanto mais facilmente alcançado, quando maior for a reconfiguração do passivo conseguida no acordo de pagamento, ou seja, quanto menor for o capital e juros que o devedor continue a pagar, face ao que foi objecto de reclamação.
Retomando a sequência, aqui apenas cabe analisar a questão da remuneração variável do Administrador Judicial Provisório em Processo Especial para Acordo de Pagamento, já que face ao teor da decisão recorrida não está em causa a remuneração fixa.
Dispõe o n.º 4 do art.º 23º (sublinhados nossos) que os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: a) 10 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5; b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
O n.º 4 reporta-se a duas realidades: resultado da recuperação do devedor / liquidação da massa insolvente.
É manifesto que não está em causa no PEAP a liquidação da massa insolvente.
Mas também já acima referimos que a filosofia do PEAP não é a “recuperação” ou a “revitalização”. Tal apenas é próprio do PER ou do Plano de recuperação na insolvência.
No entanto, o n.º 5 volta a referir (sublinhados nossos) que, para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
Analisando de forma conjugada, por um lado, o corpo do n.º 4 e o n.º 5 e, por outro lado, a alínea b) n.º 4, debatemo-nos com dois conceitos que são a chave da fixação da remuneração variável: 1) “resultado da recuperação”; 2) “situação líquida”.
O “resultado da recuperação” tem definição legal: “o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano”.
O legislador, ao utilizar e definir o conceito de “resultado da recuperação” - nos referidos termos e no conjunto normativo constituído pelos n.ºs 4 e 5, os quais não podem ser dissociados -, tornou-o referencial e condição da interpretação da expressão “situação líquida”.
Dito de outra forma: a definição do que seja “situação líquida” está subordinada ao “resultado da recuperação”.
O n.º 3 do CC do art.º 9º do CC dispõe que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Assim, não se vislumbra que a “situação líquida” seja a diferença entre activo e passivo, pois o “resultado da recuperação” não tem qualquer relação ou correspondência com tal diferença, ou seja, esta em nada se projecta ou interfere na recuperação.
E por isso se acompanha a decisão recorrida quando afirma:
Sem que a referência à situação líquida se reporte a qualquer conceito contabilístico ou se procure através dele reflectir a diferença entre o activo e o passivo, uma vez que, tal conceito seria apenas aplicável às sociedades comerciais, quando na verdade o legislador de forma deliberada e expressa não diferenciou o PER do PEAP.
(…)
Não fazendo sentido, face ao que se expôs, que o legislador tivesse pretendido que os mencionados 10% tivessem por referência a diferença entre o activo e o passivo (equivalente a situação liquida ou capital próprio), após a aprovação do plano de recuperação - o que fará sentido e é compatível com a expressão “considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano” será entender que, o montante da recuperação e consequentemente da remuneração variável terá por base e estará dependente da maior ou menor redução do valor dos créditos a satisfazer no plano, no confronto com o que existia antes.
Assim, há-de considerar-se que o conceito de “situação líquida” é a diferença entre o montante dos créditos reclamados (cfr. art.º 222º D n.º 2 do CIRE) e o montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
Neste conspecto, acompanha-se a decisão recorrida quando refere:
Deste modo, resulta da leitura conjugada pelos nºs 4 e 5, do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial, levando em consideração a unidade do sistema jurídico, que o valor correspondente a 10% da situação líquida do devedor, terá por medida precisamente a diferença entre o valor total dos créditos reconhecidos e o valor de tais créditos resultante da execução do plano de recuperação.”
Por outro esta é a interpretação que se coaduna com o disposto no art.º 29º n.º 3 e 4 do EAJ, como também se afirma na decisão recorrida:
Acresce referir que, apenas num quadro em que a remuneração variável vise precisamente compensar o administrador judicial na proporção da recuperação, se compreenderá que, de harmonia com o disposto no artigo 29º nºs 3 e 4 do EAJ, a remuneração variável relativa ao resultado da recuperação do devedor, seja paga em duas prestações de igual valor, sendo a primeira liquidada no momento da aprovação do plano de recuperação e a segunda apenas dois anos após a aprovação do referido plano, mas caso o devedor continue a cumprir regularmente o plano aprovado. Já que, caso o devedor deixe de cumprir o plano aprovado, o valor da segunda prestação será então reduzido para um quinto.”
Aliás, só esta interpretação se coaduna com o objectivo do PEAP: evitar ou prevenir que sobrevenha a insolvência o que será tanto mais facilmente alcançado, quando maior for a diminuição do passivo conseguida no acordo de pagamento, ou seja, quanto menor for o capital e juros que o devedor continue a dever, em função do plano, face ao que foi objecto de reclamação por parte dos credores.
Face a esta interpretação, face ao contexto normativo em que as expressões “resultado da recuperação” e “situação líquida” surgem, manifestamente não tem suporte legal a interpretação da situação líquida como querendo referir-se á diferença entre o activo e o passivo.
Analisando o cálculo da remuneração variável apresentado pelo Sr. AJP é patente que o mesmo não teve em consideração o determinado na alínea a) do n.º 4 e n.º 5 do art.º 23º do EAJ, pois o mesmo considera a “situação líquida” como sendo a diferença entre o activo - 175 712,73€ + 30 114,26€ - e o passivo (total dos créditos reclamados) - 195 423,85€ - o que, como ficou exposto, não corresponde à correcta interpretação da lei.
Destarte a decisão recorrida, que determina que o Sr. AJP reformule o cálculo da sua remuneração variável no que respeita à componente a que aludem a alínea b) do n.º 4 e o n.º 5 do art.º 23º do EAJ, de acordo com a interpretação de tais normas que é feita na mesma decisão, deve manter-se, improcedendo, assim, todas as conclusões recursivas quanto a esta questão.
4.2.2. Majoração a que se refere o n.º 7 do art.º 23º do EAJ
Dispõe o n.º 7 do art.º 23ª “O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.”
O Sr. AJP calculou a referida majoração nos seguintes termos: considerou o valor dos réditos reclamados e admitidos - 195 423,85€ -, considerou que os referidos créditos foram “satisfeitos“ em 191 437,56€ (e calculou 5% sobre este valor, o que dá um resultado de € 9 571,88, o qual, acrescido de IVA à taxa de 23% - € 2 201,53 - dá o resultado de 11 773,41€.
A decisão recorrida considerou:
“(…) estamos em crer que a majoração prevista no artigo 23.º n.º 7, do EAJ se deve fazer em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos em 5% dos créditos satisfeitos, apenas com referência aos créditos cujo pagamento se ache previsto para os dois anos a que se refere o artigo 29.º n. 3, do EAJ, pois de outro modo, correr-se-ia o risco de o AJP vir a ser remunerado em função da suposta satisfação de créditos que, afinal, podem bem permanecer insatisfeitos, caso o devedor deixe de cumprir o aprovado plano de pagamentos após o referido período de dois anos.”
No recurso o Sr. AJP afirma que o valor a considerar é de € 185.376,62, correspondente ao valor previsto satisfazer aos credores nos termos do plano – cfr. conclusão 21ª – e calcula 5% sobre o referido montante, obtendo o resultado de € 9.268,83, sem IVA.
Neste momento está em causa o segmento da norma que refere “… montante dos créditos satisfeitos,…”.
Não pode haver dúvidas, face à inclusão do n.º 5 do art.º 23º, na previsão do n.º 7, de que também a remuneração variável do AJP no PEAP inclui a majoração.
O problema é saber como se calcula essa majoração no PEAP (e o problema coloca-se, também, no processo especial de revitalização e no processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação), pois a lei utiliza as expressões “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos “ e “créditos satisfeitos”.
Destarte, a chave para uma solução conforme aos dados legais passa por responder a esta questão: quando é que no PEAP (como no PER ou no plano de recuperação aprovado em processo de insolvência) há lugar à “satisfação dos créditos reclamados e admitidos”.
Neste ponto importa recordar que nos termos do n.º 2 do art.º 9º do CC não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso e, nos termos do n.º 3 do mesmo normativo, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Assim, resposta não pode ser a de considerar os créditos a “satisfazer” no prazo de dois anos a contar da aprovação do plano de pagamento - como considerou a decisão recorrida, que nesta parte não se acompanha -, pois tal interpretação não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, já que a lei prevê que a majoração é calculada “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos” e não dos créditos a satisfazer.
Além disso, o n.º 7 contêm ainda um elemento interpretativo relevante, pois determina que o valor da majoração é “pago previamente à satisfação daqueles”, ou seja, previamente à satisfação dos créditos reclamados e admitidos.
Aquela interpretação não se concilia com o que dispõe este normativo.
Neste conspecto, impõe-se considerar que o n.º 7 apenas será aplicado no PEAP (e no PER e no plano de recuperação aprovado em processo de insolvência) se e quando o Plano de Pagamento (ou Plano de revitalização ou plano de recuperação) previr que parte dos créditos sejam imediatamente satisfeitos por via de liquidação de bens (para uma situação de PER, mas aplicável tendo em consideração as semelhanças, o Ac desta RG de 17/11/2022, processo 3529/21.3T8GMR.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, entretanto seguido no Ac. da RL de 24/01/2023, processo 26107/20.0T8LSB.L1-1, consultável in www.dgsi.pt/jtrl).
Só esta interpretação se mostra compatível com a letra do n.º 7 quando se refere a “grau de satisfação“ e “créditos satisfeitos” e com a parte final do mesmo, ao determinar que o valor da majoração é “pago previamente à satisfação” dos créditos reclamados e admitidos.
E só esta interpretação se compatibiliza com o facto de o legislador ter incluído neste n.º 7 o n.º 6 do art.º 23º e que dispõe que para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
E sendo assim, a resposta à questão colocada, também não pode ser a pretendida pelo Sr. AJP no seu recurso, ou seja, a de considerar o montante dos créditos a satisfazeraos credores integrados no plano porque no n.º 7 a lei utiliza as expressões “grau de satisfação“ e “créditos satisfeitos” e não “satisfazer”.
Em face do já exposto, também esta interpretação não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal e, como tal, não pode ser acolhida.
Concluiremos esta apreciação adiante, no ponto 4.2.3.
Finalmente e ainda neste âmbito, a sentença recorrida considerou que “a majoração prevista no artigo 23.º n.º 7, do EAJ se deve fazer em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos em 5% dos créditos satisfeitos,…”
O Sr. AJP conclui que` Vigésimo terceiro Ao contrário do propugnado por certa jurisprudência, também não poderá, salvo melhor opinião, argumentar-se que a supra referida percentagem de 5% devesse aplicar-se não directamente ao montante dos créditos satisfeitos, mas a uma outra percentagem que correspondesse ao grau de satisfação dos créditos reconhecidos. Vigésimo quarto. Com efeito, a redacção do artigo 23.º, n.º 7 do EAJ é sobejamente clara, determinando expressamente que a majoração da remuneração corresponde a 5% do montante dos créditos satisfeitos.
Ou seja: o Sr. AJP entende que a percentagem de 5% incide directamente sobre o montante dos créditos satisfeitos (cfr. conclusão 23ª), mas entendendo que a referida percentagem terá de ser aplicada sobre o valor de € 185.376,62, correspondente ao valor previsto satisfazer aos credores nos termos do plano (cfr. conclusão 21ª).
E calculando 5% sobre o referido montante, obteve o resultado de € 9.268,83, sem IVA.
Agora e como é expresso na decisão recorrida, está em causa o primeiro segmento da norma: “…em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos…”.
A relevância a dar ao referido segmento tem sido colocada em processos de insolvência em que há lugar à liquidação do activo.
Vejamos em primeiro lugar em que termos tem sido colocada em tais processos, para depois verificar em que moldes a questão se pode colocar no PEAP (ou no PER ou na insolvência quando há plano de recuperação).
E nesse âmbito tem sido defendido pelos Sr’s. AI’s que a adequada interpretação do n.º 7 do art.º 23º conduz a que a majoração de 5% deve ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos (montante dos créditos satisfeitos), em resultado da liquidação do activo.
Tal entendimento foi inicialmente e tanto quanto resulta da pesquisa efectuada (que não é exaustiva), veiculada pelo Ac. da RL de 20/09/2022, processo 9849/14.6T8LSB-E.L1-1 – Secção de Comércio, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, onde se afirmou: Foi apurado o valor total de receitas de € 436.175,47. Deste valor deduzem-se as dívidas da massa insolvente, tal como validadas em sede de prestação de contas que no caso concreto somam € 4.179,26, correspondentes a custas do processo de insolvência de € 4.172,00 (conta de 06/05/2022 e art. 51º, nº1, al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e despesas da massa insolvente de € 7,26; O resultado da liquidação é de € 431.996,21. A remuneração corresponde a 5% deste valor, ou seja, € 21.599,81. Passando ao cálculo da majoração prevista no nº7 do art. 23º, deduzem-se do resultado da liquidação a remuneração fixa e a remuneração variável achada - € 431.996,21 – (2.460,00 + 21.599,81+IVA de € 4.967,95) – achando-se o montante a distribuir pelos credores, ou seja o que vai constituir o valor dos créditos satisfeitos, que é de € 402.968,45. 5% deste montante corresponde a € 20.148,42. Assim, fixa-se em € 41.748,23 a remuneração variável do Sr. Administrador da Insolvência.
Este entendimento foi seguido no Ac. da mesma RL e do mesmo colectivo de 20/12/2022, processo 415/13.4TYLSB-E.L1-1, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, mas, agora, com um voto de vencido da Exmª Sra. Desembargadora 2ª Adjunta, que remete para o Ac. da mesma RL, também de 20/12/2022, processo 7269/14.1T2SNT-F.L1, em que foi Relatora, também consultável no mesmo sítio, tendo sido também relatora no Ac. da RL de 24/01/2023, processo 2051/12.3TYLSB-G.L1-1, consultável in www.dgsi.pt/jtrl.
E aquele entendimento foi também seguido no Ac. da RP de 10/01/2023, processo 3454/20.5T8STS-K.P1, consultável in www.dgsi.pt.
Mas desde o inicio que a maioria da jurisprudência enveredou por outro caminho e que se pode sintetizar no seguinte: no cálculo da majoração (de 5%) deve atender-se ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos e, assim, o valor da majoração deve ser encontrado mediante a aplicação do elemento de cálculo previsto na lei (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita.
Neste sentido os Acórdãos (a recolha não é exaustiva):
- da RC de 22/09/2022, processo 2495/20.7T8ACB.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc;
- da RE de 29/09/2022, processo 260/14.0TBTVR.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre;
- da RC de 11/10/2022, processo 3947/08.2TJCBR-AY.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc, em que se seguiu o entendimento expresso no Ac. da RC de 22/09/2022, processo 2495/20.7T8ACB.C1, já referido.
- da RP de 11/10/2022, processo 2631/20.3T8OAZ-E.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp;
- da RC de 25/10/2022, processo 318/12.0TBCNT-V.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc;
- do STJ de 18/04/2023, processo 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj;
- da RL de 02/05/2023, processo 29823/11.3T2SNT-L.L1-1, consultável in www.dgsi.pt/jtrl.
Este Acórdão releva ainda porque contém uma declaração de voto da Exmª Relatora e da Exmª 1ª Adjunta dos Ac’s da RL de 20/09/2022, processo 9849/14.6T8LSB-E.L1-1 e de 20/12/2022, processo 415/13.4TYLSB-E.L1-1, em que declaram ter alterado a posição assumida nos referidos Ac’s.
E este facto releva na medida em que tais arestos vêm sendo citados para sustentar a interpretação do n.º 7 do art.º 23º segundo a qual a majoração de 5% deve ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos (montante dos créditos satisfeitos).
E é também aquele o entendimento que sufragamos, não acompanhando o entendimento segundo o qual a majoração de 5% deve ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos (montante dos créditos satisfeitos), por não ser conforme com a adequada interpretação da lei.
Vejamos as razões para tal.
Caso o legislador pretendesse que a majoração a que se refere o n.º 7 do art.º 29º do EAJ fosse encontrada pura e simplesmente mediante o cálculo de 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos, então não teria incluído na norma o segmento que antecede aquele - “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”.
De facto a norma sem o referido segmento teria o seguinte teor: “O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, (…) em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.”
Porém, apesar de sucessivas alterações legislativas, o referido segmento foi sendo mantido intacto.
O antigo Estatuto do Administrador Judicial constava da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho (que foi revogada pela Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro).
O n.º 4 do art.º 20º da citada lei n.º 32/2004 dispunha: “4-O valor alcançado por aplicação da tabela referida no n.º 2 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos factores constantes da portaria referida no n.º 1.
A portaria a que se referia o citado normativo era a Portaria n.º 51/2005, de 20 de janeiro, cujo Anexo II continha uma tabela eu estabelecia o “factor aplicável“ à “percentagem dos créditos admitidos que foram satisfeitos” e que ia de 1% a 1,6%.
Na redacção original da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, o n.º 4 da Lei n.º 32/2004 passou a constituir o n.º 5 do artigo 23º do EAJ, com o seguinte teor: «O valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.ºs 2 e 3 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1.»
O n.º 1 dispunha: “1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia.”
A alteração introduzida no art.º 23º pelo DL n.º 52/2019, de 17 de abril, limitou-se a alterar a referência à numeração: os n.ºs 2 e 3 passaram a ser os n.ºs 3 e 4.
Com a Lei n.º 9/2022, a norma do n.º 5, passou para o n.º 7, desapareceu a remissão para a portaria, a qual foi substituída pelo segmento “em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.”
Se, apesar das sucessivas alterações legislativas, o legislador manteve o referido segmento e se, nos termos do n.º 3 do art.º 9º do CC, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, então impõe-se concluir que o referido segmento tem relevo, significado, tem sentido útil, é determinante para a majoração da remuneração variável.
Além disso, uma interpretação do n.º 7 do art.º 23º que eliminasse o referido segmento equivalia a fazer uma interpretação ab-rogante da norma.
Mas, sendo pressuposto de tal interpretação, a contradição intra-sistemática inultrapassável, não se vislumbrando uma oposição com qualquer outra norma, a mesma não tem fundamento.
Finalmente, se é certo que o n.º 7 do art.º 23º dispõe que “O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado,..”, “…em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos…”, não é menos certo que entre os dois segmentos consta “… em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos…”.
Sendo assim, não pode deixar-se de considerar que o segmento “…em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos…”, está subordinado, é dependente do segmento “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos…”. E em função disso, impõe-se concluir que no cálculo da majoração (de 5%) deve atender-se ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos e, assim, o valor da majoração deve ser encontrado mediante a aplicação do elemento de cálculo previsto na lei (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita (neste sentido o A. da RL de 20/12/2022, processo 7269/14.1T2SNT-F.L1, consultável in www.dgsi.pt/jtrl).
E concretizando, como se refere no Ac. da RL de 02/05/2023, processo 29823/11.3T2SNT-L.L1-1, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, “o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, é encontrado dividindo o montante correspondente aos créditos satisfeitos pelo valor correspondente aos créditos admitidos e, a seguir, multiplica-se o grau/percentagem assim obtido pelo montante correspondente ao valor dos créditos satisfeitos; ao resultado alcançado aplica-se a percentagem de 5% correspondente à majoração prevista no referido número 7 do art.º 23.º”.
Uma nota final relativa ao elemento racional da norma, tomando aqui as palavras do Ac. do STJ de 18/04/2023, processo 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, onde se afirma (sublinhados nossos): É inequívoco que a Lei n.9/2022 pretendeu favorecer o administrador, alterando a percentagem da majoração para 5%, em vez dos valores mais reduzidos que constavam da Portaria n.51/2005. Mas não é possível concluir que o legislador o tivesse pretendido favorecer em mais do que isso. Ao manter o valor da remuneração fixa (em 2.000 €), no n.1 do art.23º, não parece que o legislador tenha dado um sinal de pretender melhorar significativamente a remuneração do administrador independentemente dos resultados alcançados pelo seu labor em cada caso concreto. Neste sentido, é possível concluir que o legislador terá pretendido fazer depender uma maior remuneração de um maior grau de empenho do administrador na satisfação do interesse dos credores. Por outro lado, tendo presente que a Lei n.9/2022 transpôs a Diretiva 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, importa indagar se (nos considerandos ou no articulado) tal Diretiva contém alguma referência à remuneração do administrador. Entre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos de insolvência, encontra-se o artigo 27º daquela Diretiva, o qual se refere à supervisão e à remuneração do administrador. No n. 4 deste artigo dispõe-se que: «Os Estados-Membros asseguram que a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos.» Embora desta disposição não resulte um comando legislativo destinado a modelar diretamente as normas reguladoras da remuneração do administrado, o apelo a um propósito de eficiência compatibiliza-se melhor com uma majoração calculada «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» (como consta do n.7 do art.23º do EAJ) do que com uma interpretação que não depende de qualquer grau de satisfação.”
E isto mesmo já era referido no Ac. da RC de 28/09/2022, processo 2495/20.7T8ACB.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc, onde se afirmou: “ (…) dizendo-se ali expressamente que a remuneração em questão é calculada em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, parece que a intenção do legislador terá sido a de considerar que a remuneração em questão tomasse em conta essa variável. Tal pretensão/intenção está, aliás, em perfeita sintonia com aquilo que já constava da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 112/IX – que veio a dar origem ao anterior Estatuto do Administrador da Insolvência (aprovado pela Lei n.º 32/2004) – e que também se colhe na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 107/XII – que veio a dar origem ao actual Estatuto do Administrador Judicial (aprovado pela Lei n.º 22/2013) – de onde resulta que a remuneração em questão visa também incentivar os administradores a desenvolver esforços no sentido de alcançar o melhor resultado possível e premiá-los pelo resultado efectivamente obtido e que se presume resultar, pelo menos em parte, do seu empenho e do seu esforço. Nessa perspectiva, surge como natural que o grau de satisfação de créditos surja como variável relevante na fixação da remuneração.”
Destarte, fazer entrar no cálculo da majoração o “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos” tem um racional - incentivar os administradores judiciais a desenvolver esforços no sentido de alcançar o melhor resultado possível para os credores, pois, como resulta do art.º 1º n.º 1, a finalidade do processo de insolvência é a satisfação dos mesmos.
E, como é evidente, para encontrar esse “grau”, impõe-se dividir o montante correspondente aos créditos satisfeitos pelo montante correspondente aos créditos reclamados e admitidos.
Volvendo agora ao PEAP, impõe-se concluir que havendo neste processo (ou no PER ou no processo de insolvência em que é aprovado um plano de recuperação) liquidação de bens para dar pagamento aos credores, nenhuma razão existe para a questão ser tratada de forma diferente, sob pena de se gerar uma incongruência no sistema.
Destarte, a majoração há-de ser encontrada nos termos referidos no já citado Ac. da RL de 02/05/2023, processo 29823/11.3T2SNT-L.L1-1, consultável in www.dgsi.pt/jtrl.
Destarte e nesta parte, improcedem as conclusões recursivas.
4.2.3. Proibição de reformatio in pejus
Aqui chegados impor-se-ia concluir que a decisão recorrida, que determina que o Sr. AJP reformule o cálculo da sua remuneração variável no que respeita à majoração a que alude o n.º 7 do art.º 23º do EAJ, de acordo com a interpretação que é feita na mesma decisão do segmento daquele que refere “em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos”, devia ser revogada.
Porém há que ponderar que nos termos do n.º 4 do art.º 635º do CPC, os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.
Decorre deste normativo a proibição da reformatio in pejus e que, segundo Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 467, se traduz no seguinte: a decisão do recurso não poder ser mais desfavorável ao recorrente do que a decisão recorrida.
Ou, como refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 139, a decisão recorrida não pode ser modificada ex officio em termos que se revelem mais desfavoráveis para o recorrente. Vejamos
A decisão recorrida determinou que o Sr. AJP procedesse à reformulação do cálculo da remuneração variável, na componente a que se refere o n.º 7 do art.º 23º do EAJ – majoração -, tendo em consideração o montante dos “créditos cujo pagamento se ache previsto para os dois anos a que se refere o artigo 29.º n. 3, do EAJ”.
Este tribunal entende, que a referida componente apenas se aplica, caso o plano preveja que parte dos créditos sejam imediatamente satisfeitos por via de liquidação de bens.
Como resulta das incidências processuais, a 28/07/2022 foi junto aos autos Plano de pagamento cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, plano esse homologado a 09/08/2022 e onde não consta a liquidação de quaisquer bens para o pagamento de créditos.
Assim, decidir-se que o Sr. AJP deveria reformular o cálculo da retribuição variável no que respeita à componente a que alude o n.º 7 do art.º 23º (majoração) de acordo com a interpretação dessa norma expressa no presente acórdão, o resultado seria 0,00€ e desta forma a decisão recorrida estaria a ser modificada ex officio – porque ninguém recorreu, nem sequer subordinadamente - em termos mais desfavoráveis para o recorrente.
Não podendo a decisão recorrida ser modificada no sentido propugnado pelo recorrente e não podendo também ser modificada ex officio, a mesma deve manter-se e o recurso ser julgado improcedente.
4.3. Custas
Quanto a custas, as mesmas são da responsabilidade do recorrente, por vencido, nos termos do art.º 527º n.º 1 do CPC.
5. Decisão
Termos em que se mantêm a decisão recorrida e em consequência julga-se improcedente o recurso.
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Custas pelo recorrente – art.º 527º n.º 1 do CPC
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Notifique-se
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Guimarães, 25/05/2023
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
Relator: José Carlos Duarte
Adjuntos: Maria Gorete Morais
Maria João Matos