EMBARGOS DE EXECUTADO
INJUNÇÃO
FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário


I No caso de ser apresentada à execução sentença condenatória proferida ao abrigo do artº. 2º do anexo ao DL nº. 269/98 de 1/9, é aplicável o artº. 729º do C.P.C. relativamente aos fundamentos de oposição à execução.
II A sua alínea g) não é inconstitucional face ao artºs. 20º, nº. 1 e 18º, nº. 2, da Constituição da República Portuguesa, ao consagrar a limitação temporal por referência ao momento posterior ao encerramento da discussão no processo declarativo, e a limitação probatória ao meio documental.

Texto Integral


Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO (seguindo o traçado em 1ª instância).

AA instaurou a ação executiva para pagamento da quantia de € 5 578,86 de que estes autos são apenso contra BB.
Oferece à execução a sentença proferida, em 22-01-2023 e transitada em julgado em 06-02-2023 (cfr. certidão junta aos autos principais em 24-02-2023), no âmbito do Proc. n.º 3540/22.... (Ação Esp.Cump.Obrig. DL269/98) que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Cível ... - Juiz ..., no qual figuravam como Autor o ora Exequente e como Réu o ora Executado.
A sentença em execução conferiu força executiva à petição inicial, concretamente ao requerimento de injunção que se encontra na génese dessa acção especial, e pelo qual o aí Autor e ora Exequente pediu a condenação do ora Executado a pagar-lhe a quantia global de € 4.910,38, correspondendo € 4.300,00 a capital, € 59,38 a juros de mora, € 500,00 a outras quantias e € 51,00 a taxa de justiça paga; tendo decidido nestes termos: “AA intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato e injunção, contra BB, ambos devidamente identificados nos autos, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia global de € 4.910,38, correspondendo € 4.300,00 a capital, € 59,38 a juros de mora, € 500,00 a outras quantias e € 51,00 a taxa de justiça paga.
O réu, apesar de devidamente notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 570.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, não procedeu ao pagamento da taxa de justiça em dívida, acrescida da multa respectiva.
Assim, ao abrigo do disposto no n.º 6 do citado artigo, determino o desentranhamento da oposição e sua devolução ao réu.
Consequentemente, face à ausência de oposição e uma vez que não ocorrem, de forma evidente, excepções dilatórias, nem o pedido é manifestamente improcedente, ao abrigo do disposto no artigo 2.º do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, confiro força executiva à petição inicial.
Custas a cargo do réu, fixando-se o valor da presente causa em € 4.859,38 – cfr. artigos 297.º, n.ºs 1 e 2, 306.º, n.ºs 1 e 2, e 527.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”

O Executado BB vem opor-se à execução, por meio de Embargos de Executado, impugnando a obrigação exequenda e a exigibilidade da quantia em execução, bem como suscitando a litigância de má fé do Exequente.

Aduz para tanto, em síntese:
- que desconhece as faturas cujo pagamento é peticionado;
- que contratou os serviços do Exequente para proceder à realização de alguns trabalhos na sua casa, sita na Rua ..., em ..., ..., cujo preço acordado foi de €13.600,00, quantia essa que foi paga, parte em numerário parte por transferência bancária, sendo o último pagamento de 18-08-2021;
- que em 20 de Agosto de 2021, o Exequente emitiu declaração de quitação onde reconheceu o recebimento do “valor total da obra, de treze mil euros”, mas sempre se recusou a fazer a reparação dos defeitos que surgiram na obra, obra essa que nem sequer se mostra concluída;
- que para acabar o trabalho inacabado e mal executado pelo Exequente o Embargante teve de contratar uma terceira pessoa e despendeu a quantia de € 600,00;
- que o Exequente é filho de AA, pessoa esta que não conhece, que nunca viu, mas que contra o Embargante instaurou idêntica execução, que corre sob o processo n.º 810/23.... deste juízo e está «mancomunado» com o aqui Exequente;
- que esta execução trouxe para o Oponente inúmeras despesas e prejuízos, desde logo despesas com a taxa de justiça para apresentar oposição, com honorários com advogado, com deslocações, assim como provocou e provoca no mesmo um enorme sentimento de revolta, de justiça, de vergonha e de inquietação, em ver o seu ordenado penhorado sem razão alguma que o justifique, as suas contas bancárias bloqueadas com vários valores penhorados, a sua casa penhorada, numa extensão de penhora inadmissível, como adiante se enunciará, danos materiais e morais estes que nãos e cifram em menos de € 3.500,00, valor este que o Exequente deverá ser condenado a pagar ao Oponente para compensação dos danos provocados na sua esfera pessoal e patrimonial.
Pede por isso a extinção da execução pela procedência da oposição.
Juntou documentos.

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De seguida foi proferida decisão que indeferiu liminarmente os embargos de executado deduzidos pelo embargante/executado ao abrigo do disposto no artigo 732º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil. Mais atribuiu as custas ao embargante/executado e ficou o valor da ação no da execução.
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Inconformado, o embargante/executado BB apresentou recurso, terminando as suas alegações com as seguintes
- CONCLUSÕES –(que se reproduzem)

“A - Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença que indeferiu liminarmente os embargos de executado deduzidos pelo Recorrente, decisão esta proferida ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 732.º do CPC, que, por sua vez, remete para o disposto no artigo 729.º, n.º 1, alíneas e) e g) do CPC.
B – Ao ter decidido como decidiu, a Mma. Juíza do Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação das normas legais invocadas e, através da mesma decisão, violou a garantia de acesso ao direito e aos Tribunais prevista no disposto no artigo 20.º da Constituição da Republica Portuguesa, bem como o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2 da CRP, tornando as normas invocadas inconstitucionais, como de seguida se irá demonstrar.
C – O Recorrente deduziu embargos de executado contra a execução que lhe foi movida por AA, ora Recorrido, execução esta que se fundou no título executivo obtido em sede de injunção (processo n.º 3540/22.... – Acção Esp. Cump. Obrig. Pec. DL 269/98), injunção essa à qual o Embargante não deduziu oposição validada e não constituiu mandatário.
D - O Requerido/Executado/Recorrente não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da oposição em sede de injunção e, em consequência, a oposição foi desentranhada e foi proferida sentença condenatória na quantia indicada no requerimento de injunção, sem que a defesa do Requerido tivesse sido apreciada; também não constituiu mandatário.
E – Por não se conformar com a execução contra si movida, o Executado, ora Recorrente, opôs-se à execução, mediante embargos de executado, invocando o pagamento integral como facto modificativo ou extintivo da obrigação exequenda e a inexigibilidade da dívida exequenda, com base no pagamento feito ao Exequente, nos embargos de executado que deduziu ao abrigo do disposto nos artigos 728.º e 729.º, n.º 1, alíneas a), e) e g) e 784.º, n.º 1, al. a), todos do CPC e juntou, com os embargos, documentos comprovativos do pagamento efectuado bem como documento da quitação integral dada pelo Exequente.
F - O Tribunal a quo, em apreciação liminar da admissibilidade dos embargos, decidiu não admiti-los, fundado na invocação das disposições do artigo 731.º, n.º1 do CPC, 729.º a 731.º.
G – Como se disse, o Embargante juntou, com os embargos de executado, prova documental inequívoca, com força probatória plena, que demonstra o pagamento feito ao Exequente bem como juntou o documento emitido pelo Exequente a dar quitação integral do pagamento que lhe foi feito pelo Executado, no valor total devido pelos trabalhos contratados, a que o Tribunal não atendeu e desconsiderou, fundando-se na posterioridade dos mesmos ao encerramento da discussão no processo declarativo, sentenciando com a preclusão dos referidos meios de defesa.
H - É inconstitucional a norma contida no artigo 729.º, al. g), do CPC, quando interpretada no sentido de limitar a oposição à execução fundada em injunção, onde o Executado não deduziu oposição e não teve oportunidade de apresentar os seus meios de defesa, designadamente não teve oportunidade de invocar o facto extintivo ou modificativo da obrigação reclamada; tal interpretação impede o Executado de, em sede de execução, invocar facto extintivo ou modificativo da obrigação se esse facto não for posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento, e, como tal, limita e coarta, de forma de inaceitável e desproporcional, as oportunidades de defesa do Executado, em sede de execução.
I - Tal qual vem previsto no artigo 731.º do CPC, in fine, ao Executado deve ser dada a possibilidade, em sede de execução, de poder alegar quaisquer fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.
J - A norma do artigo 729.º, al. g) do CPC, na medida em que limita injustificadamente os fundamentos de oposição à execução, padece do vício de inconstitucionalidade por violação do “princípio da proibição da indefesa”, enquanto acepção do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
K - Sob a epígrafe “Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva”, o referido artigo 20.º prevê, no seu n.º 1, que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”
L - O Artigo 729.º, al. g) do CPC, ao limitar a possibilidade de defesa do Executado, viola o plasmado no referido artigo 20.º, n.º 1 e, também, o artigo 18.º, n.º 2, ambos da CRP, ao impedir desproporcionalmente a possibilidade de defesa do Executado.
M - Impõe o artigo 18.º, n.º 2 da CRP que “2- A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
N – Acompanhamos a argumentação do Acórdão n.º 437/12, que remete para o Acórdão n.º 468/12, ambos do TC, citados no Acórdão n.º 529/2012, do Relator Conselheiro Vítor Gomes, citamos o seguinte trecho, que, com a devida vénia, fazemos também nosso:
Tendo presente, por um lado, que a demonstração do direito do exequente não tem o mesmo grau de certeza relativamente a todos os títulos executivos, reconhecendo-se que o título executivo que resulte da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção demonstra a aparência do direito substancial do exequente, mas não uma sua existência considerada certa, e, por outro lado, que a atividade do secretário judicial não representa qualquer forma de composição de litígio ou de definição dos direitos de determinado credor de obrigação pecuniária, há que evitar a “indefesa” do executado, entendendo-se por “indefesa” a privação ou limitação do direito de defesa do executado que se opõe à execução perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito.
Nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, se uma limitação interfere com um direito, restringindo-o, necessário se torna encontrar na própria Constituição fundamentação para a limitação do direito em causa como que esta se limite “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” – não podendo, por outro lado, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.
No caso, a possibilidade de se introduzir limites ao princípio da proibição de “indefesa”, ínsito na garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, existe apenas na medida necessária à salvaguarda do interesse geral de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, «de forma célere e simplificada», de um título executivo” (9.º § do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro), assim se alcançando o justo equilíbrio entre esse interesse e o interesse do executado de, em sede de oposição à execução, se defender através dos mecanismos previstos na parte final do n.º 1 do artigo 815.º do Código de Processo Civil (cor-respondente hoje ao artigo 816.º, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março).
Ora a norma em causa, na interpretação perfilhada dos autos, segundo a qual a não oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção determinam a não aplicação do regime da oposição à execução previsto nos artigos 813.º e segs. do Código de Processo Civil, designadamente o afastamento da oportunidade de, nos termos do atual artigo 816.º do mesmo Código, e (pela primeira vez) perante um juiz, o executado alegar “todos os fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”, afeta desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, na sua aceção de proibição de “indefesa”.
(…).
Ponderado o que acaba de ser citado, sem deixar de notar que a ‘norma’ em análise resulta, agora, diretamente do texto da lei – artigo 814.º, n.º 2 do Código de Processo Civil – e se projeta na parte inicial do artigo 816.ºdeste diploma legal, após a alteração introduzida a ambos os preceitos legais pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, haver-se-á de concluir que apenas se justificam «… normas restritivas quando se revelem proporcionais, evidenciem uma justificação racional ou procurem garantir o adequado equilíbrio face a outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos,
…» (cfr. Acórdão n.º 283/2011, disponível ‘in’ www.tribunalconstitucional.pt), pelo que a ‘norma’ em apreço, na medida em que limita injustificadamente os fundamentos de oposição à execução baseada em ‘requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória’, padece do vício de inconstitucionalidade por violar o ‘princípio da proibição da indefesa’, enquanto aceção do direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º1 da Constituição.”
O – E, continuando a seguir a argumentação do Distinto Conselheiro Vítor Gomes:
Afigura-se, todavia, que esta preclusão dos meios de defesa anteriores à aposição da fórmula executória consistira num sibi imputet que é excessivo face ao regime de formação do título. O conteúdo da notificação a efetuar ao requerido no processo de injunção é legalmente determinado (artigo 13.º do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de setembro), importando notar que esta notificação provém da entidade a que passou a competir o processamento das injunções – o Balcão Nacional de Injunções – e dela não consta qualquer referência ou advertência de que a falta de oposição do requerido determinará o acertamento definitivo da pretensão do requerente de injunção. Essa notificação apenas não permite ao requerido ignorar que, na falta de oposição, será aposta a fórmula executória no requerimento de injunção, assim se facultando ao requerente da injunção a instauração de uma ação executiva. Perante o teor da notificação, o requerido fica ciente de que está sujeito a sofrer a execução, mas não necessariamente de que o âmbito da defesa contra a pretensão do exequente, se essa hipótese se concretizar, estará limitado pela preclusão dos fundamentos que já pudesse opor-lhe no momento do requerimento de injunção. Para que exista um “processo justo” é elemento essencial do chamamento do demandado a advertência para as cominações em que incorre se dele se desinteressar (cfr. artigo 235.º, n.º 2, in fine do CPC).
E igualmente improcedente se afigura o argumento de que, por esta via, o processo de injunção fica esvaziado de efeito prático, o que vale por dizer que a limitação dos fundamentos de defesa na fase executiva seria necessária para que se atingissem os fins de proteção do credor e, reflexamente, de tutela geral da economia que se visou com o novo mecanismo. Na verdade, esse procedimento permite ao credor obter de forma expedita um título que lhe abre a via da ação executiva e que lhe permite a imediata agressão do património do devedor, sendo a citação deste diferida (cfr. artigos 812.º-C alínea b) e 812.º-F, n.º 1, do CPC). Assim, sempre se atinge o objetivo de facultar ao credor um meio expedito de passar à realização coerciva da prestação, mediante uma solução equilibrada entre os interesses concorrentes que não comporta compromisso desnecessário da defesa do executado.
P – Assim, de acordo com a abundante e constante jurisprudência do Tribunal Constitucional, é inconstitucional a norma contida no artigo art.º 729.º, al. g) do CPC, quando interpretada no sentido de limitar a oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta fórmula executória ou proferida sentença, à invocação de factos extintivos ou modificativos da obrigação, desde que sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.
Q - Trata-se, na verdade, de uma limitação exagerada e desproporcional, que veda o direito de defesa do Executado e limita o seu direito essencial de acesso ao direito e à justiça.
R - Assim, no caso dos autos, o Executado foi privado de usar em sede de execução/embargos de executado, argumentos que não pôde usar em sede de injunção e que, como tal, nunca foram apreciados por um juiz, e devem sê-lo, sob pena de violação dos preceitos constitucionais acima referidos.
S – A decisão proferida pelo Tribunal a quo, arrimada na interpretação feita das disposições legais dos artigos 729.º a 732.º do CPC, traduz-se numa evidente criação de desigualdade formal entre as partes em litígio, com violação dos princípios da igualdade e do acesso ao direito, e do princípio do contraditório,
com decisiva influência na respetiva decisão final, impedem de conseguir uma justa solução jurídica dos conflitos, com observância de garantias de imparcialidade e independência.
T - Ao indeferir liminarmente a oposição por embargos de executado apresentada pelo Recorrente, por o fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 732.º do CPC, a sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação das referidas normas e violou as disposições dos artigos 18.º e 20.º da Constituição da Republica Portuguesa, pelo que deve a mesma ser revogada.
U - Em cumprimento do preceituado no n.º 2 do artigo 637.º do CPC, indica-se que o fundamento específico da recorribilidade in casu é a violação pela sentença recorrida das normas legais acima referidas.”
Pede por isso que o recurso seja julgado procedente e ser revogada a sentença recorrida.
*
O embargado/exequente AA, notificado da interposição do recurso pelo recorrente, apresentou contra-alegações com as seguintes
- CONCLUSÕES –(que se reproduzem; optamos por introduzir no texto as notas de rodapé)

“A. Consideradas as conclusões formuladas pelo Recorrente, o objecto do recurso resume-se unicamente à seguinte questão: fez o tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 732.º/1/b do CPC que, por sua vez, remete para o disposto no artigo 729.º e) e g) e, por conseguinte, proferiu uma decisão que viola o artigo 18.º, n.º 2 (princípio da proporcionalidade) e 20.º (princípio da tutela jurisdicional efectiva) da CRP?
B. A execução tem por base um título executivo público (11 Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, p. 152) e judicial, mais concretamente uma sentença de condenação (12 José Henrique Delgado Carvalho, Acção Executiva Para Pagamentos De Quantia Certa, Quid Juris, 2014, pp. 157/162; 13 Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, p. 138) transitada em julgado. Este título executivo é o que oferece maiores garantias de certeza e de segurança jurídica quanto à obrigação que se pretende executar, na medida em que, para além de pressupor a declaração prévia de um direito por parte de um tribunal, resulta de um processo declarativo no qual o réu teve a oportunidade de exercer a sua defesa (14 Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, Almedina, 2016, p. 53) (negrito e sublinhado nosso).
C. A restrição dos fundamentos à oposição quando a execução for baseada numa sentença visa precisamente impedir a repetição da apreciação de questões que já foram ou deveriam ter sido invocadas em sede declarativa, salvaguardando-se o respeito pela certeza e segurança jurídicas em termos de evitar a prolação de decisões judiciais contraditórias (15 Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, ob. cit., pp.246/247); (reflete ainda a força e eficácia do caso julgado respaldada na sentença).
D. No caso em apreço, a sentença foi proferida (ainda) no âmbito de uma ação declarativa (especial) de condenação e contém uma condenação totalmente expressa, o que confere ao título a maior robustez possível dentro da sua própria categoria dogmática.
E. Na AECOP que teve por base a prolação da Douta Sentença dada à execução, o Recorrido foi notificado para reagir à mesma, contudo, NÃO OBSTANTE TER SIDONOTIFICADO POR TRÊS VEZES (em 25/02/2022 - Referência: ...84; 16/03/2022 – Referência: ...43 e 22/11/2022 - Referência: ...84), não procedeu ao pagamento da taxa de justiça, pelo que foi desentranhada a oposição.
F. Em face disso, foi proferida sentença que conferiu força executiva à petição inicial, a qual, transitada em julgado, foi dada à execução.
G. Conforme preconiza o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no Acórdão de 19/09/2002, disponível em www.dgsi.pt
I - Nos embargos de executado, não tem que se discutir a sentença exequenda, pois não a podem alterar, sendo o meio próprio para o fazer o recurso daquele.
II - Ocorrido o caso julgado, da sentença exequenda, acha-se precludida a possibilidade de dedução dos meios de defesa, que cabiam, apenas, na acção declarativa.
H. Quanto ao alegado pagamento, facto absolutamente falso, muito bem andou a sentença agora colocada em crise, esclarecendo que os factos respeitantes à excepção de pagamento alegados não são posteriores ao encerramento da discussão no processo declarativo, são até bastante anteriores à entrada em juízo da acção.
I. Os documentos juntos com a oposição são de 18 a 20 de Agosto de 2021 e a acção declarativa teve início em 14/01/2022, pelo que não há enquadramento absolutamente nenhum no alegado fundamento legal previsto no artigo 729.º/g do CPC.
J. A matéria vertida na oposição à execução (sendo verdadeira, que não é) era suscetível, no limite e num plano teórico, de compor uma oposição à injunção, nunca uns embargos a uma execução ou sequer até um recurso da acção declarativa.
K. Assim, à luz da sentença proferida (que se nos impõe em razão do seu trânsito em julgado e da sua consequente definitividade) e que serve de título executivo à execução – e que, por isso mesmo, também estabelece os limites e o conteúdo da própria obrigação exequenda – e dos factos provados, a única conclusão que se pode extrair é que muito bem andou o tribunal a quo na sentença que proferiu, a qual não merece qualquer censura.
L. Censura merece, isso sim, e muita, a alegação do Recorrente quando refere que não teve oportunidade de apresentar os seus meios de defesa (artigo 16.º das suas alegações de recurso), repristinando um conteúdo argumentativo totalmente ultrapassado face ao actual quadro legal e esquecendo-se que a injunção in casu foi convertida em AECOP!!!”
Pede por isso a improcedência do recurso e manutenção da decisão.
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O recurso de apelação foi admitido com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo, o que foi confirmado por este Tribunal.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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QUESTÃO PRÉVIA: o recurso interposto reporta-se à decisão de indeferimento liminar da petição de embargos de executado, pelo que se funda no artº. 629º, nº. 3, c), ex vi artº. 853º, nº. 1, ambos do C.P.C.; e por isso, nos termos aplicáveis do artº. 641º, nº. 7, do mesmo código, no despacho de admissão do recurso deveria ter sido determinada a citação do embargado para os termos do recurso e para os termos da causa.
Tendo em conta que o embargado recorrido já ofereceu as suas contra-alegações, conhece-se desde já dos termos do recurso considerando-se sanada a omissão da citação/notificação para os seus termos, podendo, se for o caso, ser oportunamente sanada nos autos e em 1ª instância a falta de citação para os termos da causa.
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II QUESTÕES A DECIDIR.
 
Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.
 
Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:
-devem ser admitidos liminarmente os embargos de executado em virtude de interpretação diversa (da que fez o tribunal recorrido) do artº. 729º, g), do C.P.C., convergente ou respeitadora da Constituição da República Portuguesa, designadamente dos artºs. 18º, nº. 2 e 20º, nº. 1. 
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III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos a atender na decisão a proferir são os constantes do relatório supra e que se reportam à tramitação dos autos.
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IV MÉRITO DO RECURSO.
-DECISÃO DE DIREITO.
           
Face ao objeto do recurso, e tal como enunciou o recorrido, a decisão prende-se com a resposta à seguinte questão (excluiremos, como veremos, a apreciação da alínea e): fez “o tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 732.º/1/b do CPC que, por sua vez, remete para o disposto no artigo 729.º e) e g) e, por conseguinte, proferiu uma decisão que viola o artigo 18.º, n.º 2 (princípio da proporcionalidade) e 20.º (princípio da tutela jurisdicional efectiva) da CRP?”
Efetivamente foi por entender que os fundamentos de oposição invocados não se enquadram na alínea g) do artº. 729º do C.P.C. –única alínea cogitada na decisão- que se rejeitou a oposição à execução.
Decorre do disposto no artº. 10º, nº. 5, do C.P.C., que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 3ª Edição, na pag. 33), referem que “o título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto (nº. 5), assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação (artº. 53º, nº. 1).
O objeto da execução tem de corresponder ao objeto da situação jurídica acertada no título (…). É também pelo título que se determina a quantum da prestação.”
Passando então para o título executivo, a execução só pode ter como título um dos que se encontram taxativamente elencados no artº. 703º, nº. 1, do C.P.C..
No seu nº. 1 d) consigna-se que à execução (apenas) podem servir de base (a) “As sentenças condenatórias;”.
No caso dos autos, como bem faz notar o recorrido, estamos perante uma sentença condenatória na medida em que foi proferida sentença na ação declarativa para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000 (artº. 1º do DL nº. 269/98 de 1/9), ao abrigo do artº. 2º do seu anexo que dispõe (Falta de contestação): “Se o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente.”
Significa isto que, salvo o devido respeito, o recorrente tenta transpor para o título executivo apresentado à execução a discussão (ultrapassada) que se desenvolveu em redor dos fundamentos de oposição à execução quando o título executivo (judicial impróprio –cfr. José Lebre de Freitas, Armando Mendes e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, 3º Vol. 3ª edição, pag. 342) é o requerimento de injunção depois de nele aposta a fórmula executória pelo secretário judicial do tribunal –artº. 14º do mesmo anexo e diploma.
Antes de entrarmos um pouco mais nessa abordagem, concluindo-se que estamos perante uma sentença condenatória proferida pelo juiz, e em conformidade com essa conclusão, os fundamentos de oposição à execução são os previstos no artº. 729º do C.P.C..
Excluída fica a possibilidade a que alude o artº. 731º do C.P.C. que se menciona sem contexto no recurso, e a discussão em torno da amplitude da leitura do artº. 729º, g), quando a execução se baseia em título diverso de sentença ou em requerimento de execução a que tenha sido aposta fórmula executória (o que não é o caso, já que estamos perante uma sentença).
Há por isso que verificar se os argumentos invocados na oposição se enquadram em alguma das alíneas do artº. 729º, tal como fez o tribunal recorrido.
Refere o recorrente que invocou “o pagamento integral como facto modificativo ou extintivo da obrigação exequenda e a inexigibilidade da dívida exequenda, com base no pagamento feito ao Exequente, nos embargos de executado que deduziu ao abrigo do disposto nos artigos 728.º e 729.º, n.º 1, alíneas a), e) e g) e 784.º, n.º 1, al. a), todos do CPC e juntou, com os embargos, documentos comprovativos do pagamento efectuado bem como documento da quitação integral dada pelo Exequente.”
Face a esta observação, assentamos que o recorrente não diverge da interpretação fáctica que o tribunal recorrido fez da sua peça: em causa está o pagamento; mas também, como acrescentou o tribunal na sua análise, o (in)cumprimento defeituoso do contrato.
Não discute o recorrente verdadeiramente que tudo gira em torno da aplicação apenas da alínea g) do artº. 729º do C.P.C., baseando o seu recurso em função da sua interpretação, muito embora aluda ás alíneas a) e e) -mas mais uma vez sem o respetivo desenvolvimento.
Também não contesta que o alegado pagamento é anterior ao encerramento da discussão em sede declarativa (no caso, à decisão proferida), e que o (in)cumprimento defeituoso não é suscetível de prova documental.
E aqui chegados tudo se resume em saber se a consagração da limitação aí constante ao momento posterior ao encerramento da discussão no processo declarativo, e à prova por meio documental dos factos extintivos ou modificativos da obrigação, é inconstitucional face ao artºs. 20º, nº. 1 e 18º, nº. 2, da Constituição da República Portuguesa.
Ora, como já concluímos, no caso não estamos perante um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória sem intervenção do juiz, verificando-se apenas se o pedido não se ajustava ao montante ou finalidade do procedimento (cfr. artº. 14º, nº. 3, do citado anexo). Aqui há uma intervenção judicial que verifica a regularidade da citação e a falta de contestação, e a ausência de evidentes excepções dilatórias ou a manifesta improcedência do pedido (artº. 2º citado).
São por isso manifestas as diferenças de regime e de grau de segurança para o requerido, que tornam inaplicáveis ao caso os argumentos que deram origem às decisões de inconstitucionalidade (incluindo as citadas pelo recorrente), estas também ultrapassadas pela alteração legislativa efectuada pela Lei nº 117/19 no Código de Processo Civil e no DL nº. 269/98. Veja-se a propósito dessa questão os Acs. da Rel. do Porto de 18/11/2021 (relatora Deolinda Varão) e de Lisboa de 20/10/2022 (relatora Carla Oliveira), ambos em www.dgsi.pt.
O que fundamentou o juízo de inconstitucionalidade foi “a equiparação entre a "sentença judicial" e o "requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória", enquanto títulos executivos, para efeitos de determinação dos possíveis fundamentos de oposição à execução…”, o que “…traduzia uma violação do princípio da proibição da indefesa, em virtude de restringir desproporcionadamente o direito de defesa do devedor em face do interesse do credor de obrigação pecuniária em obter um título executivo "de forma célere e simplificada"».” –cfr. Ac. do Tribunal Constitucional 264/2015 de 12/5, publicado no DR 1ª série, de 8/6/15.
Ali são assinaladas as diferentes formas de chamar o requerido ao respetivo procedimento -no caso da ação declarativa, por citação (artº. 2º do anexo), no caso da injunção, por notificação ainda que rodeada das devidas formalidades (artº. 12º do anexo)- e a menção das respetivas cominações; nenhum desses argumentos é válido ou transponível para efeitos de violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, quando está em causa aquela primeira forma de ação declarativa –caso dos nossos autos.
Assim, e relativamente á consagração da alínea g) do artº. 729º do C.P.C., temos por um lado uma manifestação extrema da autonomia do título relativamente à obrigação exequenda no que se reporta à exigência de prova documental (e por isso suscetível de críticas ao legislador ordinário, sem contudo lhe podermos assacar um juízo de inconstitucionalidade), e por outro, fase à exigência temporal, uma manifestação do efeito geral do caso julgado em que se dissolve o efeito preclusivo das exceções alegáveis na ação declarativa –cr. José Lebre de Freitas, “A ação executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, pag. 201 da 7ª edição.
Estas manifestações não podem ser vistas como violadoras dos princípios constitucionais de igualdade e de acesso ao direito, nomeadamente das normas invocadas, tratando-se antes de conferir segurança e certeza a um ato decisório transitado, num confronto proporcional entre as posições das partes em litígio. O requerido não foi impedido de se defender, não viu limitado esse direito, muito pelo contrário, teve ao seu dispor a fase e meio próprios (em sede declarativa, e que não aproveitou), no pleno exercício do princípio do contraditório. No caso concreto tal resulta ainda mais evidenciado pelo facto que levou á rejeição da sua oposição em sede declarativa: a falta de resposta à notificação prevista no artº. 570º, nº. 5, do C.P.C., que por sua vez teve como consequência o desentranhamento da sua peça.
Concluiu em idêntico sentido o Ac. desta Rel. de Guimarães de 9/7/2020 (relatora Conceição Sampaio, www.dgsi.pt).
Por tudo o exposto, não se verificando, a nosso ver, qualquer violação do direito constitucional, foram bem rejeitados os embargos de executado ao abrigo do artº. 732º, nº. 1, b), do C.P.C..
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Face ao não acolhimento dos argumentos apresentados, resta concluir pela improcedência do recurso.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso do embargante totalmente improcedente, e em consequência, negam provimento à apelação, mantendo a decisão recorrida.
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Custas a cargo do embargante/recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).
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Guimarães, 25 de maio de 2023.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Rosália Cunha
2º Adjunto: Eugénia Pedro

(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)