Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO PENA DE PRISÃO
INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE COMPARÊNCIA PARA ELABORAÇÃO DE PLANO DE REINSERÇÃO SOCIAL
Sumário
I- A revogação da suspensão da execução da pena de prisão só deverá ter lugar no extremo, quando seja a única forma de alcançar as finalidades da punição, sendo, por isso, a ultima ratio. II- Só será legítimo concluir-se pela revogação da suspensão caso se conclua que o condenado não só atuou de forma grosseira (com culpa) mas também não oferece as condições pessoais essenciais ao êxito do seu processo de reinserção social em liberdade nem revela, enfim, a motivação para tanto necessária. III- No caso vertente, não podendo a conduta omissiva do recorrente, ainda que culposa, ser qualificada como uma infração grosseira dos deveres a que estava sujeito, não pode nem deve ser branqueada a posição do arguido quanto ao não cumprimento da obrigação de comparecer atempadamente nos serviços de reinserção com vista à elaboração do PRS, pelo que o seu sancionamento tem de ser encontrado à luz do preceituado no artigo 55º do C. Penal.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães. I. Relatório
1.
Nos presentes autos com o nº1118/18...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ... (Juiz ...), por despacho proferido em 16/1/2023, foi decidido, ao abrigo do disposto no artigo 56º, nº1, alínea a), do C.Penal, revogar a suspensão da execução da pena de 4 anos e 10 meses de prisão aplicada ao arguido AA.
2.
Não se conformando com o decidido, veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
1. O arguido, aqui recorrente, foi condenado por douto acórdão, proferido em 02-06-2021, transitado em julgado em 24-11-2021, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e dez meses de prisão, a qual foi suspensa, por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, o qual assentará num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social.
2. Entretanto, por douta decisão proferida no dia 16 de janeiro de 2023, o Tribunal a quo revogou tal pena suspensa, por ter entendido que o arguido, aqui recorrente, ao não ter comparecido na DGRSP a fim de ser elaborado o plano de reinserção social, infringiu de forma grosseira e reiterada os deveres a que estava obrigado, pelo que e, consequentemente, o mesmo é desmerecedor do juízo de prognose favorável propugnado no douto acórdão que o condenou e que lhe suspendeu a execução daquela pena.
3. A douta decisão, ora recorrida, revogou a suspensão da pena de prisão em que foi condenado o arguido/recorrente, com o fundamento essencial de que, o mesmo, não compareceu nas instalações da DGRSP, a fim ser elaborado o seu plano de reinserção social, durante um período aproximado de um ano (na verdade foram 10 meses), apesar de ter sido contactado e convocado para o efeito, situação que configura - segundo a decisão recorrida - uma infração culposa, grosseira e reiterada dos deveres a que estava obrigado.
4. Salvo o devido respeito, que é muito, o arguido, aqui recorrente, não se conforma com tal conclusão na medida em que entende que a douta decisão/recorrida, violou o princípio fundamental – em sede do direito-penal - de que a sujeição de alguém à pena de prisão é sempre a ultima ratio.
5. Conforme resulta dos autos o arguido foi contactado telefonicamente pela DGRSP, tendo informado que não tinha recebido a convocatória escrita para comparecer naquele organismo, tendo então sido agendada data para a realização da entrevista presencial para o dia 17-01-2022, à qual não compareceu, por motivos pessoais – (cf. articulado com o n.º 6, dos factos dados como provados).
6. Após tal data, a DGRSP tentou contatar o arguido, aqui recorrente, por via telefónica, sem sucesso, porque o mesmo encontrava-se em Lisboa e por tal motivo não rececionou as notificações que lhe foram dirigidas e também não atendeu as chamadas telefónicas efetuadas, por aquele organismo, devido ao facto do seu telemóvel “ter tido problemas”.
7. Face a tal insucesso de contacto, a DGRSP disso deu conhecimento ao Tribunal a quo, o qual ordenou a notificação pessoal do arguido/recorrente – (cf. articulados com os n.ºs 8º, 9º e 10º, dos factos provados).
8. Para o efeito foi enviada uma convocatória, para a morada constante do TIR, a fim de se proceder à sua audição, no dia 03-10-2022, notificação que o arguido/recorrente não rececionou, devido ao facto de não residir na morada indicada em tal termo, estando nessa altura em Lisboa, razão pela qual não compareceu no dia designado.
9. Tendo a DGRSP, uns dias depois, informado o Tribunal a quo que o arguido/recorrente, até àquela data, não tinha comparecido nas suas instalações, nem tinha de alguma forma sido contactado – (cf. Articulados com os n.ºs 8º e 11º, dos factos provados).
10. Contudo, em 17/11/2022, a DGRSP informou o Tribunal a quo que o arguido/recorrente tinha comparecido nas suas instalações, no dia 11 de novembro de 2022 – (cf. articulado com o n.º 12º, dos factos provados).
11. Tendo, então, o arguido/recorrente, sido notificado, na sua atual morada, sita na Rua ..., em ..., para comparecer no Tribunal a quo, no dia 28-11-2022, tendo o mesmo comparecido – (cf. articulados com os n.ºs 12º e 13 dos factos dados como provados).
12. Por outro lado, o arguido, aqui recorrente, só tomou verdadeiramente consciência de que se encontrava sujeito ao regime de prova e consequentemente da obrigatoriedade de se apresentar perante a DGRSP, quando veio residir novamente para ... e só depois de ter contatado a sua ilustre defensora, na sequência da notificação de 17 de novembro de 2022.
13. Tal falta de cognoscibilidade deveu-se ao facto de o arguido não ter recebido as notificações, porquanto, em meados do mês de janeiro de 2022, residia em Lisboa, só tendo regressado a ..., em novembro de 2022, onde ficou – e ainda está – a residir, num hostel, mudança que lhe causou diversos problemas e o impediu de rececionar as aludidas notificações.
14. Razões pelas quais, só no dia 17 de novembro de 2022, foi devidamente explicado ao arguido o teor do acórdão de condenação, bem como todas as condicionantes inerentes à sua condenação em pena de prisão suspensa na sua execução e a correspetiva subordinação ao cumprimento de deveres.
15. Pelo que, o arguido, atentos os motivos supra expostos, não violou culposamente o plano de reinserção social, ao contrário do que foi defendido pelo douto Tribunal a quo. Até porque, nem sequer chegou a ser elaborado um plano de reinserção social.
16. Devendo, ainda, sublinhar-se que o arguido não tem antecedentes criminais de crimes da mesma natureza do crime pelo qual foi condenado nos presentes autos, não representando o mesmo qualquer perigo para a sociedade, pelo que, atendendo ao princípio da subsidiariedade da pena de prisão, se impõe a manutenção da decisão de suspensão da execução da pena.
17. Por fim, cumpre invocar que o arguido necessita de cumprir a pena imposta em liberdade, de forma a poder continuar a trabalhar e a beneficiar do apoio dos seus empregadores que são o seu único suporte neste momento.
18. Acresce, ainda, que o comportamento do arguido aquando da sua audição é demonstrativo que pretende cumprir com o plano de reinserção que lhe venha a ser aplicado, mantendo-se assim a esperança nele depositada de que alcançará a ressocialização em liberdade.
19. Por outro lado, haverá que ter presente que a revogação da suspensão só terá lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes medidas previstas no artigo 55º do Código Penal, o que não é o caso.
20. Dispõe o artigo 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.
21. Sendo a definição de violação grosseira toda e qualquer violação que possa evidenciar-se como qualificada, qualitativamente denotativa da dimensão do incumprimento do dever ou das obrigações impostas, no sentido de se considerar que tal violação é grave na sua própria amplitude e determinação e não quando se traduz num mero incumprimento parcial da obrigação ou, tratando-se de uma obrigação de execução continuada, que tal incumprimento se verificou apenas em algumas vezes contadas, em comparação com outras em que a mesma foi sendo cumprida – (cf. Neste mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17/10/2012, Proc. n.º 91/07.3IDCBR.C1, in www.dgsi.pt; e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 18/02/2014, Proc. n.º 25/07.5PESTR.E2, in www.dgsi,pt).
22. Conforme se defende no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19-02-2020, Proc. n.º 54/13.0JAGRD.C1, in www.dgsi.pt, quanto à definição do conceito de culpa grosseira na revogação da suspensão da execução da pena por incumprimento da condição ou dever pelo condenado:
“(…)Temos por pacífico que a revogação da suspensão da execução da pena por incumprimento de qualquer dever ou condição pelo condenado, uma vez que está afastada revogação automática da suspensão, só pode ocorrer se esse incumprimento se ficar a dever a culpa grosseira do mesmo. (…..).
23. Razão pela qual, a culpa grosseira do condenado não se pode presumir, a mesma tem de resultar de factos ou elementos concretos e indiscutíveis coligidos nos autos.
24. Daí que, o Tribunal a quo ao revogar a suspensão de execução da pena de prisão (4 anos e 10 meses), em que foi o arguido condenado, tinha obrigatoriamente de alicerçar a sua decisão em provas irrefutáveis, para lá de toda e qualquer dúvida razoável, mormente que o recorrente infringiu culposamente e grosseiramente os deveres e as regras a que estava obrigado.
25. Ou seja: o Tribunal a quo, para revogar a suspensão da execução da aludida pena de prisão, tinha de obter prova irrefutável e segura que o condenado, aqui recorrente, incumpriu o seu dever de comparência, na DGRSP, durante alguns meses, a fim de tal organismo poder elaborar o referido plano de reinserção social, por única e exclusiva culpa grosseira da sua parte.
26. Só munido de tais provas irrefutáveis é que o Tribunal a quo poderia concluir pela existência de culpa particularmente grave ou grosseira, da parte do recorrente, no incumprimento das obrigações a que estava obrigado, no entanto, os elementos de prova coligidos nos autos não permitem, ainda, formular, com tal grau acrescido de certeza, esse juízo.
27. Aqui chegados e aplicando tais requisitos ao caso vertente, constata-se que, perante o referido circunstancialismo, o douto despacho que revogou a suspensão da execução da aludida pena de prisão, ressalvado sempre o devido respeito por opinião diversa, mostrou-se uma opção, em concreto, desproporcionada e inadequada.
28. Em síntese: atentas as razões anteriormente apontadas, o incumprimento do arguido/recorrente, não pode ser qualificado como uma infração culposa ou grosseira dos deveres a que estava obrigado, ou sujeito, uma vez que o plano de reinserção que deveria cumprir nem sequer chegou a ser delineado, sendo que, no decurso dos autos, não se logrou apurar se a sua falta de comparência na DGRSP, durante cerca de dez meses, se deveu a mera negligência ou a culpa grave da sua parte e/ou se, pelo contrário, tal incumprimento se deveu exclusivamente ao facto de não ter recebido as notificações que lhe foram enviadas, durante o período em que esteve em Lisboa, bem como não ter recebido as aludidas chamadas telefónicas, devido aos problemas que teve no seu telemóvel, razões pelas quais só se apresentou, em novembro de 2022, quando deixou a cidade ... e veio residir para a cidade ....
29. Sublinhe-se que, das informações constantes no relatório social da DGRSP, das declarações da técnica inquirida e das declarações do condenado, não resultam indícios seguros – como se exige no direito penal – que o arguido não compareceu naquele organismo porque não quis de forma deliberada e consciente – isto é: que tenha agido com dolo ou com negligência grosseira – tendo um conduta intensamente reprovável, especialmente descuidada, grosseira e imprevidente de tal forma que se impõe a revogação da suspensão da pena em que foi condenado.
30. Na verdade as únicas conclusões seguras e que são passíveis de se extrair de todos os elementos de prova coligidos nos autos, aquando da prolação do douto despacho/recorrido, é que o condenado viveu, durante meses, na cidade ..., e por razões diversas não foi notificado nem contatado para comparecer na DGRSP a fim de ser elaborado o seu plano de reinserção social, e nada mais para além disso.
31. Pelo que, o Tribunal a quo revogou a suspensão da aludida pena de prisão, apesar da escassez – para não dizer a inexistência - de elementos probatórios concretos que pudessem confirmar, ou infirmar, que o arguido/condenado tinha efetivamente violado culposamente e grosseiramente a obrigação que lhe foi imposta, apesar de poder lançar mão do normativo processual que lhe permite realizar todas as diligências necessárias e adequadas ao apuramento da verdade, previsto no artigo 340º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
32. Deste modo, ao proferir o douto despacho/recorrido, sem ter efetuado todas as diligências de prova necessárias ao bom apuramento dos factos, como se impunha, o Tribunal a quo incorreu no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, n.º 2, alínea a), Código de Processo Penal.
33. E incorreu no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto considerada provada, nos termos do disposto no artigo 410º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, na medida em que a prova coligida nos autos, na data de prolação do despacho recorrido, não permitia – sem a realização de mais diligências de prova – concluir se tais factos correspondiam, ou não, à verdade do ocorrido.
34. Conforme se defende no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-09-2020, Proc. n.º 3773/12.4TDLSB.L1-5, in www.dgsi.pt:
“Verificando-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, n.º 2, alínea a), quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto relevante, acarretando a normal consequência de uma decisão de direito viciada por falta de suficiente base factual, ou seja, os factos dados como provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. Dito de outra forma, este vício ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto contida no objeto do processo com relevo para a decisão, cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos …, 6.ª ed., 2007, p. 69 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 11.11.2009, processo 346/08.0ECLSB.L1-3, em http://www.dgsi.pt)” – (Fim de citação – sublinhados e negritos nossos).
35. Para além de mais ter incorrido em erro de direito ao revogar a aludida suspensão da pena, uma vez que - como se disse - a prova coligida nos autos, na data em que foi proferido o despacho, ora recorrido, era manifestamente insuficiente para se poder considerar verificado o preceituado no artigo 56º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
36. Por outro lado, ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado o arguido/recorrente, o Tribunal a quo, não só incorreu em tal vício, como não assegurou e restringiu gravemente as suas garantias de defesa, tendo, assim, violado os princípios do contraditório e da investigação, plasmados no artigo 32º, n.º 1 e n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, bem como no disposto no n.º 3, do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 14º, n.º 3, do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos.
37. Pelo que, caso esse Venerando e douto Tribunal venha a entender que o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão não padece das invocadas inconstitucionalidades, o arguido/recorrente, desde já, invoca, para todos os legais efeitos, a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 340º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mormente no sentido de que: a interpretação segundo a qual, o artigo 340º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não permite ao Tribunal a quo ordenar a realização de todas as diligências de prova que se mostrem úteis, necessárias e adequadas ao bom apuramento dos factos que podem, ou não, conduzir à revogação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, quer as mesmas tenham sido requeridas pelo condenado ou se mostrem necessárias por força do princípio da investigação, viola os princípios constitucionais da investigação, do direito à defesa e ao contraditório, plasmados no artigo 32º, n.º 1 e n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades que aqui se invocam para todos os devidos e legais efeitos.
38. Pelo exposto, não se pode considerar preenchido ou verificado o pressuposto da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, na sua vertente de culpa grave ou grosseira, prevista no artigo 56º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do Código Penal, em que se fundou o douto despacho, ora recorrido, o que implica, necessariamente, a revogação de tal douto despacho e, consequentemente, que se ordene a elaboração do plano de reinserção social do condenado, nos termos ordenados no douto acórdão que o condenou nos presentes autos.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser revogado o douto despacho/recorrido, por padecer do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto, previsto no artigo 410º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, na medida em que a matéria de facto apurada, no decurso dos autos, é insuficiente para fundamentar a decisão de direito proferida, ordenando-se consequentemente a realização de todas as diligências que se mostrem úteis e necessárias ao seu apuramento, caso assim não venha a ser doutamente entendido, requer-se a esse Venerando Tribunal ad quem que revogue o douto despacho/recorrido, uma vez que do teor dos autos inexiste prova suficiente para se concluir que o incumprimento da obrigação de comparecer na DGRSP se deveu a culpa grave ou grosseira imputável ao recorrente ordenando-se a elaboração do plano de reintegração social do arguido/aqui recorrente, nos termos doutamente ordenados no acórdão condenatório proferido nos autos, para todos os legais efeitos, assim se fazendo Sá e inteira Justiça.
3.
O Exmo Procurador da República na primeira instância veio responder ao recurso, concluindo pela sua improcedência.
4.
Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
5.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº2, do Código de Processo Penal, o arguido veio reiterar o teor das suas alegações de recurso.
6.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência.
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
A) Delimitação do Objeto do Recurso
Como é consensual, quer na doutrina quer na jurisprudência, são as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação, sintetizando as razões do pedido, que definem e determinam o âmbito do recurso e os seus fundamentos, delimitando para o tribunal superior as questões a decidir e as razões por que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certos vícios e nulidades, ainda que não invocados ou arguidas pelos sujeitos processuais.
Atenta a conformação das conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir passa apenas por saber se está verificado, ou não, o pressuposto em que assentou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
B) Despacho Recorrido
“I. RELATÓRIO
Nos presentes autos, em que é arguido AA, filho de AA, filho de BB e de CC, natural de ... – ..., nascido no dia .../.../1977, casado, residente na Rua ..., em ... (cfr. Termo de Identidade e Residência prestado a fls.683), portador do Cartão de Cidadão nº..., por acórdão proferido no dia 02.06.2021, transitado em julgado no dia 24.11.2021, foi o mesmo condenado, além do mais, numa pena única de 4 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova (cfr. fls.587-611 – referência nº...57).
*
Na sequência de pedido efectuado à DGRSP para proceder à elaboração de competente plano de reinserção social (cfr. artigo 494º, nº3, do Código de Processo Penal (CPP)), veio esta entidade informar a sua inviabilidade porquanto o arguido/condenado não compareceu nesses serviços para a realização da indispensável entrevista semiestruturada.
*
Designou-se data para audição do arguido/condenado e da técnica que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, nos termos do artigo 495º, nº2, do CPP (cfr. fls.689-690 – referência nº...18).
*
O Ministério Público pugna pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido/condenado (cfr. fls.675-676 e fls.692 – referências nºs...79 e ...06, respetivamente).
*
O aludido AA requer que essa suspensão seja mantida, (...)sujeitando-o ao plano de reinserção social e notificando-o para o seu cumprimento (cfr. fls.694-696 – referência nº...11).
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Factos provados
Com relevo para a decisão a proferir resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. Por acórdão proferido nos presentes autos no dia 02.06.2021 (cfr. fls.587-611 – referência nº...57), transitado em julgado no dia 24.11.2021, foi o arguido AA condenado, além do mais, pela prática, como autor material, na forma consumada, em concurso efectivo: (...) i. do crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 173.º, n.º 1 do Código Penal [por referência ao ponto 8], na pena de 8 (oito) meses de prisão; ii. do crime de actos sexuais com adolescentes agravado, p. e p. pelas disposições dos arts. 173.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1 al. b) do Código Penal [por referência aos pontos 12 a 14 – no mês de Fevereiro], na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; iii. do crime de actos sexuais com adolescentes agravado, p. e p. pelas disposições dos arts. 173.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1 al. b) do Código Penal [por referência aos pontos 12 a 14 – no mês de Abril ou Maio], na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; iv. do crime de actos sexuais com adolescentes agravado, p. e p. pelas disposições dos arts. 173.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1 al. b) do Código Penal [por referência ao ponto 17], na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; v. do crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 173.º, n.º 2 do Código Penal [por referência ao ponto 22], na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; vi. do crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 173.º, n.º 2 do Código Penal [por referência ao ponto 26], na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão; vii. o crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 173.º, n.º 2 do Código Penal [por referência ao ponto 30], na pena de 2 (dois) anos de prisão (...)
2. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado numa pena única de 4 anos e 10 meses de prisão (cfr. fls.587-611 – referência nº...57).
3. Mais foi decidido suspender essa pena pelo período de 4 anos e 10 meses, com sujeição a regime de prova (...)[q]ue assentará num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social - que leve em consideração sobretudo as necessidades de intervenção ao nível da adequação de comportamentos atinentes a uma sexualidade concordante com o normativo jurídico-penal e respeitadora da autodeterminação sexual, abarcando a necessidade de efectiva interiorização do desvalor das condutas e melhor compreensão do comportamento criminal, com comparência nos serviços de reinserção, com periodicidade a definir pelos técnicos, e bem assim a frequência de programas de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens] (cfr. fls.587-611 – referência nº...57).
4. O aludido AA tomou conhecimento do acórdão referido em 1. no dia 25.10.2021, através de notificação por contacto pessoal (cfr. fls.621 – referência nº...10, respectivamente).
5. Após o trânsito em julgado desse acórdão, foi solicitado à DGRSP a elaboração do competente Plano de Reinserção Social respeitante ao arguido/condenado (cfr. fls.624 – referência nº...77).
6. Esta entidade, na sequência desse pedido, remeteu informação aos autos no dia 18.01.2022 (cfr. fls.637 – referência nº...41), comunicando, além do mais, que: (...) O condenado foi convocado por carta para comparência nesta equipa da DGRSP no dia 13/01/2022, não tendo comparecido. Contactado telefonicamente, indicou não ter recebido convocatória escrita, demonstrando disponibilidade para realizar entrevista no dia 17/01/2022, agendamento ao qual novamente faltou sem qualquer aviso prévio ou contacto posterior. Foram várias as tentativas de contacto telefónico que se tentou estabelecer com o condenado, todas infrutíferas, uma vez que este não atendeu. Foi enviada mensagem de texto solicitando comparência a sua comparência nesta equipa da DGRSP, no dia 18/01/2022, mas o condenado não compareceu, nem procurou contactar esta equipa. Releva-se que, para a elaboração de um Plano de Reinserção Social, é indispensável a realização de entrevista semiestruturada com o condenado, para se proceder à avaliação e definição das necessidades de intervenção, no sentido de ser possível a fixação de objectivos, actividades e respectiva calendarização, em função das necessidades detectadas. Assim, e com vista à realização de entrevista semiestruturada e consequente elaboração do Plano de Reinserção Social, somos a solicitar a V. Exa. notificação judicial do condenado para comparecer nestes serviços de reinserção social, sitos na Avenida ..., ... ..., no próximo dia 15-02-2022 às 10:00 horas. (...)
7. No seguimento da informação referida em 6., por despacho proferido no dia 23.02.2022, determinou-se a notificação do arguido/condenado (...) para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, tomar posição quanto ao teor dos ofícios remetidos pela DGRSP ou, em alternativa, comparecer na DGRSP, a fim de viabilizar a execução do plano de reinserção social gizado(...), mais se advertindo que a (...) pena substitutiva poderá ser revogada, nos termos do artigo 56º, nº1, alínea a), do Código Penal, o que implicará que cumpra a pena de prisão efectiva (cfr. fl.640 – referência nº...03).
8. Posteriormente, veio a DGRSP informar que (...) [o]condenado não compareceu nesta equipa da DGRSP para realizar entrevista, nem efectivou qualquer tentativa de contacto com este serviço, por qualquer meio. Foram várias as tentativas de contacto para o número ...55, não tendo o condenado atendido as chamadas (cfr. fls.663 – referência nº...00).
9. Foi, então, designada data para audição do arguido/condenado e da técnica de reinserção social que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, nos termos do artigo 495º, nº2, do CPP (cfr. fls.664 – referência nº...77).
10. Nessa sede foi proferido despacho que determinou que (...) [i] se notifique o arguido/condenado AA na morada constante do TIR e, bem assim, nas moradas constantes de fls.441 e 621verso para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, tomar posição quanto ao teor dos ofícios remetidos pela DGRSP ou, em alternativa, comparecer na DGRSP, a fim de viabilizar a execução do plano de reinserção social gizado; e [ii] se advirta o arguido/condenado que pena substitutiva poderá ser revogada, nos termos do artigo 56º, nº1, alínea a), do Código Penal, o que implicará que cumpra a pena de prisão efectiva (cfr. fls.670 – referência nº...35).
11. Entretanto, a DGRSP veio informar que (...) [a]té à data, o condenado não compareceu nesta equipa da DGRSP, nem estabeleceu contacto por qualquer outro meio (cfr. fls.674 – referência nº...15).
12. Posteriormente, a 17.11.2022, a DGRSP remeteu aos autos a seguinte informação: (...) O condenado compareceu nas instalações desta equipa da DGRSP no dia 15/11/2022. Referiu estar a residir na seguinte morada: ... - Rua ..., ... .... Trata-se de um quarto em hostel, cujo pagamento do arrendamento mensal é assegurado pela empresa de limpezas para a qual trabalha, a “C..., Lda.”. Aufere um vencimento que ronda os 900€ e trabalha de segunda a sexta-feira das 08:30h às 17:00h, e, segundo expressa, posteriormente até às 20:00 horas com trabalho extraordinário. Não beneficia de qualquer tipo de suporte familiar, mas conta com o apoio dos seus empregadores, um casal com quem esta equipa articulou para confirmar as informações dadas pelo condenado. Verbaliza agora estar disponível para o cumprimento das obrigações fixadas no âmbito da presente suspensão de pena, não tendo, no entanto, apresentado qualquer tipo de justificação plausível para o seu incumprimento reiterado do último ano. (...)
13. Foi designada nova data para audição do arguido/condenado e da técnica de reinserção social, nos termos do artigo 495º, nº2, do CPP (cfr. fls.677 – referência nº...38), que teve lugar no dia 28.11.2022, tendo comparecido aquele AA (cfr. fls.689-690 – referência nº...18).
14. Na sequência do pedido referido em 5. e aquando do único contacto telefónico bem sucedido mencionado na informação referida em 6., o arguido não expressou junto da técnica ter qualquer dúvida acerca do motivo pelo qual estava a ser convocado, sabendo que estava relacionado com a condenação dos presentes autos.
15. Quando o aludido AA, no dia 15.11.2022, compareceu na DGRSP, referiu à técnica que a sua falta de comparência devia-se a um “problema no telemóvel”.
16. Foi a patroa do arguido/condenado que insistiu para que este comparecesse junto da DGRSP e em tribunal.
17. No acórdão condenatório dos presentes autos deu-se como provado que o arguido/condenado possui como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade (cfr. fls.587-611 – referência nº...57).
18. Para além da condenação dos presentes autos, do Certificado do Registo Criminal do arguido/condenado (cfr. referência nº...64) constam as seguintes, sendo todas anteriores:
a) por sentença de 20.12.2010, transitada em julgado no dia 24.01.2011, no âmbito do Processo Comum Singular nº227/10...., do (extinto) ... Juízo Criminal, do Tribunal Judicial da comarca ..., foi condenado pela prática, no dia 12.03.2010, de 1 crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de €5,00, num total de €350,00, que se mostra já extinta;
b) por sentença de 29.08.2013, transitada em julgado no dia 30.09.2013, no âmbito do Processo Comum Singular nº73/13...., do (extinto) ... Juízo Criminal, do Tribunal Judicial da Comarca ..., foi condenado pela prática, no dia 10.08.2010, de 1 crime de condução sem habilitação legal, na pena de 150 dias de multa, à razão diária de €6,00, num total de €900,00, que se mostra já extinta.
*
II.2. Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos alegados nos autos ou em sede de audição de arguido/condenado com relevo para a decisão a proferir, designadamente:
a) que contrariamente ao que consta da Participação da Polícia de Segurança Pública datada de 25.10.2021, o arguido/condenado AA não tomasse consciência da condenação e muito menos de que estaria adstrito ao cumprimento de deveres, designadamente da obrigação de comparecer na DGRSP a fim de ser elaborado plano de reinserção social;
b) que o arguido/condenado nunca percebesse o real sentido da sua condenação, desconhecendo que estaria adstrito ao cumprimento de obrigações, que se encontrava sujeito a regime de prova e, consequentemente, da obrigatoriedade de se apresentar perante a DGRSP;
c) que só com a ajuda dos seus empregadores, é que o arguido/condenado percebesse o teor da notificação que lhe foi remetida e da necessidade de se apresentar no tribunal a fim de ser ouvido;
d) que fossem os empregadores do mencionado AA que lhe explicassem o teor da notificação e lhe fizessem perceber da necessidade de se apresentar.
*
II.3. Motivação
A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação de todos os meios de prova produzidos.
No que concerne à prova documental, a mesma foi indicada supra, junto ao respectivo facto que demonstra.
A seu respeito, cumpre notar que o acórdão condenatório mostra-se escrito em língua portuguesa, de forma clara, pelo que não suscita dúvidas de interpretação quanto à decisão do tribunal colectivo.
No caso vertente teve-se por demonstrado que o arguido/demandado possui como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade, pelo que seguramente sabe distinguir uma condenação (em pena de prisão) de uma absolvição.
É certo que nessa peça processual consta igualmente matéria que, pela sua tecnicidade, escapa ao aludido AA.
No entanto, no ponto viii do segmento decisório, lê-se, de forma cristalina, que o arguido “vai condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão”.
Ainda que não se perceba o que é o cúmulo jurídico e em que se concretiza a suspensão sujeita a regime de prova, tal circunstância não invalida que da decisão em apreço ressalta uma condenação em 4 anos e 10 meses de prisão (tanto mais que se encontra destacada a negrito).
Acresce que, perante uma pena dessa natureza e medida, o homem medianamente diligente e cuidadoso, em caso de alguma dúvida, procuraria inteirar-se das reais consequências que representaria para si tal condenação, designadamente procurando um advogado (sendo certo que, no caso decidendo, o arguido/condenado dispõe de Defensora) ou mesmo dirigindo-se ao tribunal.
Os elementos documentais já enunciados foram conjugados com o depoimento de DD – técnica da DGRSP – que, de modo espontâneo, linear, objectivo, isento, seguro, consistente e credível, explicou as circunstâncias em que foram elaboradas as informações que dirigiu aos autos, que aprofundou.
Neste contexto, a propósito do que se consigna a fls.637verso, esclareceu que apenas houve um contacto telefónico em que conseguiu falar com o arguido/condenado, sendo que o mesmo não manifestou dúvidas acerca da razão pela qual pretendia marcar uma entrevista (destinada à elaboração do competente plano de reinserção social), relacionando-a com a condenação dos presentes autos.
Sucede que a partir de então deixou de estar contactável, o que verificou-se até comparecer nos serviços da DGRSP, no dia 15.11.2022, tendo nessa altura explicado que tudo ficou a dever-se a um “problema no telemóvel”, o que para a própria técnica não se afigurou – e com razão, diga-se –, uma (...) justificação plausível para o seu incumprimento reiterado do último ano (cfr. fls.684verso).
Deste modo, nem em Janeiro de 2022, nem em Novembro de 2022, o aludido AA expressou junto da técnica quaisquer dúvidas acerca da condenação dos presentes autos, sendo certo que, pelo menos, em Janeiro, na sequência desse contacto por telefone, tomou conhecimento que a pena de prisão não seria executada, antes ficando suspensa, e que, para tanto, era necessário realizar uma entrevista junto da DGRSP para, então, elaborar-se o necessário plano de reinserção social.
Além disso, se até Janeiro de 2022 não estivesse devidamente esclarecido acerca da sua condenação (salvaguarda-se sempre o facto de o arguido/condenado, a partir de 25.10.2021, ter tomado conhecimento do acórdão condenatório, pelo que, desde então, poderia recorrer à sua Ilustre Defensora e/ou ao tribunal para sanar eventuais dúvidas que tivesse), sempre poderia aproveitar a referida entrevista para ficar elucidado.
Não foi, porém, isso que fez, antes esquivou-se ao seu contacto (seja directamente pela DGRSP, seja por intermédio do tribunal), apenas tendo comparecido em Novembro de 2022 por insistência da sua patroa.
Roça, portanto, a má-fé, alegar-se neste momento que aquele AA (...) nunca percebeu o real sentido da sua condenação.
Afinal, quem é o interessado em ver esclarecido esse “real sentido”?
E que diligência(s) fez o arguido para ficar devidamente elucidado?
Por esse motivo, as suas declarações assumiram-se ocas e amorfas.
*
II.4. Enquadramento jurídico-penal
Nos presentes autos, foi o arguido AA condenado, por acórdão proferido no dia 02.06.2021 e transitado em julgado no dia 24.11.2021, numa pena (única) de 4 anos e 10 meses de prisão, pela prática de crimes de natureza sexual, suspendendo-se a execução dessa pena por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP (...) que leve em consideração sobretudo as necessidades de intervenção ao nível da adequação de comportamentos atinentes a uma sexualidade concordante com o normativo jurídico-penal e respeitadora da autodeterminação sexual, abarcando a necessidade de efectiva interiorização do desvalor das condutas e melhor compreensão do comportamento criminal, com comparência nos serviços de reinserção, com periodicidade a definir pelos técnicos, e bem assim a frequência de programas de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens.
Mediante contacto telefónico estabelecido entre a técnica da DGRSP e o arguido/condenado – com vista à elaboração do competente plano de reinserção social (designadamente, estabelecer os objectivos a atingir, delinear as actividades a desempenhar e definir os respectivos timings) –, este último manifestou disponibilidade para realizar uma entrevista no dia 17.01.2022.
Por ocasião deste contacto, o arguido/condenado não evidenciou qualquer dúvida acerca da condenação dos autos, do motivo pelo qual teria de comparecer nos serviços da DGRSP, nem da necessidade dessa entrevista (designadamente, do propósito que servia).
Sucede que o mencionado AA não compareceu naquele dia 17.01.2022, além de que, não obstante todas as diligências encetadas (seja pela DGRSP, inicialmente, seja pelo tribunal), manteve-se incontactável, apresentando-se apenas no dia 15.11.2022, por insistência da sua patroa, com a justificação que teve um “problema no telemóvel”.
*
Dito isto, estatui o artigo 40º, nº1, do CP, que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Deste modo, as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.
De acordo com o artigo 70º, do mesmo diploma legal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O preceituado neste último normativo implica que o legislador penal tenha erigido, sem equívoco, o princípio de que, quando, no caso concreto, o juiz tenha à sua disposição uma pena de prisão e uma pena não detentiva, deve preferir a aplicação desta à aplicação daquela sempre que seja fundado supor que a primeira realizará, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (vide Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p.328).
No caso de condenação em pena de prisão, a sua execução, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (cfr. artigo 42º, nº1, do CP).
No entanto, estabelece-se no artigo 50º, nº1, do diploma em referência, que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Daqui resulta que o julgador dispõe, atento o quantum concreto da pena de prisão (não superior a cinco anos) – pressuposto de natureza formal –, de um poder-dever de substituir a pena de prisão por outra de carácter não detentivo.
A referida suspensão da execução da pena de prisão funciona como uma pena de substituição que passa de modo prevalente por considerações de prevenção especial de socialização.
Daí que se exija, como seu pressuposto de natureza material, que o tribunal (…) conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (vide o Acórdão da Relação de Coimbra, de 29 de Novembro de 2017, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº202/16.8PBCVL.C1, relator Orlando Gonçalves).
Como se explicita neste aresto, na formulação desse juízo de prognose deverá atender-se, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir) – acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº202/16.8PBCVL.C1, relator Orlando Gonçalves.
Decidindo-se pela aplicação desta pena de substituição, pode impor-se ao arguido/condenado o cumprimento de deveres (cfr. artigo 51º, do CP) e/ou de regras de conduta (cfr. artigo 52º, do mesmo diploma legal) – cfr. artigo 50º, nº3, desse mesmo diploma – ou sujeitá-lo ao regime de prova (cfr. artigos 53ºe 54º, do CP).
*
No caso do acórdão condenatório dos presentes autos verifica-se que o referido juízo de prognose foi efectuado e por ser positivo determinou que se decidisse pela suspensão da execução da pena de 4 anos e 10 meses de prisão aplicada ao arguido/condenado AA.
No entanto, considerou-se que essa suspensão deveria ser acompanhada de regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP (cfr. artigo 54º, do mesmo diploma legal), (...) que leve em consideração sobretudo as necessidades de intervenção ao nível da adequação de comportamentos atinentes a uma sexualidade concordante com o normativo jurídico-penal e respeitadora da autodeterminação sexual, abarcando a necessidade de efectiva interiorização do desvalor das condutas e melhor compreensão do comportamento criminal, com comparência nos serviços de reinserção, com periodicidade a definir pelos técnicos, e bem assim a frequência de programas de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens.
Sucede que, como vimos, esse plano mantém-se por elaborar.
Está em causa uma condenação de 2021.
Estamos em Janeiro de 2023.
*
No que respeita ao incumprimento das condições da suspensão, prevêem-se 2 situações distintas na lei:
[i] se durante a suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, o tribunal pode optar por aplicar uma das medidas previstas no artigo 55º, do CP (fazer uma solene advertência – alínea a) –, exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão – alínea b) –, impor novos deveres ou regras de conduta ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação – alínea c) – ou prorrogar o período de suspensão – alínea d)); e
[ii] se durante a suspensão, o condenado infringir, de forma grosseira ou repetidamente, os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estivam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, o tribunal, nos termos do artigo 56º, nº1, do mesmo diploma legal, revoga a suspensão, o que implica o cumprimento da pena de prisão fixada na decisão condenatória (cfr. artigo 56º, nº2, do CP).
Como se explica no Acórdão da Relação de Guimarães, de 22.01.2018, [a]s causas determinativas da revogação desta pena de substituição, estabelecidas no n.º 1 do art. 56º do Código Penal, reportam-se, pois, a anomalias graves, imputáveis ao condenado, que se venham a registar no decurso do período da suspensão – sublinhado e destacado nossos (acessível em www.dgsi.pt/jtrg, Processo nº97/10.5GCVRL-B.G1, relator Jorge Bispo).
Daqui se infere que o não cumprimento das obrigações impostas não deve desencadear necessariamente a revogação da condenação condicional.
Com efeito, essa revogação só deve ocorrer quando estiverem esgotadas ou se revelarem ineficazes as restantes providências legalmente previstas.
No caso da alínea a), do nº1, do artigo 56º, do CP, exige-se a verificação de um requisito objetivo e de um requisito subjetivo: o primeiro consiste na falta de cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou do plano individual de readaptação social que tenham sido impostos ao arguido; o segundo determina que esse incumprimento consista numa violação grosseira ou repetida do que foi imposto como condição da suspensão da execução da pena de prisão.
Como se esclarece no Acórdão da Relação de Lisboa, de 25.05.2017: (...) A infracção grosseira é a que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aqui se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção. Já a infracção repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano individual de reinserção é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, revelando uma postura de desprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória (acessível em www.dgsi.pt/jtrl, Processo nº317/14.7PBPDL-A-L1-9, relatora Filipa Costa Lourenço).
Salienta Paulo Pinto de Albuquerque que (…) não basta o incumprimento da regra de conduta/deveres impostos, para levar à revogação da suspensão da pena, exigindo-se ainda que essa violação ocorra de modo grosseiro ou repetido, ou seja, que estejamos perante uma conduta dolosa (violação conscientemente querida) ou perante uma actuação temerária, que se traduz no fundo numa acção indesculpável, ou numa “... atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade (...) A colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir as condições da suspensão constitui violação grosseira dessas condições (vide Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, Outubro, 2010, p.201-202).
Assim, a decisão de revogar ou não revogar a suspensão decorrerá do que se inferir da apreciação das circunstâncias em que ocorreu o incumprimento, tendo sempre presente 2 aspectos: [i] as finalidades consagradas no artigo 40º, do CP, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; e [ii] que a pena de prisão constitui sempre a última ratio.
Como se afirma no Acórdão da Relação do Porto, de 10.03.2004, (…) a infracção dos deveres impostos não opera automaticamente como causa de revogação da suspensão da execução da pena, como medida extrema que é, não devendo o tribunal atender ao aspecto meramente formal daquela violação, mas, prevalentemente, ao desejo firme e incontroverso de cumprimento das obrigações. Só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena deve conduzir à revogação – sublinhado e destacado nossos (acessível em www.dgsi.pt/jtrp, Processo nº0345918, relatora Brízida Martins).
Neste âmbito, Paulo Pinto de Albuquerque afirma que (…) o critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo (vide Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, p.202), e não de compensação da culpa ou de retribuição do mal causado (vide, também, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p.331 e Fernanda Palma, “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva” em “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, AAFDL, 1998, p.25-51).
Como se expôs supra, constitui factor de ponderação da revogação: [i] o cometimento de um crime durante o período da suspensão, uma vez que o juízo de prognose favorável assenta na confiança que o arguido/condenado não cometerá crimes no futuro (cfr. alínea b), do nº1, do artigo 56º, do CP); ou [ii] a violação grave ou reiterada das obrigações a que se condicionou a suspensão (cfr. alínea a), do nº1, do artigo 56º, do mesmo diploma legal), já que é um dos mais importantes deveres que acompanham esta pena de substituição.
Em qualquer dos casos, o que está em causa é a formulação de (…) um juízo de prognose sustentado em factos ocorridos no passado, que permitem um juízo de previsibilidade de uma acção ou de um comportamento futuro. Nesse sentido, o juízo de prognose a efectuar pelo tribunal deve permitir-lhe concluir favorável ou desfavoravelmente do passado e do presente para o futuro relativamente à conduta de quem está em causa (vide o mesmo Acórdão da Relação de Coimbra, de 11.09.2013, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº20/10.7GCALD-B.C1, relatora Brízida Martins).
Assim, a revogação não é automática, havendo que ponderar sempre, e previamente, a viabilidade da manutenção da ressocialização em liberdade (vide o Acórdão da Relação de Évora, de 08.03.2018, acessível em www.dgsi.pt/jtre, Processo nº2207/13.1GBABF-A.E1, relatora Ana Barata Brito).
De tal forma que (…) a revogação da suspensão da execução da pena (…) só deve ter lugar quando se concluir que tal juízo é inalcançável, estando assim irremediavelmente comprometidas as esperanças de reintegração social que estiveram na base da aplicação da uma pena de prisão suspensa (assim o Acórdão da Relação de Évora, de 22.04.2014, acessível em www.dgsi.pt/jtre, Processo nº90/10.8PBBJA-A.E1, relator Renato Barroso; ainda, o Acórdão da Relação de Évora, de 12.10.2021, acessível em www.dgsi.pt/jtre, Processo nº332/13.8GDABF-A.E1, Fátima Bernardes), isto é, depende (…) da constatação de que as finalidades punitivas que estiveram na base da aplicação da suspensão já não podem ser alcançadas através dela, infirmando-se definitivamente o juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro – sublinhado e destacado nossos (vide o Acórdão da Relação de Coimbra, de 06.02.2019, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº221/14.9SBGRD-A.C1, relatora Helena Bolieiro).
Neste contexto, (…) as causas de revogação não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O réu deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena” e que a revogação “só deverá ter lugar como última ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as providências que este preceito (o actual art. 55º do Código Penal) contém (assim Simas Santos/Leal Henriques, Código Penal Anotado, 1º Volume, 1995, p.481).
É que a revogação (só) terá lugar quando se reconheça – por referência ao momento presente – que se frustrou a prognose sobre a adequação e suficiência da pena de substituição para garantir as finalidades da punição.
Do que vem de mencionar-se resulta que o tribunal beneficia de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo em situações em que esteja demonstrada a existência de mau comportamento durante o período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Com efeito, em lugar de revogar a suspensão, o tribunal pode fazer uso das “providências” descritas no já referido artigo 55º, do CP, isto é: fazer uma solene advertência ou exigir garantias de cumprimento dos deveres que condicionam a suspensão ou impor novos deveres ou regras de conduta ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção ou prorrogar o período de suspensão.
*
Posto isto, considerando que, como se expressou supra, a aplicação de uma pena visa fins preventivos, cumpre averiguar se o arguido/condenado, ao inviabilizar a elaboração do respectivo plano de reinserção social, violou, de forma grosseira ou repetida, as condições da suspensão da execução da pena de 4 anos e 10 meses de prisão que lhe foi aplicada.
Para essa ponderação é necessário apreciar-se conjugadamente as circunstâncias que inviabilizaram que o referido plano fosse organizado e a personalidade e condições de vida do identificado AA à luz dos fins das penas e, ainda, dos critérios consagrados no artigo 50º, nº1, do CP.
Na sequência dessa apreciação: [i] se for concluído que subsistem ainda fundadas expectativas de ressocialização do arguido/condenado em liberdade, decide-se pela não revogação dessa suspensão; [ii] se, ao invés, considerar-se que o raciocínio efectuado em sede de julgamento não teve reflexos na realidade dos actos do arguido/condenado e na sua capacidade de adesão aos valores societários vigentes e concluir-se que, em concreto, a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, com o que se mostram frustradas as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão, decide-se pela revogação dessa suspensão.
No caso vertente, apurou-se que o arguido/condenado habita um quarto em hostel, sendo que cabe à empresa onde trabalha o pagamento da respectiva ocupação. Aufere mensalmente €900,00, trabalha de segunda a sexta-feira das 08h30 às 17h, e, posteriormente, até às 20h com trabalho extraordinário. Não beneficia de qualquer tipo de suporte familiar, mas conta com o apoio dos seus empregadores.
É, pois, precária, a sua situação familiar, apenas dispondo dos seus patrões como sua retaguarda, o que também se revela débil.
O arguido foi condenado, por acórdão que transitou em julgado no dia 24.11.2021, numa pena (única) de 4 anos e 10 meses de prisão pela prática de crimes de natureza sexual, cuja execução se decidiu suspender por igual período, acompanhada de regime de prova que, além do mais: (i) teria em consideração a necessidade de uma efectiva interiorização, pelo identificado AA, do desvalor das condutas que empreendeu e melhor compreensão do seu comportamento criminal; (ii) determinaria a sua comparência nos serviços de reinserção, com periodicidade a definir pelos técnicos; e (iii) preveria a frequência de programas de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens.
O arguido/condenado foi regularmente notificado do acórdão condenatório dos autos e, quando contactado pela técnica da DGRSP para marcação de uma entrevista tendo como propósito a elaboração do competente plano de reinserção social, não manifestou qualquer dúvida, sabendo que respeitava a essa condenação e que era necessária.
O arguido/condenado, pelo menos na sequência desse contacto, ficou consciente que para evitar o cumprimento efectivo da referida pena detentiva teria comparecer na referida entrevista e de observar devidamente aquele regime de prova, concretizado no respectivo plano de reinserção social.
No entanto, após esse contacto, não só não compareceu àquela entrevista (designada para 17.01.2022), como também furtou-se a posteriores contactos (da DGRSP e do tribunal), só vindo a apresentar-se nos serviços da DGRSP no dia 15.11.2022, por insistência da sua patroa, referindo não tê-lo feito antes por um “problema no telemóvel”.
Deste modo, no caso decidendo, as dificuldades surgiram logo no momento da elaboração do plano (de reinserção social) em que assenta o regime de prova, para o qual era (...) indispensável a realização de entrevista semiestruturada com o condenado, para se proceder à avaliação e definição das necessidades de intervenção, no sentido de ser possível a fixação de objectivos, actividades e respectiva calendarização, em função das necessidades detectadas (assim a informação datada de 18.01.2022 – cfr. fls.637 – referência nº...41).
Como preceitua o nº1, do artigo 54º, do CP, o plano de reinserção social contém os objectivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as actividades que este deve desenvolver, o respectivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adoptar pelos serviços de reinserção social.
Na verdade, (...) [o] regime de prova, previsto nos artigos 53º e 54º do CP, tendo por base um plano de reinserção social (...) tem um sentido marcadamente educativo e correctivo, sendo o principal vector desse regime, a sujeição do condenado a uma especial vigilância e controlo dos serviços de reinserção social (cf. n.º 2, do artigo 53º do CP), levada a cabo pelo respectivos técnicos, num quadro de mútua colaboração, com vista a desenvolver o sentimento de responsabilidade social do condenado e a alcançar a finalidade de prevenção especial, da sua reintegração na sociedade. A sujeição ao regime de prova, assente num plano de readaptação social, tendo em vista alcançar o desiderato a que se propõe, exige do condenado que se mantenha contactável pelos serviços de reinserção social, que compareça às entrevistas marcadas e que revele uma atitude de colaboração com o(s) técnico(s) de reinserção social que efetua(m) o acompanhamento, sob pena de esvaziamento do conteúdo útil de tal regime e de ficarem frustradas ab início as suas finalidades – sublinhado nosso (assim o já referido Acórdão da Relação de Évora, de 12.10.2021, acessível em www.dgsi.pt/jtre, Processo nº332/13.8GDABF-A.E1, Fátima Bernardes),
No caso sob apreciação, com excepção do contacto telefónico estabelecido entre a DGRSP e o arguido/condenado, ocorrido em Janeiro de 2022, do qual resultou o agendamento da “entrevista semiestruturada” – à qual não compareceu “sem qualquer aviso prévio ou contacto posterior” –, desde então e até ao dia 15.11.2022, não mais foi possível contactar o mencionado AA, sendo certo que “(...) [f]oram várias as tentativas de contacto telefónico que se tentou estabelecer com o condenado, todas infrutíferas, uma vez que este não atendeu. Foi enviada mensagem de texto solicitando comparência a sua comparência nesta equipa da DGRSP, no dia 18/01/2022, mas o condenado não compareceu, nem procurou contactar esta equipa.
Nem nesse dia 15.11.2022, nem quando se procedeu à audição presencial do arguido/condenado, no dia 28.11.2022, este apresentou uma justificação que se afigurasse genuína e plausível.
Ao eximir-se ao cumprimento da pena de substituição, ainda por executar quanto ao mencionado plano (através do qual procurar-se-ia a interiorização, pelo aludido AA, de normas e sentido de responsabilidade social, bem como o acatamento das solicitações e orientações da DGRSP e também a frequência de programas de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens), tornando-o inviável, o que se verifica volvido já mais de 1 ano do trânsito em julgado da condenação dos presentes autos, o arguido/condenado tornou manifesto não ser sua pretensão alcançar os objectivos que esse plano visa prosseguir, designadamente, os indicados no acórdão condenatório.
De tal modo que ainda não foi confrontado, nem discutiu o desvalor das suas condutas criminosas, de forma a adequar o seu comportamento “a uma sexualidade concordante com o normativo jurídico-penal e respeitadora da autodeterminação sexual”.
Tampouco frequentou qualquer programa de reabilitação.
Este comportamento do arguido, em nosso entendimento, demonstra de forma cabal a sua falta de vontade na execução da pena de substituição e, consequentemente, a sua fraca susceptibilidade em deixar-se influenciar por essa pena, com o que revela uma insatisfatória interiorização da gravidade da conduta delitiva por que foi condenado.
Repare-se, ainda, a este propósito, que o aludido AA compareceu junto da DGRSP (e também do tribunal) porque a sua patroa insistiu e não por iniciativa própria, o que torna mais vincada a apontada falta de vontade, o que, aliás, também transparece da justificação que deu à técnica daquela entidade, ao mencionar que teve um “problema no telemóvel”.
Como tal, verifica-se que nunca foi possível obter qualquer séria colaboração do arguido/condenado para a elaboração e subsequente cumprimento do plano (de reinserção social) subjacente ao regime de prova, o que demonstra que a suspensão da execução da pena de prisão não surtiu efeito ao nível da prevenção especial.
Na verdade, o arguido demonstrou alheamento perante o juízo de censura que lhe foi dirigido através do acórdão condenatório dos presentes autos (proferido no dia 02.06.2021 e transitado em julgado no dia 24.11.2021), tendo adoptado uma postura de indiferença e de incumprimento reiterado – sem que para tanto tivesse qualquer motivo ponderado e plausível –, quando se lhe exigia um comportamento activo e de franca colaboração.
Para além disso, com a sua atitude, frustrou uma outra finalidade da punição, que se traduz na consciencialização, pela comunidade, da importância social do bem jurídico tutelado pela norma jurídica violada (a liberdade de autodeterminação sexual) e da necessidade de estabilização das expectativas comunitárias na validade dessa norma.
O arguido/condenado agiu, pois com desconsideração e desinteresse em relação à condenação sofrida, tendo-se demitido da observância de deveres de colaboração com a DGRSP (e com o tribunal) que são elementares.
No caso vertente as “providências” previstas no supra referido artigo 55º, do CP, revelam-se ineficazes, na medida em que:
a) a hipótese de se fazer uma solene advertência afigura-se-nos, nesta altura, extemporânea e infrutífera;
b) atenta a natureza da condição imposta para suspender a pena de prisão dos presentes autos, frustra-se a previsão contida na alínea b), do artigo 55º;
c) não vislumbramos ser exequível a imposição de novos deveres ou regras de conduta para além daqueles que resultam do acórdão condenatório, não sendo possível introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção atenta a sua inexistência (cfr. alínea c), do indicado normativo);
d) no que concerne à prorrogação do período de suspensão (cfr. alínea d), do citado artigo 55º, do CP), haverá que atentar no seguinte: o período normal da prorrogação da suspensão faz-se até metade do prazo inicialmente fixado; é necessário que essa metade corresponda ao mínimo de 1 ano; e o prazo da suspensão acrescido da prorrogação não pode exceder o prazo máximo da suspensão.
Sabendo-se que o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos (cfr. nº5, do artigo 50º, do mesmo diploma legal), a contar do trânsito em julgado da decisão condenatória, conclui-se que a prorrogação de tal período não pode ser inferior a 1 ano, nem superior a metade do prazo inicial, com o limite máximo de 5 anos.
Assim, se o período inicial da suspensão for superior a 4 anos – como sucede no caso decidendo –, o período da suspensão não pode ser prorrogado.
A supra descrita postura de reiterado incumprimento assumida pelo arguido/condenado – com duração superior a 1 ano –, configura uma infracção grosseira e repetida do plano de reinserção social que permanece por elaborar, o que evidencia que o identificado AA é desmerecedor do juízo de prognose propugnado no acórdão condenatório que lhe suspendeu a execução da pena de prisão enquanto oportunidade de reinserção em liberdade que lhe foi oferecida e de que não aproveitou.
Transigir com tal comportamento é descredibilizar a suspensão da execução da pena de prisão, tornando-a inócua, enquanto verdadeira pena autónoma, susceptível de, por si, realizar as finalidades da punição.
Como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto, de 10.10.2018: [d]eve ser revogada a suspensão de execução da pena, por incumprimento grosseiro, repetido e culposo dos deveres que condicionam a suspensão, quando o condenado, convocado para comparecer pelos serviços competentes para elaboração do plano de reinserção social, não compareceu, nem justificou a falta, o que o inviabilizou, mantendo-se desconhecido o seu paradeiro, deixando de residir na morada indicada no T.I.R. sem comunicar ao Tribunal a nova morada (acessível em www.dgsi.pt/jtrp, Processo nº165/15.7PFVNG-B.P1, relatora Elsa Paixão).
E como se defende no Acórdão da Relação de Lisboa, de 01.07.2021: (...) Ignorar o comportamento relapso do Arg. perante a solene advertência que constitui a condenação numa pena suspensa, especialmente quando acompanhada do regime de prova, é premiar este comportamento, desvalorizar a decisão condenatória de um tribunal e desperdiçar o trabalho dos Serviços de Reinserção Social, na elaboração do plano de reinserção, o que consideramos inaceitável, porque envia à comunidade o sinal de que se podem desrespeitar impunemente as decisões dos tribunais (acessível em www.dgsi.pt/jtrl, Processo nº797/15.3T9VFX-AB.L1-9, relator Abrunhosa de Carvalho).
No caso vertente, a referida postura de repetido incumprimento pelo arguido/condenado afasta a manutenção do juízo de prognose positivo que é pressuposto da não revogação da suspensão.
Como tal, o seu comportamento, ora sob censura, revela que a pena só servirá as aludidas finalidades se cumprida através da privação da liberdade.
*
III. DECISÃO
Termos em que, ao abrigo do disposto no artigo 56º, nº1, alínea a), do CP, decide-se:
a) Revogar a pena de substituição;
b) Em consequência, determinar o cumprimento efectivo da pena (única) de 4 anos e 10 meses de prisão aplicada ao arguido/condenado AA no acórdão condenatório dos presentes autos.
*
Notifique, comunique à DGRSP e demais diligências necessárias.
(…)”.
C) Apreciação do recurso
Insurge-se o arguido com a revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada nestes autos, alegando, em suma, que, não compareceu à entrevista pessoal agendada pela DGRSP para o dia 17/1/2022 e para a qual foi contatado telefonicamente por motivos pessoais; após tal data, a DGRSP tentou contatá-lo, por via telefónica, sem sucesso, porque encontrava-se em Lisboa e por tal motivo não rececionou as notificações que lhe foram dirigidas e também não atendeu as chamadas telefónicas efetuadas, por aquele organismo, devido ao facto do seu telemóvel “ter tido problemas”; a convocatória enviada para a morada constante do TIR, a fim de se proceder à sua audição, no dia 03-10-2022, não foi por si rececionada devido ao facto de não residir na morada indicada em tal termo, estando nessa altura em Lisboa, razão pela qual não compareceu no dia designado; em 17/11/2022, a DGRSP informou o Tribunal a quo que tinha comparecido nas suas instalações, no dia 11 de novembro de 2022, tendo então sido notificado, na sua atual morada, sita na Rua ..., em ..., para comparecer no Tribunal a quo, no dia 28-11-2022, onde esteve presente; só tomou verdadeiramente consciência de que se encontrava sujeito ao regime de prova e consequentemente da obrigatoriedade de se apresentar perante a DGRSP, quando veio residir novamente para ... e só depois de ter contatado a sua ilustre defensora, na sequência da notificação de 17 de novembro de 2022; “tal falta de cognoscibilidade deveu-se ao facto de o arguido não ter recebido as notificações, porquanto, em meados do mês de janeiro de 2022, residia em Lisboa, só tendo regressado a ..., em novembro de 2022, onde ficou – e ainda está – a residir, num hostel, mudança que lhe causou diversos problemas e o impediu de rececionar as aludidas notificações; “só no dia 17 de novembro de 2022, foi devidamente explicado ao arguido o teor do acórdão de condenação, bem como todas as condicionantes inerentes à sua condenação em pena de prisão suspensa na sua execução e a correspetiva subordinação ao cumprimento de deveres”; “não violou culposamente o plano de reinserção social, ao contrário do que foi defendido pelo douto Tribunal a quo. Até porque, nem sequer chegou a ser elaborado um plano de reinserção social”.
Em abono da pretendida manutenção da suspensão da execução da pena, trouxe ainda à liça que “não tem antecedentes criminais de crimes da mesma natureza do crime pelo qual foi condenado nos presentes autos, não representando o mesmo qualquer perigo para a sociedade, pelo que, atendendo ao princípio da subsidiariedade da pena de prisão, se impõe a manutenção da decisão de suspensão da execução da pena”; “necessita de cumprir a pena imposta em liberdade, de forma a poder continuar a trabalhar e a beneficiar do apoio dos seus empregadores que são o seu único suporte neste momento”; o seu comportamento aquando da sua audição é demonstrativo que pretende cumprir com o plano de reinserção que lhe venha a ser aplicado”; “a revogação da suspensão só terá lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes medidas previstas no artigo 55º do Código Penal, o que não é o caso.
Conclui, em suma, que “o Tribunal a quo, para revogar a suspensão da execução da aludida pena de prisão, tinha de obter prova irrefutável e segura que o condenado, aqui recorrente, incumpriu o seu dever de comparência, na DGRSP, durante alguns meses, a fim de tal organismo poder elaborar o referido plano de reinserção social, por única e exclusiva culpa grosseira da sua parte.
É incontroverso que a revogação, atualmente (não era assim na redação originária do Código Penal de 1982), não é automática, antes impondo a análise das razões que levaram ao comportamento em apreciação. Se o julgador concluir que se trata de uma infração grosseira ou repetida das obrigações impostas, ou se o condenado tiver praticado um novo crime que tenha levado a uma nova condenação e que permita a conclusão, segura, de que o arguido não foi merecedor da confiança e esperança nele depositadas, a suspensão da pena deverá ser revogada.
Como se escreveu no acórdão desta Relação, de 08-10-2012 in www.dgsi.pt “O abandono do automatismo na revogação da suspensão não traduz qualquer vontade do legislador de criar um regime mais permissivo, mas, antes, de ligar indelevelmente o destino da suspensão à satisfação das finalidades que estiveram na sua base.”
Ora, a aplicação de uma qualquer pena tem sempre como finalidade primeira o afastamento do arguido da prática de novos crimes. Nenhuma pena, mesmo as privativas de liberdade, têm como fim último a própria privação de liberdade, porque a privação de liberdade é, ou deve ser, tão só o meio necessário para realização do fim pretendido com a imposição da pena (cfr. Cavaleiro de Ferreira Direito Penal Português, Parte Geral, II, Verbo, 479).
Isto é, a privação de liberdade não sendo um fim em si mesma pode ser um dos meios possíveis e necessários para a realização do fim que a imposição da pena visa atingir, porque a imposição de uma pena tem de se revestir de eficácia, para não se tornar inútil.
É por isso que a aplicação de qualquer pena implica sempre a ponderação das particularidades de cada caso concreto para que acabe por ser escolhida a pena que melhor se ajusta à situação, isto é, a que melhor permite atingir as finalidades da punição, que são a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art.º 40 nº 1 do Código Penal).
Nos presentes autos, o arguido, ora recorrente, por acórdão proferido em 02.06.2021, transitado em julgado em 24.11.2021, foi condenado na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão pela prática dos seguintes crimes:
i. do crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 173.º, n.º 1 do Código Penal [por referência ao ponto 8], na pena de 8 (oito) meses de prisão;
ii. do crime de actos sexuais com adolescentes agravado, p. e p. pelas disposições dos arts. 173.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1 al. b) do Código Penal [por referência aos pontos 12 a 14 – no mês de Fevereiro], na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
iii. do crime de actos sexuais com adolescentes agravado, p. e p. pelas disposições dos arts. 173.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1 al. b) do Código Penal [por referência aos pontos 12 a 14 – no mês de Abril ou Maio], na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
iv. do crime de actos sexuais com adolescentes agravado, p. e p. pelas disposições dos arts. 173.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1 al. b) do Código Penal [por referência ao ponto 17], na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
v. do crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 173.º, n.º 2 do Código Penal [por referência ao ponto 22], na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de
prisão;
vi. do crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 173.º, n.º 2 do Código Penal [por referência ao ponto 26], na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão;
vii. o crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 173.º, n.º 2 do Código Penal [por referência ao ponto 30], na pena de 2 (dois) anos de prisão.
Entendeu o mesmo tribunal suspender na sua execução a mencionada pena de prisão, por igual período, aduzindo, a tal propósito, a seguinte argumentação “face ao quadro factual provado, nomeadamente a assunção da responsabilidade dos factos e auto-crítica, a ausência de antecedentes criminais por crimes desta natureza (quer anteriores quer posteriores à prática destes factos), o afastamento que tem mantido em relação à menor EE, bem assim a sua inserção profissional, que a censura do facto e a ameaça da pena, constituindo sério aviso para o mesmo, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, crendo-se, ainda, que a reprovação pública inerente à pena suspensa e o castigo que ela envolve, satisfazem o sentimento jurídico da comunidade e, consequentemente, as exigências de prevenção geral de defesa da ordem jurídica”.
Tal suspensão, porém, ficou sujeita a um regime de prova, assente num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, no qual fossem consideradas “as necessidades de intervenção ao nível da adequação de comportamentos atinentes a uma sexualidade concordante com o normativo jurídico-penal e respeitadora da autodeterminação sexual, abarcando a necessidade de efectiva interiorização do desvalor das condutas e melhor compreensão do comportamento criminal, com comparência nos serviços de reinserção, com periodicidade a definir pelos técnicos, e bem assim a frequência de programas de reabilitação para agressores sexuais de crianças e jovens”.
Transitado o acórdão condenatório foi solicitada a DGRSP, em 21/12/2021, a elaboração de PRS referente ao condenado, o qual nunca chegou a ser elaborado.
Ora, como resulta dos autos, após ter sido solicitada à DGRSP a elaboração do competente Plano de Reinserção Social respeitante ao arguido/condenado (cfr. fls.624 – referência nº...77), esta entidade, na sequência desse pedido, remeteu informação aos autos no dia 18.01.2022 (cfr. fls.637 – referência nº...41), comunicando, além do mais, que: (...) O condenado foi convocado por carta para comparência nesta equipa da DGRSP no dia 13/01/2022, não tendo comparecido. Contactado telefonicamente, indicou não ter recebido convocatória escrita, demonstrando disponibilidade para realizar entrevista no dia 17/01/2022, agendamento ao qual novamente faltou sem qualquer aviso prévio ou contacto posterior. Foram várias as tentativas de contacto telefónico que se tentou estabelecer com o condenado, todas infrutíferas, uma vez que este não atendeu. Foi enviada mensagem de texto solicitando comparência a sua comparência nesta equipa da DGRSP, no dia 18/01/2022, mas o condenado não compareceu, nem procurou contactar esta equipa. Releva-se que, para a elaboração de um Plano de Reinserção Social, é indispensável a realização de entrevista semiestruturada com o condenado, para se proceder à avaliação e definição das necessidades de intervenção, no sentido de ser possível a fixação de objectivos, actividades e respectiva calendarização, em função das necessidades detectadas. Assim, e com vista à realização de entrevista semiestruturada e consequente elaboração do Plano de Reinserção Social, somos a solicitar a V. Exa. notificação judicial do condenado para comparecer nestes serviços de reinserção social, sitos na Avenida ..., ... ..., no próximo dia 15-02-2022 às 10:00 horas. (...)
O arguido não compareceu neste dia 15/2 nos serviços de reinserção social, conforme informação junta aos autos a fls.638, mas não foi para tal notificado pelo tribunal para aí comparecer, conforme solicitado pelos mencionados serviços.
Em 23.02.2022, foi determinada a notificação do arguido/condenado (...) para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, tomar posição quanto ao teor dos ofícios remetidos pela DGRSP ou, em alternativa, comparecer na DGRSP, a fim de viabilizar a execução do plano de reinserção social gizado(...), mais se advertindo que a (...) pena substitutiva poderá ser revogada, nos termos do artigo 56º, nº1, alínea a), do Código Penal, o que implicará que cumpra a pena de prisão efectiva (cfr. fl.640 – referência nº...03).
A carta remetida para notificação de tal despacho não foi enviada para a última morada comunicada pelo arguido para efeitos de notificação – Rua ..., ...).
Volvidos quatro meses foi proferido despacho em 21/6/2022 a solicitar à DGRSP para esclarecer se o arguido compareceu nos respetivos serviços.
Em 1/7/2022, veio a DGRSP informar que (...) [o]condenado não compareceu nesta equipa da DGRSP para realizar entrevista, nem efectivou qualquer tentativa de contacto com este serviço, por qualquer meio. Foram várias as tentativas de contacto para o número ...55, não tendo o condenado atendido as chamadas (cfr. fls.663/verso).
Por despacho proferido em 15/9/2022, foi designado o dia 3/10/2022 para audição do arguido/condenado e da técnica de reinserção social que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, nos termos do artigo 495º, nº2, do CPP (cfr. fls.664 – referência nº...77)
Não tendo o arguido comparecido e desconhecendo-se se o mesmo foi notificado, foi proferido nesse dia despacho que determinou que (...) [i] se notifique o arguido/condenado AA na morada constante do TIR e, bem assim, nas moradas constantes de fls.441 e 621verso para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, tomar posição quanto ao teor dos ofícios remetidos pela DGRSP ou, em alternativa, comparecer na DGRSP, a fim de viabilizar a execução do plano de reinserção social gizado; e [ii] se advirta o arguido/condenado que pena substitutiva poderá ser revogada, nos termos do artigo 56º, nº1, alínea a), do Código Penal, o que implicará que cumpra a pena de prisão efectiva (cfr. fls.670 – referência nº...35).
De tal despacho veio o arguido a ser notificado em 13/10/2022 através da autoridade policial competente, nada tendo dito.
Em 25/10/2022 a DGRSP veio informar que (...) [a]té à data, o condenado não compareceu nesta equipa da DGRSP, nem estabeleceu contacto por qualquer outro meio (cfr. fls.674 – referência nº...15).
Em 15/11/2022 o arguido compareceu no Juízo Central Criminal ... onde prestou novo Termo de Identidade e Residência, indicando as moradas do seu domicílio e do seu local de trabalho (fls.683).
Em 17.11.2022, a DGRSP remeteu aos autos a seguinte informação: (...) O condenado compareceu nas instalações desta equipa da DGRSP no dia 15/11/2022. Referiu estar a residir na seguinte morada: ... - Rua ..., ... .... Trata-se de um quarto em hostel, cujo pagamento do arrendamento mensal é assegurado pela empresa de limpezas para a qual trabalha, a “C..., Lda.”. Aufere um vencimento que ronda os 900€ e trabalha de segunda a sexta-feira das 08:30h às 17:00h, e, segundo expressa, posteriormente até às 20:00 horas com trabalho extraordinário. Não beneficia de qualquer tipo de suporte familiar, mas conta com o apoio dos seus empregadores, um casal com quem esta equipa articulou para confirmar as informações dadas pelo condenado. Verbaliza agora estar disponível para o cumprimento das obrigações fixadas no âmbito da presente suspensão de pena, não tendo, no entanto, apresentado qualquer tipo de justificação plausível para o seu incumprimento reiterado do último ano. (...). Foi designada nova data para audição do arguido/condenado e da técnica de reinserção social, nos termos do artigo 495º, nº2, do CPP (cfr. fls.677 – referência nº...38), que teve lugar no dia 28.11.2022, tendo o arguido comparecido (cfr. fls.689-690 – referência nº...18).
Aquando da sua audição e após ter sido confrontado com as diligências que foram tendo lugar com vista a fazê-lo comparecer nos serviços de reinserção social para a realização da entrevista, limitou-se o arguido, sem mais, a pedir desculpa por não ter comparecido e a declarar-se arrependido e quando instado sobre o que o impediu de comparecer declarou que não se passou nada, mas que andava a trabalhar. Já a instâncias da defesa, declarou não estar a ter acompanhamento psicológico, mas que gostaria de ter ajuda psicológica.
Em momento algum referiu não ter percebido o sentido da condenação, nem tampouco que teria de comparecer nos serviços de reinserção social com vista à realização da entrevista.
Dispõe o art. 56º do C. Penal, que:
1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades de que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.
Em qualquer um dos fundamentos “estamos perante situações limite, onde o condenado, através da intensidade do grau de culpa posto na sua conduta, inutilizou o capital de confiança na reinserção em liberdade que a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão significou” (Acórdão da Relação de Coimbra de 30/1/2019, proferido no processo 127/17.0GAMGR-A).
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág.20, “O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado. Com efeito, a condição prevista na parte final da al.ª b) do n.º 1 (“e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”) refere-se a ambas as causas de revogação da suspensão previstas nas duas alíneas”.
Também para Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1º vol. 1995, pág.481, “as causas de revogação não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O réu deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena” e que a revogação “só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as providências que este preceito [o actual art. 55º] contém”.
Na esteira deste entendimento, a revogação da suspensão da pena só deve ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências previstas no artigo 55º do C.Penal.
As causas de revogação, não sendo de funcionamento automático, deverão indiciar a falência, irremediável, do juízo de prognose inicial que fundamentou a sua aplicação e a anulação infalível da esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.
No caso vertente, foi com base no primeiro fundamento que o tribunal recorrido entendeu revogar a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao arguido, ora recorrente – incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres ou regras impostos ou do plano de reinserção social.
Como é entendimento pacífico na jurisprudência, de que é exemplo o Acórdão da Relação de Coimbra, de 17/10/2012, proferido no âmbito do Proc. nº 91/07.3IDCBR.C1, in www.dgsi.pt, a violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, a que se alude no transcrito preceito legal, “há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação” (no mesmo sentido, acórdãos deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 4/5/2009, proc.2625/05.9PBBRG-A e de 19/1/2019, proc.2555/08.1).
No entanto, como salienta Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª Ed., págs. 201/202, a infração grosseira “não tem de ser dolosa, sendo bastante a infracção que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade (…). A infracção repetida “é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, isto é, que não se esgota num acto isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória.”
Victor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, in Código Penal – Anotado e Comentado, Quid Juris – 2008, pág.189, sublinham que «grosseira quer dizer grave, rude, ordinária, vil, baixa, reles». E adiantam que «a repetição do infringente, persistindo em não cumprir ou em não corresponder vale, só por si, uma forma de grosseria e daí a equivalência analógica que a lei estabelece».
Estão em causa situações limite em que o condenado põe, de todo, em causa a confiança que o tribunal nele depositou ao permitir-lhe a sua reinserção em liberdade.
Aqui chegados, parece-nos uma evidência que o recorrente não concorreu para a execução de um dos comandos decretado na sentença condenatória – a sua sujeição a regime de prova.
Não constando da notificação de 25/11/2021, através da qual o arguido foi notificado do acórdão condenatório, que o mesmo teria de deslocar-se aos serviços de reinserção social com vista à elaboração do Plano de Reinserção Social, foi então em 13/1/2022 que o arguido/recorrente ficou a saber, pela primeira vez, por contato telefónico - pois desconhece-se se a carta que lhe foi enviada para comparecer no mencionado dia foi por si recebida - que teria de comparecer em tais serviços, tendo então acordado com a técnica ai deslocar-se para a entrevista no dia 17/1/2022, à qual não compareceu, sendo que não tendo apresentado qualquer explicação foi-lhe deixada uma mensagem no telemóvel para ai se deslocar no dia seguinte, o que também não veio a acontecer.
Após esta data, as demais convocações por parte da DGRSP foram feitas por contato de telemóvel, todas infrutíferas, uma vez que o arguido não atendeu o telemóvel.
Já do lado do tribunal, resulta comprovado ter o arguido sido notificado do despacho proferido no dia 3/10/22 (1ªdata agendada para a realização da sua audição), notificação essa ocorrida em 13/10/2022, não tendo, no prazo estipulado de 10 dias, tomado qualquer posição a respeito das informações que vinham sendo dadas a propósito da sua não comparência nos serviços de reinserção social, nem tampouco aí comparecido, vindo apenas a fazê-lo no dia 15 de novembro, data em que se apresentou no tribunal, prestando novo TIR, bem como nos serviços da reinserção social, vindo novamente a comparecer no tribunal no dia 28/11, aquando da sua audição.
Sem dúvida que a situação espelhada evidencia que o arguido não revelou o mínimo esforço para viabilizar a realização do plano de reinserção social, o que passava por comparecer na equipa da DGRSP, com vista à realização da indispensável entrevista e posterior elaboração do plano de reinserção social.
Afigurando-se-nos previsível que algumas das notificações efetuadas não tivessem chegado ao conhecimento efetivo do recorrente, ainda que naturalmente por culpa sua, porquanto não observou a obrigação para si decorrente do TIR de comunicar ao tribunal a sua nova morada ou o local para onde podia ser contatado (o que, aliás, foi fazendo até 21/8/2019, cfr. resulta de fls. 302 e 441), temos para nós que tal conduta culposa do arguido, traduzida na violação das suas obrigações processuais decorrentes do TIR e na sua falta de colaboração para a elaboração do plano, não poderá assumir, no descrito circunstancialismo, uma intensidade tal que permita concluir estar irremediavelmente comprometido o juízo de prognose favorável e da aposta na reinserção em liberdade, que estão na base do decretamento da pena de substituição.
Com efeito, o arguido, acabou por comparecer no dia 15/11/2022, no tribunal judicial da Comarca ... e nos serviços de reinserção social e notificado, para o efeito, voltou a compareceu nesse mesmo tribunal, no dia 28/11/2022, para ser ouvido.
Já aquando da sua audição, declarou-se arrependido, pediu desculpa por não ter comparecido, sendo que, quando questionado pelo Mmo Juiz sobre o que se passou para não comparecer, não se escudou em justificações “esfarrapadas”, numa tentativa de justificar o injustificável, tendo apenas respondido “não se passou nada”, “andava a trabalhar”.
É certo que o facto de o arguido ter estado a trabalhar fora da cidade ... não o desonera de responsabilidade quanto à sua falta de colaboração com o tribunal e a DGRSP, com vista à realização da sua entrevista, pressuposto necessário para a elaboração do plano de reinserção social, ainda que a necessidade de assegurar a continuidade da atividade profissional seja um fator importante em termos de ressocialização do arguido.
Mas já não nos parece curial fazer tábua rasa da postura que o arguido acabou por assumir e a que já fizemos referência – comparecendo no circunstancialismo descrito - invertendo o caminho que vinha seguindo, designadamente, fornecendo os elementos necessários à elaboração do PRS e verbalizando estar disponível para o cumprimento das obrigações fixadas no âmbito da suspensão da pena, mais tendo referido, como foi adiantado pela técnica da DGRSP quando inquirida, pretender fazer consultas na área da psiquiatria.
De facto, como resulta da audição das declarações prestadas pela técnica de reinserção social, a mesma logrou obter do arguido quando este se deslocou aos serviços no mencionado dia 15/11, as informações necessárias a respeito da sua história de vida e das suas condições pessoais e profissionais, com vista á elaboração do plano (cuja efetivação ficou dependente do que o tribunal viesse a decidir na sequência da diligência em curso), informações essas que, como referiu também, comprovou junto da sua entidade patronal, esclarecendo o tribunal que a retaguarda do arguido é constituída pelo casal para quem trabalha, o qual o vem apoiando, tendo, inclusivamente, sido a patroa quem insistiu para comparecer em tribunal e nos servições de reinserção social e resolver a sua situação.
Cremos, pois, com franqueza, em face do que vimos adiantando, do apoio que o arguido vem tendo do casal para quem trabalha (ao que parece bem o aconselhando) e do prazo que ainda falta para terminar o período da suspensão, que outras alternativas de resolução seriam possíveis, em face do reconhecido comportamento culposo do arguido, traduzindo-se a decidida revogação da suspensão da execução da pena de prisão, salvo o devido respeito, uma opção, em concreto, desproporcionada, evidenciando algum défice na ponderação sobre a inadequação da manutenção da suspensão para através dela serem ainda alcançadas as finalidades da punição.
Parece-nos que o tribunal não ponderou devidamente a possibilidade da manutenção da ressocialização em liberdade, esgotando os meios legais de intervenção penal fora do cumprimento efetivo da prisão, como garantia das finalidades da punição.
Ainda que o comportamento assumido pelo recorrente de janeiro a novembro de 2022, culposo, como já referimos, não abone a respeito do juízo de prognose que a seu respeito foi feito no acórdão condenatório, cremos que ponderando a inversão que fez nesse caminho, optando por comparecer e realizando a entrevista necessária à elaboração do PRS, que as finalidades da punição, onde se inclui a ressocialização, podem ainda ser atingidas em liberdade.
Na verdade, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão só deverá ter lugar no extremo, quando seja a única forma de alcançar as finalidades da punição, sendo, por isso, a ultima ratio, o que não é o caso.
Com efeito, tal como, de harmonia com artigo 40º,nº1, do C.Penal, a aplicação das penas visa, a par da proteção de bens jurídicos, a reintegração do agente na sociedade, também a revogação da pena de substituição terá de passar por aferir sobre se a personalidade e condições de vida do condenado e o circunstancialismo que envolveu a sua conduta culposa posterior ao crime, revela, em concreto, à luz dos fins das penas, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo concluir-se, por isso, que se frustraram as expectativas que motivaram a concessão daquela medida, ou se, pelo contrário, apesar do incumprimento, subsistem ainda fundadas expetativas de ressocialização em liberdade.
Só será legítimo concluir-se pela revogação da suspensão caso se conclua que o condenado não só atuou de forma grosseira (com culpa) mas também não oferece as condições pessoais essenciais ao êxito do seu processo de reinserção social em liberdade nem revela, enfim, a motivação para tanto necessária.
Como se salientou no acórdão da Relação de Coimbra de 13-09-2017, proc. nº 254/15.8PCCBR-B.C1 (Relator Vasques Osório), “A revogação da suspensão da execução da pena de prisão só deve ter lugar quando seja a única e última forma de conseguir alcançar as finalidades da pena sendo, portanto, cláusula de ultima ratio”.
E, no caso vertente, não cremos, com franqueza, que a conduta omissiva do recorrente, ainda que culposa, possa ser qualificada como uma infração grosseira dos deveres a que estava sujeito, de molde a poder concluir-se, como se concluiu na decisão recorrida, pela verificação do pressuposto da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, previsto na alínea a), do nº1, do artigo 56º do C.Penal e, consequentemente, inviabilizado, de todo, o juízo de prognose feito no acórdão recorrido.
Todavia, não se podendo nem devendo branquear a posição do arguido quanto ao não cumprimento da obrigação de comparecer atempadamente nos serviços de reinserção com vista à elaboração do PRS, apreciando esse incumprimento culposo, temos para nós que o seu sancionamento tem de ser encontrado à luz do preceituado no artigo 55º do C.Penal.
De acordo com este preceito legal:
“Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.”
Dentro do elenco das possibilidades previstas neste dispositivo legal, comungando do entendimento perfilhado na decisão recorrida no que tange à impossibilidade de aplicação da hipótese prevista na alínea d), em face da pena aplicada de 4 anos e 6 meses, e ao afastamento das hipóteses previstas nas alíneas a), b) e 2ª parte da alínea c), cremos, porém, ser adequado à situação concreta lançar mão da possibilidade prevista na 1ª parte da citada alínea c).
Dela decorre a possibilidade de o tribunal impor novos deveres ou regras de conduta.
Por sua vez, de acordo com o disposto no nº3 do artigo 54º, sob a epígrafe “Plano de reinserção social”, “o tribunal pode impor os deveres e regras de conduta referidos nos artigos 51º e 52º e ainda outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentido de responsabilidade social do condenado (…)”.
Entre os deveres previstos no artigo 51º conta-se na alínea a) do seu número 1, o pagamento dentro de certo prazo no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, da indemnização devida ao lesado.
Deste modo, em conjugação com o exposto, e com vista ao sancionamento do arguido pelo seu incumprimento culposo, entendemos adequado, necessário e proporcional que no Plano de Reinserção Social a elaborar oportunamente pela DGRSP passe a ficar também contemplado, para além do já determinado no acórdão condenatório, o dever por banda do arguido de até ao final do corrente ano de 2023 proceder à entrega da quantia de 1.000,00 (mil euros) à ofendida, quantia esta que será oportunamente tida em conta no montante arbitrado no acórdão condenatório.
III. Dispositivo
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se, em conformidade, que no Plano de Reinserção Social a elaborar oportunamente pela DGRSP passe a ficar também contemplado, para além do já determinado no acórdão condenatório, o dever por banda do arguido de até ao final do corrente ano de 2023 proceder à entrega da quantia de 1.000,00 (mil euros) à ofendida, quantia esta que será oportunamente tida em conta no montante arbitrado no acórdão condenatório.
Sem tributação, atenta a sua procedência (art.513º,nº1, do C.Penal).
(Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)