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AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
FALTA DE COMPARÊNCIA DO DEFENSOR CONSTITUÍDO
VALIDADE DA INTERVENÇÃO DE DEFENSOR NOMEADO EM SUBSTITUIÇÃO
DECLARAÇÕES DE ARGUIDO APÓS O ENCERRAMENTO DA DISCUSSÃO
Sumário
1. Se o arguido conta no processo com a assistência de quatro defensores constituídos e nenhum destes comparece na audiência de julgamento, impõe-se a substituição imediata do defensor constituído faltoso pelo presidente do tribunal colectivo. 2. Nada obsta à nomeação de defensor realizada directamente pelo presidente do tribunal colectivo se os constrangimentos verificados no SINOA inviabilizarem a indicação e nomeação electrónica de um defensor pela Ordem dos Advogados. 3. Tendo havido assistência do arguido na sessão de julgamento pelo defensor assim nomeado, não há qualquer fundamento para julgar verificada a nulidade insanável da ausência do defensor a acto relativamente ao qual a lei exigir a respectiva comparência prevista no art. 119.º, al. c), do Código de Processo Pena. 4. O arguido tem o direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência e o tribunal não pode encerrar a discussão sem permitir ao arguido que preste as suas últimas declarações. 5. O arguido que não compareceu na última sessão de julgamento de produção de prova e de alegações finais realizada sem a assistência do defensor constituído – que renunciou nessa ocasião ao mandato forense - e com intervenção de defensor nomeado – que não requereu prazo para a preparação da defesa e das alegações finais – continua a gozar do direito de prestar declarações até à leitura da decisão final se: a) Ainda não prestou quaisquer declarações no julgamento e deixou em aberto a possibilidade de vir a fazê-las; b) Requereu oportunamente a justificação daquela falta de comparência; c) E se formulou a pretensão de prestar declarações antes da leitura da decisão final e compareceu em tribunal na data designada para o efeito. 6. A isso não obsta a circunstância de a discussão já ter sido declarada encerrada, pois o tribunal de julgamento pode sempre reabrir a audiência para produção de prova suplementar. 7. Verificado aquele condicionalismo, a falta de reabertura da audiência para efeito de prestação de declarações pelo arguido viola as disposições conjugadas do art. 61, n.º 1, al. b), e do art. 371.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, por analogia, ex vi art. 4.º do mesmo diploma legal, e tal irregularidade influi necessariamente na decisão da causa porque impossibilita a prestação de declarações pelo arguido durante o julgamento. 8. A reparação de esta irregularidade de grande gravidade, na medida em que afecta as garantias de defesa do arguido e o valor da decisão final condenatória, deve ser oficiosamente ordenada, conforme dispõe o art. 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Texto Integral
Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
1. Decisões recorridas 1.1. No âmbito do processo n.º 457/19...., que corre os seus termos no Juízo Central Criminal ..., a arguida/demandada AA foi condenada, por acórdão datado de 16 de Dezembro de 2022 nos seguintes termos (transcrição):
“(…) Nos termos e pelos fundamentos explanados, acordam os juízes que compõem este Tribunal Colectivo: (…) b) Condenar a arguida AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de abuso de confiança qualificado (a que se reportam os autos principais), p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; c) Condenar a arguida AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de abuso de confiança simples (a que se reporta o apenso A), p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; d) Condenar a arguida AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada (a que se reporta o apenso B), p. e p. pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2 e 4 do RGIT, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão; e) Em cúmulo jurídico das penas parcelares identificadas em b) a d), condenar a arguida AA, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva; (…) g) Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelas demandantes BB e CC totalmente procedente e, em consequência, condenar a demandada/arguida a: - Pagar-lhes a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), a que acrescem juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a notificação do pedido de indemnização civil pelas demandantes formulado e até efectivo e integral pagamento; - A pagar a cada uma das demandantes a quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do presente Acórdão e até efectivo e integral pagamento. h) Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante DD parcialmente procedente e, em consequência, condenar a demandada/arguida a: pagar-lhe - A quantia de € 6.612,40 (seis mil seiscentos e doze euros e quarenta cêntimos), que acrescem juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a notificação do pedido de indemnização civil pelo demandante formulado e até efectivo e integral pagamento; – A quantia de € 800,00 (oitocentos euros), a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do presente Acórdão e até efectivo e integral pagamento. - Julgar o pedido de indemnização civil improcedente no demais peticionado, nessa parte se absolvendo a arguida/demandada. i) Declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 21.710,61 (vinte e um mil, setecentos e dez euros e sessenta e um cêntimos) e condenar solidariamente as arguidas AA e D... – Mediação Imobiliária Unipessoal, Lda. (actualmente designada B..., Unipessoal, Lda.) no respectivo pagamento ao Estado.
(…)”.
1.2. Anteriormente, antes da sessão de julgamento realizada no dia 14 de Setembro de 2022, o Ilustre Mandatário da arguida AA requerera o adiamento da referida sessão, por motivo de doença, o que foi objecto de despacho de indeferimento proferido naquela sessão.
Nessa mesma sessão, mercê dos constrangimentos verificados no SINOA, o tribunal a quo nomeou à referida arguida como Defensor, apenas para o acto, o Senhor Advogado Dr. EE, o qual se encontrava presente no Tribunal e aceitou o cargo.
1.3. Antes da sessão de leitura do aludido acórdão, designada para dia 16 de Dezembro de 2022, o então Ilustre Mandatário da arguida AA requerera a prestação de declarações por esta arguida, o que foi objecto de despacho de indeferimento proferido naquela sessão.
2. Recursos 2.1. Inconformada com o referido despacho, datado de 14 de Setembro de 2022, a arguida AA recorreu da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
(…) 1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em ata de audiência de julgamento, com referência ...74, cujo processo correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal - Juiz .... 2. No âmbito desse despacho o douto Tribunal a quo considerou que o atestado médico apenas declara que “...o Ilustre Advogado se encontra doente e sem possibilidade de se deslocar ao Tribunal por motivos de sinais e sintomas de provável doença gastro-intestinal, mas não esclarece e concretiza qual a gravidade de tais meros sinais ou sintomas. “ 3. Posto isto, o douto Tribunal a quo solicitou que se diligenciasse, nos termos habituais e através do SINOA, pela nomeação, para o ato de defensores às arguidas em substituição dos identificados nas procurações. 4. Tal não foi possível tendo o Juiz Presidente nomeado o Ilustre Advogado EE, que se encontrava, por mera coincidência, presente no tribunal, defensor da Arguida AA. 5. Ora, em primeiro lugar, cumpre referir que no dia 13-09-2022, às 18.16h, o Ilustre Mandatário das arguidas submeteu um requerimento aos autos informando que estava doente, e por esse motivo impossibilitado de comparecer ao julgamento que se iria realizar no dia seguinte, pelas 9:30h. 6. Tendo junto para o efeito um atestado médico, no qual se pode ler que o mandatário se encontrava impossibilitado de se deslocar ao tribunal por um período provável de 3 dias devido a sinais e sintomas de provável doença gastro – intestinal. 7. Além disso, o Ilustre Mandatário comunicou, via email, aos mandatários dos demais sujeitos processuais associados ao processo, que estaria impossibilitado, por motivos de doença, de comparecer ao julgamento. 8. Em sede de julgamento, foi dado a palavra aos ilustres mandatários das partes para se pronunciarem quanto ao justo impedimento invocado, tendo estes considerado que o atestado médico apresentado deveria ser entendido como justo impedimento e que não se opunham ao adiamento da diligência. 9. Entendeu o douto tribunal a quo que deveria ser recusado o justo impedimento e dar-se início à audiência, pelo que não pode a Recorrente concordar com a posição assumida pelo douto tribunal recorrido, uma vez que, existindo um mandatário constituído, e encontrando-se este, por razões, comprovadas de saúde impossibilitado de exercer o mandato, mais nenhuma outra solução se impunha do que o adiamento da diligência. 10. Vejamos o entendimento partilhado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão proferido a 07-02-2019, de acordo com o qual: “I - Da conjugação dos arts. 603º, nºs 1 e 3, e 151º, n.º 3, do CPC, decorre que a audiência de discussão e julgamento, independentemente de requerimento, deve ser adiada quando ocorra motivo que constitua justo impedimento de algum dos advogados das partes, devendo este comunicar tal circunstância prontamente ao tribunal e justificar até aos cinco dias imediatos à data da audiência. III - O despacho que aprecie o motivo invocado pelo mandatário para a sua ausência, deve apenas verificar se o motivo invocado (desarranjo intestinal) constituía ou não justo impedimento nos termos do art.º 140º, n.º 1.IV - Basta a comunicação do impedimento para que a audiência seja adiada, a menos que o mandatário tenho referido expressamente a sua não oposição ao início da audiência. 11. Destarte, caberia ao douto tribunal apreciar, de acordo com um critério de razoabilidade se sintomas/sinais de doença gastrointestinal, constituiria ou não justo impedimento. 12. Na verdade, julga-se ser do entendimento de qualquer homem médio que doenças do foro gastrointestinal, aos quais se associam sintomas como dor abdominal, cólicas, náuseas, vómitos, afetam o exercício de qualquer profissão, sendo sim, um esforço desumano, desrazoável e desproporcional para o ser humano. 13. Já no que se refere de defensor do arguido entendemos que não seja, ou não deva ser um ato arbitrário do tribunal, pois para além da relação de confiança entre arguido e defensor, o exercício dos direitos de defesa pressupõem preparação e reflexão que, em muitos casos, não se compadecem com uma intervenção surpresa por parte de um advogado, como aquela que sucedeu nos presentes autos. 14. Por outro lado, tendo o arguido direito a constituir mandatário (art.61, nº 1, al. e), do CPP) e tendo-o feito através de declaração expressa, quando declarou ser representado nos autos pelo referido mandatário, ao realizar-se a audiência de discussão e julgamento sem a sua presença e com a presença de advogado que não escolheu e a cuja presença não deu a sua concordância expressa, está a ser colocado em causa aquele direito de escolha e, principalmente, as suas garantias de defesa. 15. Assim, carece de total fundamento a substituição do mandatário da Arguida, impedido de comparecer ao julgamento, por motivos de doença, razão pela qual a realização do ato, apesar de ter ocorrido com a presença de outro advogado, deve considerar-se como tendo sido realizado com ausência do defensor, o que constitui nulidade insanável prevista na alínea c), do art.119º, do CPP, dado tratar-se de um caso em que a assistência do defensor era obrigatória. 16. Além de que, a nulidade ora invocada, coloca em causa as garantias de defesa da arguida, uma vez que esta tem o direito de se fazer acompanhar, representar pelo mandatário por ela escolhido, e não por outro que nem sequer teve oportunidade de tomar contacto. 17. Neste sentido, vejamos o entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em aresto proferido a 09-10-2012, segundo o qual: “I. Tendo o mandatário comunicado ao Tribunal previamente a sua indisponibilidade para estar presente no julgamento designado e faltado ao julgamento, ao Tribunal a quo estava vedado proceder à nomeação de defensor oficioso, contra a vontade do próprio arguido, já previamente expressa.II. A realização do julgamento neste circunstancialismo constitui a nulidade prevista no art.° 119° al. c) CPP, nulidade principal e de conhecimento oficioso e tem como efeito anular os actos afectados pela mesma ou seja a audiência de julgamento e a sentença proferida no seu seguimento.” 18. Vejamos que, in casu, a Arguida não se encontrava presente na diligência, não tendo sido sequer informada de que lhe iria ser nomeado um defensor oficioso, até porque se o tivesse sido, não teria concordado com tal nomeação. 19. Pelo que, é de tal modo claro e cristalino que a nomeação de defensor oficioso em substituição do mandatário constituído colide de forma grotesca com as garantias de defesa do arguido. 20. Sendo certo que, nos presentes autos a audiência de julgamento deveria ter sido adiada, até porque havia uma segunda data próxima agendada e o julgamento poder-se-ia iniciar o julgamento na segunda data. 21. Refere, ainda, o despacho de que foram tentadas todas as diligências possíveis a fim de ser assegurada a nomeação de defensor à arguida AA, pelo que o Juiz Presidente nomeou defensor à arguida o Ilustre advogado Dr. EE, que se encontrava, por coincidência, e não em serviço de escala, presente no Tribunal e aceitou o cargo. 22. O Tribunal a quo, de forma unilateral e arbitrária, ao arrepio de todas as normas que estatuem a nomeação oficiosa, decidiu Ad Hoc, nomear um Advogado, sendo que a legitimidade para indigitar a figura do Defensor ou Patrono oficioso, cabe à entidade SINOA. 23. Ora, em primeiro lugar, dir-se-á que a nomeação de defensor incumbe, naturalmente, à ordem dos advogados. Tal nomeação é efetuada de forma automática, através do sistema gerido por esta entidade (SINOA), sendo que, para o efeito, as secretarias ou os serviços do Ministério Público devem solicitar a nomeação à OA – nos termos do art.2º, nº 1 da Portaria 10/08, de 3 de janeiro. 24. Portanto, compete exclusivamente à Ordem dos Advogados, a função administrativa de nomeação de defensor, pelo que não incumbe ao Tribunal, neste caso ao Juiz Presidente, a nomeação, por mote próprio, de defensor à Arguida, que, por acaso, até mandatário constituído tinha, e que, por acaso, o mesmo tinha apresentado, no dia anterior ao julgamento, atestado médico informando que não lhe seria possível estar presente na diligência por motivos de doença. 25. Deste modo, a nomeação à Arguida de defensor, de forma oral, pelo Juiz Presidente, violou as normas estabelecidas para acesso ao direito, bem como colidiu com as garantias de defesa que o processo penal assegura ao arguido. 26. De igual modo, Segundo o Parecer emitido pela Ordem dos Advogado, em 11-03-2010, “...compete à Ordem dos Advogados proceder a nomeações de patronos/defensores no âmbito do acesso ao direito, qualificando-se, o acto de nomeação como um acto administrativo. 27. Dispõe, ainda, o Elucidário do Acesso ao Direito, página 14, sobre a matéria reportada: 5. NOMEAÇÕES “AD-HOC” - A nomeação dos Advogados no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito é da exclusiva competência da Ordem dos Advogados. É dever do advogado “recusar a nomeação para acto ou diligência efectuada em desconformidade com a designação feita pela Ordem dos Advogados constante da lista de escalas de prevenção de Advogados ou sem recurso ao sistema gerido pela Ordem dos Advogados (SinOA)” - alínea c) do artigo 10º do ROFSADT19”. 28. Assim, impedia sobre o defensor nomeado o ónus de recusar a nomeação para a diligência, uma vez que esta foi completamente avessa aquilo que se encontra postulado nas normas de acesso ao direito. 29. Ora, um dos fundamentos do direito ao arguido ser assistido por defensor que lhe foi nomeado pela ordem dos Advogados, nos casos em que não constituiu mandatário, é que o processo seja leal, sendo-lhe, assim, assegurada a independência e imparcialidade do defensor face ao Juiz e ao Ministério Público. 30. Assim sendo, esta garantia de independência e imparcialidade face ao juiz e ao Ministério Público só é alcançada se a nomeação do defensor for efetuada por entidade diferente daquela que julga ou acusa. Sendo esta uma condição essencial para que se estabeleça uma relação de confiança entre o arguido e o defensor. 31. Atentando aos presentes autos, no que se refere à nomeação de defensor pelo Juiz Presidente, desde logo vão comprometidas as garantias de independência e imparcialidade, visto que o defensor, que por ocasião se encontrava no tribunal, foi de modo arbitrário e contrário à lei nomeado pelo Juiz Presidente. 32. Mais, fica por estabelecer a relação de confiança entre o defensor e a Arguida, uma vez que esta nem sequer se encontrava presente na audiência, e nem tão-pouco deu a sua concordância para que fosse substituído o seu mandatário. 33. Pelo que, não se pode aceitar que quem julga faça a nomeação de defensor, nomeação esta que vai contra o espírito da lei do acesso ao direito. 34. Entre as garantias de defesa do arguido está a lealdade do procedimento, a qual implica, por certo que, o defensor seja nomeado por entidade diferente da entidade que acusa ou julga. 35. Por conseguinte, ao não ser comunicada à Arguida a nomeação de defensor em substituição do seu mandatário, fazendo-se a audiência sem que o seu mandatário estivesse presente, conclui-se ser de existir uma clara violação do direito de defesa da arguida e das suas garantias de defesa 36. Assim, conclui-se a ausência do mandatário da arguida, por motivos justificados de doença, constitui nulidade insanável, nos termos do artigo 119º, alínea c) do CPP, uma vez que quem deveria ter assistido a Arguida deveria ter sido o mandatário, e não um defensor nomeado de forma arbitrária e contrária à lei pelo Sr. Juiz Presidente, pelo que, dúvidas não restam que a audiência de julgamento deveria ter sido adiada. 37. Tal como, a ausência da Arguida em relação à sua defesa não é só uma ausência física, mas também a ausência processual, no sentido da impossibilidade do exercício do direito de defesa pleno e eficaz, sendo que as garantias previstas nas leis constitucional e ordinária só assim se podem tornar efetivas tornando nulo por sua vez, de forma insanável, o ato em que essas garantias não tenham sido respeitadas, ou seja, tornando nulo o julgamento realizado. Termos em que se requer a V. Exas. que concedam provimento ao recurso interposto, devendo ser deferido o justo impedimento do mandatário da Arguida, devendo ser declarada a realização da audiência sem a presença de Defensor, e a nomeação Ad Hoc perpetrada por parte do Tribunal a quo ser considerada nula, e assim sendo ser declarada a nulidade insanável do julgamento, nos termos e para efeitos do art.119º, al. c) do CPP, devendo, deste modo, repetir-se a audiência de julgamento realizada, com todas as demais e legais
(…)”.
2.2. Inconformada com os referidos despachos e acórdão, ambos datados de 16 de Dezembro de 2022, a aludida arguida recorreu, igualmente, da mesma, tendo concluído a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):
(…) A. Entende a arguida que ocorreram nulidades insupríveis e insanáveis, nomeadamente, as previstas no artigo 119.º, alínea c) do CPP. B. A nomeação de defensor está reservada à ordem dos advogados. C. Tal nomeação, reveste caráter administrativo. D. É à Ordem dos Advogados que incumbe proceder a nomeações de patronos/defensores no âmbito do acesso ao direito, qualificando-se o ato de nomeação como um ato administrativo. E. A falta dessa nomeação constitui o ato inválido, e, consequentemente, determina a anulação da sessão de julgamento. Acresce que, F. A arguida tem o direito de prestar declarações, direito que lhe assiste ao abrigo do disposto no artigo 61.º do Código Processo Penal e nos artigos 9.º, al. b), 13.º, 20.º, nº 1 e 32º da Constituição da República Portuguesa. G. Justificada a falta, e a ausência do defensor constituído, deveria o tribunal a quo diligenciar pela marcação de nova data para a tomada de declarações da arguida. H. O que, não tendo ocorrido, constitui nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea c) do CPP. I. Devendo, por isso, ser ordenada repetição da audiência de julgamento. Sem prescindir, J. Considerando o contexto sociocultural da Recorrente não se compreende a medida da pena concretamente aplicada. K. O Tribunal a quo não valorou devidamente as circunstâncias atenuantes a favor da Recorrente, nomeadamente, o arrependimento e as condutas anteriores e posteriores ao crime. L. A Recorrente mostrou arrependimento e tentou, dentro das suas possibilidades reparar algum do prejuízo causado. M. A Recorrente ressarciu o demandante FF, o qual veio desistir da queixa apresentada. N. A Recorrente não conseguiu ainda ressarcir os restantes lesados, por via da sua doença que a impediu de trabalhar e consequentemente, de auferir as respetivas remunerações. O. Contudo, e como bem salienta o relatório social, a arguida está empenhada em ressarcir todos os que foram lesados. P. E para tal desiderato, é essencial que a recorrente continue a laborar. Q. Portanto, a pena aplicada é manifestamente desproporcional e exagerada, sendo incompreensível a condenação em pena de prisão efetiva! R. Esta pena é, a mais grave e reservada às mais gritantes violações do direito penal, sobretudo, quando estejam em causa bens jurídicos iminentemente pessoais. S. Por esta razão, pede-se ao Tribunal ad quem uma pena justa, proporcional e adequada às necessidades de prevenção geral e especial existentes no caso concreto. Devendo quanto à pena de prisão efetiva aplicada à Recorrente, ser suspensa na sua execução. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO que certamente suprirão, requer-se a Vossas Excelências que se dignem dar sem efeito as sessões de julgamento realizadas por nulidade insanável, Sem prescindir, Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, sempre a pena de prisão efetiva aplicada à arguida, deverá ser suspensa na sua execução.
(…)”. 3. Resposta aos recursos
Após a admissão dos referidos recursos, o Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu aos mesmos.
3.1. Relativamente ao recurso interlocutório, o Ministério Público concluiu nos seguintes termos (transcrição):
(…) 1. Actualmente, a doença de Advogado só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato. 2. O atestado médico que declara a impossibilidade de exercício de profissão por parte de advogado/mandatário, sem esclarecer a gravidade da doença ou desacompanhado de outros meios que demonstrem essa gravidade, não é suficiente para estabelecer o justo impedimento. 3. No caso dos autos, o atestado médico junto apenas declara que o Ilustre Advogado se encontra doente sem possibilidade de se deslocar ao Tribunal por motivos de sinais e sintomas de provável doença gastro-intestinal, mas não esclarece e concretiza qual a gravidade de tais meros sinais ou sintomas. 4. Do atestado médico não resulta, assim, que os sinais ou sintomas e a provável doença assumam uma dimensão de tal ordem que o exercício do mandato, no caso, represente um esforço desumano, desrazoável e desproporcionado para o Ilustre Advogado da requerente. 5. Por outro lado, não se encontra alegado, nem minimamente demonstrado, que o Ilustre Advogado requerente não pudesse ter substabelecido o mandato, até porque as procurações passadas pelas arguidas ao Ilustre Advogado requerente e que constam de fls. 470 e 471 do apenso B são conjuntas, pois conferem poderes de representação judiciária a outros ilustres Advogados, não derivando dos autos que estes se encontrassem em situação de justo impedimento ou que não pudessem assegurar o mandato. 6. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a requerida arguição do justo impedimento e o inerente adiamento da audiência. 7. Considerando os procedimentos adoptados e não se vislumbrando outra solução em termos de representação oficiosa, é de concluir que a nomeação ad hoc efectuada pelo Tribunal a quo não se encontra ferida de qualquer nulidade ou irregularidade, sendo por isso válida. 8. A decisão recorrida não violou qualquer normativo legal, nomeadamente os invocados pelas recorrentes. 9. Nada há, por isso, a censurar à decisão recorrida.
(…)”.
3.2. Relativamente ao recurso interposto da decisão final condenatória, o Ministério Público concluiu nos seguintes termos (transcrição):
(…) 1. A questão da validade da nomeação de defensor oficioso efectuada pelo Tribunal foi já objecto de recurso interlocutório nestes autos, interposto pela arguida AA em 30 de Setembro de 2022. 2. Por decisão datada de 03 de Outubro de 2022 foi admitido tal recurso, determinando-se que a sua subida seria diferida, subindo e sendo instruído e julgado com o recurso interposto da decisão que pusesse termo à causa, nos termos do artigo 407º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e com efeito meramente devolutivo, considerando o disposto no artigo 408º, n.º 1 a n.º 3, “a contrario”. 3. O recurso ora interposto deve, assim, ser rejeitado, nessa parte, por constituir mera repetição do recurso interlocutório interposto em 30 de Setembro de 2022. 4. Em todo o caso, reitera-se o teor da resposta então apresentada ao referido recurso interlocutório. 5. A arguida AA requereu em 17 de Novembro de 2022 que lhe fosse concedida a possibilidade de prestar declarações no âmbito do julgamento realizado nestes autos. 6. Sucede que, nessa data, a produção de prova já se encontrava integralmente cumprida, tendo-se declarado encerrada a discussão na sessão de 03 de Novembro de 2022, ficando designado o dia 16 de Dezembro de 2022, às 14h00m, para a leitura do acórdão. 7. Por outro lado, o artigo 371º do Código de Processo Penal elenca as situações em que é possível a reabertura da audiência, sendo a mesma excepcional e prevista apenas para produção de prova suplementar para a determinação da sanção. 8. No caso em apreço, a arguida AA faltou a todas as sessões da audiência de julgamento, sendo tal falta julgada injustificada. 9. Em momento algum a arguida AA requereu a sua audição no decurso da audiência de julgamento. 10. Em suma, aquando do seu pedido a discussão já se encontrava encerrada, não se verificando qualquer motivo para a reabertura da respectiva audiência. 11. Segundo o artigo 71º, n.º 1, do Código Penal, a determinação da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 12. A culpa reflecte a vertente pessoal do crime, assegurando que a pena não irá violar a dignidade da pessoa do arguido. 13. As exigências de prevenção na determinação da pena reflectem-se em dois domínios: - no domínio da sociedade, visando restabelecer nela a confiança na norma violada e a sua vigência (prevenção geral positiva); - no domínio pessoal do agente, tentando a sua reintegração e o respeito pelas normas jurídicas (prevenção especial positiva). 14. Na determinação da medida concreta da pena valorar-se-ão o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade dolosa do agente, as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior ao facto, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, tendo em conta as exigências de futuros crimes. 15. Considerando os critérios estabelecidos, não merece qualquer reparo a medida das penas parcelares e da pena única de três anos e seis meses de prisão aplicada à arguida, ora recorrente, atendendo ao grau de culpa por si revelado, à intensidade do dolo e grau de ilicitude, bem como às exigências de prevenção geral e especial que ao caso se fazem sentir. 16. Nos termos do disposto no artigo 50º do Código Penal o Tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 17. O pressuposto formal da aplicação desta medida é a que a medida da pena de prisão a aplicar não seja superior a 5 anos. 18. O pressuposto material é que o Tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. 19. Necessário é, pois, que se conclua que a simples censura do facto e a ameaça da pena – ainda que, porventura, acompanhadas de deveres e/ou regras de conduta – sejam suficientes para afastar o delinquente da criminalidade. 20. No caso dos autos destaca-se, desde logo, que a arguida conta já com um rol de antecedentes criminais que englobam 5 condenações transitadas em julgado, pela prática de crimes cujo início remonta ao ano de 2014 e se prolongou até ao ano de 2017. A esse rol de 5 crimes inerentes às condenações transitadas em julgado, somam-se agora os 3 crimes em discussão nos presentes autos, perpetrados entre 2018 e 2019. Vale isto por dizer que a arguida, entre 2014 e 2019 (inclusive) praticou 8 crimes (4 de abuso de confiança fiscal e 4 de abuso de confiança), o que não pode deixar de ser considerado significativo (especialmente considerando a natureza dos crimes em discussão). 21. Desta forma, deve considerar-se que não se mostrarem reunidas as condições para que se formule um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro da arguida. 22. Com efeito, atendendo ao que ficou demonstrado não se vê como se possa formular um juízo de prognose positivo, dado que tal juízo já foi efectuado anteriormente, mais do que uma vez, e foi manifestamente defraudado com o cometimento de novos crimes (os crimes em apreciação), inclusivamente, de semelhante natureza. 23. Bem andou, por isso, o Tribunal a quo ao não suspender a execução da pena de prisão aplicada. 24. Nada há, por isso, a censurar à decisão recorrida.
(…)”.
4. Tramitação subsequente
Os despacho recorridos foram integralmente sustentados pelo Tribunal a quo.
Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista ao Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, a qual emitiu parecer secundando a posição assumida pelo Ministério Público em 1.ª instância e pugnando pela improcedência total dos recursos interpostos pela arguida.
Este parecer foi notificado para efeito de eventual contraditório e não foi apresentada qualquer resposta pelo recorrente.
Efectuado o exame preliminar, foi determinado que o(s) recurso(s) fosse(m) julgado(s) em conferência.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Objecto do recurso
Em conformidade com o disposto no art.º 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim sendo, importa apreciar as seguintes questões:
· Nulidade da realização do julgamento na ausência do defensor constituído e com intervenção de defensor nomeado pelo Tribunal para o acto
· Nulidade da falta de tomada de declarações à arguida a pedido desta
· Medida da pena única
· Suspensão da execução da pena B) Apreciação do recurso
1. Decisões recorridas 1.1. Na véspera da primeira sessão de julgamento realizada no dia 14 de Setembro de 2022, o então Ilustre Mandatário da recorrente, requereu seguinte (transcrição):
“GG, Advogado e melhor identificado nos autos à margem referenciados, vem informar que na presente data se encontra doente, e por isso impossibilitado de comparecer na diligência datada para o dia 14 de Setembro, pelas 9.30h, conforme documento que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzido. Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se a V. Exa. o adiamento da audiência de julgamento, motivado pelo justo impedimento agora invocado.”
No dia 14 de Setembro de 2022, após declarar aberta a audiência, o Mmo. Juiz Presidente do Tribunal Colectivo a quo proferiu o seguinte despacho (transcrição):
“Veio o Ilustre Mandatário das arguidas, no dia de ontem, invocar justo impedimento e requerer o adiamento da presente diligência, juntado atestado médico. O Digno Magistrado do Ministério Público e os Ilustres Advogados presentes pronunciaram-se nos termos que antecedem. Cumpre apreciar e decidir. O artigo 140.º do C.P.C. n.º 1 considera “justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto”, devendo, nos termos do n.º 2, a parte que alegar o justo impedimento oferecer logo a respectiva prova. O juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou. O impedimento é justo quando não permitir, em absoluto, que o acto seja praticado a tempo, o que exclui a simples dificuldade de o levar a cabo, por maior que ela seja; acresce que só tem essa qualidade o acontecimento que não for imputável à parte ou ao seu representante (cfr. Rodrigues Bastos in Notas ao C.P.C., vol. I., 3.a ed., Lisboa: Almedina, 1999, p. 215). Com a redacção do artigo 146.o do C.P.C. revogado (introduzida pelo D.L. n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro) e que, com ligeiríssima alteração se mantém no artigo 140.º do NCPC, o legislador pretendeu flexibilizar a definição conceitual de justo impedimento, em termos de permitir uma jurisprudência criativa, uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastou da excessiva rigidificação. Este novo conceito de justo impedimento foi encontrado no “meio termo” de que falava Vaz Serra (cfr. R.L.J., ano 109, p. 267), significando que deve exigir-se às partes que procedam com a diligência normal, mas que já não lhes será exigível que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais. O novo conceito faz apelo a que o julgador aprecie casuisticamente se a culpa foi ou não afastada com os factos alegados bastando, para que estejamos perante justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por não ter tido culpa na sua produção (cfr. Lebre de Freitas in C.P.C. Anotado, vol. I, Coimbra, 1999, p. 258 e Ac. do S.T.J. de 28 de Setembro de 2000 in B.M.J., n.o 499, pp. 283-286). O núcleo do justo impedimento passou assim da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário (ou a um auxiliar deste: cfr. artigo 800.º do C.C.). Um evento previsível pode agora excluir a imputabilidade do atraso ou omissão tendo, no entanto, em consideração que cabe à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (cfr. Lebre de Freitas in op. cit., p. 258). Segundo Lopes do Rego (cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, p. 125) “O que deverá relevar decisivamente para a verificação do “justo impedimento”– mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto – é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário (...) a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no 2 do art. 487o do CC (...)”. Assim, as situações de doença súbita da parte ou do mandatário constituem uma situação normal de justo impedimento quando configurem um obstáculo razoável e objectivo à prática do acto, tidas em conta as condições mínimas de garantia do exercício do direito em causa (cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre in C.P.C. Anotado, vol. I, 3.a ed., p. 275 e 276). Actualmente, a doença de Advogado só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato (cfr. Ac.da R.E. de 19-03-2013 in www.dgsi.pt., proc. n.º 1323/11.9TBSLV.E1; cfr. ainda o Ac. da R.G. de 23- 06-2014 in www.dgsi.pt., proc. n.º 1107/04.1). Destarte, já se entendeu que sentir febre, dores de cabeça e cansaço só constitui uma situação de justo impedimento à comparência a uma audiência de julgamento quando essas manifestações atinjam, objectiva e comprovadamente, uma dimensão de tal ordem que a prática do acto represente um esforço desumano, desrazoável e desproporcionado para a pessoa (cfr. Ac. da R.P. de 07-10-2021 in www.dgsi.pt., proc. n.º 517/21.3T8AMT.P1). Ora, o atestado médico que declara a impossibilidade de exercício de profissão por parte de advogado/mandatário, sem esclarecer a gravidade da doença ou desacompanhado de outros meios que demonstrem essa gravidade, não é suficiente para estabelecer o justo impedimento (cfr. Ac. da R.C. de 20-04-2018 in www.dgsi.pt., proc. n.º 3188/17.8T8LRA-A.C1). No caso dos autos, o atestado médico junto apenas declara que o Ilustre Advogado se encontra doente sem possibilidade de se deslocar ao Tribunal por motivos de sinais e sintomas de provável doença gastro-intestinal, mas não esclarece e concretiza qual a gravidade de tais meros sinais ou sintomas. Do atestado médico não resulta, assim, que os sinais ou sintomas e a provável doença assumam uma dimensão de tal ordem que o exercício do mandato, no caso, represente um esforço desumano, desrazoável e desproporcionado para o Ilustre Advogado da requerente. Por outro lado, não se encontra alegado, nem minimamente demonstrado, que o Ilustre Advogado requerente não pudesse ter substabelecido o mandato. Por último, as procurações passadas pelas arguidas ao Ilustre Advogado requerente e que constam de fls. 470 e 471 do apenso B são conjuntas, pois conferem poderes de representação judiciária a outros ilustres Advogados, não derivando dos autos que estes se encontrassem em situação de justo impedimento ou que não pudessem assegurar o mandato. Nos termos e pelos fundamentos expostos, indefere-se a requerida arguição do justo impedimento e o inerente adiamento da audiência. Desde já determino que, não se encontrando presente nenhum dos defensores das arguidas, se diligencie, nos termos habituais e através do SINOA, pela nomeação, para o acto, de Defensores oficiosos às arguidas em substituição dos identificados nas procurações de fls. 470 e 471 do apenso B, tudo ao abrigo do disposto nos artigos 64.º, n.º 1, al. c) e 67.º, n.º 1 do CPP. Notifique”.
A acta desta sessão julgamento dá conta dos seguintes desenvolvimentos (transcrição):
“Posteriormente, através da plataforma SINOA foi nomeada à arguida AA, a Sra. HH, Cartão Profissional n.º ..., a qual declarou não poder aceitar a nomeação por ter processo crime a correr contra a arguida.
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Logo após e uma vez que foram esgotadas todas as possibilidades de nomeação de defensor oficioso à arguida através da plataforma SINOA, por estarem incontactáveis ou indisponíveis, tentei entrar em contacto com a Ordem dos Advogados de Lisboa através do número ...50/78, porém sem sucesso por não atenderem o telefone. Mais entrei em contacto com a Ordem dos Advogados de Braga através do número ...10, tendo sido informado que as nomeações urgentes apenas seriam possíveis através da sede em Lisboa.
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Estando presente no Tribunal o Ilustre Advogado Dr. EE, foi diligenciada a sua comparência em audiência de julgamento.
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Quando eram 11 horas e 40 minutos, pelo Mmo Juiz Presidente foi declarada reaberta a audiência de discussão e julgamento.
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De seguida dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público pelo mesmo foi dito em súmula: uma vez que nem a arguida nem a representante legal da sociedade arguida se encontram presentes, nem justificaram a falta, promovo que sejam condenadas em multa, e por não se considerar indispensável a sua presença desde o início da presente audiência promove-se que a mesma tenha inicio.
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Logo após pelo Mmo Juiz Presidente foi proferido o seguinte despacho em súmula: A arguida AA e a legal representante da D... – Mediação Imobiliária Unipessoal, Ld.a encontram-se devidamente notificadas para a presente audiência de julgamento. Contudo, não compareceram, nem justificaram até ao momento o motivo da sua ausência. Pelo facto, vão condenadas no pagamento da soma de 2 UC’S cada uma delas, nos termos do artigo 116º, nº1, do Código de Processo Penal. Por não se considerar indispensável as suas presenças desde o início da presente audiência, nos termos do disposto no artigo 333º, nºs1 e 2, do Código de Processo Penal, proceder-se-á à realização da mesma.
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No âmbito da presente diligência foi tentada a nomeação de Ilustre Defensor oficioso à arguida AA através do SINOA, sendo que a Advogada assim nomeada declarou não assumir a defesa da arguida uma vez que contra ela patrocina processo em curso. Em face da indisponibilidade deontológica manifestada pela Exma. Sr.a Advogada foram efectuadas várias diligências no âmbito do SINOA tendentes à nomeação de outro Defensor Oficioso para assegurar a defesa da arguida AA nesta diligência, o que não se mostrou possível. Destarte, tentadas todas as diligências possíveis a fim de ser assegurada a nomeação de Defensor da arguida AA no âmbito do SINOA e não tendo sido tal possível, nem sendo previsível que essa nomeação se mostrasse efectuada em tempo útil para que fosse assegurada a defesa da falada arguida na presente diligência, atendendo ainda às vicissitudes do presente processo já identificadas no despacho de 05-09-2022, nomeio para assegurar a defesa de AA nesta sessão de audiência de julgamento o Sr. Dr. EE, Ilustre Advogado, que se encontrava presente no Tribunal e aceitou o cargo. Notifique e demais diligências necessárias.
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Todos os presentes foram notificados do despacho acabado de proferir.
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Após ter feito uma exposição sucinta sobre o objeto do processo, nos termos do art.º 339.º do C.P.P., o Mmo Juiz Presidente deu a palavra ao Digno Magistrado do M.º Público e aos ilustres defensores presentes, para cada um deles indicar, se assim o desejarem, sumariamente, os factos que se propõem provar.
*
De seguida passou-se à produção de prova (…)” 1.2. Estando a leitura do acórdão designada para o dia 18 de Novembro de 2022, a recorrente, através do seu Ilustre Mandatário recentemente constituído, Dr. II, requereu, na véspera, o seguinte (transcrição):
“AA, arguida nos autos supra referenciados, vemexpor e requerer o seguinte: A arguida foi notificada da renúncia do mandato do seu defensor pela notificação com a referência supra. A arguida encontrava-se de baixa e impossibilitada de comparecer na última audiência conforme requerimento que juntou aos autos com a referência citius ...00. A arguida encontra-se, ainda, de baixa médica pelo período de 30 dias - cfr. Atestado médico que se junta como documento .... Só com a notificação da renúncia do mandato é que a arguida tomou conhecimento do agendamento da leitura do acórdão para o próximo dia ... pela 14h. Ora, a arguida não teve oportunidade de prestar declarações, direito que lhe assiste ao abrigo do disposto no artigo 61.º do Código Processo Penal e nos artigos 9.º, al b), 13.º, 20.º, nº 1 e 32º da Constituição da República Portuguesa. E em lado algum abdicou a arguida desse direito, sendo desejo da mesma presta declarações. Nestes termos, requer-se a V/Exa. que seja dada sem efeito a data para a leitura do acórdão e seja designado dia, após o término da baixa médica, para a tomada de declarações da arguida, relegando-se a leitura do acórdão para data posterior.”
No dia 21 de Novembro de 2022, o Mmo. Juiz Presidente do Tribunal Colectivo a quo proferiu o seguinte despacho (transcrição):
“Consigno que a diligência agendada nestes autos para o dia ..., pelas 14.00 horas, não se realizou em virtude de todos os funcionários da ... se encontrarem de greve.
***
Para realização da diligência aprazada (e, eventualmente, audição da arguida, caso venha a ser deferida a sua pretensão manifestada no req. de 17-11-2022), designo o dia 16-12-2022, pelas 14.00 horas (e não antes por indisponibilidade de agenda e dada a data do termo de incapacidade da arguida plasmado no certificado de incapacidade temporária para o trabalho junta por esta no req. de 17-11-2022). Notifique (dando cumprimento ao disposto no artigo 151.º do CPC), e notificando as arguidas nas moradas constantes dos TIR’s.”.
No dia 16 de Dezembro de 2022, após declarar reaberta a audiência, o Mmo. Juiz Presidente do Tribunal Colectivo a quo proferiu o seguinte despacho (transcrição):
“Req. da arguida de 17-11-2022 e promoção que antecede: (…)
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de mais, importa salientar que o requerimento em apreço foi formulado antes da data inicialmente designada para leitura do Acórdão (dia ...), data essa em que a diligência não se realizou (em virtude de realização de greve dos Srs. Funcionários Judiciais), tendo sido, por despacho de 21-11-2022, agendada a continuação de julgamento para o presente dia 16-12-2022, pelas 14.00 horas.
Entrando agora no mérito da pretensão formulada pela arguida de ser ouvida em audiência refira-se que ela, na situação dos autos, não tem cabimento legal.
Sabe-se, na verdade, que o artigo 61.º, n.º 1, al. b) do CPP determina que o arguido goza do direito de ser ouvido pelo Tribunal sempre que este deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.
Dentro deste direito, mais lato, cabe o direito de o arguido, pessoalmente, ser ouvido em juízo, prestando, caso assim o entenda, declarações sobre a factualidade que lhe é imputada em várias fases do processo penal (cfr., por exemplo, artigos 140.º e 141.º, 143.º, 144.º, 343.º, 344.º, 355.º e 361.º, n.º 1 do CPP).
No caso de os arguidos terem sido regularmente notificados para a primeira data de julgamento (como estavam, no caso, notificadas ambas as arguidas) e faltarem a julgamento, o Tribunal pode considerar (como considerou – cfr. acta da sessão de julgamento de 14-09-2022 -) que a presença deles não é absolutamente indispensável ao inicio da diligência, sendo inquiridas as pessoas presentes (cfr. artigo 333.º, n.º 2 do CPP).
Neste caso, as arguidas mantiveram o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência podendo, até esse momento, requerer a sua audição. É isso que dimana do preceituado no artigo 333.º, n.º 3 do CPP.
O encerramento da audiência ocorre quanto o Tribunal declara encerrada a discussão e se retira para deliberar (cfr. artigo 361.º, n.º 2 do CPP).
De facto, a audiência finda com o encerramento da discussão (cfr. Simas Santos/Leal Henriques in CPP Anotado, II vol, 2.ª ed., Rei dos Livros, p. 475, citando o Ac. do S.T.J. de 07-06-1987, AJ, n.º 0, p. 5).
A reabertura da audiência apenas é possível (mantendo-se os factos e a subsunção jurídica descritos na acusação ou na pronúncia) nos casos previstos no artigo 371.º do CPP, o que não é, manifestamente a situação dos autos.
Vale isto por dizer que o exercício do direito que a arguida agora pretende fazer valer tinha que ser requerido, no caso, até ao encerramento da audiência (que, na situação dos autos, ocorreu no dia 03-11-2022, quando o Tribunal, na sequência das alegações, designou o dia ..., pelas 14.00 horas para leitura do Acórdão – cfr., sobre as consequências da falta de declaração formal de encerramento da audiência Simas Santos/Leal Henriques in op. e loc. cit.), o que, podendo tê-lo sido (porque tal como o Ilustre Defensor da arguida declarou, no requerimento de 10-10-2022, que a arguida não pretendia então prestar declarações em juízo, poderia, ao invés, ter dito pretender prestá-las, o que não fez), não foi.
Efectivamente, durante todo o período de tempo que mediou entre a primeira sessão de julgamento realizado nos autos (em 14-09-2022) até à sessão em que materialmente se deu por encerrada a audiência (em 03-11-2022) não foi requerida nos autos a audição de qualquer das arguidas, nos termos do disposto no artigo 332.º, n.º 3 do CPP.
Note-se, ao contrário do que parece pressupor o requerimento em apreciação, a lei não exige, para que se dê por encerrada a audiência, qualquer declaração do arguido em que ele abdique do direito de prestar declarações, exigindo (isso sim) um requerimento do próprio (ou do seu Ilustre Defensor) a informar os autos de que as pretende prestar, a fim de que a audiência não seja encerrada, permitindo-se então ao arguido, dentro de prazo razoável, exercitar esse seu direito.
No caso, para este Tribunal Colectivo é manifesto que o requerimento em apreço é extemporâneo, por ter sido formulado para além do encerramento da audiência.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, indefiro o requerido pela arguida no req. de 17-11-2022”. 1.3. Por seu turno, o acórdão condenatório recorrido, igualmente datado de 16 de Dezembro de 2022, deu como provados os seguintes factos (transcrição):
“(…)
II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1 DA MATÉRIA DE FACTO.
Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1. A arguida AA é a única sócia e gerente da sociedade inicialmente designada “D... - Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda.”, e actualmente designada “B..., Unipessoal, Lda.”, que se dedica à mediação imobiliária, actuando no giro comercial com a denominação ... CASA.
A) Do processo principal.
2. Em data próxima do dia 05-12-2018, BB e a filha CC, dirigiram-se às instalações da sociedade acima referida, sitas na Rua ..., em ..., com o propósito de adquirirem um apartamento que já tinham visualizado numa página da internet.
3. Foi-lhes, então, apresentada a fracção autónoma designada pela letra ..., correspondente a um apartamento, destinado a habitação, no ... andar do prédio com o n.º ...13 de polícia, sito na Rua ..., Freguesia ..., concelho ....
4. Mostrando-se BB e a filha CC interessadas na aquisição da mencionada fracção, no dia 05-12-2018, a primeira assinou, juntamente com a arguida, uma ficha de reserva do referido imóvel, através da qual declaravam o seu interesse na sua compra e em que ambas as partes se comprometiam a celebrar o contrato promessa ou escritura pública de compra e venda no prazo de 15 dias, a contar da data da assinatura do documento em apreço, pelo valor de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
5. Por força do acordo celebrado, BB transferiu, no mesmo dia, para a conta a que corresponde o IBAN n.º ...78, que lhe foi indicada pelo funcionário da arguida, a mando daquela e titulada individualmente pela arguida, o valor de € 20 000,00 (vinte mil euros).
6. Não obstante a assinatura daquele acordo com BB, a arguida não diligenciou pela celebração de qualquer contrato-promessa, nem pela marcação de data para a escritura de compra e venda no prazo estipulado, nem para além do mesmo.
7. Desde pelo menos 17-02-2019, e porquanto não mantivessem mais interesse no negócio em apreço ou qualquer outro, face ao período de tempo entretanto decorrido desde o dia .../.../2018, em datas não concretamente apuradas, e por várias ocasiões, BB e a filha CC contactaram os funcionários e dirigiram-se às instalações da sociedade D... - Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda., solicitando a devolução da quantia em dinheiro correspondente ao valor da transferência efectuada para a conta bancária da arguida, mas esta nunca se prontificou a recebê-los, esquivando-se a qualquer contacto.
8. Até hoje, a arguida AA sempre recusou devolver- lhes tal quantia, que fez sua, integrando-a no seu património, como se de coisa sua se tratasse, dando-lhe o destino que quis.
9. A arguida AA, ao agir do modo descrito, actuou com o propósito concretizado de se apropriar daquela quantia monetária, sabendo que a mesma não lhe pertencia, que actuava contra a vontade do seu dono e que lhe causava prejuízo económico.
10. Sabia a arguida que apenas recebia tal quantia a título de depósito, por força da actividade que exercia de mediação imobiliária, e que estava obrigada por lei a proceder à sua restituição.
11. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, conhecendo o carácter proibido da sua conduta.
Do pedido de indemnização civil.
12. O valor de €20.000,00 referido em 5. havia sido transferido previamente de CC para a conta da demandante BB, sua mãe.
13. As demandantes encontram-se privadas do montante de € 20.000,00 referido em 5., desde o dia .../.../2018.
14. O referido montante de € 20.000,00 foi ganho e poupado pelas demandantes, durante anos no seu país, fruto do seu trabalho.
15. Por força da conduta da demandada as demandantes ficaram abaladas psicologicamente, sendo que, à data, a demandante CC encontrava-se grávida.
16. As demandantes, por força da conduta da demandada, perderam o sono durante várias semanas ficando, em resultado disso, facilmente irritadas e com dores de cabeça ao relembrarem o episódio.
17. As descritas condutas da arguida causaram nas demandantes ansiedade e inquietude, vendo-se impedidas de concretizar o sonho de compra de imóvel em Portugal, tendo regressado ao seu país natal.
Da contestação.
18. Face à não realização do negócio da venda do imóvel referido em 3., a arguida, em data anterior a 17-02-2019, propôs às ofendidas a venda do imóvel sito na Rua ..., da Freguesia ..., ..., passando o valor do sinal e princípio de pagamento para este novo negócio.
19. Novo negócio que as ofendidas inicialmente aceitaram, mas que não se concretizou até 17-02-2019.
A) Do apenso A.
20. Em inícios de 2019, em data anterior a 01 de Março de 2019, DD dirigiu- se às instalações da sociedade acima referida, sitas na Rua ..., em ..., com o propósito de adquirir um apartamento que já tinha visualizado numa página da internet.
21. Foi-lhe, então, apresentada a fracção autónoma designada pela letra ..., correspondente a um apartamento ..., destinado a habitação, no ... andar do prédio com o n.º ...7 de polícia, sito na Travessa ..., freguesia ... (...), concelho ....
22. Mostrando-se DD interessado na aquisição da mencionada fracção, no dia 01 de Março de 2019, o mesmo assinou um contrato-promessa de compra e venda relativo ao referido imóvel, no qual declarava prometer comprar o mesmo pelo valor de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) e a entregar a título de sinal o montante global de € 5.000,00 (cinco mil euros).
23. No referido contrato os contraentes obrigavam-se, ainda, a celebrar a escritura pública de compra e venda no prazo de 90 dias, a contar da data da assinatura do documento em apreço.
24. Por força do contrato assinado, DD entregou no mesmo dia a quantia de € 400,00 em numerário a um funcionário da arguida que posteriormente entregou àquela.
25. DD transferiu, ainda, através da filha, no dia 04 de Março de 2019, para a conta a que corresponde o IBAN n.º ...78, que lhe foi indicada pelo funcionário da arguida, a mando daquela e titulada individualmente pela arguida, o valor de € 4.600, 00 (quatro mil e seiscentos euros).
26. Não obstante a assinatura daquele contrato por parte de DD e a entrega do sinal à arguida, esta não logrou obter, como se comprometeu, a assinatura do mesmo por parte dos proprietários do imóvel em apreço, nem a realização da escritura de compra e venda no prazo estipulado, nem para além do mesmo.
27. Desde pelo menos 19 de Julho de 2019, por ter tomado conhecimento que o proprietário do imóvel já não pretendia proceder à venda do mesmo, nunca tendo assinado o contrato-promessa e recebido o sinal pago, em datas não concretamente apuradas, e por várias ocasiões, DD contactou a arguida e dirigiu-se às instalações da sociedade D... - Mediação Imobiliária,
Unipessoal, Lda., bem como lhe enviou várias cartas, solicitando a devolução da
quantia em dinheiro correspondente aos valores entregues àquela.
28. Até hoje, a arguida AA sempre se recusou
devolver-lhe tal quantia, que fez sua, integrando-a no seu património, como se de
coisa sua se tratasse, dando-lhe o destino que quis.
29. A arguida AA, ao agir do modo descrito, actuou
com o propósito concretizado de se apropriar daquela quantia monetária, no
montante global de € 5.000,00 (cinco mil euros), sabendo que a mesma não lhe
pertencia, que actuava contra a vontade do seu dono e que lhe causava prejuízo
económico.
30. Sabia a arguida que apenas recebia tal quantia a título de depósito, por força da actividade que exercia de mediação imobiliária, e que estava obrigada por lei a proceder à sua restituição.
31. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, conhecendo o carácter proibido da sua conduta.
Do pedido de indemnização civil.
32. DD entregou à arguida JJ a quantia de € 5.000,00 com o objectivo de que esta, enquanto intermediária do negócio, a entregasse àqueles que figuravam como promitentes-compradores no Contrato-Promessa de Compra e Venda, o que não aconteceu.
33. O ofendido DD, enquanto promitente-comprador em tal negócio imobiliário, acreditando, conforme fez crer a arguida, que o negócio definitivo se iria realizar a 22-07-2019, viu-se obrigado a fazer uma viagem internacional do Brasil para Portugal, tendo como único propósito a assinatura da escritura de compra e venda.
34. Para a referida viagem o ofendido teve de despender a título de passagens aéreas a quantia de € 1.237,40.
35. Não dispondo o ofendido de residência em Portugal, teve que ficar hospedado na ..., despendendo o valor de € 375.
36. Por força do comportamento da arguida, DD sofreu forte abalo psíquico, tendo ficado perturbado, triste e envergonhado.
Do apenso B.
37. A arguida “D... – Mediação Imobiliária Unipessoal, Lda.”, é uma sociedade por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., sob o n.º ...02, com sede na Rotunda ..., ... sociedade em questão dedica-se ao exercício da actividade de mediação imobiliária e a administração de imóveis por conta de outrem, com o CAE principal n.º 68311-R3.
39. A arguida AA é a única gerente da sociedade arguida, sendo a ela que compete a gestão, administração e representação de toda a actividade exercida, a decisão de afectação dos seus recursos financeiros à satisfação das respectivas necessidades, a responsabilidade pelo pagamento aos fornecedores e pelo pagamento de contribuições e impostos.
40. Pelo exercício da actividade acima mencionada e na qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, a primeira arguida encontra-se enquadrada no regime normal de tributação em sede de Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) com periodicidade trimestral.
41. Por força das regras do dito Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), que a arguida AA conhecia, a primeira arguida tinha de suportar o valor do IVA nas aquisições que efectuava junto dos seus fornecedores (IVA dedutível) e cobraria o mesmo tipo de imposto aos seus diversos clientes (IVA liquidado).
42. Igualmente sabia a arguida AA que trimestralmente e, numa declaração periódica, deveria apurar o montante do referido imposto exigível pelo Estado e, em caso de resultado positivo na diferença entre o IVA liquidado a terceiros e o IVA suportado e dedutível nos termos legais, entregar nos cofres do Estado esse valor.
43. Em resultado da actividade da primeira arguida, no 4.º trimestre de 2017 e no 1.º trimestre de 2018, a arguida, na qualidade de única gerente desta, liquidou nas facturas por esta emitidas aos respectivos clientes, bem como recebeu destes o IVA liquidado.
44. E procedeu ao apuramento, preenchimento e envio à Administração Tributária do IVA das declarações periódicas relativas ao 4.º trimestre de 2017 e ao 1.º trimestre de 2018, nas quais deu conta do imposto devido.
45. No entanto, não fez acompanhar a referida declaração do respectivo meio de pagamento e, consequentemente, não entregou nos cofres do Estado o IVA por si apurado, liquidado e recebido, relativo ao referido período, nos montantes que a seguir se descriminam:
Período
IVA liquidado e recebido (até ao termo do prazo de entrega)
IVA Dedutível
Valor não entregue (por declaração)
Termo do prazo para cumprimento da obrigação
4.º trimestre de 2017
€ 13.487,48
€ 4.532,08
€ 8.955,40
16-2-2018
1.º trimestre de 2018
€ 15.404,50
€ 2.649,29
€ 12.755,21
15-5-2018
Total
€21.710,61
46. Ao actuar da forma descrita, a arguida AA sabia que, nos termos das normas que regulam o IVA, competia-lhe em nome e em representação da sociedade arguida, liquidar o aludido imposto, encontrando-se legalmente obrigada, na qualidade de gerente desta, a entregar nos cofres do Estado, por ao mesmo pertencerem, o montante de € 21.710,61 referente ao IVA liquidado e recebido dos seus clientes.
47. Apesar disso, quis fazer da sociedade arguida, como fez, tais montantes, dando- lhe um destino diferente do legalmente previsto, despendendo-os em proveito desta e utilizando-os para efectuar compras e pagamentos a fornecedores e satisfazer outros compromissos relacionados com a sua actividade.
48. Sabia que, ao não efectuar a entrega desse montante nos cofres do Estado, como era seu dever, despendendo-os em proveito da sociedade arguida e utilizando-os para satisfazer compromissos relacionados com a sua actividade, estava a apoderar-se de quantias que não lhe pertenciam nem à sociedade arguida, mas, não obstante, quis reter o IVA que liquidou e recebeu dos clientes desta, nos montantes e períodos acima assinalados, e apoderar-se dos mesmos, objectivo que logrou alcançar, bem sabendo outrossim que, desse modo, actuava sem autorização e contra a vontade do Estado Português, a quem pertenciam as quantias liquidadas a título de IVA e recebidas dos seus clientes, e que causava a este um prejuízo patrimonial equivalente aos referidos montantes.
49. Os valores referidos não foram entregues nos cofres do Estado no prazo legal, nem no prazo de 90 dias, contados do termo desse prazo.
50. As quantias em questão também não foram pagas, acrescidas dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, dentro dos 30 dias contados das notificações efectuadas no dia 27-11-2020, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.
51. A arguida agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, através de processos de idêntica natureza, que foi reiterando durante o período de tempo acima referido, em nome e na prossecução de interesses da sociedade arguida e no próprio interesse, com o propósito de obter para si uma vantagem patrimonial a que sabia não ter direito, apossando-se em proveito próprio e da sociedade do imposto supra indicado, deduzido nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar ao Estado, consciente de que era mera depositária desse imposto e de que estava obrigada a entregá-lo à Administração Fiscal, bem sabendo que tal conduta é proibida e punida por lei.
52. Por requerimentos de 2 de Novembro de 2022 as arguidas requereram ao Chefe do Serviço de Finanças ... o pagamento da quantia total identificada em 45. em prestações, alegando não poder pagá-la de uma só vez por não deterem meios financeiros que lhes permitisse liquidar a dívida na totalidade (cfr. documentos juntos com req. constante do PE em 02-11-2022, com ref. ...05).
53. A arguida pessoa singular apresenta os seguintes antecedentes criminais:
a) - Por Sentença de 17-05-2016, transitada em julgado em 16-06-2016, no âmbito do processo comum singular n.º 409/14...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., foi condenada pela prática, no ano de 2014, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 60 dias de multa à taxa de 6,00€, a qual se mostra extinta;
b) - Por Sentença de 29-01-2018, transitada em julgado em 28-02-2018, no âmbito do processo comum singular n.º 34/16...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., foi condenada pela prática, em 17-08-2015, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 150 dias de multa à taxa de 6,00€;
c) - Por sentença de 17-01-2019, transitada em julgado em 24-06-2019, no âmbito do processo comum singular n.º 308/15...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., foi condenada pela prática, em 17-04-2014, de um crime de abuso de confiança, na pena de 300 dias de multa à taxa de 10,00€;
d) - Por sentença de 03-05-2019, transitada em julgado em 03-06-2019, no âmbito do processo comum singular n.º 232/17...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., foi condenada pela prática, em 14-11-2016, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 190 dias de multa à taxa de 6,00€, a qual se mostra extinta;
e) - Por sentença de 12-12-2019, transitada em julgado em 12-10-2020, no âmbito do processo comum singular n.º 3813/18...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., foi condenada pela prática, no ano de 2017, de um crime de abuso de confiança, na pena de 7 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por 1 ano.
(…)
55. Mais se provou que a arguida AA:
a) Beneficiou de um processo de desenvolvimento assente num modelo educacional tradicional, marcado pela inflexibilidade e rigidez do progenitor relativamente à arguida, adoptando uma postura contrária quanto ao irmão mais velho. O pai foi empresário e a mãe doméstica.
b) A arguida revelou um percurso académico adequado e indicador de sucesso e que terminou com a licenciatura em gestão na Universidade .... Posteriormente e com o objectivo de se autonomizar optou por efectuar o mestrado na Universidade ... em ..., cidade onde fixou residência e iniciou a sua vida profissional
c) Em ... a arguida leccionou a disciplina de português em vários estabelecimentos de ensino durante 3 anos e posteriormente exerceu funções na embaixada de Portugal em ... durante 7 anos.
d) Durante este período contraiu matrimónio com um cidadão francês, resultando desta união o nascimento de uma filha.
e) AA divorciou-se em 2006 e regressou a Portugal com a filha, optando nesta altura pela criação do seu próprio emprego com a abertura da imobiliária denominada por “D... – Mediação Imobiliária Unipessoal Lda.”, empresa que foi crescendo e contava com 15 colaboradores.
f) A arguida conseguiu gerir adequadamente a sua empresa até ao ano de 2011, ano em que se instalou uma grave crise financeira em Portugal, começando a partir daí a sentir os reflexos das medidas de austeridade.
g) AA investiu ainda na formação académica da filha que se licenciou em Economia na Universidade do Minho e concluiu ainda o mestrado na Universidade ....
h) Entre 2014 e 2015, AA deparou-se com um problema de saúde do foro oncológico, com necessidade de submeter a intervenção cirúrgica e sessões de quimioterapia no IPO ....
i) Entretanto o pai da arguida faleceu e a mãe, por razões de saúde do foro mental, foi integrada num Lar ... em ....
j) A arguida mantém activa a imobiliária D... – Mediação Imobiliária, contando com a colaboração de alguns elementos, em regime de prestação de serviços, e de dois funcionários administrativos.
k) Desde o inicio do corrente ano, a empresa alterou a sua denominação para B....
l) Durante os últimos 2 anos, resultado da pandemia e ainda da mediatização de que a imobiliária foi alvo, a arguida apontou o declínio da empresa ao nível económico, sobretudo pela descredibilização da mesma.
m) A arguida AA recorreu a PEAP– Processo Especial de Acordo de Pagamento, sendo o despacho inicial de admissão proferido em 12-08-2020.
n) A arguida AA Unipessoal, Lda. recorreu a Processo de Especial de Revitalização, sendo homologado o plano de recuperação por sentença de 19-03-2021.
o) A empresa suporta mensalmente uma prestação de 1100 € destinados ao pagamento de dívida à s finanças e uma outra prestação de 600 €, destinada ao pagamento de dívida à segurança social.
p) A arguida expressa que não retira qualquer rendimento da imobiliária, pelo que presentemente o único rendimento de que dispõe é uma renda de um imóvel no valor de 600 € e sinaliza despesas 560 € relativas ao lar onde a mãe reside.
q) Neste contexto e depois de viver sozinha num apartamento arrendado, mudou-se há cerca de dois anos, para o apartamento pertencente à progenitora.
r) Convive com a filha já autonomizada, assiduamente, e visita a mãe, no lar sempre que lhe é possível.
s) A arguida continua a organizar o seu quotidiano em função da sua actividade profissional.
t) AA tende a isolar-se referindo evitar o convívio com o grupo de amigos, apesar de o considerar gratificante e de apoio.
u) A arguida mantém o acompanhamento em consultas de oncologia e psiquiatria no Hospital ....
v) No âmbito do processo nº 308/15....- Juízo Local Criminal – Juiz ..., arguida tem executado Trabalho Comunitário em tarefas que realiza na lavandaria da IPSS C..., em ....
(…)”. 2. Nulidade da realização do julgamento na ausência do defensor constituído e com intervenção de defensor nomeado pelo Tribunal para o acto 2.1. Dispõe o art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que “o processo criminal assegura toda as garantias de defesa, incluindo o recurso”.
Sobre o alcance desta garantia fundamental dos cidadãos, explica GERMANO MARQUES DA SILVA (in “Constituição Portuguesa Anotada”, JORGE MIRANDA – RUI MEDEIROS, Tomo I, Coimbra, 2005, p. 354) no excerto que se passa a transcrever:
“A fórmula da primeira parte do n. 1 não traduz uma norma meramente programática a desenvolver pela lei; significa antes que há-de ser perante as circunstâncias concretas de casa caso que se hão-de estabelecer os concretos conteúdos dos direitos de defesa, no quadro dos princípios estabelecidos por lei. Todas as garantias de defesa não são as garantias que a lei formalmente concede, mas no quadro dessas garantias e dos princípios estabelecidos pela Constituição e pelas leis, todos os meios que em concreto se mostrem necessários para que o arguido se faça ouvir pelo juiz sobre as provas e razões que apresenta em ordem a defender-se da acusação que lhe é movida. O preceito deve ser interpretado à luz do denominado processo equitativo, na designação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ou do due process of law, na fórmula da jurisprudência norte-americana, envolvendo como aspectos fundamentais a consideração do arguido como sujeito processual a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação, a independência e imparcialidade do juiz ou tribunal e a lealdade do procedimento. Os direitos a uma ampla e efectiva defesa não respeitam apenas à decisão final, mas a todas as que impliquem restrições de direitos ou possam condicionar a solução definitiva do caso”.
Ainda a respeito destas garantias de defesa, dispõe o mesmo art. 32.º, n.º 3, da CRP, que “o arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória”.
Sobre este direito fundamental, explica J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, VOL. I, 4.ª Edição, 2007, p. 519):
“O arguido tem direito à escolha de defensor (ou defensores) e não apenas direito à assistência de defensor (n.º 3). Tal direito justifica-se, com base na ideia de que o arguido não é objecto de um acto estadual mas sujeito do processo, com direito a organizar a sua própria defesa. O direito à assistência de um defensor abrange a hipótese de defensor oficioso, designado pelo juiz, no caso de o arguido não exercer o seu direito de escolha. O defensor oficioso visa, em primeiro lugar, garantir ao arguido assistência; porém, não se trata apenas de um acto pro reo, mas de uma medida de tutela processual objectiva, pelo que se justifica a nomeação de defensor oficioso mesmo contra a vontade do arguido (Cód. Proc. Penal, art. 62.º). (…) A assistência do defensor é, segundo a Constituição, um direito do arguido em todos os actos do processo (i. é, em todos os actos em que o arguido intervenha ou possa intervir), sendo obrigatória, independentemente da vontade dele, em certos casos que a lei há-de especificar (…). Trata-se de uma concretização do direito ao advogado (…) que implicará uma densificação legal dos casos e fases em que se torna indispensável a competência, a experiência e saber de um profissional do foro para tornar efectiva a defesa nos momentos processuais decisivos à garantia dos direitos materiais e processuais (interrogatório para decretação de medidas de coacção, audiência de julgamento, exercício do direito de recurso).”
O legislador ordinário densificou esta garantia fundamental de defesa através da assistência por defensor em vários preceitos legais infraconstitucionais com relevância para o caso concreto.
Desde logo, o art. 61.º, n.º 1, alíneas e) e f), do Código de Processo Penal (CPP), dispõem que “o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei, dos direitos de: (…); e) Constituir advogado ou solicitar a nomeação de defensor; f) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele;”.
Esta constituição de defensor por acto do arguido pode ser levada a cabo em qualquer altura do processo (art. 62.º, n.º 1).
O defensor constituído prevalece sobre o defensor nomeado, pois este cessa funções sempre que o arguido constitua mandatário (art. 43.º, n.º 1, da LADT, aprovada pela Lei n.º 34/2004)
Contudo, é obrigatória a assistência do defensor na audiência (art. 64.º, n.º 1, al. c)).
Em conformidade, o juiz de julgamento deverá proceder à nomeação de defensor ao arguido, se ainda não estiver constituído no processo, no despacho para apresentação da contestação (art. 311.º-A, n.º 2, al. c)).
O dever é de proporcionar ao arguido a possibilidade de uma defesa efectiva no acto mais relevante de um processo criminal.
De igual modo, se, no início da audiência, não estiver presente o defensor, o presidente procede imediatamente, sob pena de nulidade insanável, à substituição do defensor por outro Advogado, ao qual pode conceder, se assim o requerer, algum tempo para examinar o processo e preparar a intervenção (art. 330.º, n.º 1).
A invalidade aqui em apreço não é propriamente – bem entendida - a singela falta de promoção da substituição do defensor, mas avançar para a realização da audiência sem defensor substituto.
Esta regra da substituição aplica-se tanto ao defensor nomeado, como ao defensor constituído pelo arguido.
Em geral, esta substituição tem lugar independentemente da existência de justificação atendível para a falta de comparência do defensor, nomeadamente em virtude de estado de doença.
Só assim não sucederá nos casos legalmente previstos, v. g., nos casos de maternidade, paternidade e luto regulados no DL 131/2009.
Não obstante, é insofismável que a substituição do defensor não é inócua, pois implica a intervenção de outro Advogado distinto daquele que foi escolhido pelo arguido e, mesmo sendo nomeado, já conhecia o processo.
Ocorrendo esta substituição, “pode o tribunal, oficiosamente ou a requerimento do novo defensor, conceder uma interrupção para que aquele possa conferenciar com o arguido e examinar os autos” (art. 67.º, n.º 2).
Em vez desta interrupção, “pode o tribunal decidir-se, se isso for absolutamente necessário, por uma adiamento da audiência, que não pode, porém, ser superior a cinco dias” (art. 67.º, n.º 3).
De facto, a assistência do defensor não pode ser uma realidade processual vã e deve significar uma efectiva ajuda e acompanhamento zelosos do arguido pelo defensor.
Alias, “a substituição imediata pode representar um forte gravame para o arguido, pois o novo defensor pode não conhecer o processo nem lhe ser possível preparar a defesa com uma mera interrupção para conferência com o arguido e exame dos autos (…), mas também pode suceder que seja do próprio interesse do arguido que o acto prossiga imediatamente com o novo defensor. A celeridade não pode ser o critério orientador do tribunal, antes o direito do arguido a uma defesa efectiva, tecnicamente adequada e livre” (GERMANO MARQUES DA SILVA, “Direito Processual Penal Português”, Vol. I, 2017, p. 336).
Haverá situações em que não se justificará de todo o adiamento da audiência em virtude da substituição do defensor, nomeadamente quando houver co-arguidos e não haja qualquer produção de prova relativa ao arguido assistido pelo defensor substituto.
Seja por inércia do arguido, seja por falta de comparência do defensor constituído ou nomeado, a nomeação do defensor é feita nos termos do Código de Processo Penal, do capítulo IV da LADT e da Portaria n.º 10/2008) (art. 39.º, n.º 1, da LADT, na redacção da Lei 47/2007, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 208).
Mais concretamente, a partir de 1 de Janeiro de 2008, a nomeação de defensor é efectuada pela Ordem dos Advogados, podendo ser realizada de forma totalmente automática, através do sistema electrónico gerido por esta entidade, valendo a indicação automática do advogado como acto de “nomeação” (art. 2.º, n.º 1, da Portaria 10/2008).
No caso das diligências urgentes, a nomeação de defensor é efectuada pelo tribunal através da secretaria, com base na designação feita pela Ordem dos Advogados constante da lista de escala de prevenção (art. 3.º, n.º 1).
Esta intervenção é fácil de entender, pois compete à Ordem dos Advogados zelar pela selecção actualizada dos advogados que tenham todas as aptidões para o exercício da tarefa de defensor oficioso e (art. 45.º, n.º 1, al. a), da LADT).
Aliás, constitui dever do Advogado “recusar a nomeação para ato ou diligência efectuada em desconformidade com a designação feita pela Ordem dos Advogados constante da lista de escalas de prevenção de Advogados ou sem recurso ao sistema gerido pela Ordem dos Advogados (SINOA)” (Art. 10.º, al. c), do Regulamento de Organização e Funcionamento do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais na Ordem dos Advogados, aprovado pelo Regulamento n.º 330-A/2008, de 24 de Junho, do Conselho Geral).
Contudo, é a próprio Conselho Geral da Ordem dos Advogados que admite a aceitação de uma diligência por um Advogado que não se encontra de escala mediante o simples contacto directo dos Tribunais, pois pode haver uma falha no sistema informático e que a linha de apoio só funciona nos dias úteis, das 9h30 às 12h30 e das 14h00 às 18h00 (vide “Vademecum do Advogado inscrito no sistema de acesso ao direito”, Dezembro de 2014, disponível em www.oa.pt).
Cientes destas incontornáveis garantias específicas de defesa do arguido no processo criminal, vejamos, então, o que sucedeu neste autos.
2.2. No dia 27 de Julho de 2020, antes do julgamento, a arguida ora recorrente constituiu vários defensores para a assistir neste processo de natureza não urgente, mais concretamente “constituiu como seus bastantes procuradores os Senhores Drs. GG, KK, LL, MM (fls. 471 do Apenso B).
Quando o referido Senhor Advogado Dr. GG requereu o adiamento do julgamento em virtude de doença que alegadamente o impossibilitava de comparecer no julgamento a iniciar-se no dia seguinte, aquele fez acompanhar esta alegação da junção de um atestado médico.
Não tinha de fazer esta junção de prova à luz do disposto no n.º 8 do art. 117.º do CPP.
Do mesmo modo, aquele Senhor Advogado também não tinha de chamar à colação o instituto do justo de impedimento, pois não se tratava de praticar um acto fora de um prazo peremptório em curso (art. 107.º, n.º 2, do CPP).
Por conseguinte, é igualmente irrelevante que o tribunal a quo tivesse seguido esta linha de argumentação.
Também não é minimamente profícuo pretender analisar a falta de comparência do defensor em julgamento criminal à luz das normas processuais civis que regulam os adiamentos do julgamentos realizados na jurisdição civil.
Mais relevante é, sem dúvida, a circunstância de a recorrente contar com a assistência de quatro Senhores Advogados e nenhum destes estar presente, incluindo aqueles que não vieram apresentar qualquer justificação para tanto.
Neste circunstancialismo, a substituição imediata do defensor constituído faltoso pelo presidente do tribunal colectivo impunha-se, pois não compareceu em juízo qualquer dos defensores constituídos (artigos 330.º, n.º 1, e 67.º, n.º 1, do CPP).
Acresce que a recorrente foi assistida efectivamente por Advogado no julgamento, não obstante os constrangimentos técnicos verificados no SINOA – acima referidos –, os quais inviabilizaram a indicação electrónica de um segundo defensor após a nomeação inicial de uma Senhora Advogada que não aceitou a nomeação.
A nomeação excepcional deste defensor substituto pelo Senhor Juiz Presidente do Tribunal Colectivo ocorreu apenas numa situação expressamente relatada na acta do julgamento dando conta de que o sistema de nomeação electrónica da Ordem dos Advogados não funcionou e que os contactos institucionais também falharam.
Por esta razão, não oferece qualquer censura a nomeação excepcional do defensor levada a cabo directamente pelo tribunal para efeito de intervenção daquele no julgamento.
É certo que a arguida não esteve presente injustificadamente nesta sessão de julgamento, mas tal alheamento também não impede a substituição do defensor faltoso, assim como não impõe o adiamento oficioso da audiência.
Tendo havido assistência da arguida na sessão de julgamento pelo defensor assim nomeado, não há qualquer fundamento para julgar verificada a nulidade insanável da ausência do defensor a acto relativamente ao qual a lei exigir a respectiva comparência prevista no art. 119.º, al. c), do CPP.
2.3. Aqui chegados, importa concluir que o recurso interlocutório improcede.
3. Nulidade da falta de tomada de declarações à arguida a pedido desta 3.1. Em matériade garantias de processo criminal, o legislador constitucional assume expressamente que a audiência de julgamento está subordinada ao princípio do contraditório (art. 32.º, n.º 5, da CRP).
Sobre o âmbito normativo-constitucional deste princípio, explica J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, VOL. I, 4.ª Edição, 2007, p. 522):
“Em relação aos destinatários, ele significa (…) c) em particular, direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo. Quanto à sua extensão processual, o princípio abrange todos os actos susceptíveis de afectar a sua posição, e em especial, a audiência de discussão e julgamento”.
Concretizando esta garantia, a lei adjectiva ordinária prescreve que o arguido goza do direito de ser ouvido pelo tribunal sempre que ele deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte (art. 61.º, n.º 1, al. b), do CPP).
No início do julgamento, o arguido é informado de que tem o direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência (art. 343.º, n.º 1)
Mais, o tribunal não pode encerrar a discussão sem permitir ao arguido que preste as suas últimas declarações, estando, inclusivamente especificamente obrigado a perguntar-lhe “se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa, ouvindo-o em tudo o que declarar a bem dela” (art. 361.º, n.º 1).
Se o arguido não comparecer à primeira sessão de audiência de julgamento, incumbirá ao defensor requerer que o mesmo seja ouvida na segunda sessão designada caso o encerramento ocorrer na primeira data marcada (art. 333.º, n.º 3, do CPP).
No caso dos autos, o tribunal a quo indeferiu a tomada de declarações à arguida recorrente com fundamento na respectiva extemporaneidade, pois entendeu que a audiência já estava encerrada e que não podia ser reaberta para aquele efeito.
Vejamos então a bondade do decidido nesta parte à luz da tramitação concretamente verificada nos autos. 3.2. A audiência de julgamento de estes autos contou com a realização de quatro sessões até ao respectivo encerramento.
Estas sessões tiveram concretamente lugar em 16.09.2022 (9h30), 11.10.2022 (14h00) e 03.11.2022 (9h30 e 14h00), tendo a leitura do acórdão sido inicialmente agendada para dia 18.11.2022.
A arguida faltou injustificadamente à primeira sessão realizada no dia 16.09.2022 – à qual faltou igualmente o seu Ilustre Defensor constituído por motivo de doença.
A arguida viria a faltar, desta feita justificadamente, à segunda sessão de julgamento realizada no dia 11.10.2022, tendo, inclusivamente, sido previamente dispensada de comparecer por decisão do tribunal.
Na verdade, o Ilustre Mandatário da recorrente tinha apresentado o requerimento com o seguinte teor (transcrição e sublinhado nosso): “AA, melhor identificada nos autos à margem referenciados, vem informar que por motivos de saúde, e ainda pessoais e profissionais, se encontra impossibilitada de estar presente na audiência de julgamento agendada para o dia de amanhã. De todo o modo, informa ainda a arguida que não pretende, para já, prestar declarações na audiência de julgamento, requerendo-se a V. Exa. a dispensa da presença da arguida na referida diligência, nos termos e para os efeitos do artigo 333º, 2, do CPP, com o consequente prosseguimento da lide.”
Estando previstas a conclusão da produção de prova testemunhal e as alegações finais para dia 03.11.2022 (14h00), dir-se-ia que esta seria a derradeira sessão para a arguida prestar declarações.
No dia 03.11.2022, a arguida faltou novamente a esta sessão de julgamento, mas presentou no dia imediatamente seguinte um requerimento de justificação de falta por motivo de doença que ainda não foi objecto de conhecimento pelo tribunal.
Mas esta sessão de julgamento não ficou apenas marcada pela falta de comparência da arguida.
A acta desta sessão julgamento dá conta dos seguintes desenvolvimentos (transcrição):
“(…) foi declarada reaberta a audiência de julgamento: Logo após pelo Ilustre Mandatário das arguidas Dr. GG, foi ditorenunciar ao mandato das arguidas AA e D... –Mediação Imobiliária Unipessoal, Ld.ª.
*
De seguida pelo Mmº Juiz Presidente foi determinada: - A notificação da renúncia do mandato às arguidas AA e D... - Mediação Imobiliária Unipessoal, Lda.; - A imediata nomeação de Defensores Oficiosos de escala às arguidas.
*
Consigna-se que foram nomeados defensores às arguidas, através do SINOA, o Sr. Dr. NN, cartão profissional n.º ..., para a arguida AA e a Sra. Dra. OO para a arguida D... – Mediação Imobiliária Unipessoal, Ld.ª.
*
A audiência foi suspensa pelas 10:40 horas até a chegada dos Ilustres Defensores, e retomada pelas 11:20 horas.
*
De seguida pelo Ilustre Defensor nomeado da arguida AA, foi pedida a palavra, que lhe foi concedida, tendo no seu uso dito: Compulsados os autos constata-se que em momentos anteriores e em processos diferentes, a aqui arguida, foi defendida por colegas do escritório do aqui defensor, que acompanhou o trabalho de escritório dos colegas e dos respetivos processos que terminaram com a quebra irreparável de confiança e cessação de funções. Neste contexto entendo que o defensor agora nomeado não reúne as condições para assumir a defesa da arguida, pelo que pede a escusa da mesma e que seja nomeado desde já outro defensor.
*
Dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público, pelo mesmo foi dito em súmula: O fundamento avançado não constitui motivo suficiente para o pedido de escusa do Ilustre Defensor, pelo que não deverá ser reconhecida a pretensão efetuada.
*
De seguida dada a palavra aos Ilustres Defensores presentes, pelos mesmos foi dito nada terem a opor ou a requerer.
*
De seguida, após deliberação, pelo Mmº Juiz Presidente foi proferido o seguinte: DESPACHO O Ilustre Defensor nomeado à arguida AA veio requerer a sua dispensa e substituição alegando fundamentos que, na sua óptica, consubstanciam causa justa. Para o efeito invoca, em suma, a quebra da relação de confiança com a arguida. Pelo Digno Magistrado do Ministério Público foi dito opor-se ao pedido de escusa e pelos Ilustres Defensores presentes foi dito nada terem a opor ou a requerer. Apreciando, refira-se que a justa causa que alude no artigo 66.º, n.º 2, é sem dúvida verificada quando inexiste relação de confiança entre a arguida e o defensor, relação de confiança essa sendo perspectivada processualmente, e por inerência à defesa. No caso concreto, ressalvado todo respeito por opinião diversa, entende o Tribunal Colectivo que não se verifica a justa causa para a dispensa do patrocínio, uma vez que, em face do alegado, a relação de confiança que se quebrou foi com os colegas do escritório onde o ilustre defensor exerce a sua actividade, mas não com o seu ilustre defensor, que aparentemente nem conhece a arguida pessoalmente. Nestes termos indefere-se a requerida dispensa de patrocínio. Notifique.
*
De seguida, pelo Digno Procurador da República e pelas Ilustres advogadas dos demandantes foi dito nada terem a opor à junção de documentos efectuada pelo Defensor das arguidas por requerimento de 03-11-2022.
*
Seguidamente, após deliberação, foi proferido o seguinte: DESPACHO Admite-se a requerida junção de documento, por poder ter interesse para a descoberta da verdade material. Notifique.
*
Logo após passou-se à produção de prova da seguinte forma: (…)
*
DESPACHO Dado o adiantado da hora (13 horas e 20 minutos) suspende-se a presente audiência de julgamento com continuação no dia de hoje pelas 15:30 horas, (hora obtida mediante concordância do Digno Magistrado do Ministério Publico e dos Ilustres Advogados presentes).
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Sendo a hora marcada, publicamente e de viva voz (…) procedi à chamada de todas as pessoas que nele devem intervir (…).
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PRESENTES: (…) Defensor Oficioso de escala nomeado à arguida AA: Dr. NN. (…) FALTOSOS: Arguida: AA.
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Quando eram 15 horas e 30 minutos, pelo Mmº Juiz Presidente foi declarada aberta a audiência de discussão e julgamento.
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(…) após passou-se à produção de prova da seguinte forma: (…)
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Finda a produção de prova, pelo Mmº Juiz Presidente foi concedida a palavra, sucessivamente, ao Digno Magistrado do M.º Público e ao ilustres Advogados presentes, para, em alegações orais, exporem as conclusões de facto e de direito que hajam extraído da prova produzida.
Após pelo Mmº Juiz Presidente foi proferido o seguinte: DESPACHO Para a leitura do acórdão, designo o próximo dia 18 de novembro pelas 14:00 horas, (data obtida mediante concordância do Digno Magistrado do Ministério Público e dos Ilustres Advogados presentes).”
Não obstante a renúncia ao mandato verificada nesta sessão de julgamento, esta data de leitura nunca veio a ser notificada aos demais Defensores constituídos pela arguida ora recorrente na aludida procuração forense conjunta – aqueles que tinham precisamente determinado o tribunal a quo a julgar não verificado o justo impedimento por referência à sessão de julgamento de 14.09.2022.
Do mesmo modo, esta data também não veio a ser notificada à recorrente, pois esta só foi notificada da aludida renúncia ao mandato forense.
Antes de 18.11.2022 – data inicialmente designada para a leitura do acórdão -, entrou nos autos uma nova procuração forense outorgada a favor do Senhor Advogado Dr. II.
No dia 17.11.2022, este novo mandatário apresentou o seguinte requerimento (transcrição): “AA, arguida nos autos supra referenciados, vem expor e requerer o seguinte: A arguida foi notificada da renúncia do mandato do seu defensor pela notificação com a referência supra. A arguida encontrava-se de baixa e impossibilitada de comparecer na última audiência conforme requerimento que juntou aos autos com a referência citius ...00. A arguida encontra-se, ainda, de baixa médica pelo período de 30 dias - cfr. Atestado médico que se junta como documento .... Só com a notificação da renúncia do mandato é que a arguida tomou conhecimento do agendamento da leitura do acórdão para o próximo dia ... pela 14h. Ora, a arguida não teve oportunidade de prestar declarações, direito que lhe assiste ao abrigo do disposto no artigo 61.º do Código Processo Penal e nos artigos 9.º, al b), 13.º, 20.º, nº 1 e 32º da Constituição da República Portuguesa. E em lado algum abdicou a arguida desse direito, sendo desejo da mesma prestar declarações. Nestes termos, requer-se a V/Exa. que seja dada sem efeito a data para a leitura do acórdão e seja designado dia, após o término da baixa médica, para a tomada de declarações da arguida, relegando-se a leitura do acórdão para data posterior.”
A leitura do acórdão não teve lugar no dia inicialmente agendado para esse efeito e este último requerimento mereceu o seguinte despacho, proferido em 21.11.2022 (transcrição):
“Consigno que a diligência agendada nestes autos para o dia ..., pelas 14.00 horas, não se realizou em virtude de todos os funcionários da ... se encontrarem de greve.
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Para realização da diligência aprazada (e, eventualmente, audição da arguida, caso venha a ser deferida a sua pretensão manifestada no req. de 17-11-2022), designo o dia 16- 12-2022, pelas 14.00 horas (e não antes por indisponibilidade de agenda e dada a data do termo de incapacidade da arguida plasmado no certificado de incapacidade temporária para o trabalho junta por esta no req. de 17-11-2022).”
Sobreveio o dia 16.12.2022 e, na presença da arguida recorrente, que tinha expressamente requerido a tomada de declarações antes da prolação da decisão final, o tribunal indeferiu a sua audição pelas razões acima transcritas e procedeu à imediata leitura da decisão que condenou a recorrente, além do mais, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
Continua por apreciar o requerimento de justificação de falta da arguida apresentado por referência às sessões de julgamento realizadas no dia 03.11.2022.
3.3. Olhando para esta tramitação processual, poder-se-á entender que a arguida teve a possibilidade de exercer efectivamente o seu direito de exercer pessoalmente o contraditório mediante a respectiva audição prévia pelo tribunal relativamente aos factos típicos pelos quais veio a ser condenada numa pena de prisão efectiva?
Antecipa-se que a resposta é manifestamente negativa e a que mesma estava ao alcance ao tribunal a quo.
Quem ficar apenas pela leitura do despacho recorrido é levado a pensar que a arguida recorrente se alheou totalmente do julgamento e que apenas se apresentou em juízo no dia da leitura do acórdão.
Ora, não foi isso que sucedeu.
A recorrente constituiu vários defensores até à leitura do acórdão e apenas faltou injustificadamente à primeira sessão – à qual também faltou o seu mandatário por motivo de doença comprovada.
A recorrente foi expressamente dispensada, a seu requerimento, pelo tribunal a quo de comparecer na audiência realizada no dia 11.10.2022, sendo que então informou que “não pretendia, para já, prestar declarações”, com isso deixando em aberto a possibilidade de as vir a prestar.
Posteriormente, a recorrente faltou às sessões de julgamento realizadas no dia 03.11.2022 e apresentou requerimento de justificação de falta de comparência por motivo de doença que ainda não foi apreciado.
Contudo, nesta sessão de julgamento, que não contou com a presença da arguida recorrente, houve lugar à renúncia ao mandato forense pelo seu Mandatário e foi nomeado imediatamente um Defensor que requereu a sua substituição por outro defensor em virtude da existência de litígio entre a recorrente e outros Advogados do seu escritório.
Esta substituição foi indeferida e este Defensor, contra a sua vontade expressa, assistiu a recorrente durante a produção de prova – traduzida na inquirição de cinco testemunhas – e as alegações finais, as quais tiveram lugar nesta sessão imediatamente após a inquirição desta última testemunha, tendo sido então agendada a data de 18.11.2022 para a leitura do acórdão.
Tudo se passou, aparentemente, segundo a acta da audiência, sem que o Defensor nomeado para o “último acto” tivesse sido questionado pelo Mmo. Juiz Presidente sobre a necessidade de salvaguardar a eventual prestação de declarações pela arguida, pois esta deixara em aberto essa possibilidade.
Posteriormente, a recorrente requereu a justificação desta falta de comparência e constituiu novo defensor.
Na véspera da data designada para a leitura do acórdão, o novo Mandatário requereu o adiamento da leitura do acórdão e a designação de nova data após o termo da baixa médica da recorrente que permitisse a tomada de declarações da arguida antes da leitura do acórdão.
A sessão de 18.11.2022 não teve lugar em virtude da greve dos Senhores Funcionários Judiciais.
O referido requerimento só viria a ser conhecido em 21.11.2022 e o tribunal a quo designou o dia 16.12.2022 para a leitura do acórdão e eventual audição da arguida, aludindo expressamente à data do termo da incapacidade por doença como critério da escolha da data.
A arguida comparece em juízo em 16.11.2022 para prestar declarações e o tribunal indefere a tomada destas declarações e procede à leitura do acórdão condenatório.
Ora, independentemente da actuação processual mais ou menos diligente dos vários Advogados que intervieram no julgamento, a verdade é que esta arguida não se alheou do julgamento e viu o julgamento terminar sem a intervenção do defensor por si escolhido e com a intervenção de um defensor nomeado que requerera, sem êxito, a respectiva dispensa de patrocínio.
Mal soube desta renúncia, a recorrente constituiu um novo defensor e requereu imediatamente a sua tomada de declarações, sem colocar em crise a actividade de produção de prova realizada na sua ausência.
O tribunal a quo não indeferiu liminarmente esta pretensão e até convocou a recorrente para comparecer em juízo numa nova data compatível com a sua baixa médica para efeito de eventual tomada de declarações.
No dia agendado, o tribunal a quo tem na sua frente a recorrente disposta a prestar declarações que expressamente requerera e nega-lhe esse direito porque a audiência já tinha sido declarada encerrada, após o que procede imediatamente à leitura da decisão recorrida.
3.4. Neste circunstancialismo, a recorrente tem toda a razão para entender que foi impedida de ser ouvida pelo tribunal antes de este tomar uma decisão que pessoalmente a afectaria, como seja a condenação em pena de prisão efectiva.
O tribunal a quo escuda-se tão-só nas normas previstas nos artigos 361.º, n.º 2, 371.º, n.º 1, e 369.º, n.º 2, do CPP, para recusar a reabertura da audiência.
Após as alegações e as últimas declarações do arguido, “o presidente declara encerrada a discussão, sem prejuízo do disposto no art. 371.º, e o tribunal retira-se para deliberar”.
Dispõe o n.º 1 do art. 371.º, que “tornando-se necessária a produção de prova suplementar, nos termos do n.º 2 do art. 369.º, o tribunal volta à sala de audiência e declara esta reaberta.”
Por seu turno, o n.º 2 do art. 369.º esclarece que esta reabertura visa a produção de prova suplementar para a determinação da espécie e da medida da sanção.
No plano meramente formal, é certo que a arguida não pediu a tomada de declarações antes do encerramento da discussão.
Contudo, a leitura isolada de tais normas não pode afastar e excluir a necessidade e a possibilidade de reabertura de audiência para produção de prova suplementar para a dilucidar a magna questão da culpabilidade, seja pela aplicação analógica da aludido art. 371.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, seja pela aplicação subsidiária do art. 607.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi art. 4.º do Código de Processo Penal.
O tribunal de julgamento pode sempre reabrir a audiência e ordenar as diligências necessárias quando se não julgar suficientemente esclarecido ou quando chegar à conclusão de que encerrou precipitadamente a audiência sem ter assegurado a produção de toda a prova devida, ainda que sem a oposição dos demais sujeitos processuais.
Se essa reabertura de audiência é possível na jurisdição cível, a mesma também não poderá ser negada na jurisdição penal.
Na verdade, suponhamos que um tribunal encerra indevidamente a discussão sem esperar pela junção de um dos vários relatórios periciais que solicitara oficiosamente, seria admissível entender que esse encerramento tinha sido definitivo porque a reabertura da audiência apenas poderia visar a questão da espécie e da medida da sanção?
A resposta é negativa e a vida judiciária portuguesa tem revelado a existência de reaberturas de audiência para assegurar excepcionalmente a produção de prova suplementar relevante sobre a questão da culpabilidade.
Voltando ao caso concreto, dir-se-á que a possibilidade de prestação de declarações avançada pela própria arguida em 11-11-2022 e as vicissitudes verificadas na última sessão de julgamento de produção de prova, com o afastamento “voluntário” do defensor constituído – aparentemente à revelia da arguida – e intervenção “forçada” do defensor nomeado apenas para o acto nas alegações finais realizadas nesta mesma sessão – igualmente com desconhecimento da recorrente e dos demais Defensores constituídos –, deveriam ter determinado a auscultação do defensor sobre a questão da prestação de últimas declarações pela arguida antes de o processo avançar para a designação da data para a leitura do acórdão.
Não o tendo feito, o tribunal de julgamento deveria ter posteriormente reaberto a audiência e assim assegurado o derradeiro exercício básico do contraditório pela arguida até à leitura da decisão final, como, aliás, veio a ser expressamente requerido pela recorrente que compareceu em tribunal expressamente para esse efeito e, até certo momento, parecia que iria suceder pela abertura a tanto manifestada pelo próprio tribunal a quo.
No caso concreto, a falta de reabertura da audiência para efeito de prestação de declarações pela arguida violou as disposições conjugadas do art. 61, n.º 1, al. b), e do art. 371.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, por analogia, ex vi art. 4.º do mesmo diploma legal, e tal irregularidade influiu necessariamente na decisão da causa porque impossibilitou a prestação de declarações pela arguida durante o julgamento.
A reparação de esta irregularidade de grande gravidade, na medida em que afecta as garantias de defesa da arguido e o valor da decisão final condenatória, deve ser oficiosamente ordenada, conforme dispõe o art. 123.º, n.º 2, do CPP.
Esta reparação passa pela revogação do despacho proferido antes da leitura do acórdão, com a consequente invalidação de todo o processado subsequente, incluindo o acórdão recorrido (art. 122.º, n.º 1, do CPP).
3.5. Assim sendo, o recurso é procedente nesta parte, ainda que com outros fundamentos.
Naturalmente, mercê desta irregularidade, fica prejudicado o conhecimento do recurso relativo à decisão condenatória.
III – DECISÃO
Em função do exposto, acordam os Juízes desta Relação em:
a) Julgar não verificada as nulidades da falta de assistência de defensor e de ausência do arguido;
b) Revogar o despacho recorrido de indeferimento da tomada de declarações à recorrente e anular o acórdão subsequente;
c) Determinar que seja reaberta a audiência, pelo mesmo Tribunal Colectivo, para efeito de tomada de declarações à recorrente, sem prejuízo da realização de outras diligências que se entenda necessárias para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, após o que deverá ser proferida novo acórdão pelo mesmo Tribunal Colectivo;
d) e, consequentemente, julgar prejudicado o conhecimento do recurso relativo à decisão condenatória ora anulada.
Sem tributação.
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Guimarães, 29 de Maio de 2023
(Texto elaborado em computador pelo relator e integralmente revisto pelos signatários)
(Paulo Almeida Cunha - Relator )
(Helena Lamas)
(Cruz Bucho)