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NULIDADE DO CONTRATO
RESTITUIÇÃO
PRINCÍPIO DE PEDIDO
Sumário
I - A declaração de nulidade do contrato implica também a declaração dos seus efeitos, mantendo-se dentro do âmbito dos poderes cognitivos do tribunal a declaração da restituição do prestado. II - A consagração do princípio do pedido não pode paralisar a declaração de restituição do prestado, por efeito do disposto no artigo 289º, n.º 1, do Código Civil. III - A anulação da decisão da 1ª Instância deve ser decretada se do processo não constarem todos os elementos relevantes, podendo resultar de uma situação que exija a ampliação da matéria de facto.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório
V... – CONSTRUÇÃO E REABILITAÇÃO, LDA, com sede na Urbanização ..., ..., ..., ..., veio interpor ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra N..., LDA, com sede em Rua ..., ..., ..., pedindo que se condene a Ré a pagar à Autora a quantia de €117.915,43, acrescida de juros de mora, à taxa comercial, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alega, para tanto e em síntese, que Autora e Ré celebraram entre si um acordo de parceria, mediante o qual estabeleceram que os direitos de remuneração e as obrigações e responsabilidades de cada uma delas na empreitada que aceitaram executar na A..., titulada pela Autora, seriam divididos entre ambas na proporção de metade para cada uma delas.
Que a Autora, por imposições legais, e de funcionamento das empresas estrangeiras na A..., coordenaria e representaria a parceria, mantendo organizado um dossier específico sobre a mesma, e prestando e exigindo contas da mesma à Ré.
Mais alega que, todavia, logo que se inteirou que a parceria lhe traria prejuízos, ou que estes excederiam os rendimentos gerados pela mesma, a Ré recusou participar em tais despesas, alegando que não existe contrato assinado entre ambas, Autora e Ré.
Alega ainda que sempre teria a Ré que indemnizar a Autora a título de responsabilidade civil extracontratual ou ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.
Regularmente citada, veio a Ré contestar invocando a exceção de prescrição e alegando que não foi celebrado entre si e a Autora qualquer acordo de parceria, nos termos descritos na petição inicial.
Alega ainda que apenas emprestou à Autora a quantia de €13.402,75, porque mantinha relações cordiais com a mesma e esta alegou dificuldades financeiras.
A título subsidiário, veio suscitar a nulidade do invocado contrato de consórcio.
A Ré deduziu reconvenção, pedindo a restituição da quantia mutuada de €13.402,75.
A Autora replicou pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
Teve lugar a realização da audiência prévia e foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a exceção de prescrição deduzida pela Ré, foi proferido despacho a identificar o objeto do processo e a enunciar os temas da prova.
Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo exposto, decide-se: - julgar a presente ação totalmente improcedente, por não provada; - julgar a reconvenção procedente, por provada e condenar a A. a restituir à R. a quantia de 13.402,75 € (treze mil quatrocentos e dois euros e setenta e cinco cêntimos). Custas pela A. Registe e notifique.”
Inconformada, apelou da sentença a Autora, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1. A douta sentença recorrida ofende clamorosamente as exigências éticas de conduta que devem presidir ao Direito e traduz-se numa injustificada desproporção entre o beneficio decorrente do putativo direito que é reconhecido e a desvantagem decorrente do correspondente dever para a contraparte, aqui Recorrente.
2. A douta sentença recorrida é nula, por excesso de pronuncia, na parte em que condena a Recorrente/Reconvinda a restituir à Recorrida/Reconvinte a quantia de € 13.402,75, porquanto a causa de pedir de tal valor reclamado pela Recorrida assenta num alegado mútuo que não foi demonstrado e/ou, subsidiariamente em enriquecimento sem causa, que também o tribunal não atendeu (da mesma forma que não atendeu para a Autora/Recorrente).
3. Mas, neste último caso, sempre seria nula por contradição dos fundamentos de enriquecimento sem causa que conduziram à absolvição da Recorrida e à condenação da Recorrente.
4. A matéria de facto do ponto 9 dos factos provados deveria antes ter sido declarada não provada: “A diferença apurada entre a quantia recebida e os pagamentos comprovados é de 34.923,55 € (trinta e quatro mil, novecentos e vinte e três euros e cinquenta e cinco cêntimos), não se encontrando incluído neste valor o montante faturado à Ré.”
5. Em sua substituição deveria antes ter sido declarado provado que o saldo credor da Autora, relativo à diferença apurada entre a quantia recebida e os pagamentos comprovados, excetuando o pagamento da coima aos serviços da ..., é de 40.392,63, não se encontrando incluído neste valor o montante faturado à Ré.
6. Tal matéria deveria assim ter sido declarada não provada e provada, respetivamente, por se achar em contradição com os factos provados sob os pontos 5 e 6.
7. Mas também a reapreciação do depoimento da testemunha AA, prestado na audiência de julgamento de 03/10/2022, permite concluir que o saldo credor da Autora, e que a Ré não contestou, e que conduziu ao montante da fatura remetida pela Autora à Ré, é de € 40.392,63, pois que esclareceu que o relatório pericial não contabilizou como custo as retenções realizadas pela Autora no vencimento dos trabalhadores, relativas à Segurança Social e IRS, e que apesar de contabilisticamente não representarem um custo, são efetivamente um prejuízo que a Autora sofreu e que deve entrar em linha de conta para o apuramento dos saldos.
8. Também a matéria do ponto IX dos factos não provados deveria antes ter sido declarada não provada.
9. Tal resulta quer da matéria declarada provada, quer do confronto da mesma com a contestação oferecida pela Ré e com o depoimento do seu gerente, BB.
10. Decorre do teor de tal depoimento do gerente da Ré que o mesmo falta deliberadamente à verdade, procurando defender a versão que trouxe aos autos e que é absolutamente contrariada pelos documentos carreados ao processo.
11. E decorre ainda dos documentos de fls. 274, 341, 343, 353, 356, 360, 361, 369, 389, 419 e 422, juntos com a Réplica, e documento n.º...0 junto com a P.I., com os quais foi confrontado.
DO DIREITO
12. Foram violados, na sua interpretação e aplicação, os artigos 21º a 31º do Decreto-Lei nº 231/81, de 28/07, porquanto subsumidos os factos ao direito, tal contrato deveria antes ter sido qualificado de contrato de associação em participação, ao invés de contrato de consórcio e que, por isso, não está sujeito a forma especial.
Sem prescindir,
13. Foi ainda violado na sua interpretação e aplicação o disposto aos artigos 1.º a 20.º do Dec.Lei 231/81 de 28/07 e artigo 293.º do C.C. porquanto ainda que se considerasse ter sido celebrado um contrato de consórcio, sempre deveria operar-se a conversão do mesmo, realizando-se a revaloração jurídica do comportamento negocial das partes, em vista de lhe assegurar a produção de efeitos sucedâneos possíveis, e harmonizando-se com a vontade hipotética ou conjetural das partes, convertendo-o num negócio de associação em participação ou numa sociedade de facto irregular.
Sem prescindir,
14. Ainda que se considerasse estarmos perante um contrato de consórcio, e, por isso, nulo, daí não pode retirar-se a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido.
15. A obrigação de restituição de tudo o que tiver sido prestado, como efeito retroativo da nulidade, nos termos do artigo 289º, nº. 1, do Código Civil, não pode abranger o mencionado pagamento, enquanto efeito do contrato nulo valorado como contrato de facto, e também não pode isentar a Ré do pagamento do remanescente saldo credor da Autora e à restituição da metade das prestações que a Autora realizou no cumprimento do desiderato comum, as quais, não sendo evidentemente viáveis em espécie, haverá a Autora de considerar-se sub-rogada no valor correspondente à metade dos valores por si despendidos.
Sem prescindir,
16. Foi ainda violado na sua interpretação e aplicação o disposto ao artigo 334.º do C.C., pois que a negação do direito da Autora e o reconhecimento do putativo direito da Ré constitui uma clamorosa violação dos mais elementares princípios da boa fé e da justiça, o que acarreta a ilegitimidade do direito a arguir a nulidade de tal contrato por falta de forma.
Sem prescindir,
17. Foi ainda violado, na sua interpretação e aplicação, o disposto ao artigo 473 do C.C., sendo certo que este pode traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas, o que ocorreu no caso vertente com a Ré, em virtude do acordo entre ambas celebrado.
Sem prescindir,
18. Foi violado, na sua interpretação e aplicação, o disposto ao artigo 237 do C.C., porquanto se o efeito da nulidade do negócio é o de restituir tudo o que tiver sido prestado, tal não deve acontecer, quando a outra parte, por impossibilidade da restituição, fica numa situação de benefício, devendo alcançar-se uma solução juridica que alcance o equilibrio das prestações das partes, em face do cumprimento do acordo que ambas entre si estabeleceram.
Sem prescindir,
19. Foi violado, na sua interpretação e aplicação, o disposto ao artigo 562.º do C.P.C. , pois que a defesa e a postura e depoimento do legal representante da Ré em audiência de julgamento representam um comportamento processual doloso e uma conduta nitidamente reprovável e de má-fé, que poderia e deveria ter sido sancionada pelo Tribunal.
20. Foram ainda violados na sua interpretação e aplicação os artigos 798, 762 e 483, todos do C.C. já que apesar de a responmsabilidade da Ré assentar no contrato que celebrou com a Autora, caso este venha a ser declarado nulo nada obsta a que haja concurso ou seja declarada a responsabilidade extracontratual da Ré.
21. O princípio geral da responsabilidade obrigacional, enunciado no art. 798º, do CC, como na responsabilidade extracontratual (art. 483º), supõe um ilícito (o incumprimento de obrigação), a culpa, um dano e uma relação causal entre aquele e este, sendo que naquele regime há uma presunção geral de culpa do devedor (nº1, do art. 799º) e neste, em regra, tem de ser provada pelo credor da indemnização (nº1, do art. 487º) (tal como os restantes pressupostos –nº1, do art. 342º, do CC), o que sucedeu e ficou demonstrado nos autos.
22. E o comportamento da Ré é gravemente violador do principio da boa-fé no cumprimento das obrigações, sendo que se não adviesse a sua responsabilidade contratual, por eventual nulidade do contrato, sempre adviria do seu comportamento a violação dos deveres de boa fé, geradores de responsabilidade pré-contratual e pós-contratual.”
Pugna a Autora pela integral procedência do recurso e pela revogação da sentença recorrida, e substituir-se a mesma por outra que condene a Ré a pagar à Autora a quantia de €117.915,43, acrescida de juros à taxa legal em vigor, e que absolva a Autora/Reconvinda do pedido formulado pela Reconvinte.
A Ré veio apresentar contra-alegações ao recurso do Réu pugnando pela integral improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
O tribunal a quo pronunciou-se sobre as nulidades invocadas pela Recorrente nos seguintes termos: “A Recorrente refere que a sentença recorrida é nula, por excesso de pronuncia, na parte em que condena a Recorrente/Reconvinda a restituir à Recorrida/Reconvinte a quantia de € 13.402,75, porquanto a causa de pedir de tal valor reclamado pela Recorrida assenta num alegado mútuo que não foi demonstrado e/ou, subsidiariamente em enriquecimento sem causa, que também o tribunal não atendeu. O Tribunal entende que a sentença não padece da nulidade invocada. Consta da sentença o seguinte segmento: “Relativamente à reconvenção, não resultou provado que a R. tenha feito qualquer empréstimo à A., tendo sido apurado que a quantia foi entregue à A. no âmbito do contrato celebrado entre elas. Contudo, a declaração de nulidade do negócio jurídico tem efeito retroativo (ex tunc), devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (artigo 289º nº 1 do Código Civil). Assim, a Ré tem direito à devolução por parte da A. da quantia reclamada.” O Tribunal entendeu que a quantia peticionada a título reconvencional deveria ser restituída à Ré, embora com outro fundamento jurídico distinto do invocado pela mesma – como resultado do efeito retroativo da nulidade do negócio jurídico”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:
1 – Saber se a sentença é nula nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615º do CPC;
2 – Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto;
3 – Saber da qualificação do contrato celebrado entre as partes: um contrato de consórcio ou de associação em participação;
4 – Saber se deve proceder-se à conversão do negócio jurídico;
5 - Saber se o contrato de consórcio é nulo e quais as consequências da declaração de nulidade;
6 - Saber se existe abuso de direito na invocação da nulidade;
7 – Saber se existe enriquecimento sem causa;
8 – Saber se existe desequilíbrio das prestações;
9 – Saber se a Ré deve ser condenada como litigante de má-fé.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância (transcrição):
1) Autora e Ré dedicam-se à atividade de construção civil. 2) No exercício da atividade de ambas, executaram uma obra, na A..., para um cliente com a denominação J.... 3) Para o efeito, estabeleceram Autora e Ré o seguinte acordo de cooperação interempresarial:
A) Cada uma de Autora e Ré forneceriam os trabalhadores e equipamentos de que dispusessem, suportando os respetivos custos de deslocação e alojamento;
B) Cada uma de Autora e Ré contribuiriam com o seu conhecimento de construção civil para orientar, organizar e executar a referida obra;
C) Cada uma de Autora e Ré receberia, na proporção de metade (50%), os rendimentos de tal obra, e seriam ainda suportados por ambas, em idêntica proporção de metade, as despesas e custos relacionados com a execução de tal obra;
D) A obra seria assumida, encabeçada e faturada pela Autora, pois apenas esta estava autorizada a trabalhar como subempreiteira na A..., em virtude dos condicionalismos legais daquele País, onde tinha sede fiscal. 4) A execução da obra foi interrompida, em 17 de novembro de 2014, por acordo de ambas, Autora e Ré, em virtude de dificuldades de recebimento dos valores devidos pela empreitada, da parte da adjudicante, empresa J... e da inspeção feita à obra. 5) A cliente, empresa J..., liquidou à Autora, para pagamento da empreitada, a quantia total de € 167.628,00 (cento e sessenta e sete mil, seiscentos e vinte e oito euros). 6) A Autora suportou um custo de obra no montante de 293.302,86 € (duzentos e noventa e três mil trezentos e dois euros e oitenta e seis cêntimos). 7) A Autora pagou remunerações, deslocações, alojamento, refeições, combustível, estacionamento, anúncios de jornais e outros num total de 202.551,55 € (duzentos e dois mil quinhentos e cinquenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos). 8)A Ré contribuiu para os custos da obra com a quantia de € 13.402,75 (treze mil quatrocentos e dois euros e setenta e cinco cêntimos). 9) A diferença apurada entre a quantia recebida e os pagamentos comprovados é de 34.923,55 € (trinta e quatro mil, novecentos e vinte e três euros e cinquenta e cinco cêntimos), não se encontrando incluído neste valor o montante faturado à Ré. 10) A Autora emitiu a fatura nº...15, com data de emissão de 31/12/2014, no valor de € 40.392,63 (quarenta mil, trezentos e noventa e dois euros e sessenta e três cêntimos). 11) E dirigiu a fatura à Ré, através de carta registada com aviso de receção, com data de 31 de dezembro de 2014, mas colocada no correio em 12 de janeiro de 2015. 12) A Ré, através de carta com data de 16 de janeiro de 2015, procedeu à devolução de tal fatura à Autora, invocando que “não possui qualquer contrato com a V... – Construção e Reabilitação, Lda.”. 13) Os serviços do ... (inspeção de segurança social da A...) fiscalizaram a obra que estava a ser executada por Autora e Ré em ..., na A... e, em virtude de irregularidades na retribuição, instauraram contraordenação contra a Autora, que era a titular do contrato e a trabalhar naquele País, e multaram-na na quantia de € 58.484,32 (cinquenta e oito mil, quatrocentos e oitenta e quatro euros e trinta e dois cêntimos). 14) A fiscalização teve a ver com pagamentos aos trabalhadores por valores inferiores aos legais na A.... 15) O processo teve início em 03/11/2014. 16) A V..., em 05/06/2015, na pessoa do seu sócio principal, foi notificada para tomar posição sobre os factos. 17) A Autora solicitou à Ré colaboração para organizar a defesa àquela contraordenação, através de carta registada com aviso de receção, de 16 de fevereiro de 2017. 18) A Ré não colaborou com a Autora na organização da defesa. 19) Em consequência de tal multa, a Autora veio a ser executada no seu património pelos serviços do Ministério Público do Juízo Local Criminal ..., Juíz ..., no âmbito do processo n.º360/19...., no montante de € 58.484,32 (cinquenta e oito mil, quatrocentos e oitenta e quatro euros e trinta e dois cêntimos).A A. celebrou acordo de pagamento, mediante a constituição de hipoteca sobre um imóvel e já procedeu ao pagamento de tal dívida.
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:
I. Os custos com a referida empreitada ascenderam ao montante total de € 275.211,00 (duzentos e setenta e cinco mil, duzentos e onze euros), correspondentes à execução de tal obra, em pagamento de remunerações, deslocações, alojamento, refeições, combustível, estacionamento, anúncios de jornais, e outros.
II. A Autora contribuiu para os custos da obra com a quantia de € 94.188,01.
III. Em virtude do acordo que ambas haviam estabelecido, de repartição em metade das despesas e custos com tal parceria de construção civil, a Ré deve à Autora a metade correspondente à diferença dos custos, assumidos em excesso pela Autora, ou seja, deve à Autora a metade de € 80.785,26 (€ 94.188,01 - € 13.402,75), e, por isso, deve à Autora a quantia de € 40.392,63.
IV. Trabalhadores angariados e contratados pela Ré para participarem na execução da empreitada em parceria, e na A..., reclamaram junto dos serviços da Segurança Social alemã competentes que não estavam a ser remunerados pela Ré, nem pelo valor mínimo estabelecido naquele País.
V. A quantia de 13.402,75 € foi entregue pela Ré à A. a título de empréstimo.
VI. Tal empréstimo foi-lhe solicitado pela Autora, por esta ter transmitido à Ré que estava com dificuldades financeiras e que, por esse facto, não conseguia pagar os salários aos seus trabalhadores.
VII. Sendo certo que a Autora se comprometeu a devolver a quantia em causa à Ré assim que recebesse da sociedade J... os valores que esta alegadamente lhe devia.
VIII. A Ré esteve sempre convicta que iria reaver o dinheiro emprestado, nomeadamente quando a Autora interpusesse ação na A... para cobrar à J... os valores que lhe seriam devidos.
IX. A Ré arquitetou uma história para impedir a descoberta da verdade e entorpecer a ação da justiça.
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3.2. Da nulidade da sentença
O artigo 615º do CPC, prevendo de forma taxativa as causas de nulidade da sentença, dispõe no n.º 1 que: “1- É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
As causas de nulidade elencadas neste preceito não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, sendo coisas distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes, a nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo-se este numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
De facto, as decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respetiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respetiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido artigo 615º.
Não deve, por isso, confundir-se o erro de julgamento, e muito menos o inconformismo quanto ao teor da decisão, com os vícios que determinam as nulidades em causa.
Como se afirma no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/2021 (Processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, Relatora Conselheira Leonor Cruz Rodrigues, disponível em www.dgsi.pt) “I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma”.
Segundo sustenta a Recorrente estão em causa as nulidades previstas nas alíneas d) e e) do referido preceito.
Vejamos então se lhe assiste razão.
No que se refere à alínea d), prende-se a nulidade aí prevista com a omissão de pronúncia (quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar) ou com o excesso de pronúncia (quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento).
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há-de assim resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do CPC do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Mas, a resolução das questões suscitadas pelas partes não pode confundir-se com os factos alegados, os argumentos suscitados ou as considerações tecidas, e nem tão pouco com meios de prova, não se confundindo, com o designado erro de julgamento.
Quanto à nulidade prevista na alínea e), isto é, quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, relaciona-se com o previsto no artigo 609º n.º 1 do CPC onde se estabelece que: “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.
O tribunal, por regra, não só não pode conhecer senão das questões que lhe tenham sido colocadas pelas partes, como também não pode decidir ultrapassando os limites do pedido que foi formulado, sob pena da decisão ficar afetada de nulidade.
A nulidade da decisão quando o Tribunal condene em objeto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, Relator Conselheiro Oliveira Abreu, disponível em www.dgsi.pt).
O limite ao conhecimento do tribunal decorre da proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (cfr. artigo 660º, n.º 2, 2ª parte), e da impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (cfr. artigo 661º, n.º 1); a violação desse limite determinará a nulidade da sentença por excesso de pronúncia ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado.
É incontornável que de acordo com o previsto no artigo 609º n.º 1 do CPC a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pedir) não podendo o juiz condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (v. António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código se Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 728).
A decisão que ultrapassar o pedido formulado, passando a abranger matéria distinta, está ferida da nulidade prevista na referida alínea e). In casu, se bem interpretamos a alegação da Recorrente, esta entende que o tribunal a quo conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento ao condenar a Recorrente no pagamento à Ré da quantia de €13.402,75 sem que esta tenha logrado demonstrar a existência do contrato de mútuo, e sem que tenha peticionado a restituição de tal quantia como decorrência da nulidade do contrato de consórcio, pelo que, consequentemente, terá condenado em objeto diverso do pedido.
Vejamos.
É inequívoco que o pedido do autor, conformando o objeto do processo, irá condicionar a decisão de mérito: o juiz não pode, na sentença, extravasar os pedidos formulados pelas partes, encontrando-se limitado por eles; a sentença terá de manter-se dentro dos limites definidos pela pretensão do autor ou da reconvenção, se deduzida pelo réu, não podendo o juiz transpor os limites do pedido, quer no que respeita à quantidade, quer quanto ao seu próprio objeto.
Se o fizer a sentença ficará efetivamente ferida de nulidade.
O princípio do dispositivo encontra no artigo 3º do CPC a sua consagração mais inequívoca e manifesta-se, para além do mais, na consagração do ónus de iniciativa processual e na conformação do objeto do processo, que ocorre por via da enunciação do pedido, delimitando este objetivamente o âmbito decisório do tribunal (cfr. o citado artigo 609º n.º 1).
Ou seja, através do pedido as partes “circunscrevem o thema decidendum, isto é, indicam a providência requerida, não tendo o juiz que cuidar de saber se perante a real situação conviria, ou não, providência diversa. Trata-se de uma esfera em que domina o princípio do dispositivo, o qual, em termos paralelos, também vigora em sede da sustentação fáctica da pretensão. Em ambos os casos prevalece a estratégia assumida pelo autor, sem que nela se deva imiscuir o juiz. Consequentemente, a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pedir), não podendo o juiz condenar (ou fazer a apreciação que corresponder ao tipo de ação em causa) em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir” (v. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Filipe Pires de Sousa, ob. cit., p. 728).
Contudo, como salientam estes Autores (ob. cit. p. 728 a 730), a prática judiciária revelou situações cuja resolução implicou alguma atenuação da rigidez desta regra tendo-se admitido, designadamente, a reconfiguração jurídica do específico efeito peticionado pelo autor considerando-se ser lícito ao tribunal atribuir ao autor, por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter, tendo-se em atenção que essa será por vezes, a única forma de resolver o litígio de forma definitiva.
Tem vindo a ser entendido que a interpretação do pedido não deve cingir-se aos estritos dizeres da formulação do petitório, devendo antes ser conjugada com o sentido e alcance resultantes dos fundamentos da pretensão.
De facto, vem sendo defendida a necessidade de interpretar o princípio do dispositivo em moldes mais flexíveis que permita, sem violação dos limites expressos no artigo 609º, solucionar de forma definitiva o litígio entre as partes, quando o decidido se contenha ainda assim no âmbito da pretensão formulada; ou seja, que permita ainda retirar do processo o seu efeito útil.
Neste sentido afirma-se no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/10/2018 (Processo n.º 588/12.3TBPVL.G2.S1, Relatora Conselheira ROSA TCHING, disponível em www.dgsi.pt) que “(…) IX. O nosso atual modelo de processo civil, assente no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo e no princípio da gestão processual, torna inevitável a flexibilização do princípio do pedido contido no art. 609º, nº1 do Código de Processo Civil, no sentido da necessidade de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação”.
Perfilhamos também o entendimento que o atual modelo de processo civil, que assenta no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo e no princípio da gestão processual consagrado no artigo 6º do Código de Processo Civil (introduzido pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), “atribui ao juiz o poder de exercer influência sobre o processo, quer a nível do procedimento propriamente dito, quer ao nível do «coração» do processo, ou seja, do pedido, da causa de pedir e das provas” (v. Miguel Mesquita, “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC”, RLJ, ano 143, p. 145) e torna inevitável a flexibilização do princípio do pedido no sentido de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação.
No caso dos autos, o tribunal a quo decidiu julgar a presente ação totalmente improcedente, por não provada e a reconvenção procedente, por provada e condenar a Autora a restituir à Ré a quantia de €13.402,75.
A Ré veio invocar nos presentes autos um contrato de mútuo celebrado com a Autora, no referido montante (a título subsidiário, suscitou a nulidade do contrato de consórcio) peticionando em reconvenção a restituição da quantia mutuada de €13.402,75.
Relativamente à reconvenção e à restituição da referida quantia, o tribunal a quo pronunciou-se considerando que “(…) não resultou provado que a R. tenha feito qualquer empréstimo à A., tendo sido apurado que a quantia foi entregue à A. no âmbito do contrato celebrado entre elas. Contudo, a declaração de nulidade do negócio jurídico tem efeito retroativo (ex tunc), devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (artigo 289º nº 1 do Código Civil). Assim, a Ré tem direito à devolução por parte da A. da quantia reclamada”.
A Recorrente entende que o tribunal a quo não podia conhecer da questão da restituição da quantia de €13.402,75, uma vez que a Ré não logrou demonstrar a existência do contrato de mútuo, e nem condenar a Autora na sua restituição sem que a Ré o tenha peticionado como decorrência da nulidade do contrato de consórcio e, ao fazê-lo, terá conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento e terá condenado em objeto diverso do pedido.
Mas, a nulidade do contrato de consórcio, aliás, expressamente invocada pela Ré (a titulo subsidiário) sempre seria de conhecimento oficioso, em conformidade com o preceituado no artigo 286º do Código Civil.
Assim, ainda que não tivesse sido arguida pela Ré, sempre o tribunal poderia declará-la, devendo, em qualquer circunstância, pronunciar-se sobre a restituição do prestado (cfr. artigo 289º, n.º 1 do Código Civil) pois a declaração da nulidade implica também a declaração dos seus efeitos.
Neste sentido se pronuncia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/02/2021 (Processo n.º 6837/17.4T8LRS.L1.S1, Relator Conselheiro Olindo Geraldes, disponível em www.dgsi.pt) , em cujo sumário podemos ler que “(…) II. A declaração de nulidade do contrato implica também a declaração dos seus efeitos, mantendo-se dentro do âmbito dos poderes cognitivos do tribunal a declaração da restituição do sinal prestado. III. A consagração do princípio do pedido não pode paralisar a declaração de restituição do prestado, por efeito do disposto no artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil (…)”.
Por isso, entendemos que, não só o tribunal a quo se manteve dentro do âmbito dos seus poderes cognitivos, em conformidade com o preceituado no n.º 2 do artigo 608º do CPC, não incorrendo em excesso de pronúncia ao declarar a restituição do sinal prestado por força da declaração de nulidade, como a sentença recorrida não constitui uma violação ao disposto no n.º 1 do artigo 609º do CPC.
Estamos perante uma exceção, decorrente da aplicação das normas substantivas dos artigos 286º e 289º, n.º 1, ambos do Código Civil, pelo que apesar de vigorar o princípio do pedido, este não pode paralisar ou anular a norma de carater substantivo do artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil.
Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/02/2013 (citado no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/02/2021) “sendo de conhecimento oficioso (a nulidade), o tribunal não pode deixar de a declarar, bem como as respetivas consequências, a obrigação de restituição de tudo o que é prestado (art. 289.º, n.º 1, do CC)”, e cuja “condenação” de “cada uma das partes a restituir à contraparte as prestações recebidas (…) não viola o princípio do pedido”.
De referir ainda o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de março de 1995 (v. BMJ n.º 445, p. 67), segundo a qual “quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade e se na ação tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil”. In casu, a Ré formulou pedido reconvencional peticionando a restituição da quantia com fundamento no contrato de mútuo que invocou ou, subsidiariamente, no enriquecimento sem causa.
Mas, como já referimos, deve admitir-se a reconfiguração jurídica do específico efeito peticionado e considerar-se ser lícito ao tribunal atribuir o bem jurídico pretendido, ainda que por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida.
Acresce ainda que, estando em causa a nulidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, a qual é de conhecimento oficioso, o tribunal deve não só declará-la como pronunciar-se sobre a restituição do prestado, pois a declaração da nulidade implica também a declaração dos seus efeitos.
Entendemos, por isso, que o tribunal a quo também não ultrapassou os limites da condenação, não padecendo a sentença recorrida da nulidade da alínea e) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.
Salientamos, contudo, tratar-se de questão distinta, e que nada tem a ver com a invocada nulidade da sentença, saber se, estando em causa um contrato de consórcio nulo por falta de forma (veja-se que a Recorrente também coloca em causa a qualificação jurídica do contrato), a declaração de nulidade teria como efeito a restituição da quantia de €13.402,758 entregue pela Ré para os custos da obra (v. a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/06/2022, Processo n.º 1854/17.7T8PVZ.P1.S1, Relator Manuel Capelo, onde se considera que “(…) tendo as partes efetuado prestações com fundamento no contrato nulo ou posto em execução uma relação obrigacional duradoura, deve o contrato nulo ser valorado, no tocante à ulterior composição das relações entre os contraentes, como «relação contratual de facto», suscetível de enquadrar os efeitos em causa, encarados agora não como efeitos jurídico-negociais de contrato inválido, mas na dimensão de efeitos (ex lege) do ato na realidade praticado. O que significa que no domínio das relações obrigacionais tudo se passará quanto a esses aspetos considerados, como se a nulidade do negócio jurídico genético operasse ex nunc os seus efeitos”).
Assim, em face do exposto, julgamos ser de concluir que o tribunal a quo não conheceu de questão de que não podia conhecer e nem extravasou os limites do pedido, não ocorrendo a nulidade da sentença invocada pela Recorrente, improcedendo desde já e nesta parte o recurso.
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3.3. Da modificabilidade da decisão de facto
O recurso interposto pela Autora visa a reapreciação da decisão de facto.
Decorre do n.º 1 do artigo 662º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do CPC, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto. In casu, mostram-se cumpridos pela Recorrente os ónus impostos pelo artigo 640º n.º 1 do CPC.
De facto, manifesta a Recorrente a sua discordância quanto à valoração da prova e à convicção formada pelo tribunal a quo, indicando os meios probatórios que em seu entender impunham decisão diversa e contrapondo a sua própria convicção e, relativamente ao ponto 9) dos factos provados, sustentando ainda estar em contradição com a matéria de facto julgada provada nos pontos 6) e 7) [embora nas alegações conste os pontos 5) e 6) é manifesta a existência de lapso de escrita em face do conteúdo das mesmas].
O ponto 9) dos factos provados tem a seguinte redação: “9) A diferença apurada entre a quantia recebida e os pagamentos comprovados é de 34.923,55 € (trinta e quatro mil, novecentos e vinte e três euros e cinquenta e cinco cêntimos), não se encontrando incluído neste valor o montante faturado à Ré”.
A este propósito consta da motivação da sentença recorrida que “(…) [O] Tribunal consigna que os factos enunciados em 1), 10), 11) e 12) resultam do acordo entre as partes. Já os factos enunciados em 5), 6), 7), 8) e 9) resultam da perícia realizada nos autos. A restante factualidade dada como provada resultou da conjugação de toda a prova produzida sendo que, relativamente a alguns factos, os documentos juntos aos autos foram determinantes (nomeadamente, quanto aos factos 13), 14), 15), 16), 17), 19) e 20)) (…)”.
Sustenta a Recorrente que esta matéria se encontra em contradição com a matéria de facto julgada provada nos pontos 6) e 7), e ainda que do depoimento da testemunha AA decorre que o saldo dos valores apurados pela Autora como estando em divida pela Ré, que divergem do relatório pericial, assentam numa diferente interpretação dos conceitos de despesas e lucros, não tendo o perito contabilizado a despesa realizada pela Autora relativa à retenção de 11% para a Segurança Social e ainda retenções de IRS que a Autora faz nos vencimentos dos trabalhadores e que entrega ao Estado; decorrendo ainda do depoimento da referida testemunha que o saldo apurado pela Autora foi encontrado pós a prestação de contas que a Ré não contestou e que conduziu ao montante da fatura remetida pela Autora à Ré.
Entende que a matéria do ponto 9) deve ser julgada não provada e, em sua substituição, deve ser declarado provado que o saldo credor da Autora, relativo à diferença apurada entre a quantia recebida e os pagamentos comprovados, excetuando o pagamento da coima aos serviços da ..., é de €40.392,63, não se encontrando incluído neste valor o montante faturado à Ré.
Vejamos se lhe assiste razão.
Dispõe o artigo 607º n.º 5 do CPC que a prova é apreciada livremente; prevê este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respetivamente para a prova pericial, para a prova por inspeção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º).
Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384) “segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas”.
A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Atualizada, p. 435 a 436). Está por isso em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
Na verdade, a questão que se coloca relativamente à prova, quer na 1.ª Instância quer na Relação, é sempre a da valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação, pois que, em ambos os casos, vigoram para o julgador as mesmas normas e os mesmos princípios.
Conforme reconhece a Recorrente a matéria de facto em causa resulta das conclusões do relatório pericial e dos esclarecimentos prestados pelo Perito.
O tribunal a quo deu efetivamente prevalência, no que toca ao valor do custo de obra, à prova pericial, baseando-se nos valores que constam do relatório pericial; está em causa uma perícia à contabilidade de Autora e Ré e que, por isso, tem pressuposto um conhecimento técnico.
Estabelece o artigo 388º do Código Civil que “a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam” e “traduz-se na perceção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser direta e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos específicos ou técnicos especiais, (…); ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 262/263).
A prova pericial mostra-se, pois, necessária sempre que o julgador não se encontre habilitado a, por si só, percecionar factos, ou a apreciá-los, por demandarem conhecimentos especiais que não possui.
E se é certo que a “força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal” (artigo 389º do Código Civil), de onde se conclui que a prova pericial não é insindicável pelo julgador, a verdade é que o juiz terá sempre, em nosso entender, se pretender afastar-se das conclusões da perícia, de o fazer justificadamente, rebatendo de forma fundamentada os argumentos expostos na perícia.
E haverá ainda lugar a distinguir se se trata de perícia apenas para constatação de factos que podem eventualmente ser confirmados e/ou afastados por outros elementos de prova, ou de perícia destinada a exprimir um juízo técnico ou científico, o qual, pela sua própria natureza, só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza.
Conforme já escrevemos anteriormente, em acórdãos que relatamos, parece-nos que se deverá reconhecer à prova pericial um significado probatório diferente do de outros meios de prova (maxime, da prova testemunhal) quando está em causa um juízo técnico ou científico; é que, conforme resulta do referido artigo 388º do Código Civil, a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam. In casu, a divergência da Recorrente prende-se essencialmente com o que considera ser uma diferente interpretação dos conceitos de despesas e lucros pois considera, ao contrário do entendimento do Perito, que deve ser contabilizada despesa realizada pela Autora relativa à retenção de 11% para a Segurança Social e ainda retenções de IRS que a Autora faz nos vencimentos dos trabalhadores e que entrega ao Estado.
Considera ainda existir contradição com a matéria de facto julgada provada nos pontos 6) e 7).
Vejamos.
No ponto 6) consta que a Autora suportou um custo de obra no montante de €293.302,86 e no ponto 7) que a Autora pagou remunerações, deslocações, alojamento, refeições, combustível, estacionamento, anúncios de jornais e outros num total de €202.551,55.
A diferença referida no ponto 9) teve por base o valor recebido pela Autora da empresa J... e o valor constante do ponto 7) dos factos provados (€202.551,55-€167.628,00=€34.923,55), e não o valor constante do ponto 6), onde consta que a Autora suportou um custo de obra de €293.302,86.
Analisado o relatório pericial verificamos que o mesmo assenta em três premissas distintas: o valor contabilizado, o custo de obra e o valor comprovadamente pago; o primeiro corresponde ao valor dos custos contabilizados pela Autora no total de €294.417,93, o segundo ao valor do custo real efetivamente incorrido com a realização da obra, no montante de €293.312,88 e o último aos pagamentos comprovados, isto é ao valor que desta importância a Autora comprovou ter realizado pagamentos, ou seja, o montante de €202.551,55.
Assim, ao julgar provado que a Autora suportou um custo de obra no montante de €293.302,86 e que pagou remunerações, deslocações, alojamento, refeições, combustível, estacionamento, anúncios de jornais e outros num total de €202.551,55, o tribunal a quo considerou, os valores indicados no relatório pericial relativamente ao custo efetivo da obra e aos pagamentos que a Autora comprovou.
Não obstante considerarmos, de forma a tornar mais percetível a distinção que subjaz aos valores em causa e em sintonia com a prova pericial, que seria mais esclarecedor se na redação do ponto 7) constasse a menção a que “do montante do custo de obra referido no ponto 6), a Autora comprovou a realização de pagamentos de…”, a verdade é que não pode afirmar-se a existência de contradição entre a matéria provada nos pontos 6) e 7) e no ponto 9), sendo que neste consta expressamente que se trata da “diferença apurada entre a quantia recebida e os pagamentos comprovados”.
Contudo, salientamos desde já, é inequívoca a interligação existente entre os referidos pontos 7) e 9) pois o valor neste indicado tem por base o valor dos pagamentos comprovados indicado no ponto 7): o apuramento do valor da diferença (entre a quantia recebida pela Autora e os pagamentos comprovados) que a Autora coloca em causa considerando que é de valor superior tem pressuposto que o valor indicado no ponto 7) será também de valor superior.
Importa então determinar se podemos falar na existência de uma diferente interpretação dos conceitos de despesas e lucros, e se ao contrário do entendimento do Perito deve ser contabilizada despesa realizada pela Autora relativa à retenção de 11% para a Segurança Social e ainda retenções de IRS que a Autora faz nos vencimentos dos trabalhadores e que entrega ao Estado, conforme pretende a Recorrente.
De facto, do relatório pericial e dos esclarecimentos prestados pelo Perito resulta que a Autora procedeu a retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento (de ora em diante IRS) no montante global de €26.558,15 e que reteve do vencimento dos trabalhadores, e entregou ao Instituto da Segurança Social, em conformidade com a lei, €6.258,42.
Em ambas as situações entendeu o Perito que não estavam em causa despesas financeiras da sociedade Autora, considerando que “as retenções na fonte constituem valores incidentes sobre os rendimentos do trabalho dos colaboradores de uma entidade, colocados à disposição dos trabalhadores para serem entregues ao estado por conta do IRS desses mesmos trabalhadores” e que os 11% de valores retidos e entregues ao Instituto da Segurança Social respeitam a “quotizações descontadas dos vencimentos dos trabalhadores para serem entregues” àquele Instituto, não se encontrando ambos os valores incluídos de forma autónoma no Mapa 1, anexo ao relatório pericial, para efeitos de custo de obra.
Em sede de audiência, esclareceu ainda o Perito que para efeito de apuramento do valor global do custo de obra considerou relativamente ao vencimento dos trabalhadores o seu valor ilíquido e neste encontra-se já incluído o valor das retenções para efeito de IRS e dos 11% para entrega ao Instituto da Segurança Social, pelo que se fosse ainda considerar os valores pretendidos pela Autora, retidos para efeitos de IRS e Segurança Social, que não constituem em termos contabilísticos despesas financeiras, estaria a duplicar valores para determinar o valor global do custo de obra.
Se atentarmos no referido Mapa 1 e respetivos quadros, designadamente (e a título meramente exemplificativo) no Mapa 1.1 referente ao funcionário CC (abril de 2014) consta como “Valor base” €1.600,00; analisado o documento n.º ... referente ao Mapa 1 (fls. 366) e correspondente ao recibo de vencimento deste trabalhador datado de 30/04/2014 verificamos ainda que dele consta o referido valor base, a que acresce subsidio de alimentação, subsidio de férias e de Natal, e os descontos efetuados para IRS e Segurança Social, num total de €601,69, tendo o trabalhador recebido apenas o valor de €1.321,37.
Tal como esclareceu o Perito, os valores do custo com pessoal considerados para apurar o valor global do custo de obra foram valores ilíquidos, os quais englobam já os valores ora pretendidos contabilizar pela Recorrente.
Considerar que deve ser contabilizada no apuramento do custo de obra, de forma autónoma, a despesa (valores) relativa à retenção de 11% para a Segurança Social e ainda as retenções de IRS, que a Autora faz nos vencimentos dos trabalhadores, significaria efetivamente duplicar valores, tal como esclareceu o Perito em audiência, pois que no apuramento do custo de obra (no montante global de €293.302,86) já atendeu ao valor das remunerações ilíquidas.
Não está em causa, por isso, no que respeita ao apuramento do custo de obra, uma diferente interpretação dos conceitos de despesas e lucros, mas antes a não duplicação de valores para obter o valor global do custo de obra.
Aliás, são também neste sentido as declarações da testemunha AA, contabilista da Autora, que afirma que o custo que é considerado para a empresa é o vencimento bruto e que esse foi o custo que foi feito.
Esta testemunha não questiona o valor considerado para efeitos de apuramento do valor global do custo de obra, pois relativamente a este foram considerados os vencimentos ilíquidos; o que, aliás, nos parece absolutamente linear, não podendo somar-se como despesa autónoma os valores retidos nesses vencimentos a titulo de IRS e de Segurança Social sob pena de duplicação.
A questão que esta testemunha suscita, e que se suscita também no presente recurso, é que para efeito de pagamentos realizados pela Autora só tenha sido considerado pelo Perito o vencimento líquido, entendendo que relativamente aos pagamentos realizados pela Autora tem que ser considerado o vencimento líquido mais aquilo que reteve, desse vencimento, a titulo de IRS e os 11% para a Segurança Social e que pagou, não tendo ficado com esse valor.
Na verdade, conforme referimos, o Perito distinguiu entre o valor do custo real com a realização da obra, no montante de €293.312,88 e os pagamentos comprovados, isto é o valor dos pagamentos que dessa importância a Autora comprovou ter realizado, ou seja, o montante que indicou ser de €202.551,55, existindo, dessa forma uma diferença de €90.751,31.
E, analisando os Mapas juntos ao relatório pericial, parece resultar dos mesmos que os valores retidos pela Autora nos vencimentos dos funcionários a titulo de IRS e de Segurança Social, não foram tidos em consideração no apuamento do valor global dos pagamentos comprovados, não entrando no valor indicado de €202.551,55.
A titulo exemplificativo mencionamos novamente o vencimento do funcionário CC (abril de 2014) onde consta como “Custo de obra” o valor de €3.552,73, e como valor “Pago” o de €2.951,04, correspondendo a diferença, no montante de €601,69, ao valor dos descontos efetuados para IRS e Segurança Social, conforme se constata do respetivo recibo de vencimento junto a fls. 366. E quanto ao vencimento de junho de 2014 (Mapa1.3, a fls. 361) consta como “Custo de obra” o valor de €2.489,05 e como valor “Pago” o de €1.885,52, correspondendo a diferença, no montante de €603,53, ao valor dos descontos efetuados para IRS e Segurança Social, conforme se constata do respetivo recibo de vencimento junto a fls. 471.
Parece, pois, ser de concluir, tal como referiu a testemunha AA que para efeito de pagamentos realizados pela Autora só foram considerados pelo Perito os vencimentos líquidos, e já não os valores que a Autora reteve, desses vencimentos, a titulo de IRS e de Segurança Social, que segundo a testemunha a Autora pagou, não tendo ficado com esse valor.
Importa, por isso, esclarecer se efetivamente a Autora pagou integralmente esses valores. É que, numa primeira leitura, e tendo em consideração as premissas seguidas pelo Perito, poderíamos ser levados a supor que não foram considerados pagamentos comprovados por não se mostrar documentada a entrega desses valores retidos.
Contudo, dos esclarecimentos prestados consta que as quotizações descontadas para serem entregues ao Instituto de Segurança Social IP se encontram pagas e que as quantias retidas foram entregues ao Estado (Português e Alemão), referindo o Perito que não estão em causa despesas financeiras da Autora por não serem contabilizadas numa rubrica de gastos.
Mas, na verdade, não considerando serem despesas financeiras da Autora, tais valores foram considerados na perícia no apuramento global do custo de obra de €293.312,88, apenas não o sendo no apuramento do valor que “desta importância de €293.312,88, a Autora comprovou a realização de pagamentos no valor de €202.551,55” (v. o relatório pericial quanto à resposta ao quesito 6).
Analisados os esclarecimentos já prestados pelo Perito, designadamente em audiência, não se vislumbra qual o fundamento concreto para justificar que os valores, por si considerados no apuramento global do custo de obra suportado pela Autora, não tenham sido considerados como comprovadamente pagos pela Autora, com a entrega dos valores ao Estado e Segurança Social.
Assim, tendo sido impugnada pela Recorrente a matéria de facto e pedida a reapreciação por este Tribunal do julgamento da matéria de facto realizado pelo Tribunal de 1ª Instância, bem como a alteração da decisão jurídica da causa, verificamos não conterem os autos todos os necessários elementos a tal reapreciação por este Tribunal.
Tendo sido determinada a realização de prova pericial, mostra-se essencial perceber quais os fundamentos, subjacentes ao juízo técnico pericial, que afastam do apuramento do valor global dos pagamentos comprovadamente realizados pela Autora, as retenções nos vencimentos dos funcionários, não obstante terem sido considerados no apuramento do custo de obra.
Importa, por isso, determinar que o Perito proceda a tais esclarecimentos, informando ainda qual o valor global dos pagamentos comprovados pela Autora caso se entenda ser de considerar o valor das referidas retenções.
Conforme resulta do disposto no artigo 662º a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa, devendo ponderar e valorar a prova produzida no processo de modo a formar a sua própria convicção.
Ora, analisada a prova produzida nos autos, com particular destaque para a prova pericial e esclarecimentos do perito, a mesma não é de molde a permitir fixar neste momento qual o valor global dos pagamentos que, do custo de obra no montante de €293.312,88, se mostram comprovadamente realizados pela Autora.
Nesta conformidade, importa anular a decisão proferida em 1ª Instância, nos termos do artigo 662° n.º 1 e n.º 2 alínea c) do Código de Processo Civil, e determinar a repetição parcial do julgamento quanto à matéria de facto constante dos pontos 7) e 9) para que seja apurado, por referência ao valor do custo de obra no montante de €293.302,86, qual o valor global dos pagamentos comprovadamente realizados pela Autora, determinando que o Perito esclareça qual o fundamento para que, sendo considerados no apuramento global do custo de obra, os valores retidos nos vencimentos dos funcionários não sejam considerados como comprovadamente pagos pela Autora, desde que se encontre comprovada a entrega dos valores ao Estado (Português e Alemão) e Segurança Social, e informe ainda qual o valor global dos pagamentos comprovados pela Autora, caso se entenda ser de considerar o valor das referidas retenções que tenham sido efetivamente entregues, bem como a realização de outras diligências de prova que em face dos esclarecimentos prestados que se revelem necessárias, sem prejuizo da apreciação de outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições (n.º 3 alínea c) do referido artigo 662º).
Mostra-se assim, por ora, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, em:
a) Não julgar nula a sentença recorrida nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil;
b) Anular a sentença recorrida e determinar a repetição parcial do julgamento quanto à matéria constante dos pontos 7) e 9) dos factos provados para que seja apurado, por referência ao valor do custo de obra no montante de €293.302,86, qual o valor global dos pagamentos realizados pela Autora que se mostram comprovados, determinando que o Senhor Perito esclareça qual o fundamento para que, sendo considerados no apuramento global do custo de obra, os valores retidos nos vencimentos dos funcionários não sejam considerados como comprovadamente pagos pela Autora, desde que se encontre comprovada a efetiva entrega dos valores ao Estado (Português e Alemão) e Segurança Social, e informe qual o valor global dos pagamentos comprovados pela Autora caso se entenda ser de considerar o valor das referidas retenções (que tenham sido efetivamente entregues), bem como a realização de outras diligências de prova que em face dos esclarecimentos prestados se revelem necessárias, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições (n.º 3 alínea c) do referido artigo 662º).
Custas pela parte vencida a final.
Guimarães, 01 de junho de 2023 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária
Raquel Baptista Tavares (Relatora) Afonso Cabral de Andrade (1ª Adjunta) Alcides Rodrigues (2º Adjunto)