RECURSO DE REVISÃO
CITAÇÃO EDITAL
RESIDÊNCIA
ACTUALIZAÇÃO
Sumário

- o recurso de revisão alicerçado na alínea e) do artigo 696.º do CPC constitui um expediente destinado a assegurar a não privação do exercício do contraditório caso tenham ocorrido irregularidades na realização do ato destinado a dar conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele a ação e de que lhe assiste o direito a se defender, em ordem a garantir o direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva;
- há lugar à citação edital quando o citando se encontre ausente em parte incerta e o domicílio não seja apurado feitas as diligências a que alude o artigo 236.º do CPC;
- a morada é o endereço postal físico, livremente indicado pelo cidadão, correspondente ao local de residência habitual, sendo certo que, para comunicação com os serviços do Estado e da Administração Pública, o cidadão tem-se por domiciliado, para todos os efeitos legais, naquele local – cfr. artigo 13.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro;
- a inobservância do dever de atualização do domicílio junto dos serviços do Estado coloca o sujeito na contingência de, eventualmente, não ser localizado para efeito de citações judiciais;
- o facto de o edital para citação, no momento em que é submetido a assinatura do Juiz, não contemplar o preenchimento do campo destinado a assinalar a data de afixação na porta da casa da última residência que o citando teve no País não constitui irregularidade no procedimento.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

I – As Partes e o Litígio

Recorrentes / Réus: AA e BB
Recorrida / Autora: (…) – Mediação Imobiliária, Lda.

Temos em mãos o recurso de revisão instaurado por apenso ao processo em que:
- a A se apresentou a peticionar a condenação dos RR a pagar-lhe a quantia de € 19.372,50 acrescida de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento a título de comissão devida pela celebração de negócio imobiliário, conforme previsto em acordo firmado em Adenda a Acordo Comercial entre Agências;
- os RR foram citados editalmente, não tendo apresentado contestação;
- o Ministério Público contestou, impugnando a factualidade inserta na petição inicial;
- foi proferida sentença julgando a ação totalmente improcedente;
- interposto recurso, a 13/07/2022 foi proferido acórdão, por este Tribunal, julgando procedente a ação, condenando os RR a pagar à A a quantia de € 19.372,50 (dezanove mil trezentos e setenta e dois euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a citação (a 12/10/2021) até integral pagamento.

II – O Objeto do Recurso
Os Recorrentes sustentam que o processo correu termos à sua revelia, pois até 14/11/2022 desconheciam a existência dele. Peticionam que seja declarada a nulidade de todo o processado após a petição inicial, atenta a falta de citação ou, caso assim não se entenda, que se julgue verificada a nulidade da citação, atento ao facto de, na sua realização, não terem sido observadas as formalidades prescritas na lei, conforme artigo 191.º do CPC e, em qualquer dos casos, revogar-se o douto Acórdão recorrido e ordenando-se a citação dos RR/Recorrentes, para contestar. Concluíram a alegação do recurso nos seguintes termos:
«a) O douto Acórdão, objeto do presente recurso extraordinário de revisão, transitou em julgado em 30.09.2022.
b) Os Recorrentes apenas tomaram conhecimento da existência do presente processo, em 14-11-2022, quando foram informados pela Direção do Agrupamento de ..., sito em ..., n.º ... – ... ..., agrupamento onde lecionam, de que iria ser efetuada penhora dos seus respetivos vencimentos.
c) Os presentes autos correram, totalmente, à revelia dos RR/Recorrentes.
d) Tendo-se verificado a falta absoluta da sua intervenção, por si ou por meio de representante, no processo em que foi proferida a douta decisão a rever.
e) Os RR/Recorrentes desconheciam, até 14-11-2022, a existência do processo n.º 359/20...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Competência Genérica ... e bem assim do douto Acórdão aqui em causa e sua respetiva execução para pagamento de quantia certa, dado nunca terem sido citados para contestar, os aludidos autos.
f) Os RR/Recorrentes desconheciam, por completo, toda e qualquer tramitação relativa ao aludido processo que culminou com a prolação do Acórdão, objeto do presente recurso, que constituí título executivo que serviu de base à execução, que se encontra em curso.
g) Efetivamente, as cartas para citação dos RR/Recorrentes, datadas de 25/11/2020, foram devolvidas com indicação “mudou-se”.
h) Na sequência disso foi, pela A/Recorrida, requerida citação edital.
i) Sobre tal requerimento recaiu o douto despacho que, além do mais, ordenou que se procedesse “às pesquisas em todas as bases de dados disponíveis a que alude o artigo 236.º do Código Processo Civil”.
j) De facto, foram efetuadas pesquisas nas bases de dados da Segurança Social, Autoridade Tributária e Aduaneira e Serviços de Identificação Civil.
k) Relativamente ao Réu marido e no que tange ao teor da informação prestada pela Segurança Social, constante nos presentes autos, este tinha como entidade empregadora o Agrupamento Vertical da ..., com morada em Horta ..., ..., ... ..., porém, tal domicílio profissional foi ignorado para efeitos de citação do Réu/Recorrente.
l) Por outro lado, a petição inicial vem instruída com diversos e-mails trocados entre A. e o R. marido e, tais missivas, foram também ignoradas, para efeitos de apurar o paradeiro dos RR/Recorrentes.
m) Não se averiguou junto do Instituto de Mobilidade e dos Transportes Terrestres, das Autoridades Policiais, da Câmara Municipal ..., das Telecomunicações e EDP, com vista a apurar do paradeiro dos RR/Recorrentes.
n) Se tivesse ocorrido averiguação junto da NOS, Comunicações, S.A., EDP Comercial e ..., Empresa Municipal do Ambiente, E.M., ter-se-ia alcançado, a morada dos RR/Recorrentes, pois o R. marido mantinha contratos em vigor com tais entidades.
o) Por outro lado, não foi tentada a citação por via eletrónica, nem por contato pessoal do agente de execução ou de funcionário judicial, com os citandos, como dispõe os artigos 225.º, n.º 2, alíneas a) e c) e 231.º, ambos do CPC.
p) Atentas as razões supra alegadas, resulta evidente que outras diligências poderiam e deveriam ter sido levadas a cabo, com o objetivo de apurar do paradeiro dos RR/Recorrentes.
q) Tudo isto vem para concluir que, tendo-se procedido à citação edital, sem que tivesses sido levadas a cabo as diligências que o alegados nas alíneas k) e o) (inclusive) impunha, com o objetivo de apurar o paradeiro dos RR/Recorrentes, o uso da citação edital foi indevido e precipitado, por não terem sido previamente ordenadas todas as diligências previstas no artigo 236.º, n.º 1 e, particularmente, no artigo 231.º, ambos do CPC.
r) Assim, verifica-se, nos presentes autos falta de citação, nos termos do disposto no artigo 188.º, alínea c), do CPC, dado o fato de se ter utilizado indevidamente a citação edital.
s) O que conduz à nulidade de todo o processado depois da petição inicial, conforme dispõe o artigo 187.º, alínea a), do CPC.
t) Nulidade essa que pode ser conhecida oficiosamente e arguida em qualquer estado do processo, enquanto não se considerar sanada, conforme artigos 189.º e 198.º, n.º 2, ambos do CPC.
u) Nulidade que aqui, expressamente, se invoca.
v) Sem prescindir do que se vem alegando, sempre se dirá que no teor do edital afixado nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 240.º do CPC, não consta a data em que o mesmo foi afixado, permanecendo por preencher, no canto superior direito do respetivo edital, o espaço reservado à colocação de tal data.
w) Ora, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 241.º do CPC, o edital deverá especificar a data da respetiva afixação.
x) O que, in casu, não ocorre.
y) Assim, não foram observadas todas as formalidades previstas na lei, no que tange à realização da citação edital, em causa nestes autos.
z) O que acarreta a nulidade da citação, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 191.º do CPC.
aa) Nulidade que se invoca, de forma expressa.
bb) Assim, deverá revogar-se o douto Acórdão proferido e consequentemente anular-se todo o processado posterior à petição inicial e ordenar-se a citação dos RR/Recorrentes para, querendo, contestar, sob pena de violação do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, que detém consagração constitucional, no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
cc) Não tendo os RR/Recorrentes tido oportunidade de usar a faculdade processual de apresentar a sua contestação, por não terem sido citados para o efeito, deverá considera-se que não lhes foi efetivamente assegurado o seu direito à tutela jurisdicional efetiva.
dd) A não se entender assim, a interpretação dos artigos 187.º, alínea a), 188.º, alínea c), 189.º, 198.º, n.º 2, 225.º, n.º 2, alíneas a) e c), 226.º, n.º 1, 231.º, 236.º, n.º 1, 240.º, n.º 2, 241.º, alínea d) e 191.º, n.º 1, todos do CPC sempre será inconstitucional por violação do artigo 20.º da CRP, mormente dos seus números 1 e 4.
ee) Inconstitucionalidade que, desde já, se invoca expressamente.»
Notificada a parte contrária para responder, esta não se pronunciou.

Cumpre apreciar se existe fundamento para revisão do acórdão transitado em julgado proferido nos autos principais, nos termos da alínea e) do artigo 696.º do CPC.

III – Fundamentos
A – Os factos
1 – A ação declarativa de condenação foi intentada contra os RR indicando-se como sendo residentes na Rua ..., n.º 16, ... ....
2 – Morada que é atribuída ao R. marido no Acordo Comercial entre Agências junto com a p.i..
3 – Morada que é atribuída aos RR na escritura de compra e venda outorgada a 29/04/2020, junta com a p.i..
4 – As cartas para citação dos RR foram expedidas, a 25/11/2020, para a Rua ..., n.º 16.
5 – Foram devolvidas a 03/12/2020 com a indicação «mudou-se».
6 – Notificada a A. da devolução das cartas, esta apresentou-se a requerer a citação edital, não lhe sendo possível determinar a atual morada dos RR.
7 – Foi proferido despacho indeferindo a citação edital, por prematura, determinando-se pesquisas em todas as bases de dados disponíveis a que alude o artigo 236.º do Código de Processo Civil e que, apurando-se nova morada, se proceda à citação por via postal com A/R; caso não se apure nova morada, terá lugar a citação edital nos termos do artigo 240.º e seguintes, do Código de Processo Civil e, caso não seja deduzida contestação, a citação do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º do mesmo diploma legal.
8 – A 01/06/2021, feita a pesquisa na base de dados da Segurança Social, a morada indicada ao Réu era na Rua ..., n.º 16, ... ...; a entidade patronal era o Agrupamento Vertical da ..., sito na Horta ..., ..., ... ..., sendo agosto de 2020 o mês indicado como sendo o da última remuneração.
9 - A 01/06/2021, feita a pesquisa na base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, a morada indicada ao Réu era na Rua ..., n.º 16.
10 - A 01/06/2021, feita a pesquisa na base de dados dos serviços de identificação civil, a morada indicada ao Réu era na Rua ..., n.º 16, ... ....
11 - A 01/06/2021, feita a pesquisa na base de dados da Segurança Social, a morada indicada à Ré era na Rua ..., n.º 16, ... ....
12 - A 01/06/2021, feita a pesquisa na base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, a morada indicada à Ré era na Rua ..., n.º 16, ...
13 - A 01/06/2021, feita a pesquisa na base de dados dos serviços de identificação civil, a morada indicada à Ré era na Rua ..., n.º 16, ... ....
14 – A 01/06/2021, foi lavrado edital para citação dos RR, assinado pela Juiz de Direito a 02/06/2021, estando por preencher o campo destinado a assinalar a data de afixação do edital pelo oficial de justiça.
15 - A 01/06/2021, foi lavrado anúncio para publicação respeitante à citação dos RR, assinado pela Juiz de Direito a 02/06/2021.
16 – Para a Unidade do Serviço Externo de ... foi expedido mandado para a fixação de edital.
17 – A Unidade do Serviço Externo de ... procedeu, a 07/06/2021, ao registo de afixação do edital.
18 – Teve lugar a citação do Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 21.º do CPC, que se apresentou a contestar.

B – O Direito
O direito fundamental de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP, a interpretar de acordo com o artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, implica, designadamente, a consagração de um direito de defesa efetivo e a imposição de um processo equitativo, dirigido a uma tutela efetiva. Outros dois princípios constitucionais, a saber, o princípio da tutela da confiança (artigo 2.º da CRP) e o princípio da proporcionalidade (artigos 18.º, n.º 2, 19.º, n.º 4, 30.º, n.º 5 e 266.º, n.º 2, da CRP), consagram “a proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas”[1] e, bem assim, a ponderação na aplicação de preclusões processuais, atendendo-se à dimensão dos prejuízos materiais que do seu excesso podem resultar e à gravidade de que esse excesso se reveste no âmbito da duração e da economia do processo.[2]
Donde, «repugna ao nosso sistema jurídico-processual o prosseguimento de processos sem que o demandado seja efetivamente citado para se poder defender.»[3] Não obstante, a citação edital por impossibilidade de localização do demandado «constitui um expediente processual imprescindível para assegurar a regularidade formal e possibilitar o avanço do processo para a fase subsequente. Ainda que o sistema desconfie da sua eficácia e, por isso, a restrinja a certos casos, limite os seus efeitos ou lhe fixe precauções, esta forma de citação constitui o mecanismo processual que, fazendo a quadratura do círculo de interesses que no processo se conjugam, permite compatibilizar o direito de ação com o princípio do contraditório.
O risco de decisões injustas, porque inseridas em processos onde o réu se não defenda eficazmente, é atenuado por diversas vias»[4], designadamente pelo regime da falta de citação e da nulidade da citação e, caso haja sentença transitada em julgado, pelo recurso de revisão.
O recurso de revisão constitui, assim, um expediente destinado a assegurar a não privação do exercício do contraditório caso tenham ocorrido irregularidades na realização do ato destinado a dar conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele a ação e de que lhe assiste o direito a se defender.
Nos termos do disposto no artigo 696.º, alínea e), ponto i), a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando, tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita.
Decorrendo dos autos que o processo correu termos à revelia dos RR (os RR não apresentaram contestação, não constituíram mandatário nem intervieram, de qualquer forma, no processo – cfr. artigo 566.º do CPC), cumpre apreciar se se verifica a falta de citação ou se a citação edital feita é nula.
Nos termos do disposto no artigo 188.º, n.º 1, alínea c), do CPC, há falta de citação quando se tenha empregado indevidamente a citação edital.
A nulidade da citação, por sua vez, ocorre quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei, conforme consta do artigo 191.º, n.º 1, do CPC.
Os Recorrentes sustentam ter sido realizada indevidamente a citação edital porquanto não foram feitas as diligências prévias devidas para apurar a sua morada, foi ignorado o domicílio profissional do Recorrente e não foi tentada a citação por via eletrónica e por contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial.
Ora vejamos.
As modalidades da citação encontram-se previstas no artigo 225.º do CPC nos seguintes termos:
1 - A citação de pessoas singulares é pessoal ou edital.
2 - A citação pessoal é feita mediante:
a) Via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º;
b) Entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo;
c) Contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial com o citando.
3 - É ainda admitida a citação promovida por mandatário judicial, nos termos dos artigos 237.º e 238.º.
4 - Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento.
5 - Pode ainda efetuar-se a citação na pessoa do mandatário constituído pelo citando, com poderes especiais para a receber, mediante procuração passada há menos de quatro anos.
6 - A citação edital tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta, nos termos dos artigos 236.º e 240.º ou, quando sejam incertas as pessoas a citar, ao abrigo do artigo 243.º.
A citação por via eletrónica é efetuada nos termos da Portaria a que alude o artigo 132.º, n.º 2, do CPC, sendo certo que, atualmente, apenas está regulamentada relativamente à Fazenda Pública, ao Instituto da Segurança Social, I. P. e ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. no âmbito do processo executivo – cfr. artigo 1.º, alínea c), da Portaria n.º 331-A/09, de 30/03. Logo, não era pertinente a citação dos RR por transmissão eletrónica de dados.
Foram encetadas diligências para citação dos RR por via postal, mediante remessa de carta registada com a/r, com destino à morada indicada na petição inicial. Ao que se procedeu em conformidade com o disposto no artigo 225.º, n.º 1, do CPC.
O expediente foi devolvido ao tribunal com a menção “mudou-se”.
Dado existir a informação de que os RR não residiam no local indicado, não tem cabimento a realização de diligências para citação mediante contacto pessoal do agente de execução ou de funcionário judicial com o citando. Seria inútil destacar agente de execução ou funcionário judicial para se deslocar à morada indicada como sendo a residência dos RR quando existe informação de que houve mudança do domicílio.
Como se frustrou a citação por via postal por se desconhecer o domicílio do RR, o procedimento a adotar é o enunciado no artigo 236.º, n.º 1, do CPC: a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais.
A atualização do domicílio constitui uma obrigação dos cidadãos perante os serviços do Estado. Assim:
Nos termos do artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro (versão atualizada), a morada é o endereço postal físico, livremente indicado pelo cidadão, correspondente ao local de residência habitual. Segue o n.º 2 estatuindo que para comunicação com os serviços do Estado e da Administração Pública, nomeadamente com os serviços de registo e de identificação civil, os serviços fiscais, os serviços de saúde e os serviços de segurança social, o cidadão tem -se por domiciliado, para todos os efeitos legais, no local referido no número anterior, podendo ainda aderir às comunicações eletrónicas referidas no n.º 4, sem prejuízo de poder designar outros endereços, físicos ou eletrónicos, para fins profissionais ou convencionais, nos termos previstos na lei.
Em caso de mudança do local de residência habitual, determina o artigo 13.º, n.º 3, da citada Lei que o titular do cartão de cidadão deve comunicar novo endereço postal e promover, junto dos serviços de receção, a atualização da morada no cartão de cidadão, podendo autorizar, expressamente, que este dado seja transmitido a outras entidades públicas que dele careçam. Certo é que o não cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 13.º no prazo de 30 dias a contar da data em que ocorreu a alteração de morada constitui contraordenação punível com coima de € 50,00 a € 100,00 – artigo 43.º, n.º 3, da citada Lei.
Por outro lado, é obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sendo ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária; sempre que se altere o estatuto de residência de um sujeito passivo, este deve comunicar, no prazo de 60 dias, tal alteração à administração tributária – artigo 19.º, n.ºs 3, 4 e 5, da Lei Geral Tributária.
A alteração do domicílio nos serviços da Autoridade Tributária ou de identificação civil atualiza automaticamente a residência nos serviços um do outro a ainda junto da Segurança Social, Serviço Nacional de Saúde, Recenseamento Eleitoral e Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres – cfr. Plataforma de Integração, AMA (Agência para a Modernização Administrativa), IAP (Interoperabilidade na Administração Pública), plataforma que disponibiliza, designadamente, serviços de autenticação do cidadão, possibilidade de autorização online do cidadão para consulta de dados, comunicação segura entre Sistemas de Informação de serviços do Estado.
Nestes termos, o incumprimento do dever de atualizar o domicílio, para além de poder implicar a aplicação de sanções pecuniárias, coloca o sujeito na contingência de, eventualmente, não ser localizado para efeito de citações judiciais.
Conforme se colhe do processo, essas diligências foram feitas junto das bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social e da Autoridade Tributária e Aduaneira. Em todas elas, a informação disponível indicava que a morada dos RR era aquela que constava da p.i., a morada onde se tinha frustrado a citação por via postal com motivo de mudança de residência.
É certo que não consta ter sido realizada pesquisa junto da base de dados do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres. Os RR, no entanto, não invocam que a morada tivesse sido atualizada em tais serviços. Tal omissão afigura-se irrelevante até porque se a alteração tivesse sido feita nestes serviços repercutir-se-ia nas bases de dados dos demais serviços. Atenta a informação nestes obtida, é seguro depreender que a morada dos RR que constava no IMTT, caso fossem sujeitos ali inscritos, era aquela que constava nas demais bases de dados consultadas.
Por outro lado, a falta de indagação da morada dos RR junto da Câmara Municipal ..., de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações ou de energia elétrica não consubstancia inobservância de formalidades legais, já que não existe comando legal que imponha sejam auscultadas, em concreto, tais entidades. O que se verifica quanto à falta de mobilização das autoridades policiais, não se perspetivando como poderiam estas aceder à morada dos RR quando das bases de dados dos serviços do Estado consta a morada inserta na p.i..
As comunicações eletrónicas juntas com a p.i. contêm endereço eletrónico do R. Delas não se alcança, contudo, o domicílio dos RR nem a falta de comunicação eletrónica com o citando para apurar o respetivo domicílio constitui omissão de formalidade legalmente prescrita.
Relativamente ao domicílio profissional do R mencionado nos serviços da segurança social, cumpre referir que, tendo sido efetuada a pesquisa em 01/06/2021, a informação era no sentido de que a última remuneração recebida junto da referida entidade datava de agosto de 2020. Por conseguinte, não tinha cabimento a citação do Réu junto do referido domicílio.
Termos em que se conclui inexistir fundamento para afirmar que há falta de citação por indevidamente utilizada a citação edital.

Mais invocam os Recorrentes existir nulidade por não ter sido aposta a data de afixação do edital, no campo destinado a assinalar tal dado.
As formalidades da citação edital por incerteza do lugar encontram-se prescritas no artigo 240.º do CPC nos seguintes termos:
1 - A citação edital determinada pela incerteza do lugar em que o citando se encontra é feita por afixação de edital, seguida da publicação de anúncio em página informática de acesso público, em termos a regulamentar por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
2 - O edital é afixado na porta da casa da última residência ou sede que o citando teve no País.
O conteúdo do edital e do anúncio é conformado nos termos insertos no artigo 241.º:
1 - O edital especifica:
a) A ação para que o ausente é citado, o autor e, em substância, o pedido deste;
b) O tribunal em que o processo corre;
c) O prazo para a defesa, a dilação e a cominação, explicando que o prazo para a defesa só começa a correr depois de finda a dilação e que esta se conta da data de publicação do anúncio;
d) A data da respetiva afixação.
2 - O anúncio reproduz o teor do edital e menciona o local da respetiva afixação.
O edital que consta dos autos foi lavrado a 01/06/2021 e assinado eletronicamente pela Juiz de Direito a 02/06/2021, estando por preencher o campo destinado a assinalar a data de afixação do edital pelo oficial de justiça.
Nem de outro modo poderia ser. O edital não pode ser afixado sem ser assinado pelo Juiz. Quer no momento em que o edital é feito quer no momento em que é disponibilizado ao Juiz para ser assinado desconhece-se, claro está, a data em que irá ser afixado na porta da casa da última residência que o citando teve no País. Logo, o edital que consta dos autos não pode contemplar o preenchimento do campo destinado a assinalar a data da respetiva afixação.
Tendo sido expedido para a Unidade do Serviço Externo de ... mandado para afixação do edital, e procedendo esta, a 07/06/2021, ao registo de afixação do edital, resulta afastada a inobservância do regime inserto no artigo 241.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

Termos em que conclui ser desprovido de fundamento o presente recurso de revisão.

As custas recaem sobre os Recorrentes – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela improcedência do recurso de revisão.
Custas pelos Recorrentes.
Évora, 11 de maio de 2023
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
(assinatura digital)
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite
(assinatura digital)
_________________________________________________
[1] Ac. TC n.º 556/03 (Gil Galvão).
[2] Cfr. Lebre de Freitas, Novos Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, págs. 31 e 32.
[3] Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, Vol. I, 1998, pág. 34.
[4] Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 34 e 35.