OBJECTO DA PROVA
FACTOS RELEVANTES
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
PRINCÍPIO DA LIMITAÇÃO DOS ACTOS
CONTRATO-PROMESSA
NULIDADE DO CONTRATO
RESTITUIÇÃO DO SINAL
MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
Sumário


I – Os factos necessitados de prova a que alude a parte final do artigo 410.º do CPC que rege sobre o objeto da instrução, não são todos os alegados pelas partes, mas apenas os relevantes no quadro do litígio, tal qual foi conformado pelo pedido, pela causa de pedir e pelas exceções invocadas.
II – O princípio da utilidade a que estão submetidos todos os atos processuais, consagrado no artigo 130.º do CPC, sob a epígrafe “princípio da limitação dos atos”, de acordo com o qual “não é lícito realizar no processo atos inúteis”, aplica-se à reapreciação da prova produzida, pelo Tribunal da Relação, a qual não deve efetuar-se quando, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se evidencie que desse conhecimento não resultará qualquer modificação na decisão de mérito a proferir.
III – O contrato-promessa por via do qual os outorgantes se obrigaram a contratar a compra e venda de moradia inacabada, nas condições em que se encontrava, ou seja, sem a licença de habitabilidade, foi celebrado contra disposição legal de caráter imperativo (artigo 1.º, e artigo 2.º, n.º 5, do DL n.º 281/99), sendo nulo, por força do preceituado no artigo 294.º do CC, que a mera vontade das partes não pode postergar.
IV – A nulidade do contrato-promessa implica a restituição do que foi prestado, no caso, o valor do sinal, não havendo lugar à restituição ou à perda do sinal a favor de qualquer um dos outorgantes, uma vez que a aplicação do disposto no artigo 442.º, n.º 2, do CC, pressupõe a validade do contrato.
V – Pese embora a Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, cortando com o regime pretérito, não contenha norma que regule o regime da responsabilidade civil da empresa de mediação imobiliária, esta pode ser responsável perante o terceiro que pretendia contratar com o seu cliente, verificados que estejam os requisitos da responsabilidade civil extracontratual previstos no artigo 483.º do CC.
VI – Tendo a ré promitente-vendedora a obrigação de restituição fundada na nulidade do contrato-promessa, e a ré mediadora a obrigação de reparar o mesmo dano, por via de responsabilidade civil extracontratual, em face do disposto nos artigos 497.º, n.º 1, e 512.º, n.º 2, do CC, pode existir solidariedade entre os devedores dessa obrigação de restituir.
VII – Porém, em face do disposto no artigo 570.º, n.º 1, tendo o comportamento negligente dos autores contribuído para a celebração do contrato-promessa nos termos referidos, deve ser excluída a possibilidade de condenação solidária da mediadora com a promitente vendedora, se o prejuízo sofrido pelos autores, corresponde ao valor da quantia entregue a título sinal, a cuja restituição a primeira ré foi condenada, estando em causa apenas o reforço da garantia de pagamento à custa do património diverso.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Processo n.º 1996/19.4T8FAR.E2
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]

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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. AA e BB intentaram a presente ação, com forma de processo comum, contra CC e Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda., pedindo o pagamento da quantia global de 52.999,20€, acrescida de juros de mora desde a citação, correspondendo 46.500,00€ ao valor da devolução do sinal em dobro, 499,20€ a custos de empréstimo bancário, e 6.000,00€ a indemnização por danos não patrimoniais.
Em fundamento da sua pretensão, invocaram, em síntese, que celebraram, na qualidade de promitentes compradores, com a 1ª Ré, na qualidade de promitente vendedora, intervindo a 2ª Ré na qualidade de mediadora imobiliária, um contrato promessa de compra e venda de um imóvel constituído por um edifício em construção, com a área de 198,40m2, e um terreno com a área de 3078m2, tendo efetuado o pagamento do sinal, no valor de 23.250,00€, não tendo a 1ª Ré cumprido o contrato, dado que não foi possível outorgar a escritura de compra e venda por falta de licença de utilização, não se encontrando a obra de acordo com o projeto aprovado e licenciado, e não sendo garantida possibilidade de reposição da sua legalidade urbanística.
Mais aduziram terem dado o prazo de 8 dias para regularização da situação, sob pena de resolução do contrato promessa, por perda de interesse no negócio, tendo remetido carta que não foi levantada pela 1ª Ré, tendo já perdido o interesse na prestação, pelo que resolveram o contrato em causa.

2. Regularmente citadas, as Rés contestaram, pugnando pela improcedência da ação, defendendo não estarem verificados os pressupostos para a resolução do contrato promessa em causa, alegando a 1.ª Ré que os autores é que não conseguiram cumprir o prazo estabelecido para a realização da escritura, para a qual nunca a convocaram, sendo de sua responsabilidade o incumprimento do contrato-promessa.
Mais aduziu a 2.ª Ré que não é promitente-vendedora, mas mediadora, nunca podendo ser condenada nos termos do pedido, tendo ademais fornecido ao Autor marido toda a informação de que dispunha, sendo que a escritura apenas não se realizou devido ao desentendimento entre a promitente vendedora e os promitentes compradores, e sabendo os promitentes compradores que não havia licença, pelo que, a invocação dessa falta configura abuso do direito.

3. Tendo sido requerida pela 2.ª Ré a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Tranquilidade, SA (atual Seguradoras Unidas, SA), foi a mesma admitida e, citada a chamada, apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação, e concluindo pela improcedência da ação.

4. Na audiência prévia foi requerida e deferida a retificação de lapsos de escrita existentes na petição inicial, tendo o tribunal determinado a notificação das partes para se pronunciarem, em virtude de considerar a possibilidade de proferir Saneador-Sentença, por entender, em face do teor da petição inicial, que não estavam verificados os pressupostos para a resolução do contrato-promessa.

5. Após, foi proferido despacho saneador-sentença, julgando improcedente a ação e absolvendo as Rés do pedido.

6. Inconformado, o Autor apelou, tendo o referido saneador-sentença sido anulado, para que, após a adequação processual atinente, fosse produzida prova relativamente a factos relevantes, ainda controvertidos, designadamente a matéria alegada nos artigos 72.º e ss. da petição inicial.

7. Com a concordância das partes foi dispensada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho de saneamento dos autos, identificado o objeto do litígio e enunciado como tema da prova “apurar quais as reuniões, correspondência trocada e diligências efetuadas pelos Autores antes da resolução do contrato-promessa dos autos”.

8. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, decide-se:
a) Condenar a Ré CC a pagar aos Autores AA e BB a quantia de € 23.250,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-a do demais peticionado;
b) Absolver a Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda do pedido deduzido pelos Autores AA e BB.».

9. Inconformados, o Autor e a Ré apresentaram recurso de apelação, finalizando a respetiva minuta com as conclusões que ora se transcrevem parcialmente[3]:
9.1. Do Autor:
«A. Intentou, o ora Recorrente, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra as ora Recorridas, peticionando o pagamento da quantia global de €52.999,20, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, com fundamento no incumprimento culposo, por parte das Recorridas, de contrato promessa de compra e venda celebrado, em 18 de Setembro de 2018, sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º ...42° e o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...16.° da União de Freguesias de Santiago e Santa Maria, concelho de Tavira.
B. Alega (e demonstra) o Recorrente que o referido incumprimento se deveu, para além da impossibilidade de outorga da escritura de compra e venda relativa aos referidos prédios – contrato prometido – por falta de documentação a apresentar pelas Recorridas – nomeadamente, licença de utilização – à existência de desconformidades entre o edificado existente e o projecto de construção aprovado pela edilidade.
C. Verdade, atendendo às características dos prédios em causa, para que a compra e venda pudesse realizar-se, necessária se mostrava, como bem reconhece a douta sentença de que ora se recorre, ao abrigo do disposto nos artigos 1.° e 2° do Decreto lei n.° 281/99, de 26 de Julho, a existência de licença de utilização, a ser fornecida pelas Recorridas ao Recorrente.
D. Tendo sido pré-agendada escritura de compra e venda, não se realizou a mesma por falta de apresentação da referida licença de utilização pela parte das Recorridas, não tendo a mesma sido apresentada mesmo quando, cerca de um mês depois, o Recorrente interpelou admonitoriamente a primeira Recorrida para a sua apresentação e consequente concretização do negócio prometido.
E. Porém, ainda assim, não procederam as Recorridas à entrega de documentação habilitante à realização do contrato prometido, sendo que, no caso concreto, tal documentação consistia na respectiva licença de utilização.
F. Acresce a isto que, após assinatura do contrato promessa sub judice, teve conhecimento o ora Recorrente da desconformidade existente entre o edificado num dos prédios em questão e o projecto que lhes foi apresentado como sendo o projecto aprovado pela edilidade de Tavira, o que comunicaram oportunamente às Recorridas, não tendo obtido das mesmas qualquer justificação ou resposta.
G. Apercebeu-se, também, que, para que pudesse ser obtida licença de utilização, deveria ser reposta a legalidade urbanística do prédio em causa, que incluía a probabilidade de demolição de obras realizadas em desconformidade com o referido projecto aprovado.
H. Nesta sequência e por esses motivos, dando cumprimento a todos os formalismos legalmente exigidos, comunicou o Recorrente às Recorridas a perda do interesse na realização do negócio, resolvendo o contrato promessa aqui em causa e peticionando, em consequência, a devolução do sinal em dobro e a compensação por danos não patrimoniais no montante global supra referido.
I. Em face do alegado e provado pelo Recorrente e sua esposa e contestado/confessado pelas Recorridas, só poderia o douto tribunal a quo concluir pelo incumprimento definitivo e culposo do contrato promessa de compra e venda por parte das Recorridas, condenando-as, solidariamente, tudo o peticionado.
J. Sucede que, incorrendo num verdadeiro erro, considerou nulo o contrato promessa celebrado, nos termos dos artigos 294.° e seguintes do Código Civil, condenando, em consequência, a primeira Recorrida, à restituição do valor do sinal em singelo (€23.250,00), acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado, assim como absolveu totalmente a segunda Recorrida.
K. Ora, salvo melhor entendimento e o devido respeito, entende o ora Recorrente que a sentença que ora se coloca em crise, para além de impugnável, do ponto de vista da decisão sobre a matéria de facto, enferma de um verdadeiro erro de julgamento, no que diz respeito à aplicação do direito aos factos, conforme se demonstrará infra.
SENÃO, VEJAMOS:
L. Entende o Recorrente que, em face da prova produzida nos autos, quer documental, quer testemunhal, deveria o douto tribunal a quo ter proferido decisão distinta quanto à matéria de facto. (…)
III. Em suma, tendo em consideração toda a prova produzida nos autos, mormente aquela elencada e especificada supra, deverá a decisão sobre a matéria de facto ser alterada, por existência de base probatória segura para tal, no sentido da inclusão no acervo de factos provados dos factos seguintes:
Facto Provado n.º 63 – O contrato referido em 1) foi assinado, no dia 18 de Setembro, pelo A. Marido, no escritório do advogado da primeira Ré, no dia 21 de Setembro, pela A. Mulher, na imobiliária segunda R., sem a presença de advogado que representasse/assessorasse os AA.”
Facto Provado n.º 64 - “Os AA. desconheciam que a licença de habitabilidade/utilização era documento indispensável à realização da escritura de compra e venda do prédio prometido vender”.
Facto Provado n.º 65 - “Para obtenção de licença de habitabilidade do prédio prometido vender, as obras realizadas não constantes do projecto de arquitectura aprovado, nomeadamente, ampliação da edificação a sul, deveriam ser objecto de medidas de tutela da legalidade urbanística, nomeadamente, demolição ou legalização.”
Facto Provado n.º 66 – “A reposição da legalidade urbanística do prédio urbano prometido vender implicaria custos elevados.”
Facto Provado n.º 67 – “A partir de certa altura da relação contratual, nomeadamente, a partir da solicitação, pelos AA., da documentação habilitante para realização do contrato prometido, a 1.ª R. passou a furtar-se ao recebimento das comunicações dos AA., não lhes oferecendo resposta, de forma propositada e culposa.”
JJJ. Por seu turno, deverá o elenco de factos não provados ser reduzido, por existir prova suficiente nesse sentido, excluindo-se de tal acervo o facto não provado sobre a alínea e).
KKK. Em face de tudo quanto se expendeu anteriormente, tendo em consideração todos factos dados como assentes – e aqueles que deveriam ter sido dados como assentes pelo douto tribunal de primeira instância, por suficiência de prova para tal e por serem de indesmentível importância para a boa decisão da causa, conforme demonstrado – poderá concluir-se que o douto tribunal a quo, ao decidir como decidiu, incorreu num verdadeiro erro de julgamento. (…)
MMM. Com efeito, da prova produzida nos autos – mormente, a documental – dúvidas não restam que as Recorridas, culposamente, incumpriram, de forma reiterada, com o clausulado no contrato promessa de compra e venda sub judice, tendo o Recorrente, portanto, o direito a resolver o contrato promessa por incumprimento culposo da parte daquelas primeiras e, em consequência, a receber em dobro o sinal prestado.
NNN. Da análise do processo, ressalta à saciedade que as Recorridas não procederam de boa-fé, quer na formação, quer na execução do contrato promessa de compra e venda aqui em causa, pois bem sabia que a coisa que prometeu vender não era susceptível de ser alienada, dado faltarem-lhe os documentos legais habilitantes para proceder à venda da coisa prometida vender – Cfr. Documento n.º 10 junto com a petição inicial, para o qual se remete.
OOO. É verdade que o Recorrente prometeu comprar o imóvel, no estado em que o mesmo se encontrava, mas este estado dizia respeito ao estado físico do imóvel (inacabado), que não ao seu estado legal, pois desconhecia aquele, conforme cabalmente demonstrado – nem tinha obrigação de conhecer – se o prédio estava ou não em condições legais (nomeadamente, registrais e licenças camarárias) de ser vendido.
PPP. Assim, conforme insofismavelmente provado, solicitou às Recorridas a documentação habilitante para a concretização do negócio prometido, não lhes tendo a mesma sido fornecida por aquelas, nem tendo sido entregue junto do Cartório Notarial onde a escritura esteve pré-agendada – e, sublinhe-se, só não se realizou por falta de documentação e não comparência das Recorridas – conforme resulta da análise do documento n.º 14 junto à petição inicial (certificado notarial).
QQQ. Porém, o Recorrente não perdeu, de imediato, interesse no negócio, pelo que, em 10/12/2018, notificou a primeira Recorrida, como decorre da análise do documento n.º 28 junto à petição inicial, solicitando-lhe que se fizesse uma adenda ao contrato promessa de compra e venda, prevendo a prorrogação de prazo para a concretização do negócio, com vista à resolução do problema da documentação.
RRR. Não obteve, no entanto, qualquer resposta por parte das Recorridas, pelo que não se firmou a sobredita adenda, tendo o Recorrente, após algum tempo, interpelado admonitoriamente as Recorridas, concedendo-lhes o prazo de 8 dias para fornecimento de toda a documentação necessária à realização da escritura, conforme decorre da análise do documento n.º 19 junto com a petição inicial.
SSS. Entretanto, consultou o Recorrente o processo de obras na edilidade tavirense (com a legitimidade adveniente de serem promitentes compradores) e verificou que o prometido vender não correspondia ao projecto de arquitectura licenciado e que existiam cerca de 60 m2 de obra feita não licenciada que, provavelmente, teria de ser demolida, para que a Câmara Municipal de Tavira pudesse emitir documento habilitante para a realização da escritura de alienação.
TTT. Ora, considerando que, de acordo com o contrato promessa outorgado, tal documento – como todos os outros relativos ao imóvel e necessários à realização da escritura final – tinha de ser obtido e disponibilizado pela primeira Recorrida, na qualidade de promitente vendedora, e esta não dispunha, volvido o prazo estipulado, de tal documentação, o negócio frustrou-se, não tendo sido realizada a escritura de compra e venda por falta de documentação.
UUU. Nesta sequência, comunicou o Recorrente às Recorridas a perda do interesse na manutenção do contrato promessa e a respectiva resolução, peticionando a devolução do sinal em dobro por incumprimento definitivo da parte das Recorridas, conforme decorre da análise do documento n.º 42 junto com a petição inicial.
VVV. Assim sendo, deveria, o douto tribunal a quo, salvo o devido respeito e melhor opinião, ter considerado incumprido, culposamente, o contrato promessa em causa nos autos, pelas Recorridas, condenando-as no pagamento do sinal em dobro ao Recorrente, pelos danos daí decorrentes, nos termos do disposto nos artigos 804.° e seguintes e 442.°, n.º 2, do Código Civil. (…)
GGGG. Por último, no que se refere à responsabilidade solidária da segunda Recorrida pelo pagamento do sinal em dobro, sempre se diga que também deveria ter sido reconhecida pelo douto tribunal a quo, contrariamente ao que sucedeu.
HHHH. Considerando que a mesma interveio no contrato em causa nos autos como agente imobiliária, deveria ter-lhe sido aplicada, no caso concreto, a disciplina jurídica prevista na Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro, em particular, no seu artigo 17. º, que estabelece que, entre as várias obrigações das empresas de mediação, existe a de se certificar da correspondência entre as características do imóvel objecto do contrato de mediação e aquelas fornecidas pelos clientes.
MMMM. Incorreu o douto tribunal a quo em erro de julgamento, portanto – salvo o devido respeito e melhor opinião – ao não reconhecer o direito de resolução do contrato promessa pelos Recorrentes e ao não condenar ambas as Recorridas, solidariamente, ao pagamento daquele sinal em dobro, pelo que violou o disposto nos artigos 804.° e seguintes, 808.° e 442,°, todos do Código Civil, e o artigo 17.° da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro, pela sua não aplicação ao caso concreto, como se impunha».
9.2. Da Ré:
«l. Atenta a matéria dada como provada pelo tribunal a quo e supra mencionada em sede de motivação do presente recurso,
2. Bem como o teor do CPCV, igualmente reproduzido em sede de motivação ao presente — na parte que interessa
3. E igualmente importante o douto despacho saneador já antes proferido nos autos,
4. Independentemente de ter sido entretanto anulado.
5. Sendo que, essa decisão se mostrou absolutamente ajustada à realidade e doutamente fundamentada.
6. Mesmo só se alcançando entretanto, em sede de audiência final aquando da tomada de "declarações de parte" à autora BB que, o verdadeiro motivo para a perda de interesse dos autores na concretização do negócio foi a crise conjugal, entretanto gerada entre eles. (…)
9, Esta é a decisão (verdadeiramente) de mérito deste processo.
10. Contudo e após a realização da audiência final, o tribunal a quo, veio a decidir diversamente e tendo por base uma outra e nova questão, a saber, a "falta da licença de habitabilidade".
11. Não é verdade que o notário/conservador esteja impedido de celebrar a escritura pública sem a apresentação da licença de utilização.
12. É realmente verdade que, para superar a dificuldade, foi lançada mão de um "truque" (por assim dizer).
13. "Truque" esse que, não sendo ilegal, é realizado no interesse de todos os intervenientes, ou seja, com vista à realização do negócio.
14. Assim se ultrapassando ou sanando a dificuldade.
15. Não é no interesse de uma parte com prejuízo para qualquer outra! E um truque meritório!
16. Com efeito, não pode haver licença de utilização por se tratar de uma obra inacabada, Mas, não é uma obra clandestina, É uma obra licenciada pela autarquia!
17. O que aliás, está dado como provado em sede da sentença ora recorrida. (…)
22. Com efeito, o averbamento de rectificação operado em 15.1.2019, era inevitável. O registo predial até então estava incorrecto. Só com este averbamento de rectificação seria possível realizar a escritura.
23. Na verdade, "edifício em construção" é uma coisa fora do comércio jurídico.
24. Assim, insusceptível de transacção formal, atento o disposto no DL 281/99 e o parecer nº 9/2000 da PGR, no DRII de 4/12/2001. (…)
26. Só com a conclusão da obra se poderá obter a licença de habitabilidade e actualizar a inscrição matricial e só depois o registo predial.
27. Já existindo condições legais para registar a moradia. (…)
35. É assim absolutamente falso que o notário esteja impedido de celebrar a escritura pública de compra e venda do prédio misto em causa nos presentes autos (objecto do respectivo CPCV) se não lhe for apresentada a licença de utilização.
36. Sendo que o foi no pretérito dia 30 de Junho, conforme se demonstra pelo doc. ora junto como 2 (2 folhas) e que ora se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.
37. Em consequência, não se verifica, de todo, qualquer nulidade, ao contrário do vertido na sentença ora recorrida.
38. Em rigor, os autores prometeram comprar o prédio misto conforme consta da inscrição matricial, sabendo da existência da obra inacabada, susceptível de concluir e consequente obtenção da licença de utilização, e assim com isso, actualizar a inscrição matricial e descrição predial da parte urbana.
39. Não se verificando, in casu, nenhuma das apontadas nulidades descritas na douta sentença recorrida, como resulta claro,
40.Tem de se concluir como no douto saneador-sentença (116913924 de 23.6.2020)».

7. Autor e Rés apresentaram contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença, na parte que lhes é favorável.

8. Observados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. O objeto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, evidentemente sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, as questões que importa apreciar para a decisão de ambos os recursos, atenta a sua ordem lógica, consistem em saber: i) se a matéria de facto dada como provada e não provada deve ser modificada; ii) se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao determinar a restituição da prestação efetuada pelo autor (valor do sinal), com fundamento na nulidade decorrente da falta de licença de utilização; iii) em caso afirmativo, apreciar a qual das partes é imputável o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda, e as inerentes consequências quanto ao sinal; iv) em caso de condenação da primeira ré, decidir se a segunda ré é ou não solidariamente responsável com aquela pelo pagamento.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:[5]
«1) Com data de 21 de setembro de 2018, os Autores AA e BB, na qualidade promitentes compradores, e a Ré CC, na qualidade de promitente vendedora, subscreveram acordo escrito nos termos do qual a Ré CC prometeu vender aos Autores AA e BB o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...42° o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...16° da União de Freguesias de Santiago e de Santa Maria, concelho de Tavira e inscrito na Conservatória do Registo Predial sob a descrição ...07, "no estado em que o mesmo se encontra, o qual é do conhecimento de ambas as partes", tendo sido acordado o preço de € 155.000,00 e o sinal de € 23.500,00 a pagar no ato de assinatura deste contrato, devendo a escritura definitiva ser marcada pelos promitentes compradores no prazo de 60 dias a contar da data do contrato, devendo convocar a 1ª outorgante por escrito e com antecedência de 10 dias, devendo a promitente vendedora disponibilizar a documentação necessária à realização da escritura, renunciado as partes às formalidades previstas no artigo 410º, n.º 3 do Código Civil e tendo a Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda intervindo na qualidade de agente imobiliária, tal como resulta de fls. 176 a 178 (artigo 19º da petição inicial).
2)[6] O contrato referido em 1) foi assinado pelos 3 outorgantes entre 18 e 21 de setembro de 2018 (artigos 23° e 27° da petição inicial-parte), mais concretamente, no dia 18 de setembro, pelo A. Marido, no escritório do advogado da primeira Ré, e no dia 21 de setembro, pela A. Mulher, na imobiliária segunda R., sem a presença de advogado que os representasse.
3) Na reunião de 18 de setembro de 2018, na qual o Autor outorgou o contrato-promessa referido em 1), o Autor e os demais outorgantes aceitaram as cláusulas do contrato, não lhe tendo sido entregue uma cópia nessa altura por a Autora ainda não ter assinado o mesmo, tendo o Autor conhecimento de que não havia licença de habitabilidade (artigos 24° a 26° da petição inicial).
4) No dia 21 de setembro de 2018, os Autores entregaram à Ré CC a quantia de € 23.250,00 a título de sinal e princípio de pagamento, por transferência bancária (artigo 27° da petição inicial-parte).
5) Em 25 de setembro de 2018, o Autor enviou à Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda email em que refere que, "no seguimento de reunião com a arquiteta da Câmara Municipal de Tavira, pretende uma planta da casa, referindo que já a solicitou anteriormente e que lhe foi negada, referindo ainda que, na reunião com a proprietária e advogado da mesma, lhe foi dito que apenas faltava fazer acabamentos da casa e pedirem a licença de habitabilidade mas que, depois da reunião na câmara, ficou com a impressão de que pode não ser possível tendo em conta que a área do projeto não coincide com a área de implementação da estrutura e logo poderá não ser concedida a licença de habitabilidade, pedindo um esclarecimento desta situação", tal como resulta de fls. 51, (artigos 71º a 76º da petição inicial).
6) Em 28 de setembro de 2018, o Autor requereu, na qualidade de promitente comprador, à Câmara Municipal de Tavira informação acerca do procedimento administrativo a seguir para terminar os trabalhos de construção em falta, tal como resulta de fls. 57, (artigo 84º da petição inicial).
7) Em 9 de outubro de 2018, o Autor remeteu email à Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda a solicitar as plantas do projeto aprovado pela Câmara Municipal de Tavira, tal como resulta de fls. 36, , não tendo recebido resposta (artigos 30º e 31º da petição inicial).
8) Em 31 de outubro de 2018, a Câmara Municipal de Tavira emitiu despacho de remessa do pedido de conclusão de obras apresentado pelo Autor ao departamento jurídico, por, nos ortofotomapas, ser visível uma ampliação da edificação a sul que não consta do projeto de arquitetura aprovado, tal como resulta de fls. 52, (artigos 84° a 88° da petição inicial).
9) Em 31 de outubro de 2018, o Autor remeteu email à Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda onde alertava que o levantamento topográfico não correspondia à planta arquitetónica entregue muito depois de ter sido celebrado o contrato-promessa de compra e venda (e que tinha solicitado anteriormente), para além de não corresponder à planta que constava do projeto aprovado pela Câmara Municipal de Tavira, alertando ainda para o decurso dos prazos acordados, tal como resulta de fls. 36-vº, não tendo recebido resposta (artigos 32º e 36º da petição inicial).
10) Em 31 de outubro de 2018, a Ré CC requereu a inscrição em seu nome no registo predial do prédio descrito sob o n.º ...07, tendo declarado ainda que é "um prédio misto composto por terra de pastagem e um edifício em construção, com a área descoberta de 2879,6 m2 e a área coberta der 198,40 m2, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...42° ( ... ) e na matriz urbana sob o artigo ...16 ( ... ) que teve origem no artigo ...26 da extinta freguesia de Santa Maria", o que foi deferido constando tal inscrição a seu favor da Ap. ...27 de 31-10-2018, estando o prédio em causa descrito como misto com a área total de 3079 m2, área descoberta de 3078 m2, com o artigo rústico ...16º e o artigo urbano ...42º, sendo constituído por terra de pastagem e terreno para construção com a área de 198,40 m2, constando do registo predial os seguintes averbamentos:
a) averbamento de 21-10-2010- matriz rústica ...26º construída por terra de pastagem;

b) averbamento de alteração de 09-02-2011- área total de 2780 m2 e a área descoberta de 2780 m2, sendo descrito como terra de pastagem e edifício em construção com a área de 144,61 m2;

c) averbamento de alteração de 31-10-2018- área descoberta de 3078 m2, sendo descrito como rústico (artigo 40626°) com terra de pastagem e edifício em construção com a área de 198,40 m2;

d) averbamento de alteração de 21-12-2018 (estando referido como informação anterior) - área descoberta de 2879,6 m2 e área coberta de 198,4 m2, sendo descrito como terra de pastagem e edifício em construção com a área de 198,40 m2;

e) averbamento de retificação de 15-01-2019- matriz rústica ...16º, sendo descrito como terra de pastagem e lote de terreno para construção com a área de 198,40 m2 tal como resulta de fls. 40-vº a 42, (artigos 49º a 59º da petição inicial).

11) A alteração da descrição do registo predial de prédio em construção para lote de terreno para construção foi efetuada pela Ré CC para contornar a necessidade de licença de habitabilidade (artigo 42° da petição inicial).
12) Em 11 de novembro de 2018, o Autor remeteu à Ré CC email no qual refere que pediu uma prorrogação do prazo de mais 60 dias para celebração da escritura definitiva que a Ré lhe concedeu verbalmente, referindo problemas com a aprovação do crédito, ressalvando que não é um problema de financiamento, mas por falta de análise da documentação pela sede do banco e também por problemas com a divergências de estar registado nas finanças um artigo urbano e um artigo rústico e na conservatória só estar descrito um artigo rústico com uma autorização para construção, o que tem levantado problemas ao banco na atribuição dos valores dos 2 prédios, tendo a Ré respondido no mesmo dia que aguardaria que se resolvesse a situação com o banco, tal como resulta de fls. 53, (artigos 90° a 92° da petição inicial).
13) Em 28 de novembro de 2018, o Autor remeteu email à Ré CC "para reforçar a informação da marcação da escritura comunicada por via telemóvel no dia 26", tendo a referida Ré respondido na mesma data que "Agradeço e confirmo a receção do Vosso email", tal como resulta de fls. 39, (artigos 38° e 39° da petição inicial).
14) Esteve pré-agendada para o dia 6 de dezembro de 2018 uma escritura de compra e venda no Cartório Notarial ... com hipoteca entre as partes, nunca tendo o Cartório confirmado ao banco, conforme o protocolo estabelecido, a marcação efetiva da escritura, por o Cartório entender que faltava a licença de habitabilidade nos termos do DL 281/99, de 29 de julho, só tendo comparecido naquela data o Advogado dos compradores, tal como resulta de fls. 39-vº e 40, (artigos 40° e 41 ° da petição inicial).
15) Em 6 de dezembro de 2018, a Câmara Municipal de Tavira remeteu email ao Autor em que informa que "a obra encontra-se executada de acordo com o projeto aprovado e licenciado, com exceção de pequenos anexos no limite do terreno (arrumos e áreas técnicas) e uma vez que não tem autorização de utilização, não é garantida a sua legalização, podendo haver necessidade de se proceder à reposição da legalidade urbanística", respondendo o Autor solicitando esclarecimentos acerca das estruturas ilegais a fim de contactar a proprietária, de quem é a responsabilidade na sua legalização ou demolição, tal como resulta de fls. 54, (artigo 94° da petição inicial).
16) Em 17 de dezembro de 2018, a Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda remeteu ao Autor email a informar da necessidade alterar a documentação de forma a poder ser agendada a escritura pública de compra e venda o mais rapidamente possível, tal como resulta de fls. 44-vº, (artigo 63° da petição inicial).
17) Os Autores solicitaram um parecer técnico acerca da construção objeto do contrato-promessa que foi emitido em 28 de dezembro de 2018, no qual são referidas várias desconformidades entre o projeto e o que foi implantado, designadamente a existência de um abrigo para cães, uma cisterna e uma instalação elétrica, tal como resulta de fls. 55-vº a 57, (artigos 103° a 113° da petição inicial).
18) Em 4 de janeiro de 2019, a Autor remeteu à Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda email a indagar pela situação da documentação para se poder realizar a escritura, referindo que já passou um mês desde que se propuseram regularizar a situação sem que tenha recebido notícias, tendo deixado de receber resposta da Ré CC, questionando como põem à venda uma casa que legalmente não pode ser vendida, referindo que foi enganado porque lhe deram um levantamento topográfico dizendo que era uma planta mas que, no entanto, "está aqui para prosseguir com a compra, mas não vou esperar muito mais tempo sem obter respostas", tal como resulta de fls. 29, (artigos 115° a 124° e 127° da petição inicial).
19) O Autor, em 4 de janeiro de 2019, mantinha interesse no negócio, desde que fossem obtidos os documentos para realização a escritura, pondo em causa como punham à venda uma casa que não podia ser vendida, tal como resulta de fls. 58, (artigo 126° da petição inicial).
20) Em 4 de janeiro de 2019, a Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda responde ao Autor desculpando-se pela demora na realização da escritura e referindo que o novo registo sem a menção da construção existente estará pronto na quarta-feira seguinte e poderá ser agendada a escritura de compra e venda, tal como resulta de fls. 58-vº, (artigos 128º a 135º da petição inicial).
21) No dia 9 de janeiro de 2019, a Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda comunicou ao Autor, por email, que no dia seguinte iria saber se os documentos já estariam disponíveis e se poderia marcar a escritura definitiva e que no dia seguinte lhe faria o ponto da situação, tal como resulta de fls. 59, (artigos 136° a 137° da petição inicial).
22) Em 9 de janeiro de 2019, a Autor remeteu à Ré CC carta registada com aviso de receção a interpelar a mesma para que, em 8 dias a contar da receção da carta, "nos forneça toda a documentação necessária à realização do contrato-prometido, até para podermos pagar os impostos que nos cabem (IMT, IS), sendo certo que ainda temos que acertar os valores, nomeadamente no que respeita à parte urbana", sob pena de não manterem interesse no negócio, "pelo que, para resolução extra-judicial, uma vez que existe incumprimento culposo da parte de V a Exa., deverá ser-nos restituído o sinal em dobro, no prazo de 15 (quinze dias) a contar da receção da presente carta", queixando-se da falta de apresentação da documentação necessária e que a escritura não se realizou no dia agendado (06-12-2018), referindo que já tinham dado conta da falta de documentação em 10-12-2018 por email e que, de acordo com as informações prestadas pela Câmara Municipal de Tavira "o edificado existente não se encontra em conformidade com o projeto aprovado", pedindo a outorga de uma adenda ao contrato-promessa com vista à legalização, junto da Câmara Municipal de Tavira, da parte da obra existente e desconforme ao projeto, alertando que, se tivessem de proceder ao derrube de parte da obra, tal implicaria despesas, com a consequente redução do preço. Mais refere que, numa reunião de 7 de janeiro de 2019, um arquiteto da Câmara Municipal de Tavira informou os Autores de que o edificado em questão tem cerca de 60m2 de construção a mais do que está aprovado no projeto e que a nova construção poderá ter de ser demolida para poder eventualmente ser licenciada, carta que não foi recebida por não ter atendido em 10-01-2019 nem levantada nos CTT pela Ré, tendo sido devolvida em data ilegível, tal como resulta de fls. 45-vº a 48, (artigos 65° a 68° da petição inicial).
23) Em 10 de janeiro de 2019, a Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda remeteu email ao Autor a informar que o Advogado esperava obter o documento no dia seguinte e ficou de falar diretamente com o advogado do banco, tal como resulta de fls. 59-vº, (artigos 139° e 140° da petição inicial).
24) Em 11 de janeiro de 2019, o Autor remeteu à Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda email no qual informava que discordava do facto do Advogado Dr. DD ou da proprietária do imóvel falarem diretamente com o Advogado do banco, afirmando que o empréstimo continua à espera da documentação em dia para se fazer a escritura segundo informação que obteve no banco, devendo qualquer desenvolvimento do processo passar por si ou pelo seu Advogado. Refere que tentou contactar a proprietária do imóvel sem sucesso, tendo remetido carta a 8 de janeiro da qual aguarda resposta, tal como resulta de fls. 60, (artigos 141º a 146º da petição inicial).
25) Em 14 de janeiro de 2019, a Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda responde ao Autor por email. afirmando que o mesmo tem toda a razão sobre a questão do processo ter de passar por si, já tendo avisado o Dr. DD e tendo-o recordado que recebeu uma carta registada do Autor que carece de resposta e que o documento em causa já devia estar disponível (artigos 147° a 151º da petição inicial).
26) Em 15 de janeiro de 2019, apercebendo-se que a Ré CC não tinha rececionado a carta anterior, o Autor remeteu-lhe email com o conteúdo da referida carta, tal como resulta de fls. 49 e 50, (artigo 69° da petição inicial).
27) Em 16 de janeiro de 2019, a Ré CC remeteu email ao Autor em que informava que o documento predial já se encontrava na posse do advogado do banco, pelo que, a todo o momento, poderia ser realizada a escritura de compra e venda em conformidade com o contrato promessa e venda, agradecendo a indicação de dia e hora, bem como do Notário, tal como resulta de fls. 45, (artigo 64° da petição inicial).
28) Em 18 de janeiro de 2019, o Autor remeteu email à Ré CC no qual refere que já estão decorridos os 8 dias da data da carta que lhe enviou, cujo conteúdo, por não ter sido levantada, lhe enviou também por email de 15 de janeiro, ainda não tendo sido cumprido o solicitado pelo que não pode, de forma alguma, proceder à marcação da escritura, reiterando que "se, em tempo útil, não me for fornecida a documentação solicitada, perderei o interesse na manutenção do negócio, com as consequências plasmadas nas referidas comunicações", tal como resulta de fls. 61- parte final, (artigos 152° a 157° da petição inicial).
29) No dia 20 de janeiro de 2019, a Ré CC remeteu email ao Autor no qual refere que os Autores incumpriram o contrato-promessa por não terem agendado a escritura no prazo acordado mas que, interpelados no sentido de saber se mantinham interesse no negócio, responderam afirmativamente, já tendo sido diligenciado junto do banco dos Autores a celebração da escritura, não havendo qualquer alteração na situação do contrato-promessa, não reconhecendo qualquer comunicação, ficando devidamente interpelados para a realização do contrato definitivo e, caso assim não suceda, incorrem na forte possibilidade de perder o direito ao sinal prestado, atento o incumprimento definitivo, tal como resulta de fls. 61 (artigo 158° da petição inicial).
30) Em 24 de janeiro de 2019, o Autor remeteu à Ré CC email em que refere que, tendo expirado o prazo de 8 dias concedido para a entrega da documentação necessária à realização da escritura pública, os Autores perderam o interesse na concretização do negócio e reiteram o pedido de restituição do sinal em dobro até ao final do corrente mês de janeiro, por incumprimento culposo da referida Ré, tal como resulta de fls. 63-vº e 64, (artigos 161° e 172° a 174° da petição inicial).
31) Em 25 de janeiro de 2019, à Ré CC remeteu email ao Autor em que considera o contrato definitivamente incumprido por culpa dos Autores de que irá fazer seu o sinal recebido, solicitando a entrega imediata de qualquer chave que os Autores tenham do prédio urbano, tal como resulta de fls. 64-vº, (artigo 175° da petição inicial).
32) Em 30 de janeiro de 2019, o Autor remeteu à Ré CC email em que volta a pedir o sinal em dobro a esta, remetendo igualmente carta em 1 de fevereiro de 2019 com a chave do imóvel, que foi rececionada pela referida Ré, tal como resulta de fls. 65, (artigos 177° a 180° e 182° da petição inicial).
33) Em 31 de janeiro de 2019, os Autores remeterem carta registada coim aviso de receção à Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda idêntica à carta de fls. 65-vº (artigo 181° da petição inicial).
34) A obra referida em 1) está inacabada e, no limite do terreno, estão edificados, em alvenaria, dois espaços de arrumos com 2,65 m, de comprimento e 1,20 m de largura, uma cisterna com 2,25 m de comprimento por 2,70 m de largura e uma casota para o cão com 1,20 m por 1,10 m, não constantes do projeto aprovado e, para conclusão dos trabalhos e emissão da licença de utilização, deverá ser requerida nova emissão de licença especial para acabamentos e, relativamente às desconformidades detetadas, há a possibilidade de promover a sua demolição ou o seu licenciamento instruído nos termos do RJUE e da Portaria 113/29015, de 22 de abril, tal como resulta de fls. 535 a 539 e 578 a 588, (artigos 189°, 191° e 200° da petição inicial).
35) A venda do prédio referido em 1) foi publicitada na internet pela Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda como uma moradia em construção com a área bruta de 198,40 m2 e a área de terreno de 3.078 m2, pelo preço de € 199.000,00, tal como resulta de fls. 29, (artigos 1° a 4° da petição inicial).
36) Antes da celebração do contrato-promessa referido em 1), os Autores visitaram o imóvel, tendo negociado com a Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda que mediou o negócio com a Ré CC, tendo chegado a acordo nos termos estabelecidos no contrato-promessa (artigos 5° a 9° e 14° a 16° da petição inicial).
37) Em 4 de setembro de 2018, a Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda remeteu ao Autor por email planta e levantamento topográfico do imóvel, tal como resulta de fls. 149 a 151, (artigo 7° da contestação da 2.ª Ré).
38) A cópia da planta arquitetónica de fls. 37 da moradia unifamiliar só foi entregue ao Autor após a celebração do contrato-promessa (artigos 33° a 35° da petição inicial).
39) Em 4 de setembro de 2018, o Autor solicitou à Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda a planta do imóvel, tendo esta remetido na mesma data o levantamento topográfico de fls. 30-vº sem os dizeres manuscritos constantes do mesmo, (artigos 11 ° a 13° da petição inicial).
40) Antes da celebração do contrato-promessa referido em 1), por email de 10 de setembro de 2018, a Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda remeteu ao Autor a documentação relativa ao imóvel constituída pela cópia do registo predial n.º 816, emitida em 24-03-2017, cadernetas prediais relativas aos artigos urbano ...42° e rústico ...16, comunicação da Câmara Municipal de Tavira a informar a Ré CC de que tinha deferido o pedido de emissão de licença especial para acabamento, emitida em 27-06-2011, cujas cópias resultam de fls. 31-vº a 34, (artigos 17° e 18° da petição inicial).
41) A Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda dedica-se à atividade de mediação imobiliária (artigo 205° da petição inicial).
42) A Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda não se certificou da correspondência entre as características do imóvel (prédio misto) e as fornecidas pela Ré CC (artigo 210° da petição inicial).
43) Os Autores pretendiam habitar o imóvel objeto do contrato-promessa com caráter de permanência com os seus 3 filhos, tendo recebido a chave da Ré CC (artigos 212° a 216° da petição inicial).
44) Os Autores pretendiam mudar-se de um apartamento que estava a ficar pequeno (artigo 217° da petição inicial).
45) Os Autores sofreram angústia, stress e irritabilidade em consequência da situação com imóvel dos autos e de terem desistido do negócio (artigo 221 ° da petição inicial).
46) O Autor é militar da GNR (artigo 222° da petição inicial).
47) Em 2011, o pai da Ré CC requereu à Câmara Municipal de Tavira a emissão da licença especial para acabamento da obra pelo prazo de 3 meses para o prédio dos autos, o que foi deferido, mas não foi realizado, tal como resulta de fls. 179, (artigos 35° a 37° da contestação da la Ré).
48) A Ré CC, já como proprietária, solicitou informação à Câmara Municipal de Tavira a qual a informou que tal licença especial para acabamento da obra uma vez caducada, a solução passa por concluir a mesma e colocar à consideração da referida Câmara para vistoriar e emitir a licença de utilização/habitabilidade (artigo 38° da contestação da la Ré).
49) O preço de compra foi reduzido em € 44.000,00 (artigo 57° da contestação da la Ré).
50) O que foi comunicado aos Autores antes da assinatura do contrato-promessa entre as partes (artigo 39° da contestação da la Ré).
51) ... ficando os Autores responsáveis pela conclusão da obra e em seguida, submetendo tal à apreciação da Câmara Municipal de Tavira, para a obtenção da licença de habitabilidade (artigo 85° da contestação da la Ré).
52) Em 27 de fevereiro de 2017, a Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda celebrou com a Ré CC contrato de mediação, tal como resulta de fls. 140 a 142, (artigo 1° da contestação da 2.ª Ré- parte).
53) A Ré CC forneceu à Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda os seguintes documentos: caderneta predial rústica, urbana e informação predial com a descrição ...16, bem como uma cópia de uma informação técnica emitida pela Câmara Municipal de Tavira, sobre o pedido de licença especial para acabamentos relativo ao aludido edifício em construção e ainda a decisão de deferimento da mesma licença e uma planta do edificado e levantamento do terreno, tal como resulta de fls. 143 a 150, (artigos 1 ° a 3 ° da contestação da 2.ª Ré).
54) Com base nesta informação documental a Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda publicitou a venda do imóvel (artigo 4° da contestação da 2.ª Ré).
55) No dia 4 de setembro de 2018, logo a seguir à visita, a EE enviou aos Autores a referida planta e levantamento topográfico através de email, tal como resulta de fls. 29, (artigo 7° da contestação da 2.ª Ré).
56) A Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda transmitiu esta proposta à Ré CC. que a aceitou, tendo a 1.ª imobiliária informado logo o Autor da anuência à proposta por parte da proprietária através de email do dia 12 de setembro de 2018, tal como resulta de fls. 153, (artigo 13° da contestação da 2.ª Ré).
57) Em resposta a este email o Autor reiterou e reconfirmou, também por email, de 13 de Setembro de 2018, o seu interesse na aquisição do imóvel e confirmou que tinha um financiamento e noutro email forneceu o contacto do colaborador do banco encarregue do financiamento, Senhor FF, "Novo Banco ", agência de Vila Real de Santo António, a fim de ser aferida a documentação necessária para o negócio, tal como resulta de fls. 154 e 155, (artigos 12° a 15° da contestação da 2.ª Ré).
58) Antes do dia 9 de outubro, já o Autor marido tinha endereçado um email com data de 25 de setembro de 2018, à EE a solicitar uma planta da casa, tal como resulta de fls. 156, (artigo 41° da contestação da 2.ª Ré).
59) Depois de diversas tentativas falhadas para contactar a Ré CC, por parte da Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda para agendamento da reunião pretendida, a 2.ª Ré enviou um email a 2 de novembro de 2018 à Ré CC solicitando uma reunião com toda a urgência, tendo no mesmo email reencaminhado o email do Autor (o email de 31 de outubro de 2018) para melhor elucidação do assunto que estava em questão, tal como resulta de fls. 157, (artigo 50° da contestação da 2.ª Ré).
60) A Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda tinha a responsabilidade civil emergente da sua atividade de mediadora transferida para a Seguradoras Unidas, SA por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...94, tal como resulta de fls. 248 a 260.
61) Por email de 6 de dezembro de 2018, a Câmara Municipal de Tavira informou o Autor de que a obra em causa nos autos encontra-se "executada de acordo com o projeto aprovado e licenciado, com exceção de pequenos anexos no limite do terreno (arrumos e áreas técnicas), e uma vez não tem autorização de utilização, não é garantida a sua legalização, podendo haver a necessidade de se proceder à reposição a legalidade urbanística", tal como resulta de fls. 445 a 465,
62) Os Autores iniciaram o pedido de empréstimo bancário em 11 de setembro de 2018 junto do Novo Banco, o qual foi aprovado comercialmente em 12 de setembro de 2018, reapreciado em 24 de setembro e aprovado novamente em 3 de dezembro de 2018 em virtude do valor da avaliação ter sido insuficiente, sendo que a proposta não terá sido enquadrada inicialmente devido aos valores atribuídos ao rústico e ao urbano, pelo que voltou a ser reapreciada a proposta em 12 de outubro de 2018 e foi aprovada em 17 de outubro desse ano, não estando a certidão predial em conformidade para se poder realizar a escritura de compra e venda.».
63)[7] No dia 30 de junho de 2022, no cartório notarial em Tavira, foi celebrada escritura de compra e venda, outorgando na qualidade de vendedora CC, e na qualidade de comprador GG, que respetivamente declararam vender e comprar, sem quaisquer ónus ou encargos, “o prédio misto, composto por terra de pastagem e terreno para construção (…)”, pelo preço de 150.000,00€, atribuindo o valor de 60.000,00€ à parte rústica, e de 90.000,00€ à parte urbana, mais declarando que nesta transmissão houve intervenção do mediador imobiliário “Maxloja – Sociedade de Mediação Imobiliária, Ld.ª”.
64)[8] Tal aquisição, por compra, mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial, pela ap. 6312, de 30.06.2022, imediatamente após o averbamento da retificação de 15-01-2019, acima referido na alínea e) do n.º 10.
E foram julgados não provados os seguintes factos:
«a) Os Autores não receberam uma cópia do contrato-promessa, apesar de solicitada (artigos 28° e 29° da petição inicial).
b) Em final de novembro, princípio de dezembro de 2018, os Autores contactaram um Advogado para os representar no âmbito do negócio dos autos (artigo 94° da petição inicial).
c) Em 10 de dezembro de 2018, o Autor remeteu às Rés email em que refere que a escritura não se pôde realizar a 6 de dezembro conforme agendamento por falta de documentação a entregar pela Ré em virtude de desconformidade legal, para além da obra não se encontrar, segundo informação da Câmara Municipal de Tavira, de acordo com o projeto aprovado e licenciado no que diz respeito aos anexos, alertando a Câmara que não é garantida a sua legalização, podendo haver necessidade de reposição da legalidade urbanística, pedindo a elaboração de uma adenda ao contrato-promessa prorrogando-se o prazo para a marcação da escritura e legalização junto da autarquia da obra não licenciada, alertando que o seu derrube implicará, além de despesas, uma redução do valor do imóvel, tal como resulta de fls. 55, (artigos 96° a 10 1 ° da petição inicial).
d) As Rés não deram qualquer resposta ao email de 10 de dezembro de 2018 (artigo 102° da petição inicial).
e) Em 24 de janeiro de 2019, o Autor remeteu à Ré CC carta registada com aviso de receção que esta não recebeu de propósito (artigos 159° e 160° da petição inicial).
f) A garagem implantada tem mais 1,74 m2 do que a garagem constante do projeto aprovado (artigo 184° da petição inicial).
g) A área de 42,80 m2 que corresponde à sala está toda coberta por telhado de betão, sendo 17,92 m2 destinados a ser cobertos por uma pérgula (artigos 185º a 188º da petição inicial).
h) O armazém e área de 17,92 m2 coberta de betão terão de ser demolidos para que o projeto possa ser aprovado e licenciado pela Câmara Municipal de Tavira (artigo 190º da petição inicial).
i) Os anexos situados a sul do edifício principal, com a área de 10,30 m2 não constam do projeto de arquitetura e terão de ser demolidos (artigo 191º da petição inicial).
j) Para além dos anexos, terão de ser demolidos 60 m2 de construção a mais para se poder obter documento que possibilite a realização da escritura de compra e venda (artigo 200º da petição inicial).
k) Para ser legalizada a obra existente tinha que ser parcialmente demolida (artigo 114º da petição inicial).
l) As Rés disseram ao Autor, em reunião ocorrida em data anterior a 31 de outubro de 2018, que bastava acabar as obras e pedir a licença de habitabilidade para a escritura de compra e venda se poder realizar (artigo 37º da petição inicial).
m) Os Autores, na sequência da celebração do contrato-promessa, em novembro de 2018, retiraram o filho HH, com menos de 2 anos, do infantário de Vila Real de Santo António para o inscrever em Tavira logo que tivesse vaga, só pretendendo inscrevê-lo com a celebração da escritura definitiva, não tendo até hoje a criança voltado a ter vaga em infantário em Vila Real de Santo António (artigo 218º da petição inicial).
n) Os Autores suportaram custos do empréstimo bancário no valor de € 499,20 (artigo 219º da petição inicial).
o) Os Autores fizeram várias deslocações com empresas ao prédio a fim de fazerem orçamentos para arranjos interiores (artigo 220º da petição inicial).
p) O Autor foi atleta de alta competição (artigo 223º da petição inicial).
q) O Autor sentiu-se muito vexado com a situação dos autos, tendo perdido muito do seu controlo emocional (artigos 225° a 227° da petição inicial).
r) No dia 9 de setembro de 2018, por volta da hora de almoço, foi realizada uma segunda visita, também só pelo Autor acompanhada pela mesma CC, que lhe referiu ter lá estado no fim de semana anterior com a mulher e que estavam ambos muito interessados em adquirir o imóvel no estado em que este se apresentava, não colocando qualquer objeção ou duvida (artigo 8° da contestação da 2.ª Ré).
s) E naquele momento solicitou à CC que lhe fosse enviada toda a documentação disponível relativa ao imóvel (artigo 9° da contestação da 2ª Ré).
t) Após a receção destes documentos referidos de fls. 31-Vº a 34, no mesmo dia o Autor telefonou à colaboradora da Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda, EE e transmitiu-lhe de viva voz que estava interessado na aquisição do imóvel e que transmitissem à Ré CC os termos da sua oferta, que consistia: preço para a aquisição € 155.000,00; dos quais 15% seriam pagos a título de sinal com a outorga do contrato promessa de compra e venda e escritura a dois meses (artigo 11 ° da contestação da 2a Ré).
u) Na sequência de visita que o Autor realizou ao imóvel a colaboradora da 2.ª Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda, EE, enquanto trocavam impressões sobre o imóvel, aconselhou o Autor a se deslocar à Câmara Municipal de Tavira com vista a inteirar-se do processo de obras referente a este imóvel, uma vez que, estava em causa uma licença especial para acabamentos e o projeto já era antigo (artigo 16° da contestação da 2a Ré).
v) O Autor referiu que sim, que o devia fazer, mas que não o conseguia fazer porque não tinha tempo e pediu que fosse a aludida colaboradora EE a fazê-lo (artigo 17° da contestação da 2.ª Ré).
w) EE contactou com o arquiteto II e juntos deslocaram-se à Câmara Municipal de Tavira para consultar o processo de obras referente ao imóvel e o arquiteto, uma vez consultado o processo iria emitir uma informação mas o processo nunca esteve disponível para consulta, porque, nos serviços camarários ninguém sabia onde parava o processo, ora diziam que estava no arquivo morte ou com algum técnico para análise e, pese embora, por mais duas vezes as colaboradoras da 2.ª Ré terem ido à Câmara Municipal tentar que o processo fosse disponibilizado para análise do arquiteto II, o processo nunca apareceu para esta consulta. (artigos 18 ° a 21 ° da contestação da 2.ª Ré).
x) Perante a impossibilidade da consulta do processo, a Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda acordou com Autor a realização de uma reunião de esclarecimento e informação com o advogado da proprietária e esta mesma em pessoa, bem como a preparação para a elaboração e outorga do contrato promessa de compra e venda (artigos 22° e 23° da contestação da 2.ª Ré).
y) Assim, no dia 18 de setembro por volta das 18.00 horas, de 2018, reuniram-se no escritório do ilustre advogado da proprietária, a proprietária, o ilustre advogado, o Autor e a colaboradora da 2.a Ré, EE e, nessa reunião, o A. marido foi abordado pela colaboradora da 2.ª Ré para expor todas as dúvidas que tinha sobre o negócio e, na altura, o mesmo apenas perguntou se estavam todos de boa-fé, ao que o advogado da vendedora respondeu que sim, que tinha informações da Câmara Municipal de Tavira que bastava acabar a casa e pedir a licença de habitabilidade e ao mesmo tempo, ofereceu-se para ir com o Autor à Câmara Municipal de Tavira para esclarecer o tema com os técnicos da Câmara Municipal (artigos 24° a 27° da contestação da 2.ª Ré).
z) Saídos da reunião, o Autor disse à colaboradora da 2.ª R. que preferia ir ele sozinho à Câmara Municipal de Tavira para ouvir a resposta sem ninguém ao lado e que já tinha marcado uma reunião para o dia 25 daquele mês (artigo 31 ° da contestação da 2a Ré).
aa) Na mesma altura a colaboradora EE perguntou ao Autor se tinha ficado esclarecido se estava à vontade com a assinatura do contrato promessa de compra e venda, ao que ele respondeu que o contrato era simples e que não lhe levantava grandes dúvidas (artigo 32° da contestação da 2a Ré).
bb) A EE telefonou por volta das 10.00 horas da noite ao Autor sugerindo-lhe veemente que ele arranjasse um advogado para o acompanhar neste negócio ao que lhe respondeu que não se preocupasse com isso que apesar de ter muitos advogados amigos não achava importante e que a mulher na sexta feira a seguir passaria pelo escritório para assinar o contrato promessa (artigo 34° da contestação da 2.ª Ré).
cc) Assim, que a EE recebeu o email pediu ao seu gerente para falar com a proprietária a fim de obter os elementos solicitados pelo promitente comprador, mas não conseguia falar com a proprietária que nunca atendia o telefone e disso deu conta ao Autor através de um telefonema realizado pela sua colaborada EE que no mesmo telefonema o informou que ela iria à Câmara Municipal de Tavira tentar obter as plantas (artigo 42º da contestação da 2.ª Ré).
dd) No dia 8 de outubro a referida colaboradora da 2.ª Ré deslocou-se à Câmara Municipal de Tavira e obteve cópias das plantas pretendidas pelo Autor e nesse mesmo dia ao final do dia, o Autor passou pela agência imobiliária e a EE entregou-lhe as cópias das plantas em mão (artigos 42º repetido e 43º da contestação da 2.ª Ré)».

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III.2. – O mérito do recurso
III.2.1. – Da modificação da matéria de facto
Pretende o Autor, ora Recorrente, que o facto dado como não provado na alínea e), seja excluído daquele elenco, e que a decisão sobre a matéria de facto seja alterada, “por existência de base probatória segura para tal”, com a inclusão no acervo de factos provados dos factos seguintes:
Facto Provado n.º 63 – “O contrato referido em 1) foi assinado, no dia 18 de setembro, pelo A. Marido, no escritório do advogado da primeira Ré, no dia 21 de setembro, pela A. Mulher, na imobiliária segunda R., sem a presença de advogado que representasse/assessorasse os AA.”
Facto Provado n.º 64 – “Os AA. desconheciam que a licença de habitabilidade/utilização era documento indispensável à realização da escritura de compra e venda do prédio prometido vender”.
Facto Provado n.º 65 – “Para obtenção de licença de habitabilidade do prédio prometido vender, as obras realizadas não constantes do projeto de arquitetura aprovado, nomeadamente, ampliação da edificação a sul, deveriam ser objeto de medidas de tutela da legalidade urbanística, nomeadamente, demolição ou legalização.”
Facto Provado n.º 66 – “A reposição da legalidade urbanística do prédio urbano prometido vender implicaria custos elevados.”
Facto Provado n.º 67 – “A partir de certa altura da relação contratual, nomeadamente, a partir da solicitação, pelos AA., da documentação habilitante para realização do contrato prometido, a 1.ª R. passou a furtar-se ao recebimento das comunicações dos AA., não lhes oferecendo resposta, de forma propositada e culposa.”
Em fundamento do pretendido aditamento, invoca o Apelante que em face da prova produzida nos autos, quer documental, quer testemunhal, deveria o tribunal a quo ter proferido decisão distinta quanto à matéria de facto, aduzindo que da vasta prova documental junta aos autos resultam várias conclusões sobre a factualidade subjacente ao litígio que não se encontram expressas na sentença recorrida, e foram efetuadas confissões relevantes que deveriam ter sido vertidas no elenco dos factos assentes, não o tendo sido, apesar de o tribunal ter declarado que seria tema da prova apurar “quais as reuniões, correspondência trocada e diligências efetuadas pelos autores antes da resolução do contrato-promessa” de compra e venda.
Tendo o Recorrente cumprido os ónus que sobre si impendem, conforme preceituado no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) a c), e n.º 2, alínea a), do CPC, em princípio, seria caso de proceder à requerida reapreciação da base de facto da causa.
Porém, conforme temos vindo a salientar, o juiz não tem que responder aos «temas de prova» mas aos pontos de facto que consubstanciam o direito invocado, ou as exceções deduzidas, por isso que a apreciação factual não se limite aos temas da prova enunciados mas aos factos necessitados de prova a que alude a parte final do artigo 410.º do CPC que rege sobre o objeto da instrução.
Não obstante, estes factos não são todos os alegados pelas partes, mas apenas os relevantes no quadro do litígio, tal qual foi conformado pelo pedido, pela causa de pedir e pelas exceções invocadas.
De facto, conjugando-se o artigo 5.º do CPC com o princípio da limitação dos atos previsto no artigo 130.º da mesma codificação, e tendo presente que não é lícito realizar no processo atos inúteis, à instrução da causa só importam os factos essenciais, complementares ou instrumentais, que relevem para prova ou contraprova quer dos factos que constituam a causa de pedir quer daqueles em que se baseiam as exceções invocadas, ou seja, para fundamento do direito invocado ou dos factos que impedem, modificam ou extinguem aquele direito, consoante a posição de autor ou réu em que as partes se encontrem, de acordo com todas as soluções plausíveis da questão de direito.
Ora, sendo certo que os factos que constituem a causa de pedir, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 552.º do CPC, são os factos expostos na petição inicial, não é menos verdade que o mesmo preceito se reporta aos factos essenciais, o que significa que não é toda e qualquer alegação efetuada pelas partes que há-de ser vertida na fundamentação de facto da sentença, mas apenas aquela que, essencial ou complementarmente, fundamente o direito invocado.
Concordantemente, aplicando-se o artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, à elaboração dos acórdãos, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do CPC, para o Tribunal da Relação efetuar a reapreciação da prova produzida em primeira instância, deve ter-se presente o princípio da utilidade supramencionado e consagrado no artigo citado.
Assim, aplicando tal princípio à pretendida reapreciação da matéria de facto, deve entender-se que «o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa.
Se o facto ou factos cujo julgamento – ou falta dele – é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição ou, no caso de deficiência, com o suprimento da decisão daquela instância, a solução e o enquadramento jurídicos do objecto da causa permanecerem inalterados, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação.
Os poderes de controlo da Relação no tocante à decisão da matéria de facto da 1ª instância não devem ser actuados se os factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhum dos enquadramentos jurídicos possíveis do objecto do recurso»[9].
Neste sentido da aplicação à reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação do princípio da limitação dos atos se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, inter alia, no acórdão de 17-05-2017: «nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir»[10].
Ora, tal é precisamente o que acontece na situação em apreço, relativamente ao pretendido aditamento dos factos acima indicados sob os n.ºs 65 a 67, e da exclusão do facto julgado não provado sob a alínea e)[11], que apenas poderiam ter relevância complementar ou instrumental, caso para a decisão do litígio fosse necessário apreciar da validade da resolução do contrato e imputar o incumprimento contratual à atuação culposa da primeira Ré.
Porém, in casu, questão prévia se coloca, de conhecimento oficioso, que o tribunal a quo conheceu – e bem –, e que prejudica a pretensão dos Autores de restituição do sinal em dobro, fundada na resolução do contrato-promessa por incumprimento imputável à promitente vendedora, por qualquer um dos fundamentos indicados pelo Apelante, ou seja, tanto por não ter sido fornecida pela promitente vendedora a documentação necessária à celebração do contrato prometido (licença de utilização), como por o edificado existente não se encontrar em conformidade com o projeto aprovado.
Em qualquer caso, os factos provados contêm todos os elementos que essencialmente relevam na decisão da causa, sendo o facto não provado que foi impugnado irrelevante para essa decisão tal como se encontra conclusivamente formulado no seu segmento final, estando, aliás, a matéria que importa a esse respeito vertida nos pontos 22, 26, 27, 28 a 31, 34 e 61 dos factos provados, e nas alíneas c), d), e f) a k) dos factos não provados, matéria que não foi impugnada.
Nestes termos, improcede o pretendido aditamento dos factos acima indicados sob os n.ºs 65 a 67, e a pretensão de exclusão do facto julgado não provado sob a alínea e).
Vejamos agora os factos cujo aditamento é impetrado, sob os n.ºs 63 e 64.
Antes de entrarmos na análise propriamente dita da pretensão do Apelante, importa, desde já, precisar que, em face do disposto no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, a livre apreciação da prova não abrange designadamente os factos que estejam plenamente provados por acordo ou confissão, sendo que o juiz toma sempre em consideração na sentença os factos admitidos por acordo e os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, comando legal ao qual igualmente temos que atender na elaboração do acórdão, em face do disposto no referido artigo 663.º, n.º 2, do CPC.
Ora, em fundamento da sua pretensão, refere o Apelante que foram efetuadas “confissões relevantes”, inferindo-se que se reporta ao que ocorreu no decurso dos depoimentos/declarações de parte, que parcialmente transcreve. Porém, vistas as atas da audiência final, e concretamente a do dia 9 de setembro, em que teve lugar o depoimento de parte da ré CC, não consta qualquer assentada, sendo que o artigo 463.º, n.º 1, do CPC, impõe a redução a escrito do depoimento de parte, na parte em que houver confissão do depoente ou quando este narrar factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória.
Com efeito, a formalidade da assentada na ata da audiência de discussão e julgamento encontra-se reservada para a confissão judicial provocada, a qual, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 356.º do Código Civil[12], pode ser feita tanto em depoimento de parte como em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal. Assim, só o reconhecimento que a parte faça em declarações de parte, de um facto que lhe seja desfavorável e favoreça a parte contrária, tem o valor de confissão, conforme a noção plasmada no artigo 352.º daquele Código. Mas, havendo confissão judicial, a força probatória plena contra o depoente depende da sua redução a escrito, isto porque, se o não for, é livremente apreciada pelo tribunal. É o que, a nosso ver, inequivocamente decorre da leitura conjugada do preceituado nos n.ºs 1 e 4 do artigo 358.º do CC[13].
Consequentemente, não tendo sido reduzidas a escrito, as declarações prestadas pela Ré, não constituem prova vinculada, sendo livremente apreciadas por este tribunal, caso venha a considerar-se relevante a matéria cujo aditamento o Apelante pretende.
Apreciemos, então, a pretensão do Apelante, à luz deste enquadramento.
Relativamente ao facto enunciado sob o n.º 63, considera o Recorrente ser relevante para a boa decisão da causa o aditamento à materialidade provada de facto onde conste o local onde os autores assinaram o contrato (o A. marido no escritório do advogado da 1.ª ré, e a A. mulher no da imobiliária 2.ª ré), e que não foram representados no ato da assinatura do contrato-promessa por nenhum advogado. Trata-se de circunstancialismo que a própria primeira recorrida reconhece no segmento do seu depoimento que vem transcrito no corpo das alegações, que foi alegado oportunamente pelos AA. a respeito das circunstâncias da assinatura do contrato nos artigos 19.º a 27.º da petição inicial, que releva na economia da ação mormente para apreciação da responsabilidade imputada à 2.ª Ré, e enquadra o que consta já vertido nos factos provados sob os n.ºs 1 a 4.
Consequentemente, procede apenas parcialmente o pretendido aditamento, aditando-se ao facto provado 2), o seguinte: “mais concretamente, no dia 18 de setembro, pelo A. Marido, no escritório do advogado da primeira Ré, e no dia 21 de Setembro, pela A. Mulher, na imobiliária segunda R., sem a presença de advogado que os representasse.
No que concerne à pretensão que o Apelante deduz a respeito da materialidade que indicou para constituir o ponto de facto n.º 64, referente ao desconhecimento pelos AA. da indispensabilidade da licença de habitabilidade/utilização para a realização da escritura de compra e venda do imóvel prometido vender. Trata-se de matéria que pura e simplesmente não foi sequer por si alegada. Portanto, se então, momento próprio para convocar a base de facto pertinente à causa, esta questão não foi por si tida como relevante, não o pode ser agora em sede recursiva.
Donde, e sem necessidade de maiores considerações, improcede igualmente a pretensão de aditamento do indicado ponto 64.
Procede, pois, apenas parcialmente a pretensão modificativa da matéria de facto provada e não provada, que foi deduzida pelo Apelante.
Não obstante, porque decorre de documentos autênticos, de elaboração superveniente ao encerramento da discussão (ocorrido em 28.03.2022), cuja junção foi efetuada com as alegações de recurso da 1.ª Ré (fls. 640v.º) e com a resposta da 2.ª Ré (fls. 684ss.), e é admissível, nos termos conjugados dos artigos 425.º e 651.º, n.º 1, ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4, ex vi artigo 663.º, n.º 2, todos do CPC, porque releva na apreciação do objeto dos recursos tal como vem delimitado, importa aditar à matéria de facto provada dois novos números, com o seguinte teor[14]:
63 – No dia 30 de junho de 2022, no cartório notarial em Tavira, foi celebrada escritura de compra e venda, outorgando na qualidade de vendedora CC, e na qualidade de comprador GG, que respetivamente declararam vender e comprar, sem quaisquer ónus ou encargos, “o prédio misto, composto por terra de pastagem e terreno para construção (…)”, pelo preço de 150.000,00€, atribuindo o valor de 60.000,00€ à parte rústica, e de 90.000,00€ à parte urbana, mais declarando que nesta transmissão houve intervenção do mediador imobiliário “Maxloja – Sociedade de Mediação Imobiliária, Ld.ª”.
64 – Tal aquisição, por compra, mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial, pela ap. 6312, de 30.06.2022, imediatamente após o averbamento da retificação de 15-01-2019, acima referido na alínea e) do n.º 10.
Vejamos, pois, o direito aplicável, à luz da base factual agora fixada.
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III.2.2. – Do contrato-promessa de compra e venda
Os autores intentaram a presente ação visando obter de ambas as Rés o pagamento da quantia de 46.500,00€[15], correspondente à restituição do sinal em dobro, com fundamento no incumprimento culposo pela 1.ª Ré do contrato-promessa de compra e venda entre ambos outorgado em 21 de setembro de 2018, tendo a 2.ª Ré intervindo nesse acordo na qualidade de mediadora imobiliária, sendo solidariamente responsável, em virtude de não ter sido possível outorgar a escritura de compra e venda por falta de licença de habitação, tendo perdido o interesse na prestação e resolvido o contrato-promessa porque, no prazo de 8 dias que concedeu à 1.ª Ré para o efeito, não foi regularizada a situação.
A primeira instância condenou a 1.ª Ré na restituição do valor do sinal, com fundamento na nulidade do contrato-promessa, e absolveu a 2.ª Ré, por entender que a mesma não omitiu qualquer dos deveres que sobre si impendiam, dado que estava apenas em causa um contrato-promessa, e em qualquer caso, porque os autores conheciam os termos do negócio, e quiseram fazê-lo, sabendo da falta da licença de habitabilidade, não se tendo feito qualquer prova de que a Ré mediadora imobiliária contribuiu para a decisão ou escondeu algum facto.
Dissentem o Autor e a 1.ª Ré, defendendo aquele que o incumprimento do contrato se deve a conduta culposa desta, e que a 2.ª Ré não cumpriu com os respetivos deveres, devendo ser ambas solidariamente condenadas no valor do sinal em dobro, e pugnando a 1.ª Ré pela sua absolvição do pedido, por não haver fundamento para a resolução do contrato-promessa, tal como havia sido julgado no saneador-sentença anulado, sendo imputável aos autores o incumprimento contratual, com a inerente perda do sinal.
Apreciando.
Ensina a doutrina que o “contrato-promessa é a convenção pela qual, ambas as partes ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo, ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato[16]”; “é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido. Mas em si é uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente. Reveste, em princípio, a natureza de puro contrato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo. Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular consistir na emissão de uma declaração negocial. Trata-se de um pactum de contrahendo[17]”.
A presente ação funda-se precisamente no incumprimento de um contrato-promessa, o qual se mostra regulado no artigo 410.º do CC nos seguintes termos:
“1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
2. Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral”.
No caso em apreço, estamos perante um contrato-promessa de compra e venda em que ambas as partes se vincularam. É, portanto, um contrato bilateral, mediante o qual ambas assumiram o cumprimento de uma prestação de facto: a celebração do contrato prometido, ou seja, neste caso, a realização do título equivalente à escritura de compra e venda prevista na promessa.
Efetivamente, basta a leitura atenta do acordo em questão, e a interpretação das declarações das partes ali vertidas de harmonia com o figurino desenhado nos artigos 236.º a 238.º do CC relativamente à interpretação e integração das declarações negociais, para podermos concluir com total segurança que entre as partes foi celebrado o acordo consubstanciado no escrito particular referido no ponto 1) da matéria de facto provada, o qual espelha inequivocamente que as partes acordaram naquele na transmissão da propriedade dos prédios urbano e rústico ali identificados, da promitente vendedora, ora Recorrida, para os promitentes compradores, entre os quais, o ora Recorrente, “no estado em que o mesmo se encontra, o qual é do conhecimento de ambas as partes”.
E, mais, analisando ao pormenor aquele acordo, verificamos que do mesmo constam todos os elementos relevantes que habitualmente[18] permitem a celebração do contrato definitivo de compra e venda pelo preço acordado.
De facto, nos termos dos artigos 874.º e 879.º do Código Civil a compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou outro direito, mediante um preço, e tem como efeitos essenciais:
a) - A transmissão da propriedade da coisa;
b) - A obrigação de entregar a coisa;
c) - A obrigação de pagar o preço.
Assim, atenta a configuração legal do contrato definitivo, quais são as obrigações que as partes assumem ao celebrar o correspondente contrato-promessa?
Não sofre qualquer dúvida que, a partir do momento em que celebram um contrato-promessa, assumindo a obrigação de celebrar o contrato prometido, à parte que outorga na qualidade de promitente vendedor incumbe, por regra, levar a cabo todas as diligências necessárias para concretizar a transmissão da propriedade e a entrega da coisa, e à que outorga na qualidade de promitente-comprador incumbe-lhe estar no momento do cumprimento em condições de pagar o preço acordado.
Para que ambos possam reunir as condições necessárias para a realização do contrato prometido, como resulta do artigo 410.º do CC, no contrato-promessa as partes podem obrigar-se a celebrar o negócio prometido dentro de certo prazo, ou verificados certos pressupostos. No caso, as partes não fizeram depender a celebração do contrato de compra e venda de qualquer pressuposto, e apenas acordaram que a escritura deveria ser marcada pelos promitentes-compradores no prazo de 60 dias a contar da data do contrato, e em estabelecer um prazo para a comunicação da data da celebração que seria indicado pelo promitente-comprador, com a antecedência de 10 dias, devendo a promitente compradora disponibilizar a documentação necessária à realização da escritura.
Acerca da natureza e finalidades do prazo estabelecido pelas partes para a celebração do contrato definitivo, louvamo-nos na síntese efectuada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de janeiro de 2011[19], com recurso aos ensinamentos da mais autorizada doutrina, onde se afirmou que:
«A estipulação de um prazo para execução de um contrato não tem sempre o mesmo significado. Pode querer dizer que, decorrido o prazo, a finalidade da obrigação não pode já ser obtida com a prestação ulterior, caducando por isso o contrato; mas pode também ser apenas uma determinação do termo que não obste à possibilidade de uma prestação ulterior, que satisfará ainda a finalidade da obrigação, caso em que o termo do prazo não importa a caducidade do contrato, mas tão-somente a atribuição ao credor do direito de resolvê-lo.
Na primeira hipótese, estamos perante um negócio fixo absoluto.
Na segunda, estamos perante um negócio fixo, usual, relativo ou simples.» (…)
O fulcro da questão reside na essencialidade (subjectiva) ou não do termo fixado como característica inerente ao contrato, e na sua projecção no acordo celebrado. …”.
In casu, não nos encontramos perante um negócio fixo absoluto (no dizer de SACCO, perante um “prazo fatal”; ou, no dizer de BAPTISTA MACHADO, perante um termo essencial objectivo ou termo essencial subjectivo absoluto, em que a finalidade da obrigação não pode já ser almejada, impondo-se uma caducidade do contrato ou resolução automática; dos termos do contrato resulta que estamos perante um “negócio fixo relativo”».
Aplicando estas judiciosas considerações ao caso vertente, podemos de imediato concluir que a fixação do prazo no contrato promessa, sem que do seu decurso as partes tivessem estabelecido qualquer consequência, não permite concluir que ultrapassado o mesmo, a finalidade do acordo não pudesse ser ainda cumprida.
De facto, desde logo porque não nos encontramos perante um termo essencial objetivo (impróprio), porquanto, a prestação de um ou outro dos contraentes não surge vinculada a um fim que seja parte do conteúdo do negócio, tornando-se impossível a prestação por não ser tempestivamente realizada[20]. Ao invés, o mais que podemos concluir na fixação da data de realização da escritura no prazo indicado e, portanto, de um prazo para cumprimento do contrato-promessa, é pela existência de um termo essencial subjetivo relativo, significando a sua não observância a possibilidade de atribuição de um fundamento para o direito de resolução do contrato por parte do credor, transformando a mora em incumprimento definitivo, por via de interpelação admonitória, ou havendo apenas mora, na opção pela exigência do cumprimento retardado com a substituição da declaração de venda prometida. Acresce que a perda de interesse só releva se, do ponto de vista objetivo, tal se puder concluir: é o que resulta do artigo 808.º do CC.
Revertendo ao caso dos autos, se fosse possível celebrar o contrato definitivo nos termos em que foi previsto no contrato-promessa, atenta a materialidade provada, especialmente nos pontos 12), em que o autor em 11.11.2018, pediu à 1.ª Ré, e esta lhe concedeu, uma prorrogação do prazo por mais 60 dias para a realização da escritura definitiva, que terminaria em 11.01.2019, tendo a escritura sido pré-agendada para o dia 06.12.2018, mas não tendo o cartório confirmado ao banco a marcação da escritura por entender que faltava a licença de habitabilidade (facto provado no ponto 14), e atenta a correspondência trocada entre as partes, a que se referem os factos provados sob os pontos 18 a 30, afigura-se-nos ser absolutamente evidente que o curto prazo concedido pelo promitente comprador à promitente vendedora, não permitiria lograr a obtenção da licença de habitabilidade, sequer se estivéssemos perante uma situação normal de promessa de compra e venda de moradia acabada que ainda não dispusesse da mesma.
Conclui-se, pois, que o Recorrente, mercê dos fundamentos invocados e do curto prazo concedido para a regularização de situações que dependeriam de análise e emissão pelo município, não logrou converter a mora em incumprimento definitivo e consequentemente não teria fundamento objetivo para a declarada perda do interesse na celebração do contrato, motivadora da declaração resolutiva, do que resultaria, se estivéssemos perante uma situação mais comum, a subsistência do vínculo contratual[21].
Já acima referimos que a impetrada reapreciação da matéria de facto seria inútil, e temos vindo a reportar-nos ao desenvolvimento dos autos que as partes convocaram, no pressuposto da validade do contrato, usando o condicional, já que a decisão que a particular situação em apreço impõe se funda não no direito potestativo de resolução, mas sim, na nulidade do contrato-promessa de compra e venda, por impossibilidade legal, absoluta e originária, de transação do seu objeto (por simplicidade, posto que apesar de haver dois artigos, um rústico e um urbano, vamos reportar-nos à parte em questão, ou seja, a impossibilidade legal de transação de uma moradia unifamiliar inacabada, por não ser de cogitar a possibilidade de celebração da transação do prédio rústico, em separado).
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 280.º, n.º 1, do CC, é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física e legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.
A concretização e desenvolvimento do requisito da possibilidade do negócio, retira-se do artigo 401.º do CC, que rege sobre a impossibilidade originária da prestação, ou seja, daquela que já exista na altura da constituição do vínculo obrigacional, única impossibilidade que é causa de nulidade do negócio jurídico, como expressamente decorre do n.º 1 do preceito, e que releva atentar para a situação em apreço[22]. Acresce que, conforme resulta do n.º 3 do mencionado artigo, apenas se considera impossível a prestação que o seja em relação ao objeto e não em relação à pessoa do devedor, relevando in casu apenas a impossibilidade decorrente de a lei não consentir a celebração do contrato prometido.
Ora, decorre do artigo 1.º, n.º 1, do DL n.º 281/99, de 26 de julho[23], que não podem ser realizados atos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas frações autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização, perante a entidade que celebrar a escritura ou autenticar o documento particular.
De acordo com o artigo 62.º do DL 555/99, de 16.12.1999, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação, a autorização de utilização “destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projeto de arquitetura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do respetivo procedimento de controlo prévio, assim como a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis”.
É certo que o artigo 2.º do citado DL n.º 281/99 admite várias exceções à obrigação de apresentação da licença de utilização, prevendo designadamente no seu n.º 4 a possibilidade de transmissão de prédios urbanos que o alienante declare como não concluídos, com licença de construção em vigor, ou na situação dos edifícios inacabados prevista no artigo 73.º-A do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro[24], casos em que é bastante a exibição do alvará de licença de construção, independentemente do seu prazo de validade. Poder-se-ia pensar que seria aplicável esta exceção ao caso em presença, uma vez que, de acordo com os n.ºs 1 e 2 deste mencionado diploma os proprietários de edifícios inacabados podem requerer a atribuição de uma licença especial para conclusão das obras, considerando-se edifícios inacabados os prédios em fase de construção interrompida, quando não tenha sido emitida a correspondente licença de utilização e já tenha caducado a licença de construção, como ocorre com o edifício objeto do contrato em apreço.
Acontece, porém, que o n.º 5 do mencionado DL n.º 281/99 afasta perentoriamente esta possibilidade, ao estabelecer que o disposto no número anterior não é aplicável à transmissão de frações autónomas de prédios urbanos constituídos em propriedade horizontal nem a moradias unifamiliares que essa autorização possa ser substituída pela licença de construção.
In casu, respiga-se da matéria de facto provada que os AA., e a 1.ª Ré, celebraram o contrato-promessa de compra e venda, de um prédio urbano, no estado em que o mesmo se encontra, que é do conhecimento de ambas as partes (facto provado 1). Mais se provou que a venda do prédio foi publicitada na internet pela 2.ª Ré, como uma moradia em construção, com a área bruta de 198,40m2 e a área de terreno de 3.078m2, pelo preço de 199.000,00€, tendo os Autores visitado o imóvel, tendo negociado com a 2.ª Ré, que mediou o negócio, e tendo chegado a acordo nos termos que vieram a constar do contrato-promessa (factos provados 35 e 36). Assim, dúvidas não existem de que todos os envolvidos tinham conhecimento que o objeto do negócio integrava uma moradia unifamiliar que se destinava a habitação da família dos autores, moradia cuja obra estava inacabada, tendo acordado que os autores ficariam responsáveis pela conclusão da obra e em seguida submeteriam à apreciação da Câmara Municipal de Tavira, para a obtenção da licença de utilização, sendo por isso do seu conhecimento que a mesma não tinha licença de habitabilidade (factos provados 3, 43, 51), e que foi esta a transação que quiseram realizar.
Acontece que, tal como se encontrava, ou seja, tal como as partes se comprometeram por via do contrato-promessa a contratar, a moradia, estando inacabada, não tinha nem poderia ter licença de utilização, e consequentemente não poderia ser objeto do contrato prometido, por impossibilidade legal originária, que é de conhecimento oficioso (artigos 280.º, 286.º e 401.º do CC), e, por isso, foi corretamente conhecida em primeira instância, uma vez que os factos constantes da matéria de facto provada, tinham todos os elementos para tal conhecimento[25].
Com efeito, em face dos termos do contrato-promessa o que as partes prometeram celebrar foi um contrato de compra e venda do prédio no “estado em que o mesmo se encontra”. Por isso, apenas releva na economia da situação em presença a impossibilidade de obtenção da licença de habitação sem que a obra esteja oficialmente terminada, ou seja, fisicamente acabada e inspecionada pela Câmara Municipal competente, a quem incumbe certificar a habitabilidade do imóvel e emitir a referida licença, que é imprescindível para a celebração da escritura do contrato definitivo.
Como se referiu no aresto deste Tribunal de 26.10.2017[26], «o que a lei pretende é que os negócios sobre prédios urbanos apenas se realizem quando exista a licença de utilização pois que só deste modo se impedem os contratos sobre construções clandestinas ou sobre prédios sem condições minimamente suficientes para o seu fim. Com efeito, a licença de utilização permite comprovar que determinado imóvel ou frações independentes cumprem os requisitos ou normas legais e regulamentares ao fim a que se destinam (segurança, salubridade, normas técnicas); que existe conformidade da obra construída com o projeto de arquitetura e projetos de especialidades aprovados em sede de licenciamento pelas entidades competente e que está adequada aos usos previstos. Tudo isto são razões de Direito Urbanístico, logo, de ordem pública».
Também no acórdão desta Relação de 18.10.2018 – que na factualidade subjacente apresenta similitude com a situação ora em apreço, porquanto as partes haviam celebrado transação (cuja nulidade, por impossibilidade legal – ou por contrariedade à lei –, foi peticionada) –, acordando na transmissão de um prédio urbano sem licença de utilização e com a construção ainda incompleta, a efetuar, no estado em que o mesmo se encontrava, foi julgada procedente a apelação, precisamente com o fundamento de que o prédio em causa era uma moradia unifamiliar, e consequentemente não se lhe aplicava a possibilidade conferida pelo n.º 4 do citado artigo 2.º do DL n.º 281/99, mas sim o seu artigo 1.º, n.º 1, em face da exclusão consagrada no n.º 5 do artigo 2.º, “pelo que é de concluir pela ilegalidade da transmissão das aludidas fracções autónomas e moradias em construção, por violação do disposto neste artigo (cfr. Parecer da PGR 9/2000, publicado no DR, II Série de 04/12/2001. Neste sentido, v. também Fernando Neto Ferreirinha na obra aludida pela recorrente, bem como in A Função Notarial do Advogado, Almedina, 2016, 480-481)».
Este entendimento foi sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça, que negou a revista interposta daquele aresto, concluindo expressamente que «a vontade expressa das partes, no sentido de que o prédio em apreço seria transmitido no estado em que se encontrava e nas condições que ficaram definidas na transação, não permite que se dispensem as exigências feitas em normas imperativas, como o são o art. 1º e o nº 5 do art. 2º do DL nº 281/99. Uma transmissão feita nestas condições enfermaria de nulidade, nos termos do art. 294º do CC, que a mera vontade das partes não pode postergar»[27].
Ora, sendo o contrato-promessa a convenção pela qual as partes se obrigam a contratar nos termos acordados, considerando que o n.º 1 do artigo 410.º do CC apenas exclui a aplicabilidade das disposições legais atinentes à forma e das que, pela sua razão de ser, não se lhe devam considerar extensivas, o objeto de um contrato-promessa deve reunir, sob pena de nulidade, os requisitos do objeto do contrato prometido, entre eles o requisito da possibilidade, tanto física como legal[28].
Tanto assim é que o legislador exige a existência da licença de utilização na celebração do próprio contrato-promessa (artigo 410.º, n.º 3, do CC), impondo à entidade competente para proceder ao reconhecimento das assinaturas, a certificação da sua existência. Trata-se de um requisito de validade formal, no caso de respeitar à constituição e transmissão de direito real sobre edifício ou fração autónoma dele, já construído, como medida de combate à construção clandestina, caso em que a jurisprudência e a doutrina têm vindo a considerar que estamos perante uma nulidade ou invalidade mista ou atípica, apenas invocável pelo promitente adquirente.
No caso em apreço, porém, tendo presente que as partes prometeram celebrar o contrato definitivo tal como o prédio se encontrava, ou seja, com a construção incompleta, o que se discute é a impossibilidade de obtenção da dita licença. Donde, não estamos já perante mera formalidade do contrato – como ocorre quando falta a licença, mas é possível obtê-la –, mas em face de verdadeiro requisito de celebração do negócio que é imposto por lei, aplicando-se ao contrato-promessa as regras do contrato prometido (artigo 410.º, n.º 1, CC). Por isso, a dita qualificação como impossibilidade originária objetiva porque o contrato de compra e venda não pode ser realizado sem a licença de utilização, cuja obtenção não é possível nem suprível por outra via, em caso de construção inacabada de moradia unifamiliar.
Assim, tendo o contrato-promessa por objeto uma moradia unifamiliar inacabada, verifica-se uma impossibilidade legal de licenciamento do prédio tal como ele se apresentava no momento da celebração do contrato-promessa, e foi isso – repete-se –, que as partes prometeram contratar.
É certo que no contrato-promessa consta a obrigação da promitente compradora de disponibilizar a documentação necessária à realização da escritura. Porém, tal como foi acordada a realização do negócio, pura e simplesmente não podia ser obtida a necessária licença. E tanto assim é que a venda veio a ser realizada mercê, nas palavras da 2.ª ré em sede recursiva, do uso de “um truque meritório”!
Não colhe, portanto, o argumentário trazido pelas rés no sentido de que o negócio acordado era possível, ou que ficou acordado que eram os autores que terminariam as obas e depois pediriam a licença, pela simples mas evidente razão, de ter sido acordada a compra e venda de uma moradia inacabada e não a compra e venda de um lote de terreno para construção. Assim, foi por via da alteração do registo predial relativo à existência da construção que o negócio veio a ser concretizado com o terceiro. Esta foi a via encontrada para contornar a necessidade de licença de habitabilidade, caso a transação tivesse por objeto a moradia unifamiliar (facto provado 11). Também, apesar de poderem ter feito um aditamento ao contrato-promessa com cláusulas que, por exemplo, viessem possibilitar a celebração do contrato de compra e venda após a conclusão das obras e da obtenção da licença, as partes não o fizeram, porque não era isso que pretendiam, mas a transação do imóvel tal como se encontrava.
Ora, o facto de ter sido concretizado um negócio de compra e venda em 30.06.2022, não se confunde com a possibilidade legal de cumprimento do contrato-promessa, porque aquele contrato celebrado por via dessa alteração registral com o terceiro, que as Rés dizem que só não foi realizado porque o Autor não quis, não foi o contrato prometido.
É verdade que, como sustentam as Rés, a obra em causa não é uma obra clandestina ou ilegal[29], porquanto, ainda que existam desconformidades com o projeto de construção que foi oportunamente licenciado, as mesmas podem ser ultrapassadas nos termos referidos no ponto 34 dos factos provados, sendo a obra concluída e depois requerida a licença de utilização[30].
Porém, tal não afasta o que decorre da intenção expressa do legislador de excluir do comércio jurídico as frações autónomas de prédios urbanos constituídos em propriedade horizontal e as moradias familiares que não tenham licença de utilização, distinguindo estes casos dos demais, em que admitiu a possibilidade de serem transacionados só com a licença de construção. Estamos, pois, perante uma impossibilidade legal decorrente das regras que disciplinam imperativamente o regime jurídico da urbanização e edificação.
Poderá questionar-se se esta será a melhor solução e se a proteção dos adquirentes deste tipo de prédios não poderia ser conseguida por outras vias[31]. Mas, no quadro legal vigente, não temos dúvida em afirmar que, às relevantes razões diretas de proteção do comprador, que ao tempo enformaram o desenho deste regime legal, estão subjacentes considerações de ordem pública.
Conclui-se, pois, que o contrato-promessa em apreço, pelo qual as partes prometeram transacionar uma moradia inacabada, foi celebrado contra disposição legal de caráter imperativo, sendo nulo, por força do preceituado no artigo 294.º do CC.
Consequentemente, dada a nulidade da prestação a que se vincularam a promitente vendedora e os promitentes compradores, as obrigações correspondentes não se chegaram a constituir ou, por outras palavras, as correspondentes declarações de compra e venda que prometeram efetuar são desde logo inválidas, não produzindo qualquer efeito, e, por isso, as consequências não são as decorrentes da resolução do contrato por incumprimento culposo de qualquer uma das partes, como uma e outra defenderam nos respetivos recursos, não havendo lugar nem à restituição do sinal em dobro, nem à perda do sinal.
Com efeito, não tendo as correspetivas obrigações sido validamente constituídas, as consequências da nulidade correspondem à “mera reposição do statu quo ante[32], ou seja, à restituição de tudo o que tiver sido prestado, que no caso corresponde à quantia entregue pelos autores, promitentes-compradores, à 1.ª ré, promitente vendedora, a título de sinal.
Na verdade, a obrigação de restituição decorrente da nulidade do contrato rege-se pelo disposto no artigo 289.º, n.º 1, do CC, o qual estabelece que “tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”. Vale por dizer que os efeitos da referida nulidade operam ex tunc.
Assim, as consequências da nulidade do contrato-promessa, decorrente da impossibilidade legal originária de celebração do contrato prometido, que se verifica nos presentes autos pela impossibilidade de transação da moradia familiar no estado em que se encontrava, ou seja, inacabada – reconduzem-se única e exclusivamente à restituição pela promitente-vendedora, 1.ª R./recorrente/recorrida, de tudo o que recebeu por efeito da celebração do contrato promessa, isto é, tem a mesma que devolver aos AA. a quantia recebida por motivo do negócio celebrado, correspondente ao valor do “sinal”, no montante de 23.250,00€, acrescida de juros de mora, nos termos em que foram peticionados (ou seja, desde a citação e não desde a entrega).
Deste modo, em face da verificação e declaração da nulidade do contrato promessa, em cujo regime se tem que encontrar a resposta à pretensão deduzida pelos AA., fica obviamente prejudicada a apreciação e decisão sobre as demais questões suscitadas por ambos os Apelantes, tanto a respeito tanto da inexistência da declarada nulidade, como do incumprimento contratual, mormente as de saber a qual das partes esse incumprimento seria imputável e à decorrente (in)validade da resolução do contrato, visando determinar o valor a que o contraente não faltoso teria direito, nos termos do artigo 442.º, n.º 2, do CC.
Consequentemente, é de confirmar a decretada condenação da 1.ª Ré, improcedendo o recurso interposto pela 1.ª Ré e o recurso interposto pelo Autor na parte em que pretendia ser-lhe devida a restituição do valor do sinal em dobro.
*****
III.2.3. – Da responsabilidade da mediadora imobiliária
Importa agora apreciar se a 2.ª Ré deve ser solidariamente responsável com a 1.ª Ré pelo pagamento aos Autores do valor da decretada restituição (a deduzida pretensão terá que ser entendida em consonância com a condenação), defendendo o Autor/apelante que ao não condenar a 2.ª Ré solidariamente com a 1.ª, o tribunal violou, nomeadamente o disposto no artigo 17.º da Lei n.º 15/2013, de 08.02, porquanto a mesma violou os deveres de cuidado e informação, não se tendo abstido de realizar o contrato de mediação imobiliária quando estava em causa ou podia duvidar-se da licitude do negócio.
Defende a Apelada, 2.ª ré, que destinando-se as obrigações impostas nas diversas alíneas do citado n.º 1 do artigo 17.º a proteger interesses alheios, no caso, dos clientes e dos destinatários do serviço de mediação imobiliária, a violação pela empresa mediadora imobiliária destes deveres poderá fazê-la incorrer em responsabilidade civil extracontratual e não contratual, que é o regime do artigo 442.º do CC, pelo que nunca poderá ser condenada de acordo com o que é pedido pelos AA. Aduz ainda que não violou qualquer dever e, em qualquer caso, a conduta dos autores configuraria um claro abuso do direito.
Na sentença impugnada, absolveu-se a mediadora imobiliária do pedido, considerando-se que, porque o contrato-promessa se encontrava, no máximo, numa situação de mora por parte da 1.ª Ré quando os autores o consideraram resolvido, não se pode entender que a 2.ª Ré omitiu qualquer dos seus deveres. Mas, ainda que assim não se entendesse, julgou-se que, como os autores conheciam os termos do negócio, e quiseram fazê-lo, sabendo da falta da licença de habitabilidade, a pretensão de imputação da frustração do negócio a terceiros, quando não se provou que a mediadora imobiliária contribuiu para a decisão ou escondeu algum facto, a sua pretensão sempre configuraria um claro abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Vejamos.
Os deveres da empresa de mediação para com os clientes e os destinatários, estão previstos no artigo 17.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, que estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária (diploma que era o aplicável à data dos factos), prevendo no seu n.º 1 que as empresas mediadoras são obrigadas a certificar-se "da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes” (alínea b); a “propor aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exatidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro” (alínea c); e a “comunicar imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa por em causa a concretização do negócio visado". Por seu turno do n.º 2, alínea c), resulta que está expressamente vedado à empresa imobiliária “celebrar contratos de mediação imobiliária quando as circunstâncias do caso permitirem, razoavelmente, duvidar da licitude do negócio cuja promoção lhe for proposta”.
Porém, ao contrário do que acontecia nos diplomas de pretérito[33], e mais recentemente no Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de agosto, cujo artigo 22.º continha previsão expressa sobre a “responsabilidade civil”, a Lei n.º 15/2013, que revogou aquele diploma, não contém norma correspondente àquela, que estatuía:
“1 - As empresas de mediação são responsáveis pelo pontual cumprimento das obrigações resultantes do exercício da sua atividade.
2 - As empresas de mediação são responsáveis, nos termos do artigo 500.º do Código Civil, pelos danos causados por factos praticados por angariadores no âmbito dos contratos de prestação de serviços entre eles celebrados.
3 - São, ainda, solidariamente responsáveis pelos danos causados a terceiros, para além das situações já previstas na lei, quando se demonstre que atuaram, aquando da celebração ou execução do contrato de mediação imobiliária, em violação do disposto nas alíneas a) a e) do n.º 1 e nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 16.º
4 - Consideram-se terceiros, para efeitos da presente secção, todos os que, em resultado de um ato de mediação, venham a sofrer danos patrimoniais, ainda que não tenham sido parte no contrato de mediação imobiliária”.
Porém, ausência de regulação expressa não significa obviamente que não se apliquem as regras gerais relativas à responsabilidade civil, verificados que estejam os respetivos pressupostos.
Sendo certo que o contrato de mediação não se estabeleceu com os autores, promitentes compradores, mas com a promitente vendedora, a primeira questão que se coloca é a de saber se a responsabilidade civil em causa será (ainda) contratual ou extracontratual.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.12.2003[34], considerou-se que a responsabilidade delitual “é a que melhor corresponde aos interesses em jogo”, e cremos ser essa a mais correta qualificação, na medida em que a atividade da mediadora junto do terceiro interessado desenvolve-se em execução do contrato de mediação celebrado, mas nesse desenvolvimento a atuação da mediadora está sujeita ao cumprimento dos deveres que especificamente regulam a atividade, mormente aos referidos deveres de cuidado e de informação, e ainda aos princípios e deveres gerais, como sejam a boa-fé, e o princípio da confiança, sendo na violação dos deveres específicos da atividade e dos deveres gerais destinados a proteger interesses alheios que assenta a possibilidade de responsabilização da empresa mediadora, se estiverem verificados os respetivos pressupostos gerais, previstos no artigo 483.º do CC[35].
A segunda questão que se coloca é a de saber se, quando o prejuízo causado seja único, e tenha como fundamento a atividade/omissão concorrencial de um dos contraentes e da mediadora, existe responsabilidade solidária dos devedores, uma vez que são diversas as fontes da obrigação: num caso, a responsabilidade contratual, no outro, a delitual.
De acordo com o disposto no artigo 513.º do CC, a solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.
Como dissemos, a expressa previsão que existia a este respeito no regime pretérito não foi transposta para a lei vigente.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.05.2013[36], ponderou-se, com pertinência a este respeito, que «a questão que se coloca é a de saber se a obrigação de restituir de um, por força do art.º 442º do C. Civil, e de outro, por força da responsabilidade civil extracontratual em que incorreu, são obrigações solidárias.
Podia ser entendido que, por terem causas diferentes – num caso o incumprimento do contrato promessa, no outro o incumprimento do contrato promessa (sic), as obrigações não poderiam ser solidárias, embora visassem a reparação do mesmo dano.
O facto de duas obrigações terem causas diferentes, não obsta a que possa existir solidariedade entre elas – cf. Antunes Varela Obrigações 2ª ed. I 618 –. Necessário é que tenham o mesmo fim, a satisfação do mesmo interesse do credor – id. 621».
In casu, afastada a pretensão da restituição do sinal em dobro – que julgamos ser pacífico não seria nunca exigível nessa medida à mediadora, porque tal é a sanção prevista na lei para o incumprimento contratual, não tendo correspondência direta com o prejuízo sofrido pelo credor –, sendo o interesse do credor, a restituição do valor entregue a título de sinal, temos de concluir que tendo a ré promitente vendedora a obrigação de restituição fundada na nulidade do contrato-promessa, caso se entenda que a ré mediadora tem também a obrigação de reparar o mesmo dano, tratando-se de responsabilidade civil extracontratual por parte da ré mediadora, em face do disposto nos artigos 497.º, n.º 1, e 512.º, n.º 2, do CC, existe solidariedade entre os devedores dessa mesma obrigação de restituir.
Com efeito, tal como se ponderou no citado aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 04.12.2003, depara-se-nos nos autos «uma relação jurídica complexa, de carácter multipolar, (…) com o correlativo problema de coexistência de responsabilidades – a contratual - fundada nos contratos promessa de compra e venda entre a D e os AA e a extracontratual fundada em facto ilícito.
A cumulação de responsabilidades só será de arredar se e na medida em que isso acarrete uma duplicação de indemnizações, sendo contudo de conferir ao lesado o direito de escolha entre uma ou outra (Cfr. Prof. Pinto Monteiro, in "Cláusula Penal e Indemnização", pág 713 e "Cláusulas Limitativas de Exclusão de Responsabilidade Civil" p. 245 e Prof. Vaz Serra, in RLJ, Ano 102°, pág 313). Não ocorrerá, contudo, duplicação de indemnizações se os factos ilícitos e suas consequências forem diferentes, em ordem a verificar-se um concurso de pretensões que não um concurso de normas relativamente à mesma pretensão».
Vejamos, pois, se a 2.ª Ré violou ou não o dever geral de não ofender direitos ou interesses de outrem, que a faça incorrer na obrigação de indemnizar os lesados pelos danos decorrentes dessa violação, nos termos previstos no artigo 483.º do CC.
In casu, dos factos provados resulta que a 1.ª Ré contratou com a 2.ª Ré, em 27.02.2017, a prestação de serviços de mediação para obtenção de comprador para o imóvel em causa (facto provado 52), tendo-lhe entregue a documentação referida em 53), mormente a informação predial com a descrição ...16 onde à data (tal informação foi emitida em 24.03.2017 – facto provado 40) constava o averbamento referido em 10) b), ou seja, que o imóvel estava descrito como terra de pastagem e edifício em construção, tendo a Ré mediadora publicitado a venda do prédio como “uma moradia em construção” com base nesta informação documental (factos provados 35 e 54), tendo posteriormente acompanhado os autores nas visitas, na negociação, no contrato-promessa, e posteriormente, diligenciando até para que o mesmo se concretizasse (factos provados 20 e 21).
Porém, ao contrário do que ficou expresso na decisão recorrida, não temos dúvidas de que a 2.ª Ré, que se dedica à atividade de mediação imobiliária (facto provado 41) não atuou ab initio com a diligência exigível a quem exerce profissionalmente uma atividade, porque não está em causa que a mesma não se tenha esforçado para que a transação se concretizasse. Tudo está no que acima dissemos em fundamento da decretada nulidade, ou seja, que estávamos desde o início perante transação de edifício inacabado, e, por isso, de venda impossível nos termos em que foi anunciado.
Com efeito, consta no ponto 42 que a mesma não teve o cuidado de se certificar da correspondência entre as características do imóvel (prédio misto) e as fornecidas pela 1.ª Ré, mas mais especificamente, infere-se dos sobreditos pontos de facto que a 2.ª Ré aceitou outorgar um contrato de mediação de venda de um imóvel que, nos termos em que o acordo foi alcançado entre as partes, pura e simplesmente não podia ser vendido.
Em favor da 2.ª Ré diga-se, que só depois do pré-agendamento da escritura de compra e venda (facto provado 14), deve ter-se apercebido dessa impossibilidade, atento o teor do email enviado ao Autor em 17.12.2018, a informar da necessidade de alterar a documentação de forma a poder ser agendada a escritura (facto provado 16).
Mas, a ignorância ou má interpretação da lei não aproveita a ninguém (artigo 6.º do CC), e muito menos a quem, por via das funções profissionais que exerce, tem de conhecer as normas, especialmente as imperativas, que importam à atividade que exerce.
Na realidade, de acordo com as definições constantes nos n.ºs 1 e 4 do artigo 2.º da citada lei, a atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, podendo ainda prestar os serviços de informação necessários à concretização dos negócios objeto dos contratos de mediação imobiliária que celebrem, ou, acrescentamos nós, à impossibilidade dessa concretização nos termos propostos.
Ora, perante a documentação que a 1.ª Ré lhe forneceu, era já notório que o contrato de compra e venda de moradia inacabada, no estado em que se encontrava, não se podia concretizar, pelo que, ao aceitar celebrar o contrato de mediação, ao publicitar a pretensão da sua cliente de vender o prédio nas descritas condições, e ao negociar com os autores as condições para aquisição do imóvel nos termos em que vieram a constar no contrato promessa, sem nunca alertar que a mesma era impossível de concretizar naqueles termos, teve um comportamento negligente e arredado das legis artis profissionais, comportamento que foi concausa adequada para que os autores tenham outorgado o contrato-promessa e procedido à entrega do montante do sinal cuja restituição, por força dessa nulidade, só agora é declarada, tendo ficado desapossados desse valor desde 21.09.2018 (facto provado 4), que corresponde ao respetivo dano.
Efetivamente, pese embora se depreenda do aditamento ora efetuado ao facto provado 2) que o contrato-promessa não terá sido lavrado pela mediadora, já que a 1.ª Ré se encontrava representada por advogado, em cujo escritório o mesmo foi assinado por esta e pelo Autor, a verdade é que desde o primeiro momento que a 2.ª Ré tinha a obrigação de saber que a venda cuja mediação lhe foi solicitada não era legalmente possível, naqueles termos, em face do que dispõe o artigo 1.º, n.º 1, do mencionado DL 281/99, tendo tido a possibilidade de não publicitar a pretensão de venda de uma moradia inacabada, e, por isso, legalmente impossível, já que, obviamente, “o truque” usado mesmo que fosse “meritório” como a apelada o qualifica, por permitir fazer a venda, não afasta o vício original decorrente da exigência legal da licença de habitação para a concretização da venda, a qual não podia ser obtida antes da conclusão da obra.
Assim não tendo ocorrido, temos de concluir que houve negligência por parte da ré mediadora ao publicitar a venda de moradia inacabada nos sobreditos termos, inculcando a ideia que o negócio assim publicitado era possível, convicção que foi a causa da negociação e subsequente entrega pelos AA. à primeira Ré do sinal, que na situação em presença corresponde ao comprovado prejuízo sofrido pelos AA.
Como vimos, por força da nulidade do contrato-promessa, a 1.ª Ré foi condenada na restituição desse valor aos AA., pelo que, a questão que se coloca neste momento é a de saber se, podendo sê-lo, nos termos do artigo 497.º do CC, nas concretas circunstâncias do caso, a Ré mediadora deve ou não ser solidariamente responsável com a promitente vendedora no pagamento daquela quantia.
Na primeira instância a 2.ª Ré foi absolvida com o fundamento subsidiariamente aduzido, do abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
Cremos que efetivamente a pretensão deduzida contra a 2.ª Ré não pode proceder, mas que nem sequer será necessário convocar o referido instituto.
Com efeito, estabelece o artigo 570.º, n.º 1, do CC, que quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção dos danos cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
Na espécie, está provado que quando na reunião de 18 de setembro de 2018, altura em que o autor marido assinou o contrato-promessa no escritório do advogado da 1.ª ré, tinha conhecimento de que não havia licença de habitabilidade, tendo esse facto sido comunicado aos autores antes da assinatura do contrato entre as partes, ficando estes responsáveis pela conclusão da obra e, em seguida, submetendo-a à apreciação da Câmara Municipal de Tavira, e tendo o preço da compra sido reduzido em 44.000,00€. conforme decorre do cotejo dos factos provados em 3) e 48) a 51).
Pretendiam os AA. aditar à matéria de facto provada que desconheciam que essa licença era imprescindível para a realização da escritura. Porém, como dissemos em sede de reapreciação da matéria de facto, nem sequer alegaram tal facto, mas, ainda que o tivessem alegado, a ignorância da lei não lhes aproveitaria, nos termos do já mencionado artigo 6.º do CC. O mesmo se diga para a ideia veiculada nas alegações de recurso quanto à sua posição mais vulnerável, por não estarem representados por advogado, como ficou demonstrado, quando a 1.ª ré tinha esse apoio jurídico. Na verdade, não apenas não foi alegado oportunamente qualquer circunstancialismo de especial vulnerabilidade dos autores na capacidade de entendimento como inclusivamente está demonstrado que o Apelante é militar da GNR (ponto 46). Assim, tendo-lhe sido comunicado anteriormente à celebração do contrato que a moradia em causa não tinha licença de habitabilidade, tinha tido a oportunidade de se informar previamente se era possível adquirir o imóvel no estado em que se encontrava, ou mesmo entre o momento em que assinou o contrato e aquele em que a sua então mulher o fez posteriormente, não o fez. Sibi imputet, portanto.
Note-se ainda, por relevante, que tendo alegado no artigo 37.º da petição inicial que as Rés lhe disseram que bastava acabar as obras e pedir a licença de habitabilidade para a escritura se realizar, não logrou demonstrá-lo (alínea l) dos factos não provados), não estando igualmente provado o que a 2.ª Ré havia alegado quanto à prestação dessa informação ao autor pelo advogado da 2.ª Ré, no dia em que o autor subscreveu o contrato-promessa (alínea y) dos factos não provados), o que afasta a existência de intenção das rés de ocultação deste facto, e inculca o desconhecimento da sua essencialidade, ou seja, confirma a dita negligência da 2.ª Ré.
Tudo ponderado, e tendo ainda presente que, no caso, o prejuízo sofrido pelos autores, corresponde ao valor da quantia entregue a título sinal, a cuja restituição a primeira ré foi condenada, estando em causa apenas o reforço da garantia de pagamento à custa do património diverso, em face do disposto no artigo 570.º, n.º 1, tendo o comportamento negligente dos autores contribuído para a celebração do contrato-promessa nos termos referidos, deve ser excluída a possibilidade de condenação solidária da mediadora com a 1.ª ré, no pagamento aos autores do valor da decretada restituição decorrente da nulidade do dito contrato.
Termos em que, improcede a pretensão recursiva do Apelante, sendo de confirmar a sentença recorrida também nesta parte, ainda que por fundamentos diversos.
Vencidos, cada um dos Apelantes suporta as custas de parte do recurso, atento o princípio da causalidade, e o disposto nos artigos 527.º, 529.º e 533.º, todos do CPC.
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IV - Decisão
Pelo exposto, na improcedência das apelações, acordam os juízes desta conferência, em confirmar a sentença recorrida
Custas a cargo de cada um dos Apelantes.
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Évora, 25 de maio de 2023
Albertina Pedroso [37]
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] Juízo Central Cível de Faro, Juiz 2.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Francisco Xavier; 2.ª Adjunta: Maria João Sousa e Faro.
[3] Relativamente a ambos os recursos a transcrição será parcial, na parte relevante para identificação do objeto de cada um dos recursos, porquanto as denominadas “conclusões” estão longe da síntese que se impunha, expurgando-se aquelas cujo lugar próprio é o corpo das alegações (como acontece com a fundamentação), bem como – tanto quanto possível para não colocar em causa a compreensão da pretensão recursiva –, a inútil repetição de alegação anterior, mas mantendo a identificação alfabética e numérica de origem.
[4] Doravante abreviadamente designado CPC.
[5] Transcrevem-se da sentença recorrida, expurgando-se da menção quanto aos documentos “cujo teor se dá por integralmente reproduzido”.
[6] Aditado na sequência da reapreciação da matéria de facto.
[7] Aditado na reapreciação da matéria de facto.
[8] Idem.
[9] Cfr. Acórdão do TRL de 10-02-2011, proferido no processo n.º 334/10.6TVLSB-C.L1-2.
[10] Proferido no processo n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1.
[11] Apenas na parte em que comportam factos e não conclusões que, por si só, já não seriam passíveis de fundar qualquer aditamento.
[12] Doravante abreviadamente designado CC.
[13] Cfr. para maior desenvolvimento a este respeito, o acórdão deste TRE de 12 de abril de 2018, relatado pela ora relatora, e subscrito pelo aqui 1.º adjunto, proferido no processo n.º 1004/16.7T8STR.E1, disponível em www.dgsi.pt, tal como os demais arestos que sejam citados sem menção de outra origem.
[14] Que aditamos no lugar próprio da matéria de facto provada.
[15] O Autor não impugnou a decretada absolvição das Rés relativamente às demais quantias peticionadas.
[16] Cfr. ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em Geral, I vol., 6.ª edição, ALMEDINA, pág. 301 e JOÃO CALVÃO DA SILVA, in Sinal e Contrato-Promessa, 15.ª Edição, ALMEDINA, página 15.
[17] Cfr. GALVÃO TELES, in Direito das Obrigações, 6.ª edição, COIMBRA EDITORA, págs. 83 e 84.
[18] O itálico pretende salientar que esta perspetiva de análise, que foi trazida pelas partes, não é aplicável ao contrato em apreço atenta a particularidade de se ter prometido vender e comprar no estado em que se encontra, ou seja, a casa inacabada existente na parte urbana do imóvel, porque tal violaria normas legais imperativas, como mais abaixo melhor desenvolveremos.
[19] Proferido no processo n.º 872/07.8TVPRT.P1.S1.
[20] Cfr. BAPTISTA MACHADO, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, OBRA DISPERSA, Braga, Scientia Iuridica, 1991, vol. I, pág. 188.
[21] Cfr., para maior desenvolvimento a este respeito, que no caso não se justifica, o Acórdão do STJ de 15.01.2015, proferido no processo n.º 2365/08.7 TBABF.E1.S1, com respaldo na mais autorizada doutrina.
[22] Com efeito, se a impossibilidade do negócio for superveniente não afeta a sua validade, sendo causa de extinção da obrigação se não houver culpa do devedor (artigo 790.º, n.º 1, do CC) e, havendo culpa do devedor, é tratada como se este faltasse ao cumprimento respetivo, nos termos previstos no artigo 801.º, n.º 1, do CC. A respeito da distinção entre uma e outra situação, conferir, Ac. STJ de 02.06.2009, proferido no processo n.º 364/04.7TBFND.C1.S1.
[23] Na redação conferida pelo DL n.º 116/2008, de 04.07.
[24] Na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de outubro.
[25] Cfr., neste sentido, Ac. TRC de 12.02.2019, processo n.º 908/17.4T8GRD.C1.
[26] Proferido no processo n.º 898/07.1TBELV.E1. No mesmo sentido, cfr. o citado aresto do TRC.
[27] Cfr., Ac. STJ de 07.11.2019, processo n.º 3401/17.1T8FAR.E1.S1.
[28] Cfr., VAZ SERRA, in BMJ 76, pág. 68.
[29] Como se verificou, por exemplo, no caso apreciado no aresto do STJ de 25.05.2021, processo n.º 1466/19.0T8FAR.E1.S1, no qual se considerou ser «nulo o contrato-promessa de compra e venda de prédio, por impossibilidade originária do objeto, quando não fosse possível a outorga do contrato definitivo por inexistência de licença de utilização ou construção e inviabilidade de a mesma ser emitida, por as construções existentes não serem admitidas, nem poderem ser regularizadas, ao abrigo do plano municipal vigente». Assim também no acórdão do STJ de 13.05.2014, processo nº 5255/11.2TCLRS.L1.S1, no qual se concluiu no sentido de que «o contrato é originalmente nulo porque desde o início existiu a impossibilidade legal de contratar a transação do prédio (dada a situação de clandestinidade do bem imóvel prometido vender)».
[30] Conforme se sumariou no aresto deste Tribunal de 12.04.2018, processo n.º 715/16.0T8STB.E1, «o art. 1.º do DL 281/99, de 26 de Julho, na sua redacção actual, impõe a prova, na transmissão da propriedade de prédios urbanos, não apenas da existência da autorização de utilização, mas ainda que as alterações que o imóvel tenha sofrido estejam devidamente enquadradas nessa autorização de utilização».
[31] Veja-se o Post intitulado “Vinte e um anos de um Decreto-Lei transitório. Repensando a obrigatoriedade de apresentação de Licença de Utilização na transmissão de prédios em construção”, da autoria de NUNO COSTEIRA, Advogado Associado RSA-LP Porto, disponível em https://rsa-lp.com/2020/09/21/vinte-e-um-anos-de-um-decreto-lei-transitorio/
[32] Cfr. Acórdão STJ de 15.10.98 (Col. Jur. III, 63), citado no Ac. STJ de 13.05.2014.
[33] Cfr. artigo 23.º do DL n.º 77/99, de 16 de março.
[34] Proferido no processo n.º 03B3693, para o qual remetemos para maiores desenvolvimentos a este respeito.
[35] Não sendo de excluir, como se ponderou no citado aresto, que a obrigação de indemnizar por parte da mediadora «possa advir diretamente da estatuição-previsão do artº 485º, nº 2 do C. Civil – existência de um dever jurídico específico de dar conselho, recomendação ou informação e actuação negligente ou com "animus nocendi" por banda da Ré».
[36] Proferido no processo n.º 6686/07.8TBCSC.L1.S1.
[37] Texto elaborado e revisto pela Relatora.