CONFISSÃO DO PEDIDO
PETIÇÃO DE HERANÇA
ENCARGO DA HERANÇA
CONTRATO-PROMESSA
CESSÃO DE QUOTA
PREÇO
BENS COMUNS
PROVEITO COMUM DO CASAL
Sumário


I. — A confissão do pedido é o reconhecimento que o réu faz do direito do autor afirmado na acção — e, desde que o réu tenha o poder de disposição das relações ou das situações jurídicas controvertidas, o acto de reconhecimento do réu desencadeará os efeitos jurídicos pretendidos, com abstracção da real existência e conteúdo anterior dessas relações ou situações.

II. — A obrigação do pagamento do preço convencionado em contrato de cessão de quotas não é uma dívida que onere a quota cedida, como bem comum, no sentido do n.º 1 do art. 1694.º do Código Civil, seja porque não é uma dívida que acompanhe a quota, como encargo, seja porque não é uma dívida reforçada por garantia real sobre a quota cedida.

III. — O proveito comum do casal, no sentido do n.º 2 do art. 1691.º do Código Civil, deve aferir-se pelo fim visado pelo cónjuge que contraiu a dívida.

Texto Integral



ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

1. Em 25 de Janeiro de 2017, na Instância Central Cível ..., Comarca ..., AA, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança ilíquida de sua mulher BB, falecida em ... de Dezembro de 2015, instaurou acção declarativa sob forma comum contra CC, DD e EE pedindo:

I. A) a título principal, que se declare que:

1. O réu DD está obrigado a restituir ao autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, as 130.500 ações do capital social na sociedade “R... (Filhos), SA, em que foi convertida a quota no valor nominal de 4.410.000$00, que lhe foi cedida pelo autor e sua falecida mulher;

2. Os réus CC e EE estão obrigados a indemnizarem o autor e a herança aberta por óbito da mulher deste, BB, por terem celebrado o casamento em ... de julho de 1998, com prévia convenção antenupcial de comunhão geral de bens, em quantia correspondente ao valor da quota nessa data, que era de € 628.485,35;

B) A título subsidiário, se não procederem os pedidos deduzidos a título principal, que se declare que EE está obrigada a ressarcir o autor e a herança aberta por óbito da mulher deste, BB, na quantia que corresponde ao valor de metade da participação social que o réu CC, na data do casamento, detinha no capital social da identificada sociedade e que é metade de € 628.485,35, ou seja, de € 314.242,67, em virtude da comunicabilidade da dívida ao réu CC, perante seu pai, decorrente da cessão de quota que este lhe fez;

C) Ainda a título subsidiário, improcedendo o pedido deduzido em B), que se declare e reconheça o enriquecimento sem causa de EE à custa do património do autor e de sua falecida mulher BB, e correspondente empobrecimento destes por via da celebração do casamento com o réu CC em regime de comunhão geral de bens.

II. Condenar-se:

a – DD a entregar ao autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, as 130.500 ações no capital social da sociedade “R... (Filhos), SA.

b – CC e EE a pagarem ao autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, a quantia de € 628.485,35, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação e até efetivo e integral pagamento.

C – subsidiariamente, EE a pagar ao autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, a quantia de € 314.242,67, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação até efetivo e integral pagamento.

2. Em 02 de Maio de 2017, através de correio eletrónico, a Ré EE requereu a prorrogação do prazo para contestar por trinta dias, atendendo à relação destes autos com os processos n.ºs 1...6/2000 e 4091/07.....

3. Em 03 de Maio de 2017, foi proferido despacho indeferindo o requerimento de prorrogação do prazo para contestar.

4. Em 04 de Maio de 2017, EE contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção, e deduziu reconvenção em que pediu que fosse declarada proprietária de uma quota “no valor mínimo por que foi avaliada pelo autor”

5. Em 27 de setembro de 2018 foi proferida decisão em que:

I. — se absolveu da instância os Réus quanto ao pedido formulado por AA em representação (na qualidade de cabeça de casal) da herança ilíquida de sua mulher BB;

II. — se julgou prejudicado o conhecimento dos demais pedidos formulados na petição inicial;

III. — se rejeitou o pedido reconvencional deduzido pela Ré EE;

IV. — se absolveu as partes dos pedidos de condenação em litigância de má-fé.

6. Inconformados, o Autor AA e a Ré EE interpuseram recurso de apelação.

7. O Autor AA finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. A sentença recorrida na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, pois não especificou os fundamentos de facto que justificam a decisão, não procedendo à indicação dos factos julgados provados e os não provados.

2. O autor agiu na dúplice qualidade de per si – enquanto pessoa singular – e na qualidade de cabeça de casal da herança de sua falecida mulher.

3. Quem figura como autor na presente acção é o Autor, na dúplice qualidade de titular de um direito próprio e na qualidade de cabeça de casal da herança de sua mulher, é evidente que a referida herança (ilíquida e indivisa) não é parte na acção.

4. A recorrida sentença não interpretou correctamente as normas legais que regulamentam a defesa dos direitos da herança, tal como interpretou incorrectamente os artºs 26º e 12º nº 1 – alínea a) CPC.

5. O artº 26º do CPC atribui aos patrimónios autónomos personalidade judiciária (artº 12º nº 1 – a) CPC, pelo que a herança, enquanto património autónomo possa, mesmo, ter personalidade judiciária.

6. Mas, mesmo que assim se não entendesse, a verdade é que a própria lei estabelece, de modo expresso, uma situação em que esse vício pode ser sanado (cfr. art. 14º do actual CPC a que correspondia o art. 8º do anterior CPC).

7. Mesmo que se entendesse como o faz a recorrida sentença – o que se não concede –, que quem figura como autor na presente acção é a referida herança (ilíquida e indivisa) e não o respectivo cabeça de casal , então deveria ter sido o Autor convidado a aperfeiçoar o esclarecer essa situação processual.

8. Não o tendo feito, a sentença recorrida violou os artigos 6º; 7º e 590º e seguintes do CPC.

9. O cabeça de casal pode intentar a presente acção, desacompanhada dos demais herdeiros, com base no disposto nos arts. 2089º e 2091º do CC, pois existe o perigo de não cobrança da dívida e que tal justificaria a propositura da acção pelo cabeça de casal.

10. Estando em causa nos presentes autos, a cobrança de uma dívida activa da herança, o cabeça de casal tem legitimidade para propor a presente acção contra os demais herdeiros – os Réus DD e CC, pois são estes os devedores da herança.

11. E, em fundamento deste preceito o Autor, na qualidade de cabeça de casal da herança, alegou factos que justificam e demonstram a sua legitimidade para o efeito, que, nos termos da lei, e constituem pressuposto necessário dessa legitimidade.

12. Os factos alegados pelo Autor configuram a existência do perigo a que alude o citado art. 2089º.

13. A lei prevê que a excepção de ilegitimidade da cabeça de casal por preterição de litisconsórcio necessário é sanável por via do incidente de intervenção de terceiros, conforme decorre do art. 316º, nº 1, do actual CPC, impondo-se mesmo ao juiz o dever de providenciar pela sanação dessa excepção, convidando as partes a deduzir o incidente adequado à intervenção dos herdeiros em falta (cfr. art. 6º, nº 2, do CPC).

14. O Autor demanda os restantes dois herdeiros (os réus CC e DD ((1º e 2º réus), para reclamar o direito de crédito pertencente à herança.

15. O que comprova a existência de perigo da não cobrança efectiva da dívida, tal como decorre dos documentos juntos aos autos.

16. O autor está utilizando na presente ação a figura de petição da herança prevista no artº 2075º nº 1 Código Civil.

17. Deverá a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser integralmente revogada no que diz respeito à absolvição dos Réus da instância, sendo substituída por uma outra que decrete, outrossim, a legitimidade e personalidade judiciária do autor, com a normal prossecução da instância.

18. A sentença recorrida não fez correta interpretação e aplicação dos artºs 581º, o 671º, nº1, 496º, alínea a), 577º, i), 576º, nº2, do CPC.

19. A sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação nos termos do artº padece da nulidade a que se refere o artº 615º nº 1 – b) ex vi artº 607º nº 3 e 4 CPC

20. A sentença recorrida não analisou criticamente as provas, não indicou as ilações tiradas dos factos instrumentais nem especificou os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, nem tomou em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, nem compatibilizou toda a matéria de facto adquirida nem extraiu dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

21. A sentença recorrida não apreciou o pedido formulado pelo Autor contra o Réu DD.

22. Nos artºs 20º a 44º da petição inicial o Autor alegou factos tendentes a provar que o contrato que o 2º Réu consigo celebrara em13.05.1992 não foi cumprido e peticionou a restituição das acções que este é possuidor( e que são diferentes das acções que a acção nº ...00 declarou pertencerem ao 1º Réu CC e à 3ª Ré EE.

23. A recorrida sentença não se pronunciou sobre o contrato celebrado entre o A. e a sua falecida mulher e o 2º Réu DD (contrato este diferente e diverso do contrato celebrado com o 1º Réu CC).

24. Esse contrato celebrado com o 2º Réu DD nunca foi apreciado nem decidido nas acções anteriores, pelo que é impossível que possa estar abrangido pelo caso julgado.

25. Neste contexto, ocorreu omissão de pronúncia, incorrendo a sentença recorridas na nulidade prevista no artº artº 615º nº 1 – e d) CPC.

26. Não existe qualquer caso julgado que possa ser invocado e aplicado como sendo causa impeditiva da instauração e prossecução da presente acção.

27. Entre a acção judicial nº 1...6/2000 e a presente acção não existe identidade de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir.

28. Entre a acção judicial nº 4091/07.... e a presente acção não existe identidade de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir.

29. Assim, não existe caso julgado.

30. Na acção nº 4091/07...., o Autor não foi parte.

31. Em ambas as citadas e anteriores acções, a falecida mulher do Autor, BB nunca foi parte nem nelas teve qualquer intervenção.

32. O autor instaura a presente acção, no pressuposto e mesmo, em cumprimento, do decidido no Acórdão da Relação do Porto de 22.06.2004, proferido nessa acção nº 1...6/2000, que decidiu ser ineficaz a cessão de quota feita por AA, em alegada representação de CC e a DD e que pertenciam a EE e CC as 130.500 acções nominativas de R..., S.A..

33. Tendo sido decidido no Acórdão da Relação do Porto de 22.06.2004, proferido nessa acção nº 1...6/2000, que os Réus CC e EE eram titulares das acções em apreço, o aqui autor AA, instaura a presente acção, peticionando o pagamento do direito de crédito emergente do preço da transmissão de acções que fez o Réu CC.

34. O autor está, portanto, a peticionar a obrigação de pagamento da alienação da quota que saiu do seu património para o património do Réu CC.

35. O Autor peticiona, também, o cumprimento do contrato de cessão de quota que fez ao seu outro filho, DD.

36. O autor transmitiu, também a este seu outro filho, DD, as 130.500 acções, cujo preço e valor, este nunca lhe pagou nem à sua falecida mulher.

37. Este contrato transmissão das acções com o seu filho DD, nunca foi objecto de apreciação nem de decisão judicial, designadamente nas duas referidas acções judiciais.

38. O contrato que o Autor e sua falecida mulher celebraram com este 2º Réu, DD, nunca foi apreciado nem objecto de pedido nem sobre o mesmo foi pronunciada qualquer decisão judicial.

39. Daí que ocorra uma impossibilidade fáctica de ocorrência de caso julgado quanto a este contrato e quanto ao pedido formulado pelo Autor na presente acção contra este 2º Réu .

40. Do mesmo modo, a falecida mulher do Autor e de cujus na herança em apreço nunca foi parte em nenhuma daquelas referidas acções judiciais nem nelas teve qualquer intervenção.

41. Daí que o direito de crédito que os seus herdeiros têm sobre os Réus( também eles herdeiros) nunca poderia ser abrangido pelo caso julgado formado pelas decisões judiciais proferidas nas aludidas acções judiciais.

42. Ocorre, também aqui e quanto ao direito pré-existente na titularidade da falecida mulher do Autor uma impossibilidade fáctica de ocorrência de caso julgado quanto ao contrato celebrado por essa falecida mulher do Autor e quanto ao pedido formulado pelo Autor na presente acção contra os Réus.

43. Nunca se poderá falar em preclusão de defesa, quanto às acções anteriores, uma vez que na acção nº 1...6/2000, residindo a causa de pedir na invalidade ou ineficácia da cessão de quota feita pelo Autor em alegada representação de CC ao DD, o cumprimento dos contratos promessa que o Autor celebrou com os seus dois filhos, 1º e 2º Réus não poderia constituir, sequer, motivo de reconvenção, pois o direito de crédito aqui peticionado não emergia do facto que constituía a causa de pedir nessa acção nº 1...6/2000( e que era a invalidade ou ineficácia da cessão de quota feita pelo Autor em alegada representação de CC ao DD).

44. Com a procedência da presente acção, e com a condenação dos Réus a pagarem e indemnizarem o Autor, pelo cumprimento dos contratos promessa ajuizados, mantém-se inalterada a propriedade das quotas já decidida por arestos anteriores (cfr. fls. 115 e 179) e que nunca e por nenhum modo, a procedência desta acção afectaria.

45. O Autor é que não pode ficar desapossado do valor das acções, o que não contraria por nenhum modo o decidido na acção nº 1...6/2000.

46. E o 2º Réu DD - que nunca teve impugnação judicial nem sentença que afectasse a sua posição de titular das acções que o Autor e sua falecida mulher lhe transmitiram – nunca poderia perturba o decidido nas acções anteriores.”

8. A Ré EE finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

I. A sentença recorrida no pedido reconvencional não considerou que o caso sub judice se subsumia numa das alíneas do n.º 2 do art. 266.º do CPC.

II. O Autor agiu na dúplice qualidade de per si – enquanto pessoa singular – e na defesa dos interesses da sua falecida mulher.

III. Quem figura como autor na presente acção é o Autor, na dúplice qualidade de titular de um direito próprio e nessa qualidade deve responder com o seu património e com o da de cujus.

IV. Deverá a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada no que diz respeito à inadmissibilidade do pedido reconvencional, sendo substituída por uma outra que admita e decrete o dito pedido.

V. Neste contexto, a falta de fundamentos de facto e de direito da sentença, determina a nulidade da sentença recorrida na parte do pedido reconvencional prevista na alínea b) do nº 1 do artº 615º do CPC.

VI. Tendo sido decidido no Acórdão da Relação do Porto de 22.06.2004, proferido nessa acção nº 1...6/2000, que os Réus CC e EE eram titulares das acções em apreço, a Ré, instaura a presente acção, peticionando o pagamento do direito de crédito emergente do preço da transmissão de acções que o Autor DD e a sua falecida mulher fizeram ao Réu DD. VII. A Ré está, portanto, a peticionar a obrigação de pagamento da alienação da quota que saiu do seu património para o património do Réu DD.

VIII. A procedência desta acção, frustraria o crédito da ora Ré, na sobreditas acções, também na executiva e em outras a propôr, perturbando o decidido nas acções anteriores.

IX. Neste contexto, a falta de fundamentos de facto e de direito da sentença, no que toca à litigância de má fé que deve ser reconhecida nos termos do art. 542.º e ss. do CPC, determina ainda a nulidade da sentença recorrida nessa parte, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 615º do CPC”.

9. Em 4 de Setembro de 2019, o Réu DD requereu a junção aos autos de declaração de confissão de todos os factos articulados e de todos os pedidos formulados pelo Autor na petição inicial.

10. Em 21 de Outubro de 2019, o Tribunal da Relação do Porto:

I. — julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor AA;

II. — julgou totalmente improcedente o recurso interposto pela Ré EE.

11. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da ... secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam no seguinte:

I. Em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por AA, no que respeita às questões da personalidade judiciária e do caso julgado e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida e, conhecendo diretamente dos pedidos, em julgar totalmente improcedente a ação, absolvendo os réus dos pedidos, com exceção do réu CC, relativamente ao qual a instância se acha suspensa;

II. Em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por EE e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida nos segmentos impugnados;

III. As custas da ação e da apelação interposta pelo autor são da responsabilidade deste e as custas da apelação interposta pela ré são da responsabilidade desta, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, às taxas de justiça dos recursos, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que goza a ré.

12. Inconformados, o Autor AA e a Ré EE interpuseram recurso de revista.

13. O Autor AA finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O Réu DD efectuou a confissão de todos os factos articulados na acção bem como confessou os pedidos formulados, através de declaração junta em requerimento apresentado em 04.09.2019 com a referência Citius ...45, pelo que deveria ter sido condenado no pedido em obediência ao disposto no artº 283º nº 1, 290º Cod. Poc. Civil e artº 352º, 358º nº 1 Cod Civil.

2. A confissão do Réu DD ultrapassa a questão teórica de saber se este se obrigou a celebrar futuramente um contrato de cessão das quotas que recebeu de seus progenitores e não a restituir-lhes as quotas que lhe foram cedidas.

3. Ao contrário do que se decidiu no Acórdão recorrido, o Autor e sua falecida mulher não incorreram no não uso do direito de execução específica.

4. Não o puderam fazer pois como já foi decidido no Acórdão de Relação do Porto de 22 de Junho de 2004 , a execução específica não poderia ser concretizada nem operar contra a Ré EE, tendo este Acórdão declarado a ineficácia da outra cessão de quota efectuada sem sua intervenção.

5. O Autor e sua falecida mulher estavam sempre em tempo de exigir a execução específica , pois esta prerrogativa e faculdade, decorrente da celebração do contrato promessa não tinha prazo, podendo ser exercida a todo o tempo.

6. A actualização do preço da cessão das quotas com referência ao valor que teriam na data da celebração do casamento dos réus EE e CC, formulada no pedido principal é uma dívida de valor e não pecuniária.

7. Assim, tal dívida de valor é por si só incompatível com o princípio nominalista que vigora no cumprimento das obrigações pecuniárias (artigo 550º do Código Civil).

8. O critério de actualização tem de permitir, a anulação da depreciação do valor inerente ao decurso do tempo.

9. O Acórdão recorrido fez incorrectas interpretação e aplicação do artº 550º Cod. Civil.

10.O artigo 1730º e 1734.º do Código Civil determinam que a obrigação do réu CC de pagar o preço de aquisição da quota aos seus pais se transmite para a responsabilidade da Ré EE ao ingressar na comunhão, por via da convenção antenupcial e do casamento.

11. As 130.500 ações nominativas faziam parte do património comum do casal, com a restrição do pagamento do respectivo preço reportada à data do início da produção dos efeitos do divórcio.

12. Seja qual for a qualificação do negócio realmente querido pelas partes (o contrato de cessão de quotas) , o certo é que os seus termos determinam a situação da quota para efeitos de aplicação do regime de bens estipulado.

13. As obrigações assumidas pelo Réu CC relativamente à quota, que decorrem do contrato-promessa por si celebrado e são garantidas pela procuração, não podem deixar de ser tidas em consideração.

14. As obrigações assumidas pelo Réu CC estão associadas à quota que ele leva para o casamento e de que a Ré EE se arroga contitular, por força do regime da comunhão geral de bens convencionado.

15. A Ré EE passou a ser contitular do direito de propriedade sobre esse bem, nos precisos termos em que o seu consorte Réu CC, o era, com o ónus do incumprimento do contrato de aquisição da quota, por falta de pagamento do respectivo preço.

16. Incumprimento esse da obrigação do artº 879º al. c)doCod Civil , como um dos efeitos do contrato.

17. As 130.500 acções nominativas faziam parte do património comum do casal, com a restrição do pagamento do respectivo preço reportada à data do início da produção dos efeitos do divórcio.

18. Essa obrigação de pagamento do preço acompanhou o ingresso das acções no património comum dos Réus, designadamente, para a responsabilidade da Ré EE.

19. O douto Acórdão recorridos incorreu, salvo o devido respeito, em incorrectas interpretação e aplicação do regime de dívidas e da respectiva comunicabilidade e dos artº 879º al. c) , 1730º, 1734º, do Cod Civil.

20. Os factos alegados pelo Autor demonstram o proveito comum do casal.

21. Proveito comum este que está demonstrado, também, pela sentença proferida na acção nº 4091/07...., que condenou o R. CC a indemnizar a Autora pelo facto de este ter ratificado a cessão de quota efectuada ao Réu DD.

22. Deste modo, mercê dessa sentença, ficou a Ré com um direito de indemnização sobre o seu consorte decorrente da titularidade da aludida quota, cujo preço nunca foi pago ao Autor nem à sua falecida mulher.

23.O conceito de proveito comum constitui em si uma questão complexa ou mista, de facto e de direito.

24. Em ... de junho de 1998, data da celebração da convenção antenupcial ocorreu o proveito, porque está alegado o contexto factual que norteou os Réus EE e CC a celebrarem a convenção antenupcial e o casamento, (celebrado em ... de julho de 1998) com o intuito de a Ré EE ingressar na titularidade da aludida quota, por força da comunicabilidade de bens e de evitar que o Réu CC a retransmitisse ao Autor e sua falecida mulher.

25. Tal factualidade alegada, bem como a decisão judicial proferida, concedendo direito de indemnização á Ré EE demonstram e evidenciam o proveito comum do casal.

26.A Ré EE ao ingressar na titularidade da quota da sociedade, ingressou na obrigação do pagamento do respectivo preço de aquisição.

27. Com efeito, o contrato de cessão de quota ainda não estava cumprido, razão pela qual a respectiva aquisição – que ainda não estava totalmente cumprida por falta de pagamento do preço - surtiu todos s efeitos (com obrigação de pagamento do preço) na titularidade da Ré e consorte EE.

28. O acórdão recorrido fez incorrectas interpretação e aplicação dos artºs 879º-c) 1691º nº 1 – d) e 2 . e 1694º nº 1. do Cod Civil.

29.O Acórdão recorrido incorre em contradição lógica, pois recusa a utilização do instituto do enriquecimento sem causa por existirem outros meios ara o Autor defender sues direitos.

30. Mas esses meios são constituídos pelos pedidos principal e primeiro subsidiário, que foram também julgados improcedentes.

31. Se o Acórdão julgou improcedentes os pedidos principal e primeiro subsidiário, não pode dizer que existem outros meios ao denegar a figura do enriquecimento sem causa, por constituir uma contradição..

32. Ora, a possibilidade ou faculdade de o Autor utilizar outros meios para obter o pagamento do valor da quota (preço) consistem, precisamente, nos pedidos principal e primeiro subsidiário.

33. Se o Acórdão impugnado recusa existir o direito de indemnização (pedido principal) e a obrigação de pagamento de preço (primeiro pedido subsidiário), então terá que existir a possibilidade de recurso ao enriquecimento sem causa.

34. A vantagem patrimonial obtida pela Ré EE provém directamente da esfera jurídica do Autor e de sua falecida esposa, uma vez que o contrato de aquisição de quota nunca chegou a ser totalmente cumprido pois falta uma das obrigações impostas por lei – o pagamento do preço – artº 879º al. c) do Código Civil.

35. Assim, ocorreu uma deslocação patrimonial de um bem da esfera do Autor e sua falecida mulher para ambos os Réus CC e EE, pois o respectivo o preço nunca foi pago.

36. Assim, a Ré EE, enquanto meeira, adquiriu a comunhão desse bem, adquiriu a obrigação que sobre o mesmo bem impendia - o pagamento do preço da aquisição da quota.

Nestes termos, com o douto suprimento do omitido, deve ser concedido provimento á Revista, revogando-se e alunando-se o Acórdão recorrido , assim se fazendo JUSTIÇA!!!

14. A Ré EE contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela condenação do Autor, agora Recorrente, AA e do agora Recorrido DD como litigantes de má fé.

15. O recurso interposto pela Ré EE foi rejeitado por acórdão proferido em 18 de Março de 2021.

16. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

A. — Em relação aos pedidos deduzidos contra o Réu DD, a única questão suscitada pelo Autor, agora Recorrente, consiste em determinar se deve aplicar-se o regime da confissão do pedido e se, em consequência da aplicação do regime da confissão do pedido, deve condenar-se o Réu DD a entregar ao Autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, as 130.500 ações no capital social da sociedade R... (Filhos), SA. (conclusões 1.º e 2.ª).

B. — Em relação aos pedidos deduzidos contra a Ré EE, as questões suscitadas pelo Autor, agora Recorrente, são as seguintes:

I. — se há não cumprimento definitivo do contrato-promessa de cessão de quotas descrito nos factos dados como provados sob os n.º 3.4.1.6. a 3.4.1.11;

II. — se, em consequência do não cumprimento definitivo do contrato-promessa de cessão de quotas, a Ré EE deve ser condenada a indemnizar o Autor e a herança aberta por óbito da mulher deste, BB, em metade da quantia de € 628.485,35, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento [conclusões 3.ª-5.ª];

em caso de resposta negativa às questões formuladas sob I-II,

III. — se a obrigação de pagamento do preço das quotas cedidas ao Réu CC através do contrato de cessão descrito nos factos dados como provados sob os n.ºs 3.4.1.4 e 3.4.1.5 é uma dívida comum do casal;

IV. — se a obrigação de pagamento do preço das quotas cedidas ao Réu CC através do contrato de cessão descrito nos factos dados como provados sob os n.ºs 3.4.1.4 e 3.4.1.5 é uma dívida de valor (conclusões 6.ª a 9.ª);

V. — se, em consequência do não cumprimento da obrigação de pagamento do preço das quotas cedidas ao Réu CC, a Ré EE deve ser condenada a pagar ao Autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, a quantia de € 628.485,35, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento (conclusões 10.ª-28.ª);

em caso de resposta negativa às questões formuladas sob I-V,

VI. — se, em consequência do não cumprimento da obrigação de pagamento do preço das quotas cedidas ao Réu CC, a Ré EE enriqueceu injustificadamente à custa do Autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB;

VII. — se, em consequência do enriquecimento sem causa, a a Ré EE deve ser condenada a pagar ao autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, a quantia de € 314.242,67, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação até efetivo e integral pagamento (conclusões 29.º-36.º).

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

17. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

3.4.1.1 BB faleceu em ... de Dezembro de 2015.

3.4.1.2. CC e seu irmão DD são filhos de AA e da sua falecida mulher, BB.

3.4.1.3 À data de .../.../1992 o A., AA e sua falecida mulher BB, eram titulares de duas quotas, no valor de 4.410.000$00 cada uma, no capital social da sociedade comercial por quotas sob a firma “R... (Filhos), Lda. e na mesma data CC e seu irmão DD eram solteiros e residentes com seus pais.

3.4.1.4 Por escritura pública outorgada no ... Cartório Notarial de no dia .../.../1992, AA e sua mulher BB celebraram cessão de quotas que tinham no capital social da sociedade R... (Filhos) Lda., com os seus dois únicos filhos, CC e DD, declarando ceder a cada um dos aludidos filhos, que declararam adquirir por cessão, uma quota no valor nominal de 4.410.000$00, do capital social da sociedade R..., Lda., declarando cada um dos cessionários ter pago a seus pais o preço da referida cessão de quotas e declarando estes terem recebido de cada um dos filhos aquelas quantias.

3.4.1.5. Porém, contrariamente ao declarado nessa escritura de cessão de quotas, nem CC nem DD pagaram a seus pais essa quantia de 4.410.000$00 e nem o autor e sua mulher receberam de CC e de DD, seus filhos, essas quantias de 4.410.000$00.

3.4.1.6. Ainda nesse mesmo dia ... .05.1992 o autor e sua mulher celebraram com cada um dos seus dois filhos, CC e seu irmão, DD, um contrato-promessa de cessão dessas mesmas quotas objeto das sobreditas cessões que, por força da referida escritura, haviam acabado de ingressar na respetiva titularidade, do capital social da sociedade R..., Lda..

3.4.1.7. Nesse contrato-promessa, CC e DD prometeram ceder aos seus pais as quotas em cuja titularidade acabavam de ingressar, mercê da sobredita cessão, pelo preço de 4.410.000$00, para cada quota.

3.4.1.8. Nesse mesmo contrato-promessa, o autor e sua mulher declararam prometer adquirir a seus filhos CC e DD as referidas quotas que haviam declarado ceder-lhes, através da referida escritura de cessão.

3.4.1.9. No referido contrato-promessa de cessão de quotas o autor e sua mulher declararam ter pago a cada um dos seus filhos CC e DD a quantia de 4.410.000$00 relativa aos declarados preços das promessas de cessão de cada uma das duas quotas.

3.4.1.10. Nesse referido contrato-promessa de cessão de quotas o CC e seu irmão DD declararam ter recebido, cada um deles, de seus pais essas quantias de 4.410.000$00 relativas aos declarados preços das promessas de cessão de cada uma das quotas.

3.4.1.11. Porém, contrariamente ao declarado nesse contrato-promessa de cessão de quotas, nem o autor e sua mulher pagaram a cada um dos seus filhos essas quantias de 4.410.000$00 e nem CC nem DD receberam do autor e sua mulher, seus pais, essas quantias de 4.410.000$00.

3.4.1.12.  Ainda naquele mesmo dia .../.../1992, CC e DD outorgaram cada um deles uma procuração, constituindo seus pais, AA e BB, como seus procuradores, conferindo-lhes poderes para, “qualquer um deles, em seu nome e sua representação, alienar e ceder pelo preço e condições que entender e a quem lhe aprouver a quota no valor nominal de quatro milhões quatrocentos e dez mil escudos, de que é titular no capital da sociedade comercial por quotas sob a firma R... Lda.”.

3.4.1.13 Essas procurações foram outorgadas em documentos escritos assinados por CC e seu irmão DD, com reconhecimento presencial da letra e assinatura de cada um deles.

3.4.1.14. Nessas procurações consta, além do mais, o seguinte: “A presente procuração é subscrita, também, no interesse dos representantes, podendo estes ceder ou alienar a referida quota a si próprios.

3.4.1.15. Por escritura outorgada no ... Cartório Notarial de, no dia ... de dezembro de 1992, foi o capital social da sociedade R... Lda. aumentado de 35.000.000$00 para 600.000.000$00, por incorporação de reservas, passando a quota titulada pelo réu CC a ter o valor nominal de 83.510.000$00.

3.4.1.16. Entretanto, o réu CC casou com a ré EE no dia ... de julho de 1998 na ... Conservatória do Registo Civil ....

3.4.1.17. Este casamento foi precedido de convenção antenupcial outorgada por escritura pública lavrada no dia ... de junho de 1998 naquela ... Conservatória do Registo Civil ..., em que a ré EE e o réu CC estipularam o regime de comunhão geral de bens.

3.4.1.18. Por escritura lavrada no Cartório Notarial ... no dia ... de dezembro de 1998, o autor, invocando os poderes de representação que lhe haviam sido conferidos pelo seu filho, CC, através da procuração referida, declarou ceder a quota de que este era titular no capital social da sociedade R... Lda., a DD (irmão do réu CC), pelo preço de 4.500.000$00.

3.4.1.19. Nessa escritura o autor declarou que o seu filho CC e seu representado já tinha recebido a quantia em causa..

3.4.1.20. Por essa mesma escritura de ... .12.1998, foi aumentado o capital social da referida sociedade, de 600.000.000$00 para 1.000.000.000$00, sendo 360.000.000$00 por incorporação de reservas e 40.000.000$00 por entradas em dinheiro, passando a quota que era titulada pelo réu CC a ter o valor nominal de 130.499.059$00.

3.4.1.21. Ainda por essa escritura, a indicada sociedade foi transformada em sociedade anónima, passando o seu capital social a estar representado por um milhão de ações com o valor nominal de 1.000$00 cada, representadas por títulos de 1, 5, 10, 50, 100, 1000 e 5000 ações e a sua denominação social a ser R..., SA.

3.4.1.22. Mercê da referida escritura de aumento de capital datada de ... de dezembro de 1992 e da escritura de aumento da capital e de transformação em sociedade anónima datada de ... de dezembro de 1998, as quotas iniciais de cada um dos réus CC e DD foram convertidas e passaram a ter correspondência em 130.500 ações com o valor nominal de 130.500.000$00.

3.4.1.23. No dia 28 de janeiro de 2000 a ré EE e o réu CC instauraram no Tribunal da Comarca ... - ... Secção da então ... Vara Cível, com o nº 1...6/2000 – uma ação declarativa de condenação de processo comum na forma ordinária, contra DD e AA, na qual peticionaram, judicialmente, além do mais, o seguinte:

A) Ser declarada nula ou anulada a cessão de quotas feita através de escritura de ... .12.1998 por AA, em alegada representação de CC;

B) Em consequência, ser declarada propriedade de EE e de CC as 130.500 ações nominativas da sociedade R... S.A. que atualmente se encontram na titularidade do réu DD;

C) Ser ordenado o cancelamento do registo da transmissão daquela quota a favor de DD e os subsequentes registos que dela dependam.

3.4.1.24. Nessa ação, EE e CC peticionaram, subsidiariamente, a condenação solidária dos aí réus a indemnizá-los de todos os prejuízos causados pela cessão, no montante nunca inferior ao valor nominal que teria a quota se à data não tivesse sido cedida, ou seja, 130.499.059$00, devendo ainda ser condenados a pagar a diferença entre o valor real e o valor nominativo, valor esse a liquidar em execução de sentença, após avaliação da sociedade referida, bem como os danos não patrimoniais e patrimoniais referidos.

3.4.1.25. A ação foi julgada improcedente, tendo os aí autores recorrido para o Tribunal da Relação do Porto, veio este, por acórdão de 22 de junho de 2004, a julgar parcialmente procedente a apelação, decidindo:

A) Declarar ineficaz a cessão de quota feita por AA, em alegada representação de CC ao DD;

B) Declarar que pertencem a EE e CC as 130.500 acções nominativas de R..., S.A.;

C) Ordenar o cancelamento do registo feito quanto àquela transmissão e dos que dela dependam.

3.4.1.25. Desta decisão DD e AA, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso do qual vieram a desistir.

3.4.1.26. A falecida BB, mulher de AA, nunca foi parte nem interveniente nessa ação.

3.4.1.27. Entretanto o casamento celebrado entre EE e CC foi dissolvido por divórcio decretado por sentença proferida a ... de novembro de 2004, no âmbito do processo que correu termos pelo Tribunal de Família ..., sob o nº 3696/04.... e já transitada em julgado.

3.4.1.28. Esta ação de divórcio, que havia sido intentada por CC, contra EE, em ... de abril de 2004, na forma de ação de divórcio litigioso, acabou convertida em mútuo consentimento, na tentativa de conciliação realizada em ... de novembro de 2004, tendo, na respectiva ata, ficado a constar que “Não bens comuns a partilhar”.

3.4.1.29. Na sequência deste divórcio, e por instrumento lavrado no Cartório Notarial ..., a 12 de outubro de 2004, na pendência do recurso que havia sido interposto do Acórdão da Relação do Porto de 22.06.2004, CC ratificou em todos os seus termos a escritura de cessão de quota de ... de dezembro de 1998, outorgada pelo seu pai, AA, em sua representação, nomeadamente, quanto ao preço pelo qual a quota foi cedida.

3.4.1.30 Na sequência dessa ratificação, os réus nessa ação, AA e DD, desistiram do recurso que haviam interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, pelo que transitou em julgado o referido acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22 de junho de 2004.

3.4.1.31. Na data em que o CC ratificou a cessão de quota outorgada por seu pai, e exceção feita às ações em que aquela quota foi convertida na sequência da transformação da respectiva sociedade em sociedade anónima, CC não possuía bens nem era titular de direitos para além do salário que auferia como trabalhador subordinado, tendo, a esse título, auferido no ano de 2004 um rendimento anual bruto de € 19.508,65.

3.4.1.32. Entretanto a aqui Ré, EE, instaurou ação ordinária contra CC e DD que correu termos sob o nº 4091/07.....

3.4.1.33 Nessa ação peticionava o seguinte:

«a. Condenar-se o R. CC a pagar à A. a quantia de € 325.465,63, acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação até integral e efectivo pagamento, calculados à taxa que em cada momento vigorar;

b. Condenar-se o R. CC a pagar à A. a quantia correspondente à diferença, se existir, entre o valor peticionado na alínea anterior e metade do valor pelo qual forem avaliadas as 130.500 acções de que era titular na sociedade R..., Lda à data de 12 de Outubro de 2004, a liquidar em incidente de liquidação;

c. Ser a escritura de cessão de quota de ... de dezembro de 1998 e o instrumento de ratificação de 12 de Outubro de 2004 declarados ineficazes em relação à A. para efeito do disposto no art. 610º do Código Civil e, consequentemente, ser declarado que a A. tem direito a fazer-se pagar pelas forças das 130.500 acções representativas do capital social da sociedade R..., S.A. de que é titular o R. DD, as quais, por isso, poderão ser penhorados no património deste, até efectivo e integral pagamento do crédito da A. sobre o R. CC peticionado nas alíneas anteriores, incluindo os juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.»

3.4.1.34 Essa ação veio a ser julgada procedente, decidindo-se por sentença de 18.02.2014 o seguinte:

«I) - condenar o réu CC a pagar à autora a quantia de € 375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação até integral e efetivo pagamento;

II) - condenar o réu CC a pagar à autora a quantia correspondente à diferença, se existir, entre o valor de € 375.000,00 e metade do valor pelo qual forem avaliadas as 130.500 ações de que era titular na sociedade R..., S.A. à data de 12 de Outubro de 2004, a liquidar em incidente de liquidação;

III) - declarar que a escritura de cessão de quota de ... de dezembro de 1998 e o instrumento de ratificação de 12 de Outubro de 2004 são ineficazes em relação à autora para efeito do disposto no artigo 610º do Cód. Civil e, consequentemente, declara-se que a autora tem direito a fazer-se pagar pelas forças das 130.500 ações representativas do capital social da sociedade R..., Ldª de que é titular o réu DD, as quais, por isso, poderão ser penhoradas no património deste, até efetivo e integral pagamento do crédito da autora sobre o réu CC, incluindo os juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.»

3.4.1.35 Essa sentença foi confirmada pelo acórdão da Relação do Porto de 23.02.2015 e por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 13.10.2016.

3.4.1.36. A falecida BB, mulher de AA, nunca foi parte nem interveniente nessa ação.

3.4.1.37. Em 26 de janeiro de 2016, no Cartório Notarial ... – ..., no livro de notas para escrituras diversas nº sessenta e dois A, de folhas cento e quarenta e cinco a folhas cento e cinquenta e quatro verso, foi lavrada escritura pública de partilha da herança aberta por óbito de BB, tendo sido outorgantes AA, viúvo, CC, casado no regime de separação de bens com FF e DD, casado no regime de separação de bens com GG.

3.4.1.38. Nesta ação foram formulados os seguintes pedidos:

I. A) a título principal, que se declare que:

1. O réu DD está obrigado a restituir ao autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, as 130.500 ações do capital social na sociedade “R... (Filhos), SA, em que foi convertida a quota no valor nominal de 4.410.000$00, que lhe foi cedida pelo autor e sua falecida mulher;

2. Os réus CC e EE estão obrigados a indemnizarem o autor e a herança aberta por óbito da mulher deste, BB, por terem celebrado o casamento em ... de julho de 1998, com prévia convenção antenupcial de comunhão geral de bens, em quantia correspondente ao valor da quota nessa data, que era de € 628.485,35;

B) A título subsidiário, se não procederem os pedidos deduzidos a título principal, que se declare que EE está obrigada a ressarcir o autor e a herança aberta por óbito da mulher deste, BB, na quantia que corresponde ao valor de metade da participação social que o réu CC, na data do casamento, detinha no capital social da identificada sociedade e que é metade de € 628.485,35, ou seja, de € 314.242,67, em virtude da comunicabilidade da dívida ao réu CC, perante seu pai, decorrente da cessão de quota que este lhe fez;

C) Ainda a título subsidiário, improcedendo o pedido deduzido em B), que se declare e reconheça o enriquecimento sem causa de EE à custa do património do autor e de sua falecida mulher BB, e correspondente empobrecimento destes por via da celebração do casamento com o réu CC em regime de comunhão geral de bens.

II. Condenar-se:

a – DD a entregar ao autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, as 130.500 ações no capital social da sociedade “R... (Filhos), SA.

b – CC e EE a pagarem ao autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, a quantia de € 628.485,35, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação e até efetivo e integral pagamento.

C – subsidiariamente, EE a pagar ao autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, a quantia de € 314.242,67, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação até efetivo e integral pagamento.

O DIREITO

18. Em relação aos pedidos deduzidos contra o Réu DD [de condenação a entregar ao Autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, as 130.500 ações no capital social da sociedade R... (Filhos), SA.], a única questão suscitada pelo Recorrente consiste em averiguar se deve aplicar-se o regime da confissão do pedido.

19. Os arts. 283.º e 290.º do Código de Processo Civil são do seguinte teor:

Artigo 283.º — Liberdade de desistência, confissão e transação

1. — O autor pode, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele, como o réu pode confessar todo ou parte do pedido.

2. — É lícito também às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objeto da causa.

Artigo 290.º — Como se realiza a confissão, desistência ou transação

1. — A confissão, a desistência ou a transação podem fazer-se por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo.

2. — O termo é tomado pela secretaria a simples pedido verbal dos interessados.

3. — Lavrado o termo ou junto o documento, examina-se se, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a confissão, a desistência ou a transação é válida, e, no caso afirmativo, assim é declarado por sentença, condenando-se ou absolvendo-se nos seus precisos termos.

4. — A transação pode também fazer-se em ata, quando resulte de conciliação obtida pelo juiz; em tal caso, limita-se este a homologá-la por sentença ditada para a ata, condenando nos respetivos termos.

20. O Tribunal da Relação julgou improcedente os pedidos deduzidos contra o Réu DD, distinguindo a obrigação de conclusão de um contrato de cessão de quotas, que teria sido assumida pelo Réu através do contrato-promessa descrito nos factos dados como provados sob os n.º 3.4.1.6. a 3.4.1.11, e a obrigação de restituição das quotas, que não teria sido assumida:

“[o Réu DD] obrigou[-se] a celebrar futuramente um contrato de cessão das quotas que recebeu de seus progenitores e não a restituir-lhes as quotas que lhe foram cedidas. Na realidade, um contrato-promessa é um contrato preliminar em que se assume a obrigação de celebração de um certo contrato (artigo 410º, nº 1, do Código Civil), esgotando-se o cumprimento do contrato-promessa de cessão de quotas, da banda do promitente cedente, com a emissão da declaração de vontade pela qual se opera a cessão prometida. A ser proferida a declaração de vontade a que o adquirente das quotas se obrigou por meio de contrato-promessa de cessão de quotas, ocorre a transmissão da titularidade destas por mero efeito dessa declaração”.

21. O argumento do Tribunal da Relação do Porto é, em absoluto, irrespondível — e, em rigor, o Autor, agora Recorrente, AA não lhe responde.

22. O Autor, agora Recorrente, AA alega, tão-só, que o acórdão recorrido não atendeu à declaração referida no n.º 9 do precedente relatório, em que o Réu DD requereu a junção aos autos da declaração de confissão de todos os factos articulados e de todos os pedidos formulados pelo Autor na petição inicial.

23. Ora a declaração de confissão, desde que válida, determinaria que a apreciação dos pedidos deduzidos contra o Réu DD dispensasse um juízo de mérito.

24. A confissão do pedido é o “reconhecimento que o réu faz do direito do autor afirmado na acção” [1] — e, desde que o réu tenha o poder de disposição das relações ou das situações jurídicas controvertidas, o acto de reconhecimento do réu desencadeará os efeitos jurídicos pretendidos “com abstracção da real existência e conteúdo anterior dessas [relações ou situações]” [2].

25. José Alberto dos Reis explicava que, “[s]e o réu confessa o pedido do autor, reconhece que a pretensão deste é conforme com a orde, jurídica.

      O reconhecimento do réu ultrapassa, em tal caso, a zona do facto e recai sobre o próprio direito que o autor se atribui; actua, portanto, sobre a relação jurídica substancial e põe termo, não só à instância, mas também à acção. Não faz sentido que a acção subsista, desde que o réu reconheça como fundada a pretensão do autor” [3].  O facto de o fundamento deduzido pelo Autor ser procedente ou improcedente seria de todo em todo irrelevante:

 “O juiz”, explicava, “nada mais faz do que julgar extinta a instância” [4] — ainda que haja de proferir uma decisão, “não vai conhecer do mérito da causa, não vai examinar se a acção procede [ou não procede]” [5] — vai, tão-só, verificar se a confissão é válida [6].

Existindo, como existe, uma declaração de confissão, o Tribunal da Relação deveria ter dado cumprimento ao art. 290.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, “examina[ndo] se, pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a confissão […] é válida”.

26. Ora, o Tribunal da Relação do Porto não examinou se a confissão do Réu DD era  uma confissão válida ou inválida.

27. Em consequência, e em relação aos pedidos deduzidos contra o Réu DD, deverá determinar-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação, para os efeitos previstos no art. 290.º do Código de Processo Civil.

28. Em relação aos pedidos deduzidos contra a Ré EE [ao pedido principal de condenação a pagar ao Autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, a quantia de € 628.485,35, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento e ao pedido subsidiário de condenação a pagar ao Autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, a quantia de € 314.242,67, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação até efetivo e integral pagamento]:

29. A primeira e a segunda questões suscitadas pelo Autor, agora Recorrente, consistem em averiguar:

I. — se houve não cumprimento definitivo do contrato-promessa de cessão de quotas descrito nos factos dados como provados sob os n.º 3.4.1.6. a 3.4.1.11;

II. — se, em consequência do não cumprimento definitivo do contrato-promessa de cessão de quotas, a Ré EE deve ser condenada a indemnizar o Autor e a herança aberta por óbito da mulher deste, BB, em metade da quantia de € 628.485,35, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento [conclusões 3.ª-5.ª].

30. Os factos dados como provados sob os n.ºs 3.4.1.6 a 3.4.1.10 são do seguinte teor:

3.4.1.6. Ainda nesse mesmo dia ... .05.1992 o autor e sua mulher celebraram com cada um dos seus dois filhos, CC e seu irmão, DD, um contrato-promessa de cessão dessas mesmas quotas objeto das sobreditas cessões que, por força da referida escritura, haviam acabado de ingressar na respetiva titularidade, do capital social da sociedade R..., Lda..

3.4.1.7. Nesse contrato-promessa, CC e DD prometeram ceder aos seus pais as quotas em cuja titularidade acabavam de ingressar, mercê da sobredita cessão, pelo preço de 4.410.000$00, para cada quota.

3.4.1.8. Nesse mesmo contrato-promessa, o autor e sua mulher declararam prometer adquirir a seus filhos CC e DD as referidas quotas que haviam declarado ceder-lhes, através da referida escritura de cessão.

3.4.1.9. No referido contrato-promessa de cessão de quotas o autor e sua mulher declararam ter pago a cada um dos seus filhos CC e DD a quantia de 4.410.000$00 relativa aos declarados preços das promessas de cessão de cada uma das duas quotas.

3.4.1.10. Nesse referido contrato-promessa de cessão de quotas o CC e seu irmão DD declararam ter recebido, cada um deles, de seus pais essas quantias de 4.410.000$00 relativas aos declarados preços das promessas de cessão de cada uma das quotas.

31. O acórdão recorrido considerou:

I. — que não havia nem não cumprimento definitivo nem, tão-pouco, mora qualificada dos Réus no cumprimento do contrato-promessa de cessão de quotas;

II. — que, não havendo nem não cumprimento definitivo nem, tão-pouco, mora qualificada dos Réus no não cumprimento do contrato-promessa, a Ré EE deve ser condenada a indemnizar o Autor e a herança aberta por óbito da mulher deste, BB:

 

“[O] réu CC não carecia do consentimento da ré EE para ceder a seus pais as quotas que deles havia recebido (artigo 1682º, nº 2, conjugado com a alínea c), do nº 1, do artigo 1678º, ambos do Código Civil) e, não carecendo desse consentimento, podiam os seus progenitores, se assim o entendessem, coagi-lo a cumprir o contrato-promessa mediante a pertinente execução específica convencionalmente ajustada entre todos os outorgantes do contrato-promessa de cessão de quotas”.

   Em vez de um não cumprimento definitivo, ou de uma mora qualificada, teria havido, tão-só, uma não actuação, um não exercício ou um não uso “por parte dos promitentes cessionário do instrumento jurídico adequado à tutela das suas pretensões e que era a execução específica do contrato-promessa celebrado (artigo 830º, do Código Civil)”.

32. O Autor, agora Recorrente, AA alega que

3. Ao contrário do que se decidiu no Acórdão recorrido, o Autor e sua falecida mulher não incorreram no não uso do direito de execução específica.

4. Não o puderam fazer pois como já foi decidido no Acórdão de a Relação do Porto de 22 de Junho de 2004 , a execução específica não poderia ser concretizada nem operar contra a Ré EE, tendo este Acórdão declarado a ineficácia da outra cessão de quota efectuada sem sua intervenção.

5. O Autor e sua falecida mulher estavam sempre em tempo de exigir a execução específica , pois esta prerrogativa e faculdade, decorrente da celebração do contrato promessa não tinha prazo, podendo ser exercida a todo o tempo.

33. Os factos dados como provados sob os n.ºs 3.4.1.23 a 3.4.1.26 são do seguinte teor:

3.4.1.23. No dia 28 de janeiro de 2000 a ré EE e o réu CC instauraram no Tribunal da Comarca ... - ... Secção da então ... Vara Cível, com o nº 1...6/2000 – uma ação declarativa de condenação de processo comum na forma ordinária, contra DD e AA, na qual peticionaram, judicialmente, além do mais, o seguinte:

A) Ser declarada nula ou anulada a cessão de quotas feita através de escritura de ... .12.1998 por AA, em alegada representação de CC;

B) Em consequência, ser declarada propriedade de EE e de CC as 130.500 ações nominativas da sociedade R... S.A. que atualmente se encontram na titularidade do réu DD;

C) Ser ordenado o cancelamento do registo da transmissão daquela quota a favor de DD e os subsequentes registos que dela dependam.

3.4.1.24. Nessa ação, EE e CC peticionaram, subsidiariamente, a condenação solidária dos aí réus a indemnizá-los de todos os prejuízos causados pela cessão, no montante nunca inferior ao valor nominal que teria a quota se à data não tivesse sido cedida, ou seja, 130.499.059$00, devendo ainda ser condenados a pagar a diferença entre o valor real e o valor nominativo, valor esse a liquidar em execução de sentença, após avaliação da sociedade referida, bem como os danos não patrimoniais e patrimoniais referidos.

3.4.1.25. A ação foi julgada improcedente, tendo os aí autores recorrido para o Tribunal da Relação do Porto, veio este, por acórdão de 22 de junho de 2004, a julgar parcialmente procedente a apelação, decidindo:

A) Declarar ineficaz a cessão de quota feita por AA, em alegada representação de CC ao DD;

B) Declarar que pertencem a EE e CC as 130.500 acções nominativas de R..., S.A.;

C) Ordenar o cancelamento do registo feito quanto àquela transmissão e dos que dela dependam.

3.4.1.25. Desta decisão DD e AA, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso do qual vieram a desistir.

3.4.1.26. A falecida BB, mulher de AA, nunca foi parte nem interveniente nessa ação.

34. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Junho de 2004 declarou expressamente que o então co-Autor, agora co-Réu, CC, podia ceder ao então co-Réu, agora Autor AA a quota objecto do contrato-promessa.

    Enunciando, como questão a que cumpria dar resposta “Poderia essa quota ser alienada sem o consentimento da A. esposa?”, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Junho de 2004 dizia:

“Entendemos que sim, porque estamos perante a alienação de um bem móvel do qual o A. é administrador único, por ele existir já na sua esfera patrimonial do actual administrador antes do casamento, ainda que, por efeito do regime de bens de casamento (regime de comunhão geral) se tenha entretanto transformado em bem comum, e, nesse caso, (como é de bens móveis que tratamos) não é necessário o consentimento do cônjuge para proceder à respectiva alienação.

Explicitemos o nosso raciocínio, seguindo ‘pari passu’ o que, segundo nós, resulta da lei:

De acordo com o disposto no art. 1678.º-2-c) do CC. cada um dos cônjuges tem a administração dos bens que haja levado para o casamento, ou adquiridos a título gratuito depois do casamento, bem como dos sub-rogados em lugar deles, posto que, com o regime de bens do casamento, hajam tais bens passado a ser bens comuns.

Portanto, não obstante a referida quota se ter tornado num bem comum (devido ao regime de bens do casamento ser o de comunhão geral), a administração dela continuou a pertencer ao A. marido.

Ora, de acordo com o disposto no art. 1682.º-2 do CC., “Cada um dos cônjuges tem legitimidade para alienar ou onerar, por acordo entre vivos, os móveis próprios ou comuns de que tenha a administração, nos termos do n.º 1 do art. 1678.º e das alíneas a) a f) do n.º 2 do mesmo artigo, ressalvado o disposto nos números seguintes – n.ºs 3 e 4 desse mesmo artigo.(sublinhado nosso).

Donde, poder concluir-se que o A. poderia alienar a sua quota na sociedade – arts. 1678.º-2-c), a menos que se tratasse dalguma das hipóteses previstas no n.º 3 e 4 do artigo 1682.º-3 e 4, excepções estas que não se verificavam, já que a alienação da quota não constitui alienação de móveis utilizados conjuntamente por ambos os cônjuges na vida do lar ou como instrumento comum de trabalho - art. 1678.ºn.º 3-a), nem respeitava a bem móvel pertencente exclusivamente ao cônjuge que o não administrava – art. 1678.º-3-b), nem versava sobre negócio gratuito – art. 1678.º-4 do CC.

Assim, para a alienação da quota social na sociedade […] não precisaria o A. do consentimento de sua esposa, posto que bem comum”.

35. Em coerência com a afirmação de que o então co-Autor, agora co-Réu, CC podia ceder ao então co-Réu, agora Autor, AA a quota objecto do contrato-promessa, sem o consentimento da então co-Autora, agora co-Ré, EE, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Junho de 2004 apresentou como fundamento exclusivo da declaração de ineficácia da cessão de quota a ineficácia da procuração descrita nos factos dados como provados sob os n.ºs 3.4.1.12 a 3.4.1.14 [7]:

           

36. O art. 127.º, n.º 3, do Código do Notariado então em vigor determinava que “[a]s procurações conferidas também no interesse de procurador ou de terceiro devem ser lavrados por instrumento público cujo original é arquivado no cartório” — ora, como as procurações tivessem sido conferidas por documentos escritos, com reconhecimento presencial da letra e assinatura, a inobservância da forma legal determinaria a ineficácia da cessão de quota referida nos factos dados como provados sob os n.ºs 3.4.1.18 e 3.4.1.19 [8]:

“Tendo o 2.º R. utilizado no negócio uma procuração que não obedecia aos requisitos formais exigidos (porque o negócio era no interesse dele e/ou de terceiro), concluímos que o negócio foi celebrado em nome do representado sem que os representantes tivessem os necessários e indispensáveis poderes para o efeito, que só poderiam considerar-se dados através do competente meio.

[…] estamos perante um caso de representação sem poderes, pelo que o mesmo negócio não pode vincular o representado enquanto este não ratificar o negócio pela forma exigida para a procuração, como aliás já tivemos oportunidade de acima assim o referir – art. 268.º-1 e 2 do CC”.

37. Os critérios deduzidos no acórdão do Tribunal da Relação do Porto 22 de Junho de 2004 conduziram logicamente à ineficácia da cessão de quotas, em relação ao então co-Autor, agora co-Réu, CC:

“Uma vez que o negócio não chegou a ser ratificado, há que concluir pela sua ineficácia relativamente ao A., supostamente representado pelos 2.ºs RR. na escritura de alienação de quota”.

38. Em consequência, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Junho de 2004 em nada obsta à execução específica do contrato-promessa de cessão de quotas:

Em primeiro lugar, não afirma, nem sequer sugere, que “a execução específica não [possa] ser concretizada […] contra a Ré EE [...]” e, em segundo lugar, não afirma, nem sequer sugere, que “a execução específica não [possa] operar contra a Ré EE [...]” — i.e., que a execução específica seja ineficaz em relação à Ré EE.

Em vez de afirmar, ou sequer sugerir, que a “a execução específica não [possa] ser concretizada […] contra a Ré EE [...]”, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Junho de 2004 sugere exactamente o contrário — que a execução específica pode ser concretizada pelo Autor, agora Recorrente, contra a Ré, agora Recorrida, EE.

39. O Autor, agora Recorrente, AA poderá porventura ter confundido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Junho de 2004 com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 2015, confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2016 — em contraste com o dispositivo do acórdão de 22 de Junho de 2004, o dispositivo da sentença de 18 de Fevereiro de 2014, confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 2015 e pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2016, fala em ineficácia em relação à então Autora, agora Ré, EE.

40. Os factos dados como provados sob os n.ºs 3.4.1.32 a 3.4.1.36 são do seguinte teor:

3.4.1.32. […] a aqui Ré, EE, instaurou ação ordinária contra CC e DD que correu termos sob o nº 4091/07.....

3.4.1.33 Nessa ação peticionava o seguinte:

«a. Condenar-se o R. CC a pagar à A. a quantia de € 325.465,63, acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação até integral e efectivo pagamento, calculados à taxa que em cada momento vigorar;

b. Condenar-se o R. CC a pagar à A. a quantia correspondente à diferença, se existir, entre o valor peticionado na alínea anterior e metade do valor pelo qual forem avaliadas as 130.500 acções de que era titular na sociedade R..., Lda à data de 12 de Outubro de 2004, a liquidar em incidente de liquidação;

c. Ser a escritura de cessão de quota de ... de dezembro de 1998 e o instrumento de ratificação de 12 de Outubro de 2004 declarados ineficazes em relação à A. para efeito do disposto no art. 610º do Código Civil e, consequentemente, ser declarado que a A. tem direito a fazer-se pagar pelas forças das 130.500 acções representativas do capital social da sociedade R..., S.A. de que é titular o R. DD, as quais, por isso, poderão ser penhorados no património deste, até efectivo e integral pagamento do crédito da A. sobre o R. CC peticionado nas alíneas anteriores, incluindo os juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.»

3.4.1.34 Essa ação veio a ser julgada procedente, decidindo-se por sentença de 18.02.2014 o seguinte:

«I) - condenar o réu CC a pagar à autora a quantia de € 375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação até integral e efetivo pagamento;

II) - condenar o réu CC a pagar à autora a quantia correspondente à diferença, se existir, entre o valor de € 375.000,00 e metade do valor pelo qual forem avaliadas as 130.500 ações de que era titular na sociedade R..., S.A. à data de 12 de Outubro de 2004, a liquidar em incidente de liquidação;

III) - declarar que a escritura de cessão de quota de ... de dezembro de 1998 e o instrumento de ratificação de 12 de Outubro de 2004 são ineficazes em relação à autora para efeito do disposto no artigo 610º do Cód. Civil e, consequentemente, declara-se que a autora tem direito a fazer-se pagar pelas forças das 130.500 ações representativas do capital social da sociedade R..., Ldª de que é titular o réu DD, as quais, por isso, poderão ser penhoradas no património deste, até efetivo e integral pagamento do crédito da autora sobre o réu CC, incluindo os juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.»

3.4.1.35 Essa sentença foi confirmada pelo acórdão da Relação do Porto de 23.02.2015 e por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 13.10.2016.

3.4.1.36. A falecida BB, mulher de AA, nunca foi parte nem interveniente nessa ação.

41. Em todo o caso, ainda que o Autor, agora Recorrente, tenha confundido o o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Junho de 2004 com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 2015, confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2016, sempre o resultado será o mesmo.

42. Em primeiro lugar, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 2015, confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2016 — processo n.º 4091/07.... —, pronunciou-se, tão-só, pela ineficácia da ratificação da cessão de quotas descrita nos factos dados como provados sob os n.ºs 3.4.1.29 e 3.4.1.30 [9].

43. Ou seja: O Tribunal de 1.ª instância, o Tribunal da Relação do Porto e o Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciaram, e não se pronunciaram em nenhum momento, sobre a execução específica do contrato-promessa de cessão de quotas.

43. Em segundo lugar, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 2015, confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2016 pronunciou-se pela ineficácia da ratificação do contrato de cessão de quotas, invocando a autoridade de caso julgado do acórdão de 22 de Julho de 2004.

44. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Julho de 2004 declarou que pertenciam a EE e a CC as 130.500 acções nominativas de R..., S.A. — se a ratificação do contrato de cessão de quotas fosse eficaz, as acções teriam deixado de lhes pertencer desde o dia ... de Dezembro de 1998 [10]

45. Ou seja: O Tribunal de 1.ª instância, o Tribunal da Relação do Porto e o Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciaram, em nenhum momento, sobre a eficácia de uma cessão de quotas resultante da execução específica de um contrato-promessa, ou em todo o caso de uma cessão de quotas cujos efeitos fossem posteriores aos do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Julho de 2004 [11].

46. Em resposta à primeira e a segunda questões suscitadas, dir-se-á que a Ré EE não está obrigada indemnizar o Autor e a herança aberta por óbito da mulher deste, BB, dos danos decorrentes do não cumprimento definitivo do contrato-promessa.

47. A terceira, a quarta e a quinta questões suscitadas pelo Autor, agora Recorrente, consistem em averiguar:

III. — se a obrigação de pagamento do preço das quotas cedidas ao Réu CC através do contrato de cessão descrito nos factos dados como provados sob os n.ºs 3.4.1.4 e 3.4.1.5 é uma dívida comum do casal;

IV. — se a obrigação de pagamento do preço das quotas cedidas ao Réu CC através do contrato de cessão descrito nos factos dados como provados sob os n.ºs 3.4.1.4 e 3.4.1.5 é uma dívida de valor (conclusões 6.ª a 9.ª);

V. — se, em consequência do não cumprimento da obrigação de pagamento do preço das quotas cedidas ao Réu CC, a Ré EE deve ser condenada a pagar ao Autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, a quantia de € 628.485,35, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento (conclusões 10.ª-28.ª).

48. Os factos dados como provados sob os n.ºs 3.4.1.4, 3.4.1.5, 3.4.1.16 e 3.4.1.17 são do seguinte teor:

3.4.1.4 Por escritura pública outorgada no ... Cartório Notarial de no dia .../.../1992, AA e sua mulher BB celebraram cessão de quotas que tinham no capital social da sociedade R... (Filhos) Lda., com os seus dois únicos filhos, CC e DD, declarando ceder a cada um dos aludidos filhos, que declararam adquirir por cessão, uma quota no valor nominal de 4.410.000$00, do capital social da sociedade R..., Lda., declarando cada um dos cessionários ter pago a seus pais o preço da referida cessão de quotas e declarando estes terem recebido de cada um dos filhos aquelas quantias.

3.4.1.5. Porém, contrariamente ao declarado nessa escritura de cessão de quotas, nem CC nem DD pagaram a seus pais essa quantia de 4.410.000$00 e nem o autor e sua mulher receberam de CC e de DD, seus filhos, essas quantias de 4.410.000$00.

3.4.1.16. Entretanto, o réu CC casou com a ré EE no dia ... de julho de 1998 na ... Conservatória do Registo Civil ....

3.4.1.17. Este casamento foi precedido de convenção antenupcial outorgada por escritura pública lavrada no dia ... de junho de 1998 naquela ... Conservatória do Registo Civil ..., em que a ré EE e o réu CC estipularam o regime de comunhão geral de bens.

49. O acórdão recorrido considerou que não tinha sido alegado e, em todo o caso, não tinha sido provado nenhum dos factos relevantes para efeitos do art. 1691.º do Código Civil:

“[…] se é certo que no caso de celebração de casamento sob o regime da comunhão geral de bens, por efeito da mera celebração do matrimónio se dá a aquisição para o património conjugal dos bens presentes de que cada um dos cônjuges seja então titular (veja-se o já citado artigo 1732º do Código Civil), já a responsabilidade pelas dívidas do casal tem um regime próprio que consta dos artigos 1690º a 1697º do Código Civil.

Na verdade, não foi alegado que a ré EE deu o seu consentimento a que o réu CC se obrigasse a pagar o preço devido pela cessão das quotas que seus progenitores fizeram a seu favor (artigo 1691º, nº 1, alínea a), do Código Civil), que essa obrigação foi contraída para ocorrer aos encargos normais da vida familiar (artigo 1691º, nº 1, alínea b), do Código Civil) ou ainda que essa obrigação foi contraída em proveito comum do casal (artigo 1691º, nº 2, do Código Civil), pelo que forçosa é a conclusão de que a ré EE não está obrigada a pagar metade do valor das quotas adquiridas para o património conjugal em virtude do regime de bens convencionado ter sido o da comunhão geral.

[…] a obrigação de pagamento do preço das quotas cedidas recai exclusivamente sobre o adquirente dessas quotas, independentemente de depois, por efeito da celebração de matrimónio no regime da comunhão geral de bens, essas quotas virem a integrar o património conjugal”.

50. O Autor, agora Recorrente, AA alega que

10.O artigo 1730º e 1734.º do Código Civil determinam que a obrigação do réu CC de pagar o preço de aquisição da quota aos seus pais se transmite para a responsabilidade da Ré EE ao ingressar na comunhão, por via da convenção antenupcial e do casamento.

11. As 130.500 ações nominativas faziam parte do património comum do casal, com a restrição do pagamento do respectivo preço reportada à data do início da produção dos efeitos do divórcio.

12. Seja qual for a qualificação do negócio realmente querido pelas partes (o contrato de cessão de quotas) , o certo é que os seus termos determinam a situação da quota para efeitos de aplicação do regime de bens estipulado.

13. As obrigações assumidas pelo Réu CC relativamente à quota, que decorrem do contrato-promessa por si celebrado e são garantidas pela procuração, não podem deixar de ser tidas em consideração.

14. As obrigações assumidas pelo Réu CC estão associadas à quota que ele leva para o casamento e de que a Ré EE se arroga contitular, por força do regime da comunhão geral de bens convencionado.

15.A Ré EE passou a ser contitular do direito de propriedade sobre esse bem, nos precisos termos em que o seu consorte Réu CC, o era, com o ónus do incumprimento do contrato de aquisição da quota, por falta de pagamento do respectivo preço.

16. Incumprimento esse da obrigação do artº 879º al. c)do Cod Civil , como um dos efeitos do contrato.

17. As 130.500 acções nominativas faziam parte do património comum do casal, com a restrição do pagamento do respectivo preço reportada à data do início da produção dos efeitos do divórcio.

18. Essa obrigação de pagamento do preço acompanhou o ingresso das acções no património comum dos Réus, designadamente, para a responsabilidade da Ré EE.

19.O douto Acórdão recorridos incorreu, salvo o devido respeito, em incorrectas interpretação e aplicação do regime de dívidas e da respectiva comunicabilidade e dos artº 879º al. c) , 1730º, 1734º, do Cod Civil.

20. Os factos alegados pelo Autor demonstram o proveito comum do casal.

21. Proveito comum este que está demonstrado, também, pela sentença proferida na acção nº 4091/07...., que condenou o R. CC a indemnizar a Autora pelo facto de este ter ratificado a cessão de quota efectuada ao Réu DD.

22. Deste modo, mercê dessa sentença, ficou a Ré com um direito de indemnização sobre o seu consorte decorrente da titularidade da aludida quota, cujo preço nunca foi pago ao Autor nem à sua falecida mulher.

23.O conceito de proveito comum constitui em si uma questão complexa ou mista, de facto e de direito.

24. Em ... de junho de 1998, data da celebração da convenção antenupcial ocorreu o proveito, porque está alegado o contexto factual que norteou os Réus EE e CC a celebrarem a convenção antenupcial e o casamento, (celebrado em ... de julho de 1998) com o intuito de a Ré EE ingressar na titularidade da aludida quota, por força da comunicabilidade de bens e de evitar que o Réu CC a retransmitisse ao Autor e sua falecida mulher.

25.Tal factualidade alegada, bem como a decisão judicial proferida, concedendo direito de indemnização á Ré EE demonstram e evidenciam o proveito comum do casal.

26.A Ré EE ao ingressar na titularidade da quota da sociedade, ingressou na obrigação do pagamento do respectivo preço de aquisição.

27.Com efeito, o contrato de cessão de quota ainda não estava cumprido, razão pela qual a respectiva aquisição – que ainda não estava totalmente cumprida por falta de pagamento do preço - surtiu todos s efeitos (com obrigação de pagamento do preço) na titularidade da Ré e consorte EE.

28. O acórdão recorrido fez incorrectas interpretação e aplicação dos artºs 879º-c) 1691º nº 1 – d) e 2 . e 1694º nº 1. do Cod Civil.

51. Começa por chamar ao caso os arts. 1730.º e 1734.º do Código Civil:

    Artigo 1730.º — Participação dos cônjuges no património comum

1. — Os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso.

2. — A regra da metade não impede que cada um dos cônjuges faça em favor de terceiro doações ou deixas por conta da sua meação nos bens comuns, nos termos permitidos por lei.

Artigo 1734.º — Disposições aplicáveis [ao regime da comunhão geral]

São aplicáveis à comunhão geral de bens, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à comunhão de adquiridos.

52. Ora, como se explica no acórdão recorrido, deve distinguir-se estritamente as disposições sobre a composição do património comum dos cõnjuges e as disposições sobre a responsabilidade, comum ou não, dos cônjuges pelas dívidas contraídas.

53. O caso sub judice relaciona-se, exclusivamente, com a responsabilidade dos cônjuges pelas dívidas contraídas — e, em consequência, as disposições dos arts. 1730.º e 1734.º são irrelevantes para a decisão.

54. Continua o Autor, agora Recorrente, chamando ao caso os arts. 1691.º e 1694.º do Código Civil.

55. O arts. 1691.º é do seguinte teor:

Artigo 1691.º — Dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges

1. — São da responsabilidade de ambos os cônjuges:

a) As dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento, pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro;

b) As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar;

c) As dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração;

d) As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens;

e) As dívidas consideradas comunicáveis nos termos do n.º 2 do artigo 1693.º

2. No regime da comunhão geral de bens, são ainda comunicáveis as dívidas contraídas antes do casamento por qualquer dos cônjuges, em proveito comum do casal.

3. O proveito comum do casal não se presume, excepto nos casos em que a lei o declarar.

56. Entrando na apreciação dos argumentos deduzidos pelo Autor, agora Recorrente, dir-se-á duas coisas.

57. Em primeiro lugar, e pela negativa, que a qualidade de comerciante não resulta, sem mais, da titularidade de participações sociais ou sequer, sem mais, do exercício de funções de administração em sociedade comercial de cujas participações sociais se seja titular.

58. O acórdão do STJ de 3 de Outubro de 2002 — processo n.º 02B2042 — afirma-o de forma explícita, chamando ao caso a autoridade de Ferrer Correia:

“a circunstância de ser sócio e gerente de uma sociedade, só por si, não garante a qualidade de comerciante. É que, por um lado, o gerente, enquanto tal, é um mandatário, agindo em nome e no interesse do representado. Por outro lado, as sociedades são pessoas jurídicas diferentes dos sócios (cfr. art. 108º do Código Comercial Comercial) pelo que os actos de comércio praticados por estes, como sócios, são actos da pessoa jurídica sociedade. Por isso, quem exerce o comércio é a própria sociedade, não os sócios”.

59. Em consonância com o acórdão de 3 de Outubro de 2002, os acórdãos do STJ de 11 de Outubro de 2007 — processo 07B3336 —, de 10 de Dezembro de 2015 — processo n.º 2943/13.2TBLRA.C1.S1 — ou de 30 de Abril de 2019 — processo n.º 2636/17.1T8SNT.L2.S2 — confirma que “o exercício do cargo de gerente de uma sociedade por quotas não qualifica o gerente como um comerciante”.

60. O acórdão do STJ de 10 de Dezembro de 2015 — processo n.º 2943/13.2TBLRA.C1.S1 — di-lo de forma particularmente impressiva, a propósito de um caso em tudo semelhante ao caso sub judice:

4. Revela-se insuficiente para a existência de proveito comum do casal a prova de que uma determinada quantia recebida por um dos cônjuges através de um contrato de mútuo foi, em parte, utilizada na construção de uma moradia destinada ao filho do casal e, na parte restante, foi utilizada pelo cônjuge na construção de uma vivenda para a sociedade de é o sócio-gerente.

5. O facto de o cônjuge devedor exercer a função de gerente da sociedade não o qualifica como comerciante, impedindo a invocação da presunção de comunicabilidade da dívida emergente do art. 1691º, nº 2, al. d), do CC.

61. Em segundo lugar, e pela positiva, dir-se-á que a qualidade de comerciante resulta do exercício profissional do comércio [12], e que o exercício do comércio, para que seja profissional, há-de ser habitual, regular e sistemático:

“Quem não pratica habitualmente actos comerciais, não faz do comércio profissão” [13].

62. Ora, não há nenhum facto provado que sugira que o co-Réu CC exercesse o comércio e, sobretudo, não há nenhum facto que sugira que o acto de aquisição da quota tenha sido um acto praticado pelo co-Réu CC no exercício do comércio.

63. Em contraste com a ausência de factos provados que sugiram o exercício, constata-se a presença de um facto que sugere o não exercício do comércio, ainda que depois da aquisição da quota. O facto dado como provado sob o n.º 3.4.1.31 diz-nos que, “[n]a data em que o CC ratificou a cessão de quota outorgada por seu pai [i.e., em Outubro de 2004], e excepção feita às ações em que aquela quota foi convertida na sequência da transformação da respectiva sociedade em sociedade anónima, CC não possuía bens nem era titular de direitos para além do salário que auferia como trabalhador subordinado, tendo, a esse título, auferido no ano de 2004 um rendimento anual bruto de € 19.508,65” — logo, que em 2004 o co-Réu CC não exercia habitualmente o comércio (não praticava habitual, regular e sistematicamente operações mercantis).

64. Excluída a aplicação ao caso do art. 1691.º, n.º 1, alínea d), deve de igual forma excluir-se a aplicação do art. 1694.º do Código Civil:

Artigo 1694.º — Dívidas que oneram bens certos e determinados

1. — As dívidas que onerem bens comuns são sempre da responsabilidade comum dos cônjuges, quer se tenham vencido antes, quer depois da comunicação dos bens.

2. — As dívidas que onerem bens próprios de um dos cônjuges são da sua exclusiva responsabilidade, salvo se tiverem como causa a percepção dos respectivos rendimentos e estes, por força do regime aplicável, forem considerados comuns.

64. O n.º 1 do art. 1694.º do Código Civil, ao dizer dívidas que onerem bens comuns, quer dizer “dívidas … que acompanham os bens como encargos sobre eles” [14] — p. ex., alguns impostos, como o IMI, algumas taxas, como as taxas de saneamento, ou, em todo o caso, algumas reforçadas por garantia real sobre bens comuns [15].

65. Ora a obrigação do pagamento do preço convencionado em contrato de cessão de quotas não é uma dívida que onere a quota cedida, como bem comum, no sentido do n.º 1 do art. 1694.º do Código Civil, seja porque não é uma dívida que acompanhe a quota, como encargo, seja porque não é uma dívida reforçada por garantia real sobre a quota cedida.

66. Continua o Autor, agora Recorrente, chamando ao caso o proveito comum do casal — logo, o art. 1691.º, n.º 2, do Código Civil:

2. — No regime da comunhão geral de bens, são ainda comunicáveis as dívidas contraídas antes do casamento por qualquer dos cônjuges, em proveito comum do casal.

67. Entre os pontos consensuais ou quase consensuais na doutrina e na jurisprudência portuguesas está o de que “o proveito comum se afere, não pelo resultado, mas pela aplicação da dívida, ou seja, pelo fim visado pelo devedor que a contraiu” [16].

68. O Autor, agora Recorrente, AA alega que foram alegados e provados factos suficientes para que se dê como preenchida a previsão do art. 1691.º, n.º 2, do Código Civil.

69. Em primeiro lugar, alega que

24. Em ... de junho de 1998, data da celebração da convenção antenupcial ocorreu o proveito, porque está alegado o contexto factual que norteou os Réus EE e CC a celebrarem a convenção antenupcial e o casamento, (celebrado em ... de julho de 1998) com o intuito de a Ré EE ingressar na titularidade da aludida quota, por força da comunicabilidade de bens e de evitar que o Réu CC a retransmitisse ao Autor e sua falecida mulher.

70. Em segundo lugar, o Autor, agora Recorrente, alega que o proveito comum

21. […] está demonstrado, também, pela sentença proferida na acção nº 4091/07...., que condenou o R. CC a indemnizar a Autora pelo facto de este ter ratificado a cessão de quota efectuada ao Réu DD.

22. Deste modo, mercê dessa sentença, ficou a Ré com um direito de indemnização sobre o seu consorte decorrente da titularidade da aludida quota, cujo preço nunca foi pago ao Autor nem à sua falecida mulher.

71. Ora, como sem dificuldade se compreenderá, em cada uma das duas alegações está em causa, tão-só, o resultado da aquisição da quota — em nenhum momento se alega e, em todo o caso, em nenhum momento se prova que o fim da aquisição foi o interesse do casal.

72. A questão da qualificação da dívida como dívida de valor, subtraída ao regime do art. 550.º do Código Civil, fica, por consequência, prejudicada — como a co-Ré, agora Recorrida, EE não esteja obrigada a pagar o preço da quota cedida, é de todo em todo indiferente a qualificação da dívida como dívida de valor.

73. Em resposta à terceira, à quarta e à quinta questões suscitadas pelo Recorrente dir-se-á então que a obrigação de pagamento do preço da quota cedida ao Réu CC não é uma dívida comum do casal.

74. Finalmente, a sexta e a sétima questões suscitadas pelo Autor, agora Recorrente, consistem em averiguar:

VI. — se, em consequência do não cumprimento da obrigação de pagamento do preço das quotas cedidas ao Réu CC, a Ré EE enriqueceu injustificadamente à custa do Autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB;

VII. — se, em consequência do enriquecimento sem causa, a a Ré EE deve ser condenada a pagar ao autor e à herança aberta por óbito da mulher deste, BB, a quantia de € 314.242,67, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento (conclusões 29.º-36.º).

75. O acórdão recorrido considerou:

I. — em primeiro lugar, que o Autor, agora Recorrente, pode exigir do Réu, agora Recorrido, CC o preço da quota cedida;

II. — em segundo lugar, que o enriquecimento da Ré, agora Recorrida, EE tem causa justificativa — o regime da comunhão geral;

III. — em terceiro lugar, que, ainda que o enriquecimento da Ré, agora Recorrida, não tivesse causa justificativa, sempre seria um enriquecimento indirecto: a Ré agora Recorrida, EE só indirectamente teria enriquecido à custa do Autor, agora Recorrente, AA.

76. O Autor, agora Recorrente, alega que:

29. O Acórdão recorrido incorre em contradição lógica, pois recusa a utilização do instituto do enriquecimento sem causa por existirem outros meios para o Autor defender seus direitos.

30. Mas esses meios são constituídos pelos pedidos principal e primeiro subsidiário, que foram também julgados improcedentes.

31. Se o Acórdão julgou improcedentes os pedidos principal e primeiro subsidiário, não pode dizer que existem outros meios ao denegar a figura do enriquecimento sem causa, por constituir uma contradição..

32. Ora, a possibilidade ou faculdade de o Autor utilizar outros meios para obter o pagamento do valor da quota (preço) consistem, precisamente, nos pedidos principal e primeiro subsidiário.

33. Se o Acórdão impugnado recusa existir o direito de indemnização (pedido principal) e a obrigação de pagamento de preço (primeiro pedido subsidiário), então terá que existir a possibilidade de recurso ao enriquecimento sem causa.

34. A vantagem patrimonial obtida pela Ré EE provém directamente da esfera jurídica do Autor e de sua falecida esposa, uma vez que o contrato de aquisição de quota nunca chegou a ser totalmente cumprido pois falta uma das obrigações impostas por lei – o pagamento do preço – artº 879º al. c) do Código Civil.

35. Assim, ocorreu uma deslocação patrimonial de um bem da esfera do Autor e sua falecida mulher para ambos os Réus CC e EE, pois o respectivo o preço nunca foi pago.

36. Assim, a Ré EE, enquanto meeira, adquiriu a comunhão desse bem, adquiriu a obrigação que sobre o mesmo bem impendia - o pagamento do preço da aquisição da quota.

77. O pedido subsidiário de condenação na obrigação de restituição por enriquecimento sem causa foi deduzido exclusivamente contra a Ré, agora Recorrida, EE; ora, em relação à Ré, agora Recorrida, das duas, uma:

 Ou bem que a Ré, agora Recorrida, adquiriu o direito a metade do valor da quota em consequência da aplicação do regime de bens do casamento [ou, em todo o caso, em consequência de uma decisão judicial por que se aplicasse o regime de bens do casamento]. Ou bem que a Ré, agora Recorrida, não adquiriu o direito a metade do valor da quota.

78. Em nenhuma das duas hipóteses há lugar à aplicação do regime do enriquecimento sem causa: na primeira hipótese, não há lugar à aplicação do regime do enriquecimento sem causa, por haver uma causa justificativa para o enriquecimento e, na segunda hipótese, não há lugar à aplicação do regime do enriquecimento sem causa, por haver um meio alternativo para que o empobrecido — in casu, o Autor — seja indemnizado ou restituído.

79. Os factos dados como provados sob os n.ºs 3.4.1.32 a 3.4.1.34 são do seguinte teor:

3.4.1.32. […] a aqui Ré, EE, instaurou ação ordinária contra CC e DD que correu termos sob o nº 4091/07.....

3.4.1.33 Nessa ação peticionava o seguinte:

«a. Condenar-se o R. CC a pagar à A. a quantia de € 325.465,63, acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação até integral e efectivo pagamento, calculados à taxa que em cada momento vigorar;

b. Condenar-se o R. CC a pagar à A. a quantia correspondente à diferença, se existir, entre o valor peticionado na alínea anterior e metade do valor pelo qual forem avaliadas as 130.500 acções de que era titular na sociedade R..., Lda à data de 12 de Outubro de 2004, a liquidar em incidente de liquidação;

c. Ser a escritura de cessão de quota de ... de dezembro de 1998 e o instrumento de ratificação de 12 de Outubro de 2004 declarados ineficazes em relação à A. para efeito do disposto no art. 610º do Código Civil e, consequentemente, ser declarado que a A. tem direito a fazer-se pagar pelas forças das 130.500 acções representativas do capital social da sociedade R..., S.A. de que é titular o R. DD, as quais, por isso, poderão ser penhorados no património deste, até efectivo e integral pagamento do crédito da A. sobre o R. CC peticionado nas alíneas anteriores, incluindo os juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.»

3.4.1.34 Essa ação veio a ser julgada procedente, decidindo-se por sentença de 18.02.2014 o seguinte:

«I) - condenar o réu CC a pagar à autora a quantia de € 375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação até integral e efetivo pagamento;

II) - condenar o réu CC a pagar à autora a quantia correspondente à diferença, se existir, entre o valor de € 375.000,00 e metade do valor pelo qual forem avaliadas as 130.500 ações de que era titular na sociedade R..., S.A. à data de 12 de Outubro de 2004, a liquidar em incidente de liquidação;

III) - declarar que a escritura de cessão de quota de ... de dezembro de 1998 e o instrumento de ratificação de 12 de Outubro de 2004 são ineficazes em relação à autora para efeito do disposto no artigo 610º do Cód. Civil e, consequentemente, declara-se que a autora tem direito a fazer-se pagar pelas forças das 130.500 ações representativas do capital social da sociedade R..., Ldª de que é titular o réu DD, as quais, por isso, poderão ser penhoradas no património deste, até efetivo e integral pagamento do crédito da autora sobre o réu CC, incluindo os juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.»

3.4.1.35 Essa sentença foi confirmada pelo acórdão da Relação do Porto de 23.02.2015 e por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 13.10.2016.

80. Face ao teor dos factos dados como provados sob os n.ºs 3.4.1.32 a 3.4.1.34, a Ré, agora Recorrida, EE adquiriu o direito a metade do valor da quota em consequência da aplicação do regime de bens do casamento [ou, em todo o caso, em consequência de decisão judicial por que se aplicasse o regime de bens do casamento].

81. O requisito da ausência de causa justificativa, ou da falta de causa justificativa, remete-nos para o conceito de causa, ou de causa justificativa, e o conceito de causa justificativa é um conceito indeterminado [17] — remete-nos para os “critérios legais definidores de uma correcta ordem ou ordenação dos bens” [18].

82. Ora os critérios legais definidores de uma correcta ordem ou de uma correcta ordenação dos bens são todos os princípios e todas as regras do ordenamento ou do sistema jurídico — e, como os critérios legais definidores de uma correcta ordenação dos bens são todos os princípios e todas as regras do ordenamento ou do sistema jurídico, o requisito da falta de causa justificativa significa, em última análise, “uma remissão para o resto do ordenamento” [19].

83. O Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado, constantemente, que

“[a] noção de falta de causa do enriquecimento é… muito controvertida e difícil de definir, inexistindo uma fórmula unitária que sirva de critério para a determinação exaustiva das hipóteses em que o enriquecimento deve considerar-se privado de justa causa” [20].

84. Entre os pontos mais ou menos consensuais estão o de que a ausência de causa justificativa põe um problema de interpretação e de integração da lei [21] e o de que, através da interpretação e da integração da lei, há-de determinar-se, “em cada caso concreto, ‘se o ordenamento jurídico […] acha ou não legítimo que o beneficiado […] conserve [o enriquecimento]” [22].

85. Como se diz, p. ex., nos acórdãos de 28 de Junho de 2011 — processo n.º 3189/08.7TVLSB.L1.S1 —, de 29 de Abril de 2014 — processo n.º 246/12.9T2AND.C1.S1 — ou de 3 de Maio de 2018 — processo n.º 175/05.2TBALR.E1.S1 —,

“[o] eixo directriz da definição da ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial tem a ver com a correcta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema jurídico, de modo que, de acordo com a mesma, se o enriquecimento deve pertencer a outra pessoa, carece de causa justificativa”.

86. Os factos dados como provados sob os n.ºs 3.4.1.32 a 3.4.1.34 são claros, no sentido de que, de acordo com a correcta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema jurídico, o alegado enriquecimento deve pertencer à Ré, agora Recorrida, EE.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, concede-se parcial provimento ao recurso, nos seguintes termos:

I. — em relação aos pedidos deduzidos contra o Réu DD, anula-se o acórdão recorrido, determinando-se a remessa dos autos ao tribunal a quo, para os efeitos previstos no art. 290.º do Código de Processo Civil;

II. — em relação aos pedidos deduzidos contra a Ré EE, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas a final, na parte relativa aos pedidos deduzidos contra o Réu DD.

Custas pelo Recorrente AA, na parte relativa aos pedidos deduzidos contra a Ré EE.

Lisboa, 25 de Maio de 2023

Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

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[1] José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III — Artigos 264.º a 324.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, pág. 485.

[2] José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 238.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 361.º, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, pág. 576.

[3] José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III — Artigos 264.º a 324.º, cit., págs. 486-487.

[4] José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III — Artigos 264.º a 324.º, cit., pág. 487.

[5] José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III — Artigos 264.º a 324.º, cit., pág. 487.

[6] Cf. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III — Artigos 264.º a 324.º, cit., pág. 487. “Se a declara válida, a acção termina verdadeiramente, não por um acto jurisdicional, mas por um acto de vontade do réu”

[7] Cujo teor é o seguinte: “3.4.1.12. […] naquele mesmo dia .../.../1992, CC e DD outorgaram cada um deles uma procuração, constituindo seus pais, AA e BB, como seus procuradores, conferindo-lhes poderes para, ‘qualquer um deles, em seu nome e sua representação, alienar e ceder pelo preço e condições que entender e a quem lhe aprouver a quota no valor nominal de quatro milhões quatrocentos e dez mil escudos, de que é titular no capital da sociedade comercial por quotas sob a firma R... Lda.’. 3.4.1.13 Essas procurações foram outorgadas em documentos escritos assinados por CC e seu irmão DD, com reconhecimento presencial da letra e assinatura de cada um deles. 3.4.1.14. Nessas procurações consta, além do mais, o seguinte: ‘A presente procuração é subscrita, também, no interesse dos representantes, podendo estes ceder ou alienar a referida quota a si próprios.’”

[8] Cujo teor é o seguinte: “3.4.1.18. Por escritura lavrada no Cartório Notarial ... no dia ... de dezembro de 1998, o autor, invocando os poderes de representação que lhe haviam sido conferidos pelo seu filho, CC, através da procuração referida, declarou ceder a quota de que este era titular no capital social da sociedade R... Lda., a DD (irmão do réu CC), pelo preço de 4.500.000$00. 3.4.1.19. Nessa escritura o autor declarou que o seu filho CC e seu representado já tinha recebido a quantia em causa”.

[9] Cujo teor é o seguinte: “3.4.1.29. Na sequência deste divórcio, e por instrumento lavrado no Cartório Notarial ..., a 12 de outubro de 2004, na pendência do recurso que havia sido interposto do Acórdão da Relação do Porto de 22.06.2004, CC ratificou em todos os seus termos a escritura de cessão de quota de ... de dezembro de 1998, outorgada pelo seu pai, AA, em sua representação, nomeadamente, quanto ao preço pelo qual a quota foi cedida. 3.4.1.30 Na sequência dessa ratificação, os réus nessa ação, AA e DD, desistiram do recurso que haviam interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, pelo que transitou em julgado o referido acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22 de junho de 2004”.

[10] Cf. facto dado como provado sob o n.º 3.4.1.18: “Por escritura lavrada no Cartório Notarial ... no dia ... de dezembro de 1998, o autor, invocando os poderes de representação que lhe haviam sido conferidos pelo seu filho, CC, através da procuração referida, declarou ceder a quota de que este era titular no capital social da sociedade R... Lda., a DD (irmão do réu CC), pelo preço de 4.500.000$00”.

[11] Sobre o tema da alienação ou oneração de participações sociais nos regimes de comunhão, vide por todos Evaristo Mendes, “Participação social e comunhão conjugal. Qualidade de sócio e poder de dispor. Algumas questões”, in. Revista de direito comercial, 2023, págs. 675-752, esp. nas págs. 715-720.

[12] Cf. António Ferrer Correia, Lições de direito comercial, vol. I — Introdução. Dos actos do comércio. Dos sujeitos das relações jurídico-comerciais. Do estabelecimento comercial. Dos sinais distintivos do comércio, Coimbra, 1973, pág. 124.

[13] Cf. António Ferrer Correia, Lições de direito comercial, vol. I — Introdução. Dos actos do comércio. Dos sujeitos das relações jurídico-comerciais. Do estabelecimento comercial. Dos sinais distintivos do comércio, cit., pág. 124.

[14] Cf. Francisco Manuel Pereira Coelho / Guilherme de Oliveira (com a colaboração de Rui Manuel de Moura Ramos), Curso de direito da família, vol. I — Introdução. Direito matrimonial, 5.ª ed., Imprensa da Universidade, Coimbra, 2016, págs. 491-492.

[15] Cf. Rute Teixeira Pedro, anotação ao art. 1694.º, in: Ana Prata (coord.) Código Civil anotado, vol. II — Artigos 1251.º a 2334.º, 2.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2019, págs. 587-589.

[16] Cf. Francisco Manuel Pereira Coelho / Guilherme de Oliveira (com a colaboração de Rui Manuel de Moura Ramos), Curso de direito da família, vol. I — Introdução. Direito matrimonial, cit., pág. 483 — citado, p. ex., pelos acórdãos do STJ de 8 de Julho de 2003 — processo n.º 03A2240 —, de 11 de Novembro de 2008 — processo n.º 08B3303 —

[17] Cf. Luís Menezes Leitão, Direito das obrigações, vol. I — Introdução. Da constituição das obrigações, cit., pág. 453: “seguramente o conceito mais indeterminado no âmbito do enriquecimento sem causa”.

[18] Rui de Alarcão, Direito das obrigações (policopiado), Coimbra, 1983, pág. 190.

[19] J Júlio Gomes, anotação ao art. 473.º, in: Luís Carvalho Fernandes / José Carlos Brandão Proença (coord.), Código Civil anotado, vol. II — Direito das obrigações. Das obrigações em geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, págs. 245-253 (251).

[20] Cf. acórdão do STJ de 24 de Março de 2017 — processo n.º 1769/12.5TBCTX.E1.S1.

[21] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 23 de Setembro de 1999 — processo n.º 99B686 —, de 16 de Outubro de 2003 — processo n.º 03B2813 — e de 19 de Fevereiro de 2013 — processo n.º 2777/10.6TBPTM.E1.S1.

[22] Cf. acórdão do STJ de 24 de Março de 2017 — processo n.º 1769/12.5TBCTX.E1.S1.