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CONTRATO DE EMPREITADA
DIREITO DE RETENÇÃO
RENÚNCIA AO DIREITO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário
1. Em sede de contrato de empreitada, compete à empreiteira a execução da obra e ao dono da obra o pagamento do preço respetivo (art.ºs 1207.º e 1208.º do Cód. Civil), sendo largamente consensual na doutrina e jurisprudência que o empreiteiro goza do direito de retenção sobre a coisa que detém e que é objeto do contrato, relativamente ao preço que lhe é devido pela realização da obra, em face do disposto no art.º 754.º do Cód. Civil, a tal não obstando a omissão de previsão específica no art.º 755.º do mesmo diploma.
2. A doutrina e a jurisprudência distinguem entre dois tipos de renúncia, com pressupostos e alcance diversos: a renúncia abdicativa, “pura e simples”, que traduz um ato discricionário pela qual o titular de um direito põe termo ao mesmo e a renúncia liberatória, que consubstancia uma declaração de vontade dirigida a um destinatário e em benefício deste; no caso das garantias reais, o legislador admite expressamente a extinção por renúncia como resulta, relativamente ao direito de retenção, do disposto nos art.ºs 761.º, 730, alínea d) e 731.º nº 1 do Cód. Civil.
3. O negócio jurídico não pode valer com um sentido que não tenha qualquer correspondência com o texto que corporiza o contrato, sob pena de violação das regras de interpretação enunciadas nos art.ºs 236.º a 238.º do Cód. Civil.
4. Constatando-se que a dona da obra incumpriu o contrato de empreitada, estando em dívida quantia alusiva a obra já executada e celebrando posteriormente a dona da obra, a empreiteira e a entidade bancária (credora hipotecária) que financiou o projeto de construção um acordo tripartido, envolvendo o reconhecimento e confissão dessa dívida e em que também consta a seguinte cláusula, alusiva à empreiteira: “i) Renuncia aqui, de forma firme e irrevogável, ao direito de retenção sobre o Prédio por força de qualquer dívida, vencida ou vincenda, resultantes dos trabalhos desenvolvidos ou a desenvolver para a finalização do Empreendimento, desde que recebidas atempadamente todas as importâncias previstas neste acordo, ou seja, 30 dias após a data de emissão das facturas”; Afastamos a hipótese de uma renúncia abdicativa, mas também não pode reconduzir-se a situação à aludida renúncia liberatória.
5. Perante a redação dada a esta cláusula, a invocada renúncia é aparente porquanto condicionada à inexistência de dívidas, ou seja, ao pontual e atempado cumprimento das obrigações de natureza pecuniária emergentes da empreitada, como ressalta do segmento de texto com início na expressão “desde que”: é que, inexistindo qualquer dívida do dono da obra perante o empreiteiro, então nem sequer se verifica o pressuposto de acionamento do direito de retenção.
6. A garantia que emerge do direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente (art.º 759. º, nºs 1 e 2 do Código Civil). Esta solução legislativa é materialmente justificada, não se encontrando razões que permitam ter como infringido qualquer dos subprincípios do princípio da proporcionalidade (18º-2, 2ª parte da CRP): adequação da medida para concretizar a finalidade visada, idoneidade para a sua realização, assim como proporcionalidade em sentido estrito, pois não se vê, nem é alegado, que o resultado seja excessivo, ultrapassando o necessário para a finalidade perseguida pelo legislador.
Texto Integral
Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO Ação
Processo de insolvência- apenso de verificação do passivo (apenso A).
Apelantes
Massa Insolvente de M2 Lda.
AL SA (credora)
Apelados
Sociedade P SA (credora).
Impugnações
O administrador da insolvência apresentou, em 16-01-2014, a lista dos credores reconhecidos e não reconhecidos nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 129º, nºs 1 e 2 do CIRE.
*
Sociedade P SA impugnou essa lista, por requerimento de 30-01-2014, no que respeita ao crédito que lhe foi reconhecido, designadamente quanto ao montante do mesmo e qualificação que lhe foi atribuída, defendendo que ao contrário do defendido pelo administrador, o crédito que lhe foi reconhecido tem natureza garantida por direito de retenção e como tal deverá ser reconhecido.
Arrolou testemunhas e juntou documentos.
O Banco E SA veio responder à impugnação deduzida, por requerimento apresentado em 10-02-2014, alegando, em síntese, que a impugnante havia renunciado ao direito de retenção no “acordo tripartido celebrado em 1 de Junho de 2009” sendo, “pois, manifestamente, abusivo da parte da Impugnante, vir agora reclamar os seus créditos como garantidos por via de um direito de retenção ao qual expressamente havia renunciado” (art.º 50.º).
Julgamento
Em 07-08-2022 foi proferida sentença, com o seguinte segmento dispositivo, no que aos recursos interpostos interessa:
“Pelos fundamentos expostos, julgo parcialmente procedente a impugnação à Lista de Credores Reconhecidos apresentada pela Sociedade P, S.A. Consequentemente, reconheço que a Sociedade P, S.A. detém um crédito sobre a Devedora no valor de €844.242,06, o qual tem natureza garantida por direito de retenção e um crédito no valor de €6.592,03 (seis mil, quinhentos e noventa e dois euros e três cêntimos), com natureza subordinado.
Notifique.
*
Decididas as reclamações deduzidas, impõe-se proferir sentença de verificação e graduação de créditos, nos termos conjugados dos artigos 136º, números 4, 5 e 6 e 140º, ambos do C.I.R.E.
*
(…)
Nos presentes autos ocorreram impugnações à Lista de Credores Reconhecidos, decididas supra.
Foram reconhecidos os seguintes credores
AN e Outro
Banco E, S.A.
E - S.A.
ET
Empresa do J, Lda
EF
G Lda
HG
I, Lda
I, S.A.
JG e Outro
JN e Outro
JC e Outro
LF e Outro
LS e Outro
MP
MG
MF e Outros
MB
MF
Fazenda Nacional
M I - Lda
NS
S Lda
Sociedade P, S.A.
T, Lda
Pelo exposto, homologa-se a Lista de Credores Reconhecidos supra elencada, constante dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com as alterações resultantes das decisões supra que apreciaram as impugnações deduzidas.
*
Verificados e reconhecidos os créditos reclamados e constantes da Lista de Credores Reconhecidos, importa então graduá-los de harmonia com as disposições legais aplicáveis.
(…)
III- Decisão
1 - Homologo a Lista de Créditos Reconhecidos supra elencada e apresentada pelo senhor Administrador da Insolvência e constante dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com as alterações resultantes da decisão supra que apreciou as reclamações deduzidas.
2 - Face ao exposto, declaro verificados os créditos supra reconhecidos e graduo-os para serem pagos através do produto da venda dos bens integrantes da massa insolvente, pela seguinte ordem:
*
Graduação Especial
Através do produto da venda dos seguintes bens, constantes do Auto de Apreensão de Bens, que integra o Apenso D:
1- fracção autónoma destinada ao comércio, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … - B, Caniço, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …/20060105-B, deverão ser efectuados os seguintes pagamentos:
1º - As dívidas da massa insolvente, sendo que as custas saem precípuas;
2º - Do remanescente,
1º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado e emergente de IMI, reconhecido à Fazenda Nacional, pelo valor referente a esta fracção;
2.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por hipoteca e reconhecido ao N Banco, S.A. (anterior Banco E, S.A.) até ao limite registado;
3.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos comuns, entre si em pé de igualdade e proporcionalmente se disso for caso.
4.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos subordinados pela ordem prevista no art.º 48.º do CIRE.
*
2- fracção autónoma destinada à habitação, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … - O, Caniço, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …/20060105-0, deverão ser efectuados os seguintes pagamentos:
1º - As dívidas da massa insolvente, sendo que as custas saem precípuas;
2º - Do remanescente,
1º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado e emergente de IMI, reconhecido à Fazenda Nacional, pelo valor referente a esta fracção;
2.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por hipoteca e reconhecido ao N Banco, S.A. (anterior Banco E, S.A.) até ao limite registado;
3.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos comuns, entre si em pé de igualdade e proporcionalmente se disso for caso.
4.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos subordinados pela ordem prevista no art.º 48.º do CIRE.
*
3- fracção autónoma destinada à habitação, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … - AD, Caniço, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …/20060105-AD, deverão ser efectuados os seguintes pagamentos:
1º - As dívidas da massa insolvente, sendo que as custas saem precípuas;
2º - Do remanescente,
1º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado e emergente de IMI, reconhecido à Fazenda Nacional, pelo valor referente a esta fracção;
2.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por direito de retenção e reconhecido a MS e Outra;
3.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por hipoteca e reconhecido ao N Banco, S.A. (anterior Banco E, S.A.) até ao limite registado;
4.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos comuns, entre si em pé de igualdade e proporcionalmente se disso for caso.
5.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos subordinados pela ordem prevista no art.º 48.º do CIRE.
*
4- fracção autónoma destinada à habitação, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … - AI, Caniço, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …/20060105-AI, deverão ser efectuados os seguintes pagamentos:
1º - As dívidas da massa insolvente, sendo que as custas saem precípuas;
2º - Do remanescente,
1.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado e emergente de IMI, reconhecido à Fazenda Nacional, pelo valor referente a esta fracção;
2.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por direito de retenção e reconhecido a AN;
3.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por hipoteca e reconhecido ao N Banco, S.A. (anterior Banco E S.A.) até ao limite registado;
4.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos comuns, entre si em pé de igualdade e proporcionalmente se disso for caso.
5.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos subordinados pela ordem prevista no art.º 48.º do CIRE.
*
5- fracção autónoma destinada à habitação, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … - AK, Caniço, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …/20060105-AK, deverão ser efectuados os seguintes pagamentos:
1º - As dívidas da massa insolvente, sendo que as custas saem precípuas;
2º - Do remanescente,
1º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado e emergente de IMI, reconhecido à Fazenda Nacional, pelo valor referente a esta fracção;
2.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por direito de retenção e reconhecido a IN (Herdeiros de);
3.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por hipoteca e reconhecido ao N Banco, S.A. (anterior Banco E Santo, S.A.) até ao limite registado;
4.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos comuns, entre si em pé de igualdade e proporcionalmente se disso for caso.
5.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos subordinados pela ordem prevista no art.º 48.º do CIRE.
6- fracção autónoma destinada à habitação, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … - AN, Caniço, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …/20060105-AN, deverão ser efectuados os seguintes pagamentos:
1º - As dívidas da massa insolvente, sendo que as custas saem precípuas;
2º - Do remanescente,
1º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado e emergente de IMI, reconhecido à Fazenda Nacional, pelo valor referente a esta fracção;
2.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por direito de retenção e reconhecido a MG;
3.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por hipoteca e reconhecido ao N Banco, S.A. (anterior Banco E, S.A.) até ao limite registado;
4.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos comuns, entre si em pé de igualdade e proporcionalmente se disso for caso.
5.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos subordinados pela ordem prevista no art.º 48.º do CIRE.
*
7- terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, freguesia de Caniço, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …/20060105, deverão ser efectuados os seguintes pagamentos:
1º - As dívidas da massa insolvente, sendo que as custas saem precípuas;
2º - Do remanescente,
1º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado e emergente de IMI, reconhecido à Fazenda Nacional, pelo valor respeitante a este prédio;
2.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por hipotecas e reconhecido ao Novo B, S.A. (anterior Banco E, S.A.) até ao limite registado;
3.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos comuns, entre si em pé de igualdade e proporcionalmente se disso for caso.
4.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos subordinados pela ordem prevista no art.º 48.º do CIRE.
Deverá proceder-se a rateio, na proporção devida, caso não seja possível a plena satisfação dos créditos, bem como, ter-se em conta o disposto nos artigos 172º a 184º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas no que respeita aos pagamentos, tendo- se ainda em atenção a condição a que se encontram sujeitos parte dos créditos reconhecidos.
Aquando dos pagamentos, deverá o Sr. Administrador averiguar se se mantêm as condições invocadas em sede de Lista Definitiva de Credores Reconhecidos, relativamente a cada um dos créditos reconhecidos sob condição.
*
Valor: valor do activo, tendo em consideração o constante do apenso de Apreensão e actualizar em face da liquidação (artigo 301º, parte final, do diploma legal em referência).
Custas pela massa insolvente (artigo 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Registe e Notifique.
Extraia das bases de dados disponíveis e junte aos presente autos certidões comerciais relativamente às sociedades S - SGPS Limitada, S Promoção - SGPS Limitada e M 1 -, Lda.
Em 05-12-2022 foi proferido o seguinte despacho:
“Requerimento com a referência 43024767
Veio a Massa Insolvente da Sociedade P, S.A. suscitar lapso na sentença proferida nos autos, alegando que, não obstante ter sido reconhecido que a Sociedade P, S.A. detém um crédito sobre a Devedora no valor de €844.242,06, com natureza garantida por direito de retenção, tal crédito não foi objecto de graduação relativamente à verba n.º 7, a que respeita.
Analisada a sentença proferida, constatamos que assiste razão ao credor supra identificado.
Na verdade, a sentença proferida reconheceu à Massa Insolvente da Sociedade P, S.A. um crédito sobre a Devedora no valor de €844.242,06, com natureza garantida por direito de retenção e um crédito no valor de €6.592,03 (seis mil, quinhentos e noventa e dois euros e três cêntimos), com natureza subordinada. Por manifesto lapso, na parte decisória da sentença não foi mencionado sobre qual o bem sobre que incide o direito de retenção. Por outro lado, tal crédito não foi objecto de graduação especial relativamente ao imóvel sobre o qual incide.
Vistos os autos, afigura-se claro que o direito de retenção em causa incide sobre a edificação urbana designada “Apartamentos Quinta …”, o qual integra a verba n.º 7.
Entendemos que o lapso em causa é manifesto e resulta claramente do contexto da sentença proferida e que apreciou a impugnação deduzida pela credora Massa Insolvente da Sociedade P, S.A.
*
O art.º 614º do Cód. Proc. Civil ex vi art.º 17.º do CIRE, prevê um conjunto de erros materiais que a verificar-se algum deles ou até vários, permite ao juiz ex officio ou a requerimento das partes proceder à rectificação do erro material apontado. Em suma, a lei prevê como solução para a correcção de erros materiais, a rectificação.
Acrescenta o art.º 249º do Código Civil a este propósito que, “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”.
*
Em conformidade com o vindo de expor e considerando que estamos perante um manifesto lapso material, rectificável, na medida em que o mesmo resulta de forma clara e patente da leitura da sentença no seu todo, determina-se a rectificação da sentença proferida nos presentes autos nos seguintes termos:
No lugar onde consta
“reconheço que a Sociedade P, S.A. detém um crédito sobre a Devedora no valor de €844.242,06, o qual tem natureza garantida por direito de retenção e um crédito no valor de €6.592,03 (seis mil, quinhentos e noventa e dois euros e três cêntimos), com natureza subordinado.” Pág. 41
Passe a constar
“reconheço que a Sociedade P, S.A. detém um crédito sobre a Devedora no valor de €844.242,06, o qual tem natureza garantida por direito de retenção incidente sobre a verba número sete (7) e um crédito no valor de €6.592,03 (seis mil, quinhentos e noventa e dois euros e três cêntimos), com natureza subordinado.” Pág. 41
E
No lugar onde consta
“7 – terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, freguesia de Caniço, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …/20060105, deverão ser efectuados os seguintes pagamentos:
1º - As dívidas da massa insolvente, sendo que as custas saem precípuas;
2º - Do remanescente,
1.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado e emergente de IMI, reconhecido à Fazenda Nacional, pelo valor respeitante a este prédio;
2.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por hipotecas e reconhecido ao Novo B, S.A. (anterior Banco E, S.A.) até ao limite registado;
3.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos comuns, entre si em pé de igualdade e proporcionalmente se disso for caso.
4.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos subordinados pela ordem prevista no art.º 48.º do CIRE.”
Passe a constar
“7 – terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, freguesia de Caniço, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …/20060105, deverão ser efectuados os seguintes pagamentos:
1º - As dívidas da massa insolvente, sendo que as custas saem precípuas;
2º - Do remanescente,
1.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado e emergente de IMI, reconhecido à Fazenda Nacional, pelo valor respeitante a este prédio;
2.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por direito de retenção, reconhecido à Massa Insolvente da Sociedade P, S.A.
3.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por hipotecas e reconhecido ao N Banco, S.A. (anterior Banco E, S.A.) até ao limite registado;
4.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos comuns, entre si em pé de igualdade e proporcionalmente se disso for caso.
5.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos subordinados pela ordem prevista no art.º 48.º do
CIRE.”
Rectifique no local próprio.
Notifique” [ [2] ].
Recursos
Da sentença proferida apresentaram recurso Massa Insolvente de "M 2, Lda. [ [3] ] e a AL SA [ [4] ]. A Massa Insolvente de "M2 Lda. (doravante, massa insolvente) apresenta as seguintes conclusões: “1º Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo não deve o crédito da "Sociedade P, S.A." no valor de €844.242,06 ser reconhecido como garantido - em virtude de direito de retenção - mas apenas como comum, tal como entendido na relação de créditos apresentada nos termos do art.º 129º do CIRE. 2º Na verdade e em primeiro lugar, verifica-se a falta de prova dos requisitos do dito direito de retenção invocado pela Credora "Sociedade P, S.A." (posse e obrigação de entrega duma coisa; existência dum crédito exigível; conexão causal entre o crédito e a coisa). 3º Da matéria de facto apurada não resulta a relação do dito crédito com o imóvel em causa; 4º Da matéria de facto apurada, também não resulta factualidade integradora de qualquer posse sobre dito imóvel - para o que é objectivamente insuficiente o facto dado como provado sob o ponto 10, tanto mais que foi dado como não provado que "na data da impugnação a impugnante mantinha o acesso à obra vedado, com vigilantes, com o acesso limitado ao pessoal ao seu serviço". 5º E, mormente, por força do estipulado na cláusula 2§ do dito contrato tripartido, verifica-se a inexigibilidade do referido crédito da "Sociedade de Construções P, S.A.", uma vez que não concluiu a obra (cfr. factos dados como provados pelo Tribunal a quo sob os pontos 10 e 11). 6º Em segundo lugar, mantém-se a renúncia ao direito de retenção por parte "Sociedade de Construções S.A", a par da ilicitude da resolução que a mesma operou. 7º Não é desde logo possível concluir pela inoperância da renúncia, por suposto incumprimento do estipulado na al. i), do nº. 1, da cláusula 1§, do dito contrato tripartido, apenas e tão-só em face da matéria de facto apurada sob ponto 7, uma vez que não foi alegado, não resulta dos Autos, nem foi apurado, em relação a qualquer uma das facturas em causa, sequer a data da respectiva remessa e interpelação para pagamento. 8º Mais acresce que essa matéria não pode ser dissociada da resolução operada pela "Sociedade de Construções P S.A.", de acordo aliás com a própria comunicação desta de 02/11/2011. 9º Ora tal resolução é ilícita, porquanto inexiste, in casu, em face da matéria de facto provada, qualquer incumprimento definitivo, apreciado de modo objectivo, segundo critérios de razoabilidade, dentro do quadro contratual em causa, e nem sequer houve qualquer interpelação admonitória - tal como considerado pelo próprio Tribunal a quo, o qual, contudo, daí não extraiu todas as devidas consequências, e, concretamente, no sentido da inexistência de qualquer direito de retenção. 10º Na verdade, em face da ilicitude e consequente ineficácia da dita resolução (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08/10/2020, proc. 22/19.8T8PST.L1-2), a "Sociedade de Construções S.A" permaneceu devedora da obrigação, por si incumprida, de conclusão integral da obra em causa prevista na al. f), do nº. 2, da cláusula 1§, do dito acordo tripartido; 11º E, nada subsistindo em dívida, como efectivamente não subsiste, em relação às facturas emitidas no âmbito do contrato dito tripartido, já em relação ao remanescente do respectivo crédito inicial, o mesmo só é exigível - como já referido - após a efectiva conclusão de tal obra, por força do expressamente estipulado nesse sentido na cláusula 2§. Em terceiro e último lugar, ainda que existisse, in casu, hipoteticamente e sem conceder, o direito de retenção reclamado pela "Sociedade de Construções S.A", sempre seria a respectiva invocação, em concreto, manifestamente abusiva nos termos do art.º 334º do Cód. Civil. 13º Trata-se, desde logo, do exercício de um direito em clamoroso desequilíbrio. 14º Com efeito, e como já referido, por via do dito contrato tripartido a "Sociedade de Construções P S.A." recebeu, logo à cabeça, sensivelmente metade do crédito que então detinha sobre a Insolvente, a saber, concretamente a quantia de €757.371,28 - cfr. cláusula 3§, nº. 1, a). 15º A "Sociedade de Construções P S.A." recebeu ainda, na íntegra, o valor dos trabalhos que subsequentemente executou por força desse dito contrato tripartido, no total de € 1.219.562,67 - cfr. apurado no ponto 7 da douta Sentença recorrida. 16º Tendo assim recebido quase dois milhões de euros, a "Sociedade de Construções P S.A.", invocando meros supostos atrasos, de escassos dias ou semanas, no pagamento das facturas referidas no ponto 7 da matéria de facto provada, veio a resolver o dito contrato tripartido, por carta de 02/11/2011 - cfr. facto dado como provado sob o ponto 10. 17º Estava a "Sociedade de Construção P S.A." então já em atraso, em mais de 20 meses, na respectiva obrigação de conclusão da obra estipulada, em contrapartida dos ditos pagamentos, como resulta do disposto na al. f), do nº. 2, da cláusula 1§, do dito acordo tripartido. 18º E, por via da respectiva resolução ilícita, não obstante haver recebido a dita quantia avultada de quase dois milhões de euros, a "Sociedade de Construção P S.A." efectivamente nunca chegou a concluir a obra em causa. 19º A invocação, nessas circunstâncias, de direito de retenção em relação ao remanescente do respectivo crédito de origem, quando este até ficou expressa e essencialmente condicionado à "execução e finalização da empreitada", afigura-se ser manifestamente desproporcionada e desequilibrada. 20º Tanto mais que o incumprimento pela "Sociedade de Construções P S.A.", ao arrepio do fito expresso e inequívoco do fito do dito contrato tripartido, deixando a obra inacabada e como tal desvalorizada, lesa gravemente a Massa Insolvente e a absoluta generalidade dos respectivos credores. 21º Por essa razão, e também na vertente do tu quoque, se verifica a existência de verdadeiro abuso de direito por parte da "Sociedade de Construções P S.A." (cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/03/ 2004, proc. 03B3073). 22º Assim se pugna pela efectiva procedência do presente recurso, devendo ser revogada a douta Sentença recorrida, no que respeita ao direito de retenção aí reconhecido quanto ao crédito da "Sociedade de Construções P, S.A." no valor de € 844.242,06, de modo a se fazer Justiça”.
AL SA (doravante L) apresenta as seguintes conclusões: “I. O presente recurso vem interposto da douta sentença de 07/08/2022 no segmento em que confere à Recorrida “P” o direito de retenção sob a verba n.º 7 do auto de apreensão de 05/11/2013 (a saber, o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia do Caniço e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º…), para garantia do valor de €844.242,06 — reconhecimento que influirá negativamente no ressarcimento do crédito garantido (hipoteca) da ora Recorrente, no montante de €11.147.757,69. II. Ora, decidiu mal o tribunal a quo ao considerar que se verificam os requisitos do direito de retenção do empreiteiro. III. In casu, entende a Recorrente que não resultou provado que a Recorrida detivesse a posse bastante do imóvel, aqui apreendido, nem sequer, que o crédito reclamado resultasse de valores efectivamente em dívida sobre o imóvel apreendido e inerentes fracções. IV. Pelo que, sem prova da detenção licita de um bem propriedade de outrem e que devesse ser entregue a esse outrem não poderia ter sido reconhecido direito de retenção — vide art.º 754.º do C.C. V. Sendo, por conseguinte, a referida “posse” das chaves manifestamente insuficiente para lhe conferir qualquer direito de retenção. VI. Depois, estando o tribunal a quo obrigado a resolver as questões que as partes lhe submetem — cfr. artigo 608 n.º 2 do CPC - a Recorrente não se conforma com a resposta dada à matéria de facto, designadamente em face da omissão da seguinte factualidade, provada e não provada: Factos provados Facto 12 - Que, o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º…, é composto por três blocos de apartamentos - A, B e C- a que acrescem zonas comuns, como casa das máquinas, casas do lixo, parque infantil, rede geral de esgotos, zonas verdes, circulações comuns, escadas, elevadores, zona do estacionamento, salas de condomínio, casas do gás, cobertura e paredes exteriores. Facto 13 Que, o bloco A é composto por 36 fracções autónomas, destinadas a habitação — a saber, as fracções, “A" “B" “C" “D”, “E”, “F”, “G" “H" “I”, “J" “K" “L”, “M" “N" “O" “P”, “Q”, “R”, “S”, “T”, “U”, “V”, “W”, “X”, “Y”, “Z”, “AA”, “AB”, “AC", “AD”, “AE”, “AF”, “AG”, “AH”, “AI” e “AJ”. Facto 14 Que, o bloco B é composto por 25 fracções autónomas, das quais quatro destinam-se a comércio e vinte e uma a habitação — a saber, as fracções “AK”, “AL”, “AM”, “AN”, “AO”, “AP”, “AQ" “AR”, “AS”, “AT”, “AU”, “AV”, “AW”, “AX”, “AY”, “AZ”, “BA”, “BB”, “BC”, “BD”, “BE”, “BF”, “BG”, “BH” e “BI”. Facto 15 Que, o bloco C é composto por 39 fracções autónomas, das quais uma é destinada a comércio e trinta e oito a habitação - a saber, “BJ”, “BK”, “BL”, “BM”, “BN”, “BO”, “BP”, “BQ" “BR”, “BS”, “BT”, “BU”, “BV”, “BW”, “BX" “BY”, “BZ”, “CA”, “CB" “CC”, “CD”, “CE”, “CF”, “CG”, “CH”, “CI”, “CJ" “CK”, “CL”, “CM”, “CN" “CO" “CP”, “CQ" “CR" “CS”, “CT”, “CU” e “CV”. Facto 16 Que, o então BANCO E financiou adicionalmente a insolvente, porque a “P” renunciou ao direito de retenção. Facto17 Que, o então BANCO E honrou a prestação a que se obrigou por conta do “acordo” tripartido de 01/06/2009. Facto 18 Que, mediante carta datada de 28/11/2011, a M2 comunicou à “P” que “não aferimos qualquer tipo de incumprimento, tanto no que diz respeito à nossa parte, assim como da entidade financiadora da obra (BANCO E), (...) uma vez que, conforme alínea d) da cláusula 3 do acima identificado contrato “os pagamentos referidos nas alíneas a) e b)” esta última referente aos valores das “facturas a emitir pela Sociedade de Construções P, à M2, respeitante às próximas execuções da empreitada”.. “apenas serão efectuadas após realizados os autos de medição por parte do BANCO E” situação essa não verificada. Contudo, existe, efectivamente, incumprimento do acordo, mas por parte de V. Exa., nomeadamente no que diz respeito à conclusão da obra, Factos não provados: Facto B) - Qual, o concreto valor do crédito em divida relativamente ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …. Facto C) - Qual o concreto crédito reclamado a imputar a cada uma das fracções que compõem o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …. Facto D) -A “P” reteve a obra objecto de empreitada para garantia de pagamento dos valores devidos pela Insolvente. VII. A reapreciação/reponderação da matéria de facto, documentada e gravada - o que expressamente se requer ao abrigo do disposto no artigo 640º do CPC -, conduzirá a diferente conclusão quanto ao desfecho da presente acção. VIII. Desde logo, quanto aos factos provados, os n.ºs 12,13,14 e 15 resultam de documento — o auto de apreensão de 05/11/2013. Os factos 16 e 17resultam identicamente de documento — o “acordo” tripartido de 01/06/2009 — bem como dos factos 3 e 7 dos factos provados e, ainda, do depoimento de MG, prestado na sessão de julgamento de 20/05/2019, e gravado em suporte digital, com início aos 01:36:52 e fim aos 02:02:04. O facto 18 resulta de documento — a carta da M 2 de 28/11/2011junta à resposta do então BANCO E de 10/02/2014. IX. Já quanto aos factos não provados, efectivamente, não resultou provado qual o crédito em divida, a imputar ao mencionado imóvel e inerentes fracções. Desde logo, atento o facto 7 dos factos provados e o referido depoimento de MG. X. Como também não resultou provada a efectiva posse do imóvel pela “P”, além da entrega de chaves. Cfr. os depoimentos de NF e de JS, prestados na mesma sessão de julgamento de 20/05/2019, e gravados em suporte digital, respectivamente, com início aos 01:09:57 e fim aos 01:14:28, e com início aos 01:30:26 e fim aos 01:36:51, do aludido dia, e, ainda, o facto 11 dos factos provados e o facto A) dos factos não provados. XI. Pelo que, deveria o tribunal a quo ter, diferentemente, considerado a factualidade supra enunciada, dando por provados os aludidos factos n. ºs 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 aditando-os aos factos provados e como não provada a factualidade inscrita sob os n. ºs B), C) e D), aditando- os aos factos não provados. XII. Deve, assim, o presente recurso proceder, com a alteração sobre a decisão da matéria de facto, aditando-se e considerando-se provados os factos n.ºs 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 e como não provados os factos B, C) e D) e em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que decida nesta conformidade. XIII. O douto tribunal a quo, ao decidir no sentido em que decidiu, não efectuou correcta análise e valoração da prova produzida nos autos, violando o disposto nos artigos 342º e 754º do CC e 607º, nº 5, 2ª parte, e 608º, n.º 2 do CPC. XIV. Aqui chegados, relativamente aos requisitos do direito de retenção, não resulta desde logo provada a relação do crédito com o imóvel em causa. XV. Da matéria de facto provada, também não resulta factualidade bastante integradora de posse sobre dito imóvel —para o que é insuficiente o facto dado como provado sob o ponto 10, tanto mais que foi dado como não provado sob o facto A) dos factos não provados que, “na data da impugnação a impugnante mantinha o acesso à obra vedado, com vigilantes, com o acesso limitado ao pessoal ao seu serviço.” XVI. E, sobretudo, por força do estipulado na cláusula 2 do “acordo” tripartido, verifica-se a inexigibilidade do referido crédito da “P”, uma vez que não concluiu a obra (cfr. factos 3, 10 e 11 dos factos provados). XVII. Depois, a renúncia ao direito de retenção por parte da “P” mantém actualidade, tal como a invalidade da resolução que aquela preconizou. XVIII. Com efeito, não se afigura viável concluir pela ineficácia da referida renúncia, por alegado incumprimento do estipulado na al i), do nº. 1, da cláusula 1ª, do “acordo” tripartido, apenas em virtude da matéria de facto dada por provada sob o nº 7, uma vez que, desde logo, não foi alegado, nem resulta dos autos, em relação a qualquer uma das facturas em causa, sequer a data da respectiva remessa e interpelação para pagamento. XIX. De resto, tal circunstância não pode ser dissociada da resolução oportunista efectuada pela “P”, aos 02/11/2011. XX. Tal resolução é, pois, inválida, porquanto inexiste, in casu, em face da matéria de facto provada, qualquer incumprimento definitivo, como, de resto, afirma tribunal “a quo”, e nem sequer houve qualquer interpelação admonitória — idem, facto 7) XXI. Ora, em virtude da invalidade da resolução em referência, a “P” permaneceu devedora da obrigação, por si incumprida, de conclusão integral da obra em causa prevista na al. f), do nº. 2, da cláusula 1a, do “acordo” tripartido. XXII. E nada subsistindo em divida em relação às facturas emitidas no âmbito do “acordo” (cfr. facto 7 dos factos provados), já em relação ao remanescente do respectivo crédito inicial, o mesmo só seria exigível — como já referido — após a efectiva conclusão de tal obra, por força do estipulado na cláusula 2ª. XXIII. De todo o modo, sublinhe-se que, por via do “acordo” tripartido a “P” recebeu cerca de metade do crédito que então detinha sobre a Insolvente, a saber, concretamente a quantia de €757.371,28; cfr. cláusula 3ª, nº. 1, a). XXIV. A “P” recebeu ainda, na íntegra, o valor dos trabalhos que subsequentemente executou por força desse dito contrato tripartido, no total de €1.219.562,67 — cfr. facto 7 dos factos provados. XXV. Tendo recebido quase dois milhões de euros, a “P” invocando meros alegados atrasos, de dias ou semanas, no pagamento das facturas referidas no ponto 7 dos factos provados, veio a resolver o “acordo” tripartido, por carta de 02/11/2011; cfr. facto 10 dos factos provados. XXVI. Mais ainda: a “P” e o então BANCO E, depois N Banco, S.A. actuam no mercado em igualdade de circunstâncias: as armas de que dispõem quando celebram contratos no âmbito das suas actuações e a exposição aos riscos normais das actividades que prosseguem, são em tudo idênticas. XXVII. Não se vislumbrando ser de aceitar o reconhecimento à Recorrida de um direito de retenção que tenha prevalência sobre a hipoteca da Recorrente previamente registada porquanto tratar-se-ia de uma clara violação do princípio da proporcionalidade. XXVIII. Desconsiderar direitos patrimoniais legitimamente constituídos e registados anteriormente à constituição e invocação de um alegado e ficcionado direito de retenção seria uma manifesta violação dos princípios da proporcionalidade, da protecção, da confiança e segurança jurídicas no comércio jurídico imobiliário e portanto violadores dos art.ºs 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa. XXIX. Não poderia, assim, face à factualidade dada como provada, ter o tribunal de primeira instância ter reconhecido qualquer direito de retenção sobre o imóvel hipotecado, actualmente à Recorrente, depreciando o seu crédito reconhecido, e devidamente comprovado, quer quanto ao montante, quer quanto à sua qualificação. XXX. A sentença proferida violou assim o disposto nos artigos 342º CC, 754.º C.C, 759.º C.C, 607º, n.º 5, 2ª parte CPC, 608º, n. º2 CPC, 47.º CIRE e 20.º CRP. NESTES TERMOS, Deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, na parte em que considerou o crédito da recorrida “P”, no valor de €844.242,06, como garantido, porque emergente de direito de retenção sobre a verba n.º 7 do auto de apreensão, com todas as consequências legais, nos termos ante expostos - ou seja, dever-se-á alterar a decisão da matéria de facto, aditando-se os indicados factos 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 aos factos provados, e os factos B), C) e D) aos factos não provados, conferindo-se ao referido crédito da “P” natureza comum, graduando-o, nessa sequência, depois do crédito da Recorrente. Só assim se decidindo, será CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA!”
A Massa insolvente da Sociedade P, Lda, (doravante P) apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: “1ª A sentença recorrida, não é passível de censura uma vez uma vez que os factos dados como provados e que não merecem qualquer reparo, determinam que assiste à ora alegante o direito de retenção sobre o prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo … da freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o nº … da freguesia do Caniço, bem como as consequências daí resultantes, ou seja, repetimos, perante a factualidade dada como provada não merece qualquer censura a decisão da sentença recorrida. 2ª Na impugnação da matéria de facto efectuada a Apelante pretende apenas alterar e acrescentar factos que a Maritimíssima Juiz “a quo”, face à imediação da prova, não considerou e bem como provados. 3ª A sentença recorrida contém a enunciação dos factos julgados provados, bem como dos factos que não foram julgados provados, e as razões de direito em que o Tribunal de 1ª instância se alicerçou; entende-se com evidência a decisão que foi proferida, na sequência dos fundamentos que foram desenvolvidos, não havendo obscuridade e/ou ambiguidade geradoras de ininteligibilidade, nem os factos dados como provados devem ser modificados. 4ª O Tribunal de 1ª instância tomou motivadamente uma determinada orientação que seguiu, não tendo que ponderar toda a argumentação jurídica deduzida pela apelante; foram conhecidos os pedidos deduzidos bem como, as causa de pedir e excepções invocadas, não se verificando qualquer nulidade da sentença. 5ª Ponderando a prova efectivamente produzida, considerando os depoimentos das testemunhas apontadas pela apelante, mas não só, deve-se manter a matéria de facto provada e não provada, não se procedendo às alterações pretendidas pelos apelantes. 6ª Na impugnação da matéria de facto impende sobre o recorrente o ónus, decorrente do pressuposto processual do interesse em agir e do princípio da proibição de actos inúteis (art.º 130.º do CPC), de justificar o interesse nessa impugnação, não sendo de admitir que o tribunal desperdice os seus recursos na apreciação de situações de que o recorrente não possa tirar qualquer benefício. Ora esse ónus não foi cumprido pela Apelante. 7ª Se o facto que se pretende impugnar for irrelevante para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis, não há qualquer utilidade naquela impugnação da matéria de facto, pois o resultado a que se chegar (provado ou não provado) é sempre o mesmo: absolutamente inócuo. O mesmo é dizer que só se justifica que a Relação faça uso dos poderes de controlo da matéria de facto da 1.ª instância quando essa actividade da Relação recaia sobre factos que tenham interesse para a decisão da causa, ut art.º 130.º do CPC. Quando assim não ocorre, a Relação deve abster-se de apreciar tal impugnação. 8ª E omitindo a Apelante o cumprimento do ónus processual fixado na al. c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, impõe-se a imediata rejeição da impugnação da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões. 9ªAliás o dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de os recorrentes respeitarem todos os ónus previstos no art.º 640.º, n.º 1, do CPC e de a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final. 10ª E segundo a jurisprudência do STJ, nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil 11ª E refira-se no que à prova testemunhal respeita, a relevância da imediação. Daí a vantagem do Tribunal de 1ª instância, perante quem a prova se produziu e que pôde assimilar elementos que, através das gravações da prova, não são susceptíveis de, do mesmo modo, chegarem ao Tribunal «ad quem». 12ª De acordo com a definição do artigo 1207.º do mesmo código, a empreitada pressupõe a realização de “certa obra”. A intervenção do empreiteiro é, assim, mais profunda do que a vulgar situação em que se fazem despesas “por causa da coisa” ou de “danos por ela causados”. Merece, por aí, maior proteção garantística. Nomeadamente mal se compreenderia que assistisse ao que leva a cabo benfeitorias na coisa este direito e ele fosse recusado ao que a cria. 13ª O Direito de retenção visando tutelar o interesse do credor, em ordem a compelir o devedor ao cumprimento e, concomitantemente, a considerar o crédito como privilegiado, ficaria sem se compreender que deste se excluísse o motor que, não obstante as ressalvas supra referidas, está na base da celebração dos contratos de empreitada. Não vemos razão para se distinguir – neste sentido Calvão Telles, em estudo citado. 14ª Pelo que se impõe a manutenção da decisão do Tribunal recorrido, julgando a apelação improcedente, por não provada. 15ª E a Meritíssima Juiz “a quo” aplicou correctamente a lei, designadamente, os artigos, 405º e ss. e 754º, todos do Código Civil. Nestes termos e nos mais de Direito, afigura-se-nos que nada explica ou justifica este recurso de apelação, pelo que deverá ser negado provimento e confirmada a douta sentença recorrida, nos seus precisos termos, ou seja, reconhecer que a “Sociedade P, S.A.” detém um crédito sobre a insolvente “M 2 Lda” no valor de €844.242,06, o qual tem natureza garantida por direito de retenção e um crédito no valor de €6.592,03, com natureza subordinado. COMO É DE JUSTIÇA!”
Cumpre apreciar.
II. FUNDAMENTOS DE FACTO
Com relevância para a apreciação dos recursos interpostos, o tribunal de primeira instância deu por assente a seguinte factualidade: “Da impugnação deduzida pelo credor P relativamente ao crédito que lhe foi reconhecido” [ [5] ]:
1. A P reclamou créditos no montante de €1.201.627,42, sendo a quantia de €844.242,06 a título de capital e a quantia de €357.385,36 respeitante a juros.
2. O administrador da insolvência reconheceu à Impugnante um crédito comum no valor de €850,834,09, sendo €844.242,06 de capital e a quantia de €6.592,03 respeitante a juros com o seguinte fundamento: pelo facto de a reclamante não ter cumprido o acordo tripartido celebrado no dia 1 de Junho de 2009 com a ora insolvente, “M 2 Lda” e o “Banco E S.A.” e ter renunciado ao direito de retenção.
3. No dia 1 de junho de 2009, foi assinado pela Insolvente “M 2 Lda.”, pelo BANCO E e pela Impugnante “P”, o acordo designado “Acordo”.
(contrato tripartido, datado de 1.06.2009, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
4. No acordo tripartido, ficou estipulado o seguinte:
“Renuncia aqui, de forma firme e irrevogável, ao direito de retenção sobre o Prédio por força de qualquer dívida, vencida ou vincenda, resultantes dos trabalhos desenvolvidos ou a desenvolver para a finalização do Empreendimento, desde que recebidas atempadamente todas as importâncias previstas neste acordo, ou seja, 30 dias após a data de emissão das facturas”.
5. Os pagamentos no âmbito do acordo referido em 3. eram feitos à Impugnante diretamente pelo BANCO E.
6. A insolvente escolheu e contratou a Impugnante “P” para a realização da empreitada da “Quinta do Girassol II”.
7. Em face do acordo referido em 3. foram emitidas as seguintes faturas, que foram pagas nos termos e datas infra.
- Fatura B 7, respeitante ao auto nº 19, emitida em 20/06/2009, no montante de €178.851,48, foi paga parcialmente - a quantia de €18.000,00 - em 10/07/2009, e o restante, no montante de €160.851,48, foi pago em 31/07/2009;
- Fatura A 139, respeitante ao auto nº 20, emitida em 20/07/2009, no montante de €245.186,34, foi paga em 03/09/2009;
- Fatura A 146, respeitante ao auto nº 21, emitida em 20/08/2009, no montante de €137.000,08, foi paga parcialmente - a quantia de €137.000,00,00 - em 01/10/2009, e o restante, no montante de €0,80, só foi pago em 12/07/2012;
- Fatura B 11, respeitante ao auto nº 22, emitida em 20/09/2009, no montante de €121.735,17, só foi paga em 22/10/2009;
- Fatura A 164, respeitante ao auto nº 23, emitida em 27/10/2009, no montante de €151.769,11, foi paga em 04/12/2009;
- Fatura B 15, respeitante ao auto nº 25, emitida em 18/12/2009, no montante de €94.859,55, foi paga parcialmente - a quantia de € 94.859,53 - em 20/01/2010, e o restante, no montante de € 0,21, foi pago em 12/07/2010;
- Fatura A 211, respeitante ao auto nº 29, emitida em 30/04/2010, no montante de €190.327,01, foi paga em 31/05/2010;
- Fatura B 25, respeitante ao auto nº 30, emitida em 31/05/2010, no montante de €99.833,21, foi paga parcialmente - a quantia de €99.833,00,00 - em 09/07/2010, e o restante, no montante de €0,21, foi pago em 12/07/2010;
- Fatura B 29, respeitante ao auto nº 31, emitida em 31/07/2010, no montante de €70.582,33, foi paga em 06/09/2010;
- Fatura A 231, respeitante ao auto nº 32, emitida em 30/09/2010, no montante de €32.619,99, foi paga em 04/02/2011;
- Fatura A 247, respeitante ao auto nº 33, emitida em 23/12/2010, no montante de €59.566,55, foi paga parcialmente - a quantia de €7.867,67 - em 04/02/2011, e o restante, no montante de €51.698,88, foi pago em 21/04/2011;
- Fatura 2.10, respeitante ao auto nº 36, emitida em 01/06/2011, no montante de €109.298,68, foi paga parcialmente - a quantia de €48.000,00 - em 20/06/2011, e o restante, no montante de €61.298,68, foi pago em 12/07/2011;
- Fatura 1.20, respeitante ao auto nº 37, emitida em 29/07/2011, no montante de €134.224,88, foi paga parcialmente - a quantia de €64.248,03 - em 10/08/2011, e o restante, no montante de €69.975,85, foi pago em 07/11/2011.
8. Na data da emissão das faturas referidas em 7., os autos de medição já tinham sido aprovados pelo fiscal do Banco.
9. Na data da celebração do acordo referido em 3. a insolvente devia à Impugnante a quantia de €1.507.371,29, respeitante a faturas vencidas e não pagas, sendo que sobre este montante eram devidos juros de mora no montante de €90.957,82.
10. A Impugnante, mediante carta datada de 02/11/2011, declarou a denúncia/rescisão do acordo referido em 3. alegando “por os prazos de pagamento estipulados para pagamento das facturas apresentadas pela ora reclamante, não terem sido pagas atempadamente (...)”, mais referindo expressamente que o direito de retenção que nos assiste sobre a obra em curso, será mantido até à liquidação de todos os créditos vencidos e vincendos” [ [6] ].
11. Na data da impugnação a impugnante não havia entregue a obra construída à insolvente.
*
Mais indicando como segue:
“Factos Não Provados
Com interesse para a decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:
A. Na data da impugnação a impugnante mantinha o acesso à obra vedado, com vigilantes, com o acesso limitado ao pessoal ao seu serviço.
*
A demais alegação produzida pelas partes configura matéria de pendor conclusivo, de direito ou irrelevante para a decisão a proferir nos presentes autos, motivo pelo qual não foi seleccionada para sustentar a mesma”.
III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelas apelantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.ºs 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº 3 do mesmo diploma.
No caso, impõe-se apreciar:
- Da impugnação do julgamento de facto apresentada pela apelante L;
- Se o crédito da Massa insolvente P no valor de €844.242,06 goza do direito de retenção sobre a verba n.º 7 do auto de apreensão de 05-11-2013, a saber, o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia do Caniço e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º…;
- Se ocorreu a renúncia ao direito de retenção;
- Se o reconhecimento da prevalência da garantia resultante do reconhecimento do direito de retenção sobre a hipoteca traduz uma violação de princípios constitucionais;
- Se a invocação do direito de retenção configura um exercício abusivo do direito (art.º 334.º do Cód. Civil).
Acrescente-se que a impugnação do julgamento de facto só é apresentada pela recorrente L, sendo muito similares as questões de direito formuladas por ambas as recorrentes [ [7] ].
2. A apelante L impugnou o julgamento de facto, pretendendo que se dê como provada a seguinte matéria, que alega ter sido indevidamente omitida pelo tribunal de primeira instância:
“Facto 12
- Que, o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º…, é composto por três blocos de apartamentos - A, B e C- a que acrescem zonas comuns, como casa das máquinas, casas do lixo, parque infantil, rede geral de esgotos, zonas verdes, circulações comuns, escadas, elevadores, zona do estacionamento, salas de condomínio, casas do gás, cobertura e paredes exteriores.
Facto 13
Que, o bloco A é composto por 36 fracções autónomas, destinadas a habitação - a saber, as fracções, “A" “B" “C" “D”, “E”, “F”, “G" “H" “I”, “J" “K" “L”, “M" “N" “O" “P”, “Q”, “R”, “S”, “T”, “U”, “V”, “W”,“X”, “Y”, “Z”, “AA”, “AB”, “AC", “AD”, “AE”, “AF”, “AG”, “AH”, “AI” e “AJ”.
Facto14
Que, o bloco B é composto por 25 fracções autónomas, das quais quatro destinam-se a comércio e vinte e uma a habitação — a saber, as fracções “AK”, “AL”, “AM”, “AN”, “AO”, “AP”, “AQ" “AR”, “AS”, “AT”, “AU”, “AV”, “AW”, “AX”, “AY”, “AZ”, “BA”, “BB”, “BC”, “BD”, “BE”, “BF”, “BG”, “BH”e “BI”.
Facto15
Que, o bloco C é composto por 39 fracções autónomas, das quais uma é destinada a comércio e trinta e oito a habitação - a saber, “BJ”, “BK”, “BL”, “BM”, “BN”, “BO”, “BP”, “BQ" “BR”, “BS”, “BT”, “BU”, “BV”, “BW”, “BX" “BY”, “BZ”, “CA”, “CB" “CC”, “CD”, “CE”, “CF”, “CG”, “CH”, “CI”, “CJ" “CK”, “CL”, “CM”, “CN" “CO" “CP”, “CQ" “CR" “CS”, “CT”, “CU” e “CV”.
Facto 16
Que, o então BANCO B financiou adicionalmente a insolvente, porque a “P” renunciou ao direito de retenção.
Facto17
Que, o então BANCO E honrou a prestação a que se obrigou por conta do “acordo” tripartido de 01/06/2009.
Facto 18
Que, mediante carta datada de 28/11/2011, a M2 comunicou à “P” que “não aferimos qualquer tipo de incumprimento, tanto no que diz respeito à nossa parte, assim como da entidade financiadora da obra (BANCO E), (...) uma vez que, conforme alínea d) da cláusula 3 do acima identificado contrato “os pagamentos referidos nas alíneas a) e b)” esta última referente aos valores das “facturas a emitir pela P, à M2, respeitante às próximas execuções da empreitada”.. “apenas serão efectuadas após realizados os autos de medição por parte do BANCO E” situação essa não verificada.
Contudo, existe, efectivamente, incumprimento do acordo, mas por parte de V. Exa., nomeadamente no que diz respeito à conclusão da obra”.
Mais pretende que o tribunal dê como não provada a seguinte matéria:
“Factos não provados:
Facto B)
- Qual, o concreto valor do crédito em divida relativamente ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º ….
Facto C)
- Qual o concreto crédito reclamado a imputar a cada uma das fracções que compõem o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º ….
Facto D)
-A “P” reteve a obra objecto de empreitada para garantia de pagamento dos valores devidos pela Insolvente”.
Como à evidência resulta das alegações de recurso – cfr. os números 16 a 19 e 150 a 176 do corpo das alegações –, a apelante deu cumprimento às exigências a que alude o art. 640.º do CPC, ao contrário do que refere a apelada, pelo que nada obsta à apreciação do mérito da impugnação. Quanto aos factos indicados – na sequência da numeração feita pela primeira instância – sob os números 12 a 15, a factualidade em causa decorre diretamente do processo, mais precisamente, do apenso B) – auto de apreensão datado de 05-11-2013, junto ao referido apenso em 27-01-2014 e documentos juntos com o mesmo, nomeadamente a certidão emitida em 03-10-2011 pela Câmara Municipal de Santa Cruz [ [8] ] –, consubstanciando vicissitudes de natureza processual a que o tribunal sempre atenderia, pelo que nada obsta a que expressamente se faça verter essa matéria na factualidade provada, de acordo com o que foi consignado no auto de apreensão. Assim, determina-se o aditamento aos factos provados da seguinte matéria:
12. Em 05-11-2013 o administrador da insolvência procedeu à apreensão dos seguintes bens imóveis:
“Verba I — Fracção autónoma destinada ao comércio, do Tipo TI, situada na Rua … — Apartamentos Quinta do … Bloco A, concelho de Santa Cruz, A fracção encontra-se inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … 0-B da freguesia do Caniço, com o valor patrimonial de 105.121,80 €, e descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o nº …/20060105-B.
(…)
Verba 2 — Fracção autónoma destinada à habitação, do Tipo T2, situada na Rua … — Apartamentos Quinta do … Bloco A, concelho de Santa Cruz. A fracção encontra-se inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … 0-0 da freguesia do Caniço, com o valor patrimonial de 52.898,65 e, e descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa cruz, sob o nº …/20060105-O.
(…)
Verba 3 — Fracção autónoma destinada à habitação, do Tipo T3, situada na Rua … — Apartamentos Quinta do … Bloco A, concelho de Santa Cruz. A fracção encontra-se inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … 0-AD da freguesia do Caniço, com o valor patrimonial de 88.062,68 e, e descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa cruz, sob o nº …/20060105-AD.
(…)
Verba 4 - Fracção autónoma destinada à habitação, do Tipo T3, situada na Rua … — Apartamentos Quinta do … Bloco A, concelho de Santa Cruz. A fracção encontra-se inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … 0-AI da freguesia do Caniço, com o valor patrimonial de 114.606,73 €, e descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o nº …/20060105-AI.
(…)
Verba 5 — Fracção autónoma destinada à habitação, do Tipo T3, situada na Rua … — Apartamentos Quinta do … Bloco A, concelho de Santa Cruz. A fracção encontra-se inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … 0-AK da freguesia do Caniço, com o valor patrimonial de 88.062,68 e, e descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o nº …/20060105-AK.
(…)
Verba 6 — Fracção autónoma destinada à habitação, do Tipo T3, situada na Rua … — Apartamentos Quinta do … Bloco A, concelho de Santa Cruz. A fracção encontra-se inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … 0-A.N da freguesia do Caniço, com o valor patrimonial de 110.207,28€, e descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o nº …/20060105-AN.
(…)
Verba 7 — Terreno para construção, situada na Rua … — Sítio da Vargem, concelho de Santa Cruz. O prédio encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia do Caniço, com o valor patrimonial de 3.015.133,19€, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o nº …/20060105.
Sobre o terreno atrás descrito encontram-se edificados três blocos de apartamentos, correspondendo ao bloco B, C e D dos Apartamentos Quinta do …, os quais são constituídos por 100 fracções, conforme cópia da certidão da Câmara Municipal de Santa Cruz, em anexo.
- Hipoteca Voluntária a favor do Banco Espírito Santo, S.A., capital - 8.000.000,00€;
- Hipoteca Voluntária a favor do Banco Espírito Santo, S.A., capital - 1.000.000,00€;
- Hipoteca Voluntária a favor do Banco Espírito Santo, S.A., capital - 1.500.000,00€;
- Penhora a favor da Fazenda Nacional, Quantia Exequenda: 121.174,20€; (Proc. Execução nº 2810200601033263 — Serviço de Finanças do Funchal- 1).
- Penhora a favor de ET, Quantia Exequenda: 70.720,00€; (Proc. Execução nº 169/10.6TCFUN-B — 1ª Secção, Varas de Competência Mista do Funchal).
- Arresto a favor de JF, Quantia: 124.700,00€; (Proc. nº 6/13.0TCFUNA — 2ª Secção, Varas de Competência Mista do Funchal).
O Administrador Judicial finalizou a apreensão das fracções, pelas 17:30 horas, ficando como fiel depositário das fracções e prédio a sociedade devedora M2 Lda.
A avaliação das fracções e prédio será apresentada posteriormente por peritagem efectuada”.
13. O prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º…, supra referido é composto por três blocos de apartamentos -A, B e C- a que acrescem zonas comuns, como casa das máquinas, casas do lixo, parque infantil, rede geral de esgotos, zonas verdes, circulações comuns, escadas, elevadores, zona do estacionamento, salas de condomínio, casas do gás, cobertura e paredes exteriores, sendo:
- O bloco A é composto por 36 frações autónomas, destinadas a habitação (frações, “A" “B" “C" “D”, “E”, “F”, “G" “H" “I”, “J" “K" “L”, “M" “N" “O" “P”, “Q”, “R”, “S”, “T”, “U”, “V”, “W”, “X”, “Y”, “Z”, “AA”, “AB”, “AC", “AD”, “AE”, “AF”, “AG”, “AH”, “AI” e “AJ”);
- O bloco B é composto por 25 frações autónomas, das quais quatro destinam-se a comércio e vinte e uma a habitação (frações “AK”, “AL”, “AM”, “AN”, “AO”, “AP”, “AQ" “AR”, “AS”, “AT”, “AU”, “AV”, “AW”, “AX”, “AY”, “AZ”, “BA”, “BB”, “BC”, “BD”, “BE”, “BF”, “BG”, “BH” e “BI”).
- O bloco C é composto por 39 frações autónomas, das quais uma é destinada a comércio e trinta e oito a habitação ( frações “BJ”, “BK”, “BL”, “BM”, “BN”, “BO”, “BP”, “BQ" “BR”, “BS”, “BT”, “BU”, “BV”, “BW”, “BX" “BY”, “BZ”, “CA”, “CB" “CC”, “CD”, “CE”, “CF”, “CG”, “CH”, “CI”, “CJ" “CK”, “CL”, “CM”, “CN" “CO" “CP”, “CQ" “CR" “CS”, “CT”, “CU” e “CV”.
Quanto à matéria indicada pela apelante sob os números 16 e 17, trata-se de matéria que não deve ser consignada como assente nesses termos porquanto notoriamente conclusiva, o que a apelante não pode ignorar: dando-se como provado que “a P renunciou ao direito de retenção” ficaria resolvida uma questão de direito que se coloca no processo, nem sequer merecendo acrescidas considerações o segmento cujo aditamento também se pretende, a saber, que “o então BANCO E honrou a prestação a que se obrigou”.
No entanto, importa para essa matéria o denominado acordo tripartido celebrado entre os intervenientes e justifica-se que o tribunal dê como assente o conteúdo desse acordo, a que o tribunal alude no número 3 dos factos provados, indicando-se agora, expressamente, na parte juridicamente relevante, as cláusulas respetivas. Efetivamente, nos casos em que releva para a decisão analisar o clausulado pelos contraentes não deve considerar-se provada a matéria respetiva por via da habitual remessa para o documento que corporiza o acordo, acompanhado da cómoda alusão “cujo teor se dá por reproduzido”, fórmula a que a Juiz também recorreu [ [9] ] [ [10] ].
Assim, sob o número 3 – A, complementarmente ao já indicado pela primeira instância sob o número 3 esta Relação dá como provada a seguinte matéria:
3-A: M2 Lda. (“Mf”), a Sociedade P S.A. (“P”) e o Banco E SA (“BANCO E”), acordaram, por escrito de 01-06-2009, como segue:
“Considerando que:
A Mf está a desenvolver um projecto imobiliário vulgarmente denominado por Apartamentos Quinta do … II, composto por 101 fracções autónomas (o “Empreendimento”).
2. O Empreendimento está a ser implantado no prédio urbano com a área de 3.493,58 m2, localizado no sítio da Vargem, Rua …, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o número … da freguesia do Caniço (o “Prédio”).
3. Para a total e completa edificação do Empreendimento, a Mf celebrou com a P um contrato de empreitada que abrange todos os trabalhos e serviços necessários para o efeito e entrega das fracções em condições de “chave na mão” pelo valor de €6.162.754,96, com IVA incluído, que correspondem a € 1.507.371,28 (incluindo IVA) de trabalhos executados e não pagos e €2.888.738,22 (IVA incluído) de trabalhos a executar.
4. O Banco E concedeu à Mf financiamentos, no montante de €6.753.450,00 (…) tendo por finalidade a construção do Empreendimento (o “Financiamento”), o qual está garantido por hipoteca de primeiro grau (a “Hipoteca”), e que tem por utilizar o montante de €2.703.520,00.
5. (i) A P ainda não concluiu a construção do Empreendimento, (ii) estão vencidas, e não pagas pela Mf, facturas referentes à Empreitada no montante global e total de €1.507.371,20 (…), que correspondem a €1.322.255,51 de trabalhos executados e € 354.757,33 de IVA, (iii) Sobre este valor a P reclama €90.957,82 de juros de mora, (iv) a P suspendeu os trabalhos por falta de pagamento, (v) os montantes por utilizar ao abrigo do Financiamento não são suficientes para a conclusão da Empreitada e (vi) a Mf não está habilitada com os fundos necessários para a conclusão da Empreitada e início da fase da concretização das vendas.
6. As partes têm vindo a conversar no sentido de procurarem a melhor forma de concertarem a realização dos respectivos interesses, que para todos passa necessariamente pela conclusão da Empreitada adjudicada à P e posterior venda do Empreendimento pela Mf.
7. A Mf solicitou ao Banco E que este lhe concedesse um financiamento hipotecário adicional, até ao montante máximo de €1.5000.000,00 (…), perfazendo um total de €4.203.520,00, para assegurar os fundos necessários ao pagamento de parte das facturas em atraso, até ao valor de € 757.371,28 (IVA incluído) e das facturas a emitir para a conclusão do Empreendimento até €288.738,22 (IVA incluído) bem como para o pagamento dos encargos financeiros resultantes dos financiamentos em curso durante esse período até €557.410,50.
8. A P, por outro lado, aceitou diferir/repartir o vencimento/recebimento dos últimos 840.957,82€ (IVA incluído) que lhe serão devidos por força da execução e conclusão da Empreitada, para o momento da venda de cada uma das fracções que compõem o Empreendimento e pelos montantes a serem determinados proporcionalmente face ao valor de distrate da Hipoteca a adoptar pelo BANCO E.
É, livremente e de boa fé, celebrado o presente acordo, o qual se rege pelas cláusulas seguintes:
1ª
(conclusão da empreitada)
1. A P declara e garante em benefício do Banco E e da própria Mf que:
a) Assume toda as responsabilidades relativas à finalização da Empreitada, incluindo todos os riscos inerentes ao local e ao já edificado em termos de adequação estrutural, geológica e morfológica, de acordo com os projectos aprovados.
b) Assume todas as responsabilidades relativas execução dos trabalhos relativos à Empreitada, bem como pelo cumprimento de todas as obrigações daí resultantes, sendo da sua exclusiva responsabilidade todos os riscos inerentes à Empreitada, incluindo aqueles que possam ter impacto em terceiros.
(…)
h) Os montantes, vencidos e vincendos, devidos pela Mf até ao final da Empreitada e entrega da obra nunca ultrapassarão, em qualquer circunstância, €4.396.109,50 (IVA incluído), correspondendo €1.507.371,28 a facturas vencidas e não pagas e €2.888.738,22 a trabalhos ainda não executados.
i) Renuncia aqui, de forma firme e irrevogável, ao direito de retenção sobre o Prédio por força de qualquer dívida, vencida ou vincenda, resultantes dos trabalhos desenvolvidos ou a desenvolver para a finalização do Empreendimento, desde que recebidas atempadamente todas as importâncias previstas neste acordo, ou seja, 30 dias após a data de emissão das facturas”.
2. Complementarmente, a P obriga-se a:
(…)
f) A concluir a Empreitada até ao final do nono mês posterior à assinatura do presente contrato, data limite para a execução provisória da obra.
3. A veracidade das declarações e garantias constantes do nº1 supra e a firme disposição da P para cumprir as obrigações assumidas no nº 2 supra foram condição prévia essencial e determinante para a formação da vontade do Banco E em celebrar o presente acordo e em conceder o Financiamento Adicional.
2.º
(diferimento do recebimento final)
Desde que, nos termos aqui estabelecidos, sejam pagos os montantes referentes à Empreitada indicados no presente contrato, o vencimento/recebimento dos últimos €840.957,82 (…) devidos pela Mf à P por força da execução e finalização da Empreitada ocorrerá no momento da venda de cada uma das fracções que compõem o Empreendimento e pelos montantes a serem determinados proporcionalmente face ao valor de distrate da Hipoteca a adoptar pelo BANCO E.
3.ª
(financiamento adicional do Banco E)
1. Nesta data o Banco E concede o Financiamento Adicional à Mf, cujas utilizações, juntamente com as do montante ainda disponível do Financiamento, ficarão sujeitas ao seguinte:
a) €757.371,28 (IVA incluído) exclusivamente para pagamento de facturas vencidas e não pagas pela Mf à P.
b) €2.888.738,22 (…) com IVA incluído, exclusivamente para pagamento de facturas a emitir pela P à Mf respeitantes às próximas execuções da Empreitada.
c) €557.410,50 (…) exclusivamente para o pagamento ao Banco E de responsabilidades contraídas pela Mf ao abrigo do Financiamento e do Financiamento Adicional, incluindo as obrigações de pagamento de juros.
d) Os pagamentos referidos nas alíneas a) e b) supra apenas serão efectuados uma vez realizados os autos de medição por parte do Banco E, com vista a confirmar que o financiamento cuja utilização é solicitada está efectivamente incorporado na construção do Empreendimento.
e) Os pagamentos referidos nas alíneas a) e b) apenas serão efectuados para a conta nº (…) de que a P é titular junto do Banco E.
(…)
2. O disposto no nº anterior foi condição prévia essencial e determinante para a formação da vontade da P e do Banco E em celebrarem o presente acordo.
(…)
6ª
(prevalência e alterações)
1. O disposto no presente acordo prevalece sobre o que diversamente se encontre disposto no contrato que formaliza a empreitada.
2. Quaisquer alterações ao contrato de empreitada apenas serão eficazes entre as partes se forem autorizadas, por escrito, pelo Banco E.
3. O presente acordo apenas poderá ser alterado mediante acordo escrito das partes e expressamente dirigido a esse efeito.
(…)”.
Pretende ainda a apelante o aditamento do “facto 18”, com o teor assinalado.
O BANCO E, com a resposta à impugnação, apresentada em 10-02-2014, juntou um documento (documento nº1) que consubstancia a comunicação aludida, datada de 28-11-2011, em que consta como remetente a M2 Lda e destinatário a “P”, com o seguinte teor:
“Na sequência da recepção da carta enviada pela P, datada de 2 de Novembro de 2011 e referente à denúncia do acordo tripartido alusivo ao contrato de empreitada do edifício … vimos, por este meio, (…) notificar V. Exas que apesar de não termos uma posição, dita activa, no acordo supra mencionado, não podemos deixar de salientar que achamos estranho a denúncia do mesmo por parte de V. Exas, uma vez que não aferimos qualquer tipo de incumprimento, tanto no que diz respeito à nossa parte, assim como da entidade financiadora da obra (BANCO E), (...) uma vez que, conforme alínea d) da cláusula 3 do acima identificado contrato “os pagamentos referidos nas alíneas a) e b)” esta última referente aos valores das “facturas a emitir pela P, à M2, respeitante às próximas execuções da empreitada”.. “apenas serão efectuadas após realizados os autos de medição por parte do BANCO E” situação essa não verificada.
Contudo, existe, efectivamente, incumprimento do acordo, mas por parte de V. Exa., nomeadamente no que diz respeito à conclusão da obra”.
Terminando com a indicação de que “solicitamos que se dignem acabar a obra o mais rapidamente possível, para evitar mais danos do que aqueles já causados”.
No entanto, nunca foi alegado pela apelante, na resposta à impugnação – nem acrescente-se, pela P com a impugnação – que a carta foi enviada e recebida pelo destinatário, ou seja, afinal, que a comunicação tenha sido transmitida ao destinatário – estamos perante declaração receptícia que só é eficaz quando recebida pelo destinatário –, pelo que a mera enunciação do teor dessa missiva, por si só, é juridicamente irrelevante, não tendo sido junto qualquer documento comprovativo do envio e/ou do recebimento; aliás, a apelante, no articulado em causa, aludiu a essa comunicação em contexto diferente, como resulta dos art.ºs 18.º e 19.º do articulado respetivo [ [11] ].
Improcede a impugnação.
No mais, a apelante pretende que esta Relação especifique, sob o juízo valorativo de não provado, a matéria supra assinalada, sendo que não se trata de alterar o juízo valorativo feito pela 1ª instância em ordem a que a factualidade que aí se deu como provada passe a constar como não provada, mas sim, autonomamente, indicar a matéria em causa como sujeita a um juízo de valoração negativa pela Relação.
Trata-se de pretensão que não tem qualquer cabimento porquanto, sob os indicados “Facto B” e “Facto C”, não é indicado qualquer facto, o que ressalta, desde logo, da enunciação respetiva, a saber “[q]ual o concreto valor” e “[q]ual o concreto crédito”, não indicando sequer a apelante a que matéria factual especificamente se reporta, supostamente alegada nos articulados apresentados em sede de impugnação e resposta, e relativamente à qual se impunha valoração pelo tribunal, no caso uma valoração negativa. Aliás, a apelante relacionou essa matéria com o pretendido aditamento do “facto 17”, que igualmente se rejeitou, como resulta das alegações de recurso [ [12] ] [ [13] ].
Quanto à matéria indicada em D) – “[a], “P” reteve a obra objecto de empreitada para garantia e pagamento dos valores devidos pela Insolvente”, novamente, trata-se de alegação conclusiva: a expressão “reteve a obra” carece de ser consubstanciada em factos, sendo que se trata de factualidade que assume particular relevância no processo. A esse propósito a primeira instância deu como não provado que “[n]a data da impugnação a impugnante mantinha o acesso à obra vedado, com vigilantes, com o acesso limitado ao pessoal ao seu serviço”, tendo por referência a matéria alegada nos artigos 22.º e 23.º da impugnação da P [ [14] ], sendo certo que a primeira instância deu como provado, sem impugnação das apelantes que, “[n]a data da impugnação” (isto é, em 30-01-2014), “a impugnante” (isto é a P), “não havia entregue a obra construída à insolvente” – a insolvência foi declarada em 28-10-2013. Por último refira-se que, no contexto assinalado, em que se indeferiu a impugnação quanto a determinada matéria pela sua enunciação conclusiva e não factual, ficou prejudicada a apreciação da produção de prova testemunhal quanto a essa matéria, a saber, o depoimento prestado pelas testemunhas indicadas pela apelante, MG [ [15] ], NF e JS [ [16] ].
Consequentemente, julgando parcialmente procedente a apelação, esta Relação decide dar como provada a factualidade supra indicada sob os números 12, 13 e 3-A, com a redação apontada e cujo aditamento se determina.
* Mais se determina, ao abrigo do disposto nos art.ºs 662.º, nº 1 e 607.º, nº4, segunda parte, ex vi do disposto no art.º 663.º, nº2, todos do CPC, o aditamento da seguinte factualidade, que se tem por relevante e resulta dos documentos juntos pelo BANCO E com a petição inicial em que requereu a insolvência da devedora, estando, pois, documentalmente provada:
14. A devedora tem por objeto a “promoção de imóveis para venda, compra e venda para revenda, arrendamentos, exploração turística exploração de centros comerciais exploração de parques de estacionamento e atividades afins” e mostra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de por AP. 6 de 2002-01-03.
15. Por escritura pública outorgada em 16-09-2008, no Cartório Notarial de Funchal, de “mútuo com hipoteca”, a M2 declarou-se devedora ao BANCO E da quantia de “um milhão de euros, que do mesmo Banco vai receber a título de empréstimo”, tendo as partes declarado que “o presente contrato de mútuo tem o prazo de quatro anos e mais um mês”, suscetível de prorrogação.
Mais declarou a M2 que “[p]ara caução e garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do presente contrato, juros e todas as demais despesas inerentes, a sociedade devedora constitui hipoteca a favor” do BANCO E, sobre “o prédio urbano, terreno destinado a construção (…) inscrito na matriz predial sob o artigo …, freguesia de Caniço e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …, prédio registado a favor da sociedade hipotecante.
Foi ainda declarado “que a este prédio após as construções nele projectadas atribuem o valor de dez milhões e cinquenta e nove mil euros”.
16. Em 26-06-2009 o BANCO E e a M2 celebraram acordo que designaram por “contrato de financiamento” pelo qual o BANCO E concedeu à M2 um crédito no montante máximo de 1.500.000,00€ com a “finalidade: apoio à construção”, pelo prazo de dois anos e um mês, prorrogável, mais declarando:
“Data efectiva: a data efectiva corresponde à data da celebração da escritura pública de constituição de Hipoteca”.
“Regime de utilização:
Utilização de uma primeira tranche no valor de €763.000.000,00(…) disponibilizada na data efectiva, sendo o valor remanescente disponibilizado mediante prévia autorização do BANCO E, precedida de vistoria medição à obra executada, a realizar por quem o BANCO E indicar”.
Mais foi convencionado constituir como “garantias do crédito”, nomeadamente, hipoteca sobre o aludido prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o número ….
17. Conforme certidão da CR Predial junta e alusiva ao prédio …/20060105 (matriz sob o artigo …), está inscrita a aquisição do prédio a favor da M 2 por AP 40, AP. 41, AP. 42 e AP 43, por compra, todas de 2002/11/27 e por AP. 28 de 2006-01-05, por permuta, estando inscrita:
- Hipoteca a favor do BANCO E, abrangendo esse prédio e outro, por AP 32 de 2006-01-05, para assegurar o pagamento de Capital de 8.000.000,00€, no montante máximo de 9.880.000,00€;
- Hipoteca a favor do BANCO E, por AP 17 de 2008-09-23, para assegurar o pagamento de Capital de 1.000.000,00€, no montante máximo de 1.430.000,00€;
- Hipoteca a favor do BANCO E, por AP 1811 de 2009-06-05, para assegurar o pagamento de Capital de 1.500.000,00€, no montante máximo de 2.145.000,00€.
3. A questão de direito que é colocada à apreciação desta Relação é a de saber se a credora apelada P, a quem foi reconhecido um crédito de 844.242,06€, beneficia, quanto a esse crédito, da garantia resultante da titularidade de um “direito de retenção incidente sobre a verba número sete (7)”, como entendido na sentença recorrida.
As apelantes insurgem-se contra a sentença invocando, com referência aos “requisitos do direito de retenção do empreiteiro”, em síntese, que “não resultou provado que a Recorrida detivesse a posse bastante do imóvel, aqui apreendido, nem sequer, que o crédito reclamado resultasse de valores efectivamente em dívida sobre o imóvel apreendido e inerentes fracções”, isto é “não resulta desde logo provada a relação do crédito com o imóvel em causa” – cfr. as conclusões III e XIV da L e conclusão 3ª da Massa Insolvente.
Em segunda linha, referem que a P não concluiu a obra pelo que “nada subsistindo em dívida em relação às facturas emitidas no âmbito do acordo (cfr. facto 7 dos factos provados), já em relação ao remanescente do respectivo crédito inicial, o mesmo só seria exigível – como já referido – após efectiva conclusão da obra, por força do estipulado na cláusula 2ª” (conclusão XXII da L e cfr. conclusão 11ª da massa insolvente). Centremo-nos no conceito de direito de retenção, tendo por referência a figura contratual em presença, o contrato de empreitada.
Nos termos do 754.º do Cód. Civil “o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”, configurando o direito de retenção um direito real de garantia (art.ºs 604.º, nº 2 e 759º do Cód. Civil).
“Para que exista direito de retenção, nos termos do artigo 754º, é necessário, em primeiro lugar que o respectivo titular detenha (licitamente: cfr. art.º 756º, alín. a)) uma coisa que deva entregar a outrem; em segundo lugar, que, simultaneamente, seja credor daquele a quem deve a restituição; por último, que entre os dois créditos haja uma relação de conexão (debitum cum re junctum), nas condições definidas naquele artigo – despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela causados” [ [17] ].
Mas os conceitos valem também em função do sistema normativo em que operam e, no caso, importa ponderar as especificidades que o exercício desse direito envolve, quando exercido no âmbito do processo de insolvência.
A declaração de insolvência implica a imediata apreensão dos bens que constituem o património do insolvente - incluindo aqueles bens sobre os quais se reconheça a existência de direito de retenção pelo credor -, com vista à sua integração na massa insolvente (art.º 149º do CIRE), devendo o administrador de insolvência diligenciar no sentido de os bens lhe serem imediatamente entregues para que deles fique depositário (art.º 150º nº1 do CIRE), tendo em vista a sua liquidação e posterior pagamento aos credores da massa insolvente e aos credores da insolvência (art.º 46º do CIRE). O direito de retenção, declarada a insolvência, não confere, pois, ao credor seu titular a faculdade de obstar à apreensão, mas confere-lhe a prevalência de pagamento sobre o produto da liquidação do bem respetivo (em bom rigor, situação em tudo equiparável à hipótese contemplada no art.º 824.º, nº3 do CPC), relativamente aos demais credores e em função da graduação respetiva, de acordo com a hierarquia legalmente estabelecida.
Em sede de contrato de empreitada, compete à empreiteira a execução da obra [ [18] ] e ao dono da obra o pagamento do preço respetivo (art.ºs 1207.º e 1208.º do Cód. Civil), sendo largamente consensual na doutrina e jurisprudência que o empreiteiro goza do direito de retenção sobre a coisa que detém e que é objeto do contrato, relativamente ao preço que lhe é devido pela realização da obra, em face do disposto no art.º 754.º do Cód. Civil, a tal não obstando a omissão de previsão específica no art.º 755.º do mesmo diploma [ [19] ].
Como resulta da factualidade assente, decretada a insolvência em 28-10-2013, o administrador da insolvência procedeu à apreensão dos bens imóveis pertencentes à insolvente em 05-11-2013, incluindo o imóvel descrito sob a referida verba nº 7, com a identificação assinalada, consignando no auto a entrega das frações e prédio à própria sociedade devedora M2 Lda.
Não está em causa neste recurso que a apelada P (i) seja titular de um crédito sobre a insolvente, (ii) que esse crédito seja pelo indicado valor e (iii) que o crédito tenha por fonte um contrato celebrado entre a apelada, na qualidade de empreiteira e a insolvente, na qualidade de dona da obra, tendo em vista a edificação de um “Empreendimento” a implantar no prédio referido, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o nº …/20060105 e que, composto por 100 frações, constitui a verba nº 7 identificada no auto de apreensão realizado em 05-11-2013.
Efetivamente, nenhum desses elementos alusivos à identificação e caraterização do crédito da apelada sobre a insolvente foi posto em causa pelo administrador da insolvência, que reconheceu esse crédito e o valor respetivo, contextualizando-o exclusiva e especificamente no âmbito do aludido contrato de empreitada, associado a um outro acordo posterior, com ele relacionado, o denominado acordo tripartido, envolvendo agora, também, à data, o BANCO E, a que adiante se aludirá – cfr. a factualidade dada por assente sob o número 3 e a factualidade aditada por esta Relação –, sendo que nenhum dos intervenientes questionou a qualificação jurídica do acordo celebrado, sendo essa a terminologia vertida no acordo outorgado em 01-06-2009, celebrado numa fase em que já se tinha encetado a execução da obra.
Nunca o administrador da insolvência aludiu ao crédito reclamado, pelo valor que reconheceu, como reportando-se a qualquer outro negócio porventura existente entre a insolvente e aquela sociedade.
O mesmo se diga dos demais intervenientes processuais. Assim, nenhum credor, nomeadamente o BANCO E, impugnou a lista de credores reconhecidos pelo administrador da insolvência quanto ao crédito da apelada P, limitando-se o BANCO E a responder à impugnação apresentada pela apelada, sustentando, basicamente, a inexistência da garantia e assim secundando a posição do administrador da insolvência.
Esse posicionamento mantém-se nas alegações de recurso apresentadas pelas apelantes, como resulta, expressamente, da respetiva indicação do âmbito do recurso – cfr., nomeadamente, as conclusões I. e II da apelante L e as conclusões 1ª e 2ª da apelante massa insolvente.
A única entidade que questionou o crédito foi a própria P, que deduziu oposição, sustentando ser titular de valor superior ao reconhecido pelo administrador da insolvência, contexto em que foi fixado o tema da prova respetivo.
Não tem, pois, fundamento a alegação supra referida, até em face do clausulado no contrato, subscrito pelos três intervenientes em 01-06-2009 (M2, depois declarada insolvente nos presentes autos, P e BANCO E) e que, obviamente, teve em vista a resolução de uma situação de conflito já existente entre a empreiteira e a dona da obra, podendo linearmente aceitar-se que com esse acordo, em que também teve intervenção a entidade bancária financiador do projeto, as partes resolveram a contento de todos esse conflito, uma vez que subscreveram o mesmo “livremente e de boa fé”, como consta do mesmo. Vejamos, então, a dinâmica da relação estabelecida entre as partes, que esse acordo evidencia, bem como as recíprocas vinculações que do mesmo resultam, relevando quer os considerandos, que “servem para mostrar o que efectivamente uniu as partes e o que as levou a se obrigarem reciprocamente e, especificamente, quais foram os reais interesses para a formação daquele determinado vínculo” [ [20] ] [ [21] ], quer o clausulado respetivo.
O acordo incidiu sobre um projeto imobiliário que as partes denominaram “Empreendimento”, a implantar no prédio descrito na verba número 7 do auto de apreensão, e composto 101 frações autónomas, obviamente aquelas (100) identificadas pelo administrador da insolvência nesse auto, constituindo uma extensão do contrato de empreitada anteriormente celebrado entre a M2 (dona da obra) e a P (empreiteira), havendo inteira coincidência entre esse acordo e o auto de apreensão quanto à identificação do imóvel em causa – cfr. os considerandos 1, 2 e 3.
O empreendimento foi construído com financiamento concedido pelo BANCO E à M2, no valor de 6.753.450,00€, superior, pois, ao valor da empreitada, que era de 6.162.754,96€ (IVA incluído); em 01-06-2009 a obra ainda estava em construção mas a M2 já se encontrava em situação de incumprimento perante a empreiteira, estando vencido e não pago o valor de 1.507.371,29€ (IVA incluído), alusivos a trabalhos já executados, a que acrescem os juros de mora reclamados pela P, de 90.957,82€, com suspensão dos trabalhos pela empreiteira, justificada em face do incumprimento – cfr. os considerandos 3 a 5. Impressiona o reconhecimento pela M2 não só do incumprimento da obrigação de pagamento do indicado valor, que é significativo ponderando o valor da empreitada, como da sua incapacidade para custear os trabalhos inerentes à conclusão da empreitada e início da fase de venda do Empreendimento – cfr. o considerando 5, (v) – sendo certo que, à data, do financiamento aludido já só havia por utilizar o remanescente de 2.703.520,00€ (considerando 4).
O BANCO E aceitou conceder um financiamento adicional até ao montante máximo de 1.500.000,00€, sendo que do valor em dívida pela M2, resulta que as partes estabeleceram que seria imediatamente paga a quantia de 757.371,28€ (IVA incluído) em atraso, aceitando a P protelar o recebimento do remanescente em dívida, de 849.957,82€ (IVA incluído), para momento posterior, aquando da venda das frações do Empreendimento – considerandos 7 e 8 e cláusula 2ª; refira-se que os contraentes quantificaram em 4.203.520,00€ o montante máximo do financeiramente ainda viável, correspondendo essa quantia à soma do valor de financiamento ainda não utilizado (2.703.520,00€) com o valor adicional de financiamento (1.5000.000,00€).
No contexto relatado e ponderando ainda a factualidade dada por assente sob o número 7, sem impugnação dos intervenientes, podemos concluir que:
(i) Mostram-se executados pela empreiteira, pelo menos [ [22] ], os trabalhos correspondentes ao valor global de 3.133.225,58€, que correspondem à soma do valor reconhecido no acordo tripartido como correspondente a faturas vencidas e não pagas (1.507.371,29€, dos quais 1.322.255,51€ são “trabalhos executados” e o remanescente de IVA) com o valor de 1.625.854,29€ (valor global correspondente aos autos de medição a que se reportam as faturas discriminadas no número 7 dos factos provados, que o BANCO E só pagou depois de se assegurar da efetiva execução da obra);
(ii) Desse valor, a P apenas recebeu a quantia de 2. 383.225,57€, que corresponde à soma de 757.371,28€ pagos aquando da celebração do acordo tripartido (considerando 7) e o referido valor de 1.625.854,29€ alusivo a todas as faturas discriminadas no número 7 dos factos provados, pago pelo BANCO E posteriormente ao referido acordo, valores que obviamente já incluem IVA.
(iii) Donde, com referência ao período de 01-06-2009, inclusive, em diante, estão por pagar pelo menos 750.000,01€ correspondentes a obra/trabalhos reconhecidamente executados, a que acresce o valor de 90.957,82€ de juros reclamados (considerando 5. (iii) e número 9 dos factos provados), tudo no valor de 840.957,83€, que é, exatamente, o valor que era devido à data em que foi celebrado o acordo tripartido e cujo pagamento a P aceitou fosse protelado para momento posterior (considerando 8 e cláusula 2ª do contrato).
É, aliás, a esse valor que o próprio BANCO E alude na sua resposta à impugnação da P, quando alega como segue:
“51.º
Acresce que, além de ter renunciado ao direito de retenção sobre a obra, a ora Impugnante acedeu ainda “diferir /repartir o vencimento/ recebimento dos últimos €840.957,82 €(IVA incluído) que lhe serão devidos por força da execução e conclusão da Empreitada, para o momento da venda de cada uma das fracções que compõem o empreendimento e pelos montantes a serem determinados proporcionalmente face ao valor de distrate da hipoteca a adoptar pelo BANCO E”.
52.º
Pagamentos que, estamos em crer, corresponderão os que vêem agora reclamados na presente Insolvência como créditos garantidos”.
Renovando essa posição nas alegações de recurso, como resulta dos art.ºs 119.º e 120.º do corpo das alegações.
Ao contrário do que parecem entender as apelantes, o valor em dívida pela insolvente à credora apelada, que o administrador da insolvência até reconheceu por montante ligeiramente superior – ainda que inferior ao montante que esta pretendia e sustentou na impugnação, sendo que este valor não está em discussão porquanto a P se conformou, não recorrendo da sentença – é alusivo a obra/trabalhos já executados e não a obra/trabalhos por concluir ou a executar.
O que resulta do acordo celebrado em 01-06-2009, mais precisamente, quer dos considerandos (considerando 8), quer da cláusula 2ª, é que a empreiteira aceitou apenas protelar/diferir o recebimento desse valor (já em dívida) para momento posterior, fazendo-o coincidir com a venda das frações – atente-se, aliás, à epígrafe da cláusula, a saber “diferimento do recebimento final”.
Ora, com a declaração de insolvência vencem-se todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva (art.º 91.º, nº1 do CIRE) [ [23] ]. Como refere Soveral Marins “[a]ssim, aquelas obrigações que apenas se vencessem em data posterior à declaração de insolvência veem esse momento antecipado. E isso sem necessidade de interpelação. Com o regime descrito consegue-se uma (relativa) estabilização do passivo, tornando-se mais fácil avaliar a situação do devedor e assim tomar decisões. Desde logo porque os credores em causa, com os seus créditos vencidos, terão de vir ao processo exigir o que lhes é devido” [ [24] ].
Daí que não tenha suporte a afirmação das apelantes no sentido de que nada subsistia em dívida, “em relação ao remanescente do respectivo crédito inicial”, que “só seria exigível” “após a efectiva conclusão da obra” (cfr. as conclusões XXII da L e 11ª da P).
Em suma, o direito de retenção sempre existiria ponderando a obra já executada e cujo preço não foi pago pela dona da obra, mesmo que se admitisse que o Empreendimento ainda não estivesse inteiramente ultimado [ [25] ]; acrescente-se que, no caso, a apreensão do prédio realizada pelo administrador da insolvência em 05-11-2013, inviabilizou, pela sua própria natureza, a continuação da execução da obra por parte da empreiteira [ [26] ] [ [27] ].
Por outro lado, ponderando o que se expôs e o regime específico associado à declaração de insolvência e a que supra se aludiu também não procede o argumento de que não é admissível que a P pretenda exercer o direito de retenção sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …, sem proceder à individualização do crédito por referência a cada concreta fração que o compõe”[ [28] ]: com a declaração de insolvência a devedora deixou de ter o domínio da coisa objeto do direito de retenção, competindo ao administrador da insolvência proceder à liquidação de cada uma das frações, acautelando os interesses dos credores (art.º 55.º, nº1, alínea a) do CIRE), deixando obviamente de ser a devedora a gerir as operações de venda, o que decore, aliás, do apenso de liquidação do ativo [ [29] ].
Por último, decorre da factualidade dada por provada sob o número 11 que o Empreendimento ainda se encontrava sob o poder de facto da empreiteira, como alegou a P, nomeadamente na comunicação de 02-11-2011, a que se reporta o número 10 dos factos provados, a isso não obstando que não tenha sido dada por provada a matéria indicada em A) dos factos “não provados”, relevando o que já se indicou aquando da apreciação da impugnação do julgamento de facto, com referência à pretensão de julgamento como não provada da matéria indicada em D) pela apelante L. Ou seja, está demonstrado que a P detinha o Empreendimento objeto do direito de retenção – a posse do empreiteiro é sempre exercida em nome de outrem, pelo que se trata de hipótese de mera detenção da coisa ou posse precária – salientando-se que nem sequer se alcança qualquer fundamento ou justificação para que o empreiteiro não tivesse o domínio da coisa objeto de uma empreitada em curso, inexistindo elementos de facto que permitam concluir que o empreiteiro suspendeu os trabalhos e abandonou a obra, matéria que não foi sequer carreada para o processo pelos intervenientes. É certo que a P fez cessar o contrato por comunicação de 02-11-2011, concordando-se com a primeira instância e com as apelantes (cfr. as conclusões XX das alegações da L e 9ª da massa insolvente) quando se refere que a empreiteira procedeu à resolução do contrato e que a resolução é ilícita, porquanto não está provada a perda de interesse objetivo na realização da prestação, nem a P logrou converter a mora (mero retardamento da prestação) em incumprimento definitivo (art.º 808.º do Cód. Civil). Mas essa constatação não permite inferir que a par da resolução e em simultâneo com a mesma a empreiteira tivesse cessado os trabalhos e abandonado a obra, tanto mais que com a comunicação em causa ressalvou expressamente considerar que se mantém o direito de retenção (“Por esse facto, vimos pela presente informar V. Exas, que o direito de retenção que nos assiste sobre a obra em curso, será mantido até à liquidação de todos os créditos vencidos e vincendos”).
Saliente-se que se considera, ao contrário do que entendem as apelantes, que a essa data (02-11-2011), podia concluir-se que os pagamentos à empreiteira continuavam a ser feitos com atraso relativamente à data convencionada entre as partes, ponderando a matéria factual indicada sob o número 7, matéria a que se aludirá adiante, noutra sede.
Conclui-se, pois, que a P, na qualidade de empreiteira do Empreendimento apreendido para a massa insolvente, tem direito de retenção sobre o prédio respetivo, gozando o crédito da garantia resultante do direito de retenção sobre a verba nº7 do auto de apreensão, como indicado pela primeira instância.
4. Entendem as apelantes que a apelada renunciou ao direito de retenção, sendo a apelante L particularmente efusiva na invocação dessa renúncia, nomeadamente no articulado de oposição à impugnação apresentada pela P [ [30] ].
Afigura-se que não têm razão.
A doutrina e a jurisprudência distinguem entre dois tipos de renúncia, com pressupostos e alcance diversos: a renúncia abdicativa, “pura e simples”, que traduz um ato discricionário pela qual o titular de um direito põe termo ao mesmo e a renúncia liberatória, que consubstancia uma declaração de vontade dirigida a um destinatário e em benefício deste. “Na renúncia liberatória o titular de um direito real abdica deste em benefício do credor de uma obrigação que deriva do respectivo estatuto. A renúncia tem, portanto, um destinatário e visa extinguir uma obrigação a que o renunciante está adstrito” [ [31] ] [ [32] ].
Discute-se se o titular do direito de propriedade pode extinguir esse direito mediante renúncia; no caso, porém, das garantias reais, o legislador admite expressamente a extinção por renúncia como resulta, relativamente ao direito de retenção, do disposto nos art.ºs 761.º, 730, alínea d) e 731.º nº 1 do Cód. Civil.
O negócio jurídico em causa foi celebrado por escrito assinado pelos três outorgantes, não podendo valer com um sentido que não tenha qualquer correspondência com o texto que corporiza o contrato, sendo a interpretação que é feita pelas apelantes desconforme à letra do documento, violando as regras de interpretação do negócio jurídico enunciadas nos art.ºs 236.º a 238.º do Cód. Civil.
No acordo aludido lê-se, sob a cláusula 1ª alínea i), que a empreiteira:
i) Renuncia aqui, de forma firme e irrevogável, ao direito de retenção sobre o Prédio por força de qualquer dívida, vencida ou vincenda, resultantes dos trabalhos desenvolvidos ou a desenvolver para a finalização do Empreendimento, desde que recebidas atempadamente todas as importâncias previstas neste acordo, ou seja, 30 dias após a data de emissão das facturas” (sublinhado nosso).
No contexto assinalado, afasta-se claramente a hipótese de uma renúncia abdicativa, mas também se nos afigura que a situação não é passível de reconduzir-se à aludida renúncia liberatória.
Perante a redação dada a esta cláusula, facilmente se perceciona que a invocada renúncia é aparente e totalmente ilusória porquanto condicionada à inexistência de dívidas ou seja, ao pontual e atempado cumprimento das obrigações de natureza pecuniária emergentes da empreitada, como ressalta do segmento de texto que se assinalou, com início na expressão “desde que”; é que, inexistindo qualquer dívida do dono da obra perante o empreiteiro, então nem sequer se verifica o pressuposto de acionamento do direito de retenção.
A verdade é que, nos termos em que a cláusula foi redigida, a empreiteira salvaguardou integralmente a sua posição e os seus interesses, não assumindo, em rigor, qualquer concessão relativamente aos demais intervenientes no acordo, nomeadamente a entidade bancária que financiou o projeto, mantendo incólume a garantia do seu crédito, quer relativamente a dívidas vencidas, quer vincendas, afigurando-se-nos que essa é a única interpretação que se coaduna ao texto do referido acordo tripartido de 1 de junho de 2009; o que não significa que não tenha feito outras cedências e compromissos, como se verá.
Se fosse vontade da empreiteira proceder a uma renúncia liberatória, a favor da entidade bancária financiadora do projeto de construção tê-lo-ia dito, expressamente, por via da seguinte cláusula:
i) Renuncia aqui, de forma firme e irrevogável, ao direito de retenção sobre o Prédio por força de qualquer dívida, vencida ou vincenda, resultantes dos trabalhos desenvolvidos ou a desenvolver para a finalização do Empreendimento.
Que é, saliente-se, a leitura que as apelantes fazem, partindo do pressuposto que esse é o teor (literal) da cláusula, o que não acontece.
Dir-se-á que a interpretação que se propugna significa que a referida cláusula não tem alcance prático e que até é discutível o seu conteúdo útil, mas a alternativa que as apelantes propõem é considerar que estamos, tout court, perante uma cláusula contratual de exclusão do direito de retenção, vinculando nesses termos a empreiteira, o que contraria flagrantemente a vontade declarada desta, nos termos em que o foi e que os demais intervenientes no negócio, em particular a entidade bancária, diretamente afetada, não podiam ignorar, tendo aceite a indicada formulação de texto.
Acresce que para os contratos onerosos, em caso de dúvida na sua interpretação, prevalece o sentido da declaração que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (art.º 237.º do Cód. Civil). Como refere Carlos Ferreira de Almeida, “[e]mbora referido na lei portuguesa apenas como cânone subsidiário e omisso no elenco das circunstâncias atendíveis noutros textos normativos, o equilíbrio das prestações não pode ser descartado como fator primário de interpretação dos contratos onerosos, enquanto dado influente na compreensão normal e razoável e na perceção dos objetivos contratuais, especialmente se os contraentes forem empresas esclarecidas e movidas por critérios de racionalidade económica ou se a interpretação se destinar a apurar a repartição do risco (artigos 437.º, nº1 e 252.º, nº2) ou a natureza usurária do negócio (artigo 282.º, nº1)”[ [33] ].
No caso em apreço, o compromisso que a empreiteira aceitou tendo em vista a manutenção do contrato de empreitada, foi a alteração do prazo de pagamento de parte da dívida já vencida à data de celebração do acordo em causa (01-06-2009): aceitou que da dívida de 1.507.371,29€, fosse imediatamente paga a quantia de 757.371,28€ e que o remanescente, bem como a dívida de juros (90.957,82€), mais precisamente a quantia de 840.957,82€ [(1.507.371,29€ + 90.957,82€) - 753.371,28€ = 840.957,82€ ] - cfr. os considerandos 5, (ii) e (iii), 7 e 8) -, fosse paga apenas posteriormente.
Trata-se de cedência ou compromisso que temos por significativos ponderando, por um lado, o valor em causa, que é elevado e, por outro, o prazo acrescido para o seu pagamento, que não pode ter-se como despiciendo. Assim, ponderando a data do acordo e que a conclusão da obra ficou prevista para 01-03-2010 (cláusula 1ª, alínea f), a empreiteira aceitou ser paga por esse valor apenas aquando da venda das frações, isto é, necessariamente, bem mais de nove meses depois, sem juros acrescidos (considerando 8 e cláusula 2ª).
Mas comprometeu-se ainda a aceitar que o pagamento fosse feito em conexão com o pagamento à entidade financiadora, porquanto a venda de cada fração pressupunha o prévio distrate da hipoteca, como acontece na normalidade e generalidade das situações, sendo nesse sentido que deve percecionar-se a estipulação vertida no contrato, a saber, que o pagamento “ocorrerá no momento da venda de cada uma das frações que compõem o empreendimento e pelos montantes a serem determinados proporcionalmente face ao valor de distrate da hipoteca a adoptar pelo BANCO E” (considerando 8 e cláusula 2ª).
Por seu turno, relativamente à entidade financiadora, a sua prestação nem sequer é direcionada à empreiteira, mas sim à dona da obra, entidade a quem concedeu o financiamento adicional, ou seja, com benefício desta e não da empreiteira, que é alheia aos contratos de mútuo bancário e a quem sempre seria reconhecido o direito ao recebimento do preço (desde que corretamente executada a obra), independentemente do mecanismo contratualmente estabelecido pelos intervenientes para a concretização do pagamento, cuja ratio, aliás, é bem evidente em face da cláusula 3ª, nº 1, alínea d).
Também não surpreende, pois, que a P e o BANCO E tenham estipulado conforme consta das cláusulas 1ª, nº 3 e 3ª, nº 2: a P confrontava-se com um incumprimento elevadíssimo por parte da dona da obra e o BANCO E facilmente percecionava, num juízo de prognose, a insuficiência da hipoteca para garantia do pagamento das quantias mutuadas em face da prevalência do direito de retenção que assistia ao empreiteiro; o que causa perplexidade é que, nestas circunstâncias, a M2, sendo a única entidade em situação de incumprimento contratual, configurando o acordo celebrado um acordo de reconhecimento e confissão de dívida, ainda tivesse alegadamente redigido uma missiva indicando que não foi “parte activa” no acordo (cfr. a matéria analisada em sede de impugnação do julgamento de facto), até ponderando o considerando 6.
No contexto apontado, interpretar a referida cláusula de renúncia no sentido pretendido pelas apelantes equivaleria a cedência acrescida, logo desproporcionada, porquanto a empreiteira estaria a perder inexoravelmente a única garantia que tinha de pagamento do seu crédito, com prevalência sobre o crédito da entidade financiadora, numa situação em que a dona da obra se encontrava em manifesta debilidade económico financeira porquanto assumiu “não estar habilitada com os fundos necessários para a conclusão da Empreitada e início da fase da concretização das vendas” (considerando 5, (vi)); ou seja, com manifesta falta de equilíbrio das atribuições, ponderando a posição dos três intervenientes no acordo e os riscos que cada um assumiu, “entendendo atribuições com um sentido amplo (…) equivalente a desvantagem ou custos para cada uma das partes” [ [34] ].
Tudo em ordem a optar pela interpretação da cláusula de renúncia ao direito de retenção nos moldes apontados, favorável à apelada P e não à apelante L.
5. A apelante L insurge-se ainda considerando que o reconhecimento do direito de retenção à recorrida “com prevalência sobre a hipoteca da Recorrente previamente registada” “tratar-se-ia de uma clara violação do princípio da proporcionalidade”, “da proteção, da confiança e segurança jurídicas no comércio jurídico imobiliário e portanto violadores dos art.º 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa” (cfr. as conclusões XXVI a XXIX e os números 134 a 149 do corpo das alegações).
Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (art.º 204.º da CRP), o que é indiscutível, não se alcançando, por isso, a pertinência da invocação, pela apelante, do acórdão do TC nº 698/05, de 14-12-2005, proferido no processo n.º 253/03, da 1ª Secção (Relator: Pamplona de Oliveira)[ [35] ], considerando que a discussão encetada nesse processo se coloca perfeitamente à margem do que aqui se discute, como resulta, desde logo, da indicação do objeto do recurso [ [36] ].
A propósito do princípio da proporcionalidade, referem Gomes Canotilho e Vital Moreira:
“O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias (v. supra, nota VI), consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade. Foi a LC nº 1/82 que deu expressa guarida constitucional a tal princípio (art.º 18º-2, 2ª parte), embora já antes, não obstante a ausência de texto expresso, ele fosse considerado um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias. (…)
O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designando por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias); (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos” [ [37] ].
O art.º 759.º do Código Civil reconhece ao possuidor da coisa imóvel com base no direito de retenção o direito de se fazer pagar, quanto ao direito de crédito que tenha relativamente ao dono, pelo valor dela, com preferência sobre outros credores (nº 1), prevalecendo o direito de retenção sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente (nº 2), solução que se compreende porquanto estando na origem do crédito a realização de despesas com o imóvel, não seria equilibrado conferir a outrem o direito se de fazer pagar pelo seu crédito com sacrifício daquele que realizou tais despesas, conferindo valor acrescido à coisa: no balanceamento entre os dois interesses, o do credor hipotecário e o do credor com direito de retenção, o legislador atribuiu prevalência à garantia do retentor, com razoabilidade [ [38] ].
Noutra ordem de considerações, dir-se-á que a constituição da hipoteca voluntária, que está na disponibilidade do proprietário da coisa, que tem legitimidade para hipotecar o bem (art.º 715.º do Cód. Civil) tem sempre associada a especificação dos bens (art.ºs 712.º e 716.º do Cód. Civil), o que significa que o credor hipotecário tem necessariamente de conhecer as caraterísticas da coisa objeto de hipoteca e, consequentemente, o seu valor; o que é particularmente evidente nos casos em que a hipoteca é constituída na sequência de um contrato de mútuo bancário celebrado entre o proprietário da coisa hipotecada (mutuário) e a entidade bancária (mutuante), com vista ao financiamento de um projeto de construção de edifício, em que o financiamento só é concretizado em função do que é edificado e na estrita medida em que o for – como aqui aconteceu –, hipótese em que o credor hipotecário tem, ab inicio, plena consciência da existência de um direito de retenção em potência; aliás, a constituição da hipoteca, para garantia do pagamento do crédito garantido, incluindo os acessórios do crédito (art. 693.º do Cód. Civil) está indissociavelmente ligada ao valor da coisa, incluindo obviamente a construção projetada.
Donde, não tem sentido a afirmação da apelante L de que “[a]dmitir a prevalência de um direito que não é publicitado com primazia sobre uma hipoteca previamente registada é admitir a existência de “ónus ocultos” contra os quais os vários agentes não se podem legitimamente precaver” (cfr. os números 140 a 143 do corpo das alegações) o que, no caso em apreço, até é particularmente evidente não só ponderando os termos em que os contratos de mútuo foram celebrados – cfr. a factualidade dada como assente por esta Relação – e ainda a intervenção que a entidade financiadora teve durante a execução do projeto de construção, passando a assegurar, diretamente, o pagamento das prestações pecuniárias devidas ao empreiteiro, até ao montante objeto de financiamento, tendo aliás concedido um financiamento adicional. É evidente que essa situação não altera nem a fisionomia do contrato de empreitada [ [39] ], nem a fisionomia do contrato de mútuo, evidenciando apenas uma atitude de desconfiança, ou pelo menos de particular cautela da entidade financiadora relativamente à atuação do dono da obra – atente-se, no caso, ao teor da cláusula 3ª, nº1, d), e) e f) e nº2.
Verificando-se que, ao contrário do pretendido pela recorrente, a solução legislativa é materialmente justificada, não se encontram razões que permitam ter como infringido qualquer dos subprincípios do princípio da proporcionalidade: adequação da medida para concretizar a finalidade visada, idoneidade para a sua realização, assim como proporcionalidade em sentido estrito, pois não se vê, nem é alegado, que o resultado seja excessivo, ultrapassando o necessário para a finalidade perseguida pelo legislador [ [40] ].
Quanto ao princípio da proteção da confiança legítima, a proteção da confiança como garante de constitucionalidade é dirigida à proteção de medidas legislativas que alterem de forma abrupta e sem justificação uma situação legal pré-constituída que se espera estável e prolongada, porque sinalizada como tal pelo legislador. Não se encontra qualquer conexão entre esse parâmetro e o quadro jurídico aqui em discussão pois inexiste qualquer alteração legislativa. Acrescente-se que a apelante L nem sequer cuida de fundamentar a invocada violação, o mesmo acontecendo quando convoca a “segurança jurídica”.
Salienta-se, por último, que no caso em apreço e ao contrário do que a apelante deixa antever, não é, manifestamente, viável convocar argumentação que vinha sendo aduzida a propósito de questão atinente à inconstitucionalidade material, na vertente da violação do princípio da proporcionalidade e do princípio da confiança e segurança jurídica, da norma contida no art.º 755.º, nº1, alínea f) do Cód. Civil, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 379/86, de 11-11, enquanto confere ao promitente comprador de um imóvel, com traditio da coisa, direito de retenção sobre esse imóvel, por créditos resultantes de incumprimento pelo promitente vendedor, mormente em face de garantia hipotecária constituída em momento anterior à vigência do novo diploma.
Improcedem as conclusões de recurso.
6. A apelante massa insolvente vem invocar nas alegações de recurso que “[a]inda que existisse, in casu, hipoteticamente e sem conceder, o direito de retenção reclamado pela "P", sempre seria a respectiva invocação, em concreto, manifestamente abusiva nos termos do art.º 334º do Cód. Civil”.
É ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceder os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, exigindo o art.º 334º do Código Civil que o excesso seja manifesto, logo gravemente atentatório dos referidos valores; não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, isto é, o legislador prevê a boa-fé objetiva [ [41] ].
Nas diferentes vertentes em que a doutrina tem concretizado o tratamento dos comportamentos abusivos (a exceptio doli , o venire contra factum proprium, a inalegalidade de nulidades formais, a suppressio e a surrectio, tu quoque e o desequilíbrio no exercício jurídico), releva no caso, segundo a invocação da apelante, a regra do tu quoque. “O conteúdo do princípio da proibição do tu quoque é o de que quem actua ilicitamente, em desconformidade com o direito, não pode prevalecer-se das consequências jurídicas (sancionatórias) de uma actuação ilícita da contraparte” [ [42] ] [ [43] ].
Trata-se de invocação sem qualquer fundamento legal, raiando a má-fé, porquanto feita contra a realidade que o processo evidencia, causando perplexidade que seja feita pela massa insolvente, que é representada pelo administrador da insolvência.
Vejamos a alegação que suporta o invocado exercício abusivo do direito.
Refere a apelante:
“Trata-se, desde logo, do exercício de um direito em clamoroso desequilíbrio.
Com efeito, e como já referido, por via do dito contrato tripartido a P recebeu, logo à cabeça, sensivelmente metade do crédito que então detinha sobre a Insolvente, a saber, concretamente a quantia de €757.371,28 - cfr. cláusula 3º, nº. 1, a)”.
A P recebeu ainda, na íntegra, o valor dos trabalhos que subsequentemente executou por força desse dito contrato tripartido, no total de €1.219.562,67 - cfr. apurado pelo Tribunal a quo no ponto 7 da douta Sentença recorrida.
Os pagamentos efectuados à P, em virtude do dito contrato tripartido, ascendem, como tal, ao valor de €1.976.933,95.
Em suma, quase dois milhões de euros”.
A apelante olvida que (i) o valor pago corresponde rigorosamente ao preço que era devido pela obra já executada pela empreiteira, como à evidência resulta do que já se expôs, pelo que, pagando, mais não faz do que cumprir a obrigação emergente do contrato, como a lei impõe (art.º 406.º do Cód. Civil) e (ii) ao contrário do que faz crer com a indicação de que o pagamento foi feito “à cabeça”, decorre da factualidade assente que a dona da obra atrasou sistematicamente os pagamentos, incorrendo em mora, ao longo de todo o período de execução da empreitada.
Assim, quanto ao referido valor de 757.371,28 €, aludido no acordo tripartido celebrado, remete-se para o que se expôs supra; e, quantoaos valores reportados no número 7 dos factos assentes, a factualidade assente denota o retardamento sistemático do pagamento, sendo certo que se esse comportamento, por si só, não é suscetível de motivar a resolução do contrato pela empreiteira, não deixa de traduzir um incumprimento da obrigação contratual de pagamento atempado por parte do dono da obra [ [44] ], sendo que, insiste-se, a obrigação de pagamento continua a recair sobre o dono da obra ainda que seja cumprida por via de pagamentos diretos da entidade financiadora, por depósito em conta bancária da empreiteira.
Com pertinência, ainda que alegado pela apelante L e noutro contexto, foi invocado que “não foi alegado, nem resulta dos autos, em relação a qualquer uma das facturas em causa, sequer a data da respectiva remessa e interpelação para pagamento” (conclusão XVIII). Afigura-se-nos que se extrai do acordo tripartido celebrado que o pagamento das faturas devia ocorrer no prazo de 30 dias a contar da respetiva data de emissão – cláusula 1ª, nº 1, alínea j) in fine – pelo que, se ocorreu um desfasamento entre a data de emissão das faturas e a data em que as mesmas chegaram ao conhecimento da entidade financiadora, impunha-se que esta o alegasse expressamente, uma vez que se trata de facto pessoal, que até é de fácil comprovação pelo destinatário. Em todo o caso, mesmo aceitando que o ónus de alegação e prova da data de envio das faturas e consequente recebimento recaía sobre o empreiteiro (art.º 342.º, nº1 do Cód. Civil), tendo-se apurado, sem impugnação, que na data da emissão das faturas referidas, os autos de medição já tinham sido aprovados pelo fiscal do Banco (número 8 dos factos provados) é lícito concluir que a entidade bancária teve conhecimento da obrigação de pagamento na data em que as faturas foram emitidas. Ora, compulsando as faturas em causa, verifica-se que foram, todas, pagas com atraso, independentemente da aferição dos valores em atraso e do tempo do retardamento [ [45] ].
Em suma, ao contrário do que a apelante massa insolvente alega, nunca foram feitos “pagamentos à cabeça” e também não estamos perante “meros supostos atrasos” (conclusões 14.º e 16.º), sendo inequívoco o incumprimento pelo dono da obra da principal obrigação que resulta do contrato de empreitada, a saber, a obrigação de pagamento do preço na data convencionada entre as partes.
Em segunda linha de argumentação, a apelante invoca que a resolução foi ilícita e que a empreiteira “nunca chegou a concluir a obra em causa”, pelo que a “invocação, nessas circunstâncias, de direito de retenção em relação ao remanescente do respectivo crédito de origem, quando este até ficou expressa e essencialmente condicionado à "execução e finalização da empreitada", afigura-se ser manifestamente desproporcionada e desequilibrada”, “[t]anto mais que o incumprimento pela P, ao arrepio do fito expresso e inequívoco do fito do dito contrato tripartido, deixando a obra inacabada e como tal desvalorizada, lesa gravemente a Massa Insolvente e a absoluta generalidade dos respectivos credores” (conclusões 18.ª, 19.ª e 20.ª); termina indicando que “[p]or essa razão, e também na vertente do tu quoque, se verifica a existência de verdadeiro abuso de direito por parte da P" (conclusão 21ª).
Assentando-se que a resolução do contrato foi ilícita, pelas razões a que já se fez referência, não pode deixar de registar-se a alegação de cariz conclusivo, vago e genérico da apelante, que invoca que a obra está inacabada sem nunca ter especificado o estado da obra quando procedeu à apreensão da verba número 7 e invoca lesão grave dos seus direitos e da generalidade dos credores sem especificar os factos em que suporta tal afirmação. Em rigor e com pertinência para esta análise o que se extrai dos factos provados é o seguinte:
- A empreiteira tinha obrigação de terminar a obra até 01- 03-2010 (cláusula 1ª, nº 2, alínea f) do acordo tripartido);
- Nesse prazo, a empreiteira não entregou a obra construída à dona da obra (número 11 dos factos provados), podendo retirar-se da comunicação de resolução efetuada em 02-11-2011, pela qual a empreiteira dá por cessado o contrato – “[a]ssim, face ao incumprimento deste contrato tripartido (entre Mf 2, P e Banco E) celebrado em 1 de Junho de 2009, vimos pela presente proceder à denúncia /rescisão do mesmo, pelo que, a partir da data de recepção da presente, deixará de ter qualquer efeito” –, que paralisou os trabalhos, não mais dando execução à empreitada (números 10 e 11 dos factos provados);
- Tendo o administrador da insolvência procedido à apreensão do Empreendimento em 05-11-2013, encetando a liquidação das frações respetivas, nos termos indicados supra, entregando o Empreendimento à devedora, conforme consta do auto de apreensão, extinguiu-se o contrato de empreitada, por impossibilidade na realização do seu objeto, independentemente da questão de saber a quem imputar essa impossibilidade.
O que significa que se desconhece a medida do incumprimento por parte da empreiteira, com referência à obrigação de conclusão e entrega da obra, matéria a que também já se fez referência, inexistindo elementos seguros que permitam aferir da relevância jurídica desse incumprimento.
Assim, no contexto em que, como se afirmou, é inequívoca a existência do direito de crédito da empreiteira, não há fundamento para concluir pelo exercício abusivo desse direito, no que concerne à invocação da garantia que lhe está associada e que o legislador reconheceu.
A referida alegação da apelante é, pois, inconsequente.
*
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
Custas pelas apelantes, em igual proporção (art.º 527.º, nº1 do CPC).
Notifique.
Lisboa, 30-05-2023
Isabel Fonseca
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
_______________________________________________________ [1] A insolvência foi requerida pelo Banco E SA em 05-07-2013 e declarada por sentença de 28-10-2013. [2] O requerimento que motivou a retificação da sentença tem o seguinte teor:
“MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES P, S.A.” credora/impugnante nos autos acima referenciados tendo sido notificada da sentença no processo de reclamação de créditos, vem expor e requerer a v: Exª o seguinte:
No requerimento inicial datado de 11-10-2016, do Sr. Administrador de Insolvência no apenso de liquidação – P. 1024/13.3TBSC-D – (Ref. CITIUS 1736399) na indicação dos bens apreendidos é referido, na página 2, que:
- «Em relação à verba 7, correspondente a uma edificação de 3 blocos de apartamentos denominado “Quinta do … II” existem, igualmente contratos de promessa de compra e venda ....»
- E no Auto de Apreensão e Arrolamento dos Bens Imóveis, a verba 7 é assim relacionada:
«Terreno para construção, situado na Rua … – sítio da Vargem, concelho de Santa Cruz. O prédio encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …º da freguesia do Caniço, com o valor patrimonial de € 3.015.133,19 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o nº …/20060105.
Sobre o terreno atrás descrito encontram-se edificados três blocos de apartamentos, correspondendo ao bloco B, C e D dos apartamentos Quinta do …, os quais são constituídos por 100 fracções ... ».
Na, aliás, douta sentença ora notificada é referido expressamente na página 37:
«Afastada que se encontra a renúncia, importa aferir se a Sociedade de Construções P… tem direito de retenção sobre as fracções que integram o edifício Quinta do …. II»
E na página 38 é dito:
«Considerando os factos dados por provados, concluímos que a Impugnante tem direito de retenção sobre as fracções integrantes do prédio “Quinta do … II”, dado ter sido a empreiteira da referida obra, e tal direito surge na esfera jurídica da Impugnante independentemente de ter ou não resolvido o contrato celebrado com o Banco E SA e com a Insolvente. Ou seja, independentemente da validade da resolução, assiste à Impugnante o direito de retenção sobre as fracções em causa, dado deter um crédito sobre a Insolvente, ter sido a construtora da obra e impender sobre si a obrigação de entrega da obra, à data da constituição do crédito.»
E na página 41 conclui:
«reconheço que a Sociedade de Construções P, S.A. detém um crédito sobre a Devedora no valor de €844.242,06, o qual tem natureza garantida por direito de retenção e um crédito no valor de €6.592,03 (seis mil, quinhentos e noventa e dois euros e três cêntimos), com natureza subordinado.»
Ora não restam dúvidas que o direito de retenção que assiste à ora requerente existe sobre o prédio denominado “Quinta do … II”, que é o mesmo que foi relacionado pelo Sr. Administrador de Insolvência no “Auto de Apreensão e Arrolamento dos Bens Imóveis” sob a “Verba 7”.
No entanto na mesma douta sentença “in fine” na Graduação Especial – página 53 – é dito:
«7 – terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, freguesia de Caniço, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …/20060105, deverão ser efectuados os seguintes pagamentos: 1º - As dívidas da massa insolvente, sendo que as custas saem precípuas; 2º - Do remanescente, 1.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado e emergente de IMI, reconhecido à Fazenda Nacional, pelo valor respeitante a este prédio; 2.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por hipotecas e reconhecido ao N Banco, S.A. (anterior Banco E, S.A.) até ao limite registado; 3.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos comuns, entre si em pé de igualdade e proporcionalmente se disso for caso. 4.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos subordinados pela ordem prevista no art. 48.º do CIRE»
Ora não restam dúvidas, que face ao conteúdo da douta sentença, existe um lapso manifesto, ao não referir que do pagamento do remanescente em 2º lugar deve-se dar pagamento ao crédito garantido por direito de retenção e reconhecido à “Sociedade de Construções P, Lda”.
E então em 3º lugar deve-se dar o pagamento do crédito garantido por hipoteca, e reconhecido ao N Banco, SA.
Nestes termos e nos mais de direito, requer-se a V: Exª, nos termos do artigo 614º do CPC. a rectificação da sentença no sentido de ficar a constar, na Graduação Especial em 7, o seguinte: 7 – terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, freguesia de Caniço, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …/20060105, deverão ser efectuados os seguintes pagamentos: 1º - As dívidas da massa insolvente, sendo que as custas saem precípuas; 2º - Do remanescente, 1.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado e emergente de IMI, reconhecido à Fazenda Nacional, pelo valor respeitante a este prédio; 2.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por direito de retenção e reconhecido à “Sociedade de Construções P, Lda”; 3.º lugar: dar-se-á pagamento ao crédito garantido por hipotecas e reconhecido ao N Banco, S.A. (anterior Banco E, S.A.) até ao limite registado; 4.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos comuns, entre si em pé de igualdade e proporcionalmente se disso for caso. 5.º lugar: dar-se-á pagamento aos créditos subordinados pela ordem prevista no art. º48.º do CIRE.
Assim será corrigido o referido lapso manifesto, como é de Justiça.
Pede e espera deferimento”. [3] Em 28-08-2022, a Massa Insolvente de "M 2 Lda.", indicou como segue no requerimento de interposição de recurso: “(…) notificada da douta Sentença proferida no Apenso acima identificado em 07/08/2022, com o qual não se conforma, especificamente no que respeita à parte em que julgou que tem natureza de crédito garantido, por direito de retenção, o crédito da "Sociedade P S.A." no valor de € 844.242,06, vem, apenas quanto a esse aspecto, da mesma interpor Recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, cuja alegação segue em anexo, o qual é de Apelação, com subida imediata, nos próprios Autos e efeito meramente devolutivo (art. 14°, n°. 5 e al. b) do n°. 6, do CIRE)”. [4] Recurso interposto em 05-09-2022. Por requerimento de 19-12-2022 a recorrente veio indicar que “aquando da elaboração das suas alegações de recurso, aos 05/09/2022, interpretou a douta sentença nos termos rectificados” e “[c]omo tal por dever de patrocínio e cautela, mantém, na íntegra, o teor do seu articulado”. [5] A primeira instância fixou da seguinte forma o objeto da sua apreciação:
“As questões a decidir respeitam a saber:
Se a Sociedade P, S.A. é credora da Insolvente pelo valor de €1.201.627,42 e se o seu crédito tem natureza garantida por beneficiar de direito de retenção sobre o prédio localizado no Sítio da Vargem, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º … - freguesia do Caniço”. [6] O facto em causa reporta-se à comunicação escrita, datada de 02-11-2011, que a P dirigiu ao BANCO E, com “conhecimento à M 2”, documento junto pela P com a sua impugnação e que não foi questionado, comunicação que tem o seguinte teor (não inteiramente coincidente com o enunciado pela 1ª instância):
“Assunto: Denúncia de Contrato
Exmos Senhores
Contrariamente ao estipulado no contrato de empreitada da obra “Quinta do … II” e, posteriormente, no acordo tripartido (entre M2, P e BANCO E) celebrado em 01-06-2009, designadamente no artigo 1º, alínea i), os prazos pagamento não foram cumpridos.
Assim, face ao incumprimento deste contrato tripartido (entre M2, P e BANCO E) celebrado em 1 de Junho de 2009, vimos pela presente proceder à denúncia /rescisão do mesmo, pelo que, a partir da data de recepção da presente, deixará de ter qualquer efeito.
Por esse facto, vimos pela presente informar V.Exas, que o direito de retenção que nos assiste sobre a obra em curso, será mantido até à liquidação de todos os créditos vencidos e vincendos.
Com os melhores cumprimentos”.
Essa comunicação foi recebida pelo BANCO E em 04-11-2011, conforme A/R também junto com esse articulado.
Foi ainda enviada outra comunicação escrita, com a mesma data e exatamente o mesmo conteúdo, à M 2 (com “conhecimento ao BANCO E”), recebida pela M2 em 04-11-2011, conforme documentos juntos com o mesmo articulado (carta e A/R). [7] Regista-se a singularidade da impugnação do julgamento de facto ser feita depois da impugnação do julgamento de direito, sendo que por via da impugnação do julgamento de facto a L tem o acréscimo de prazo de recurso (10 dias) estabelecido pelo legislador; o recurso da L é posterior ao recurso apresentado pela massa insolvente, sendo os argumentos apresentados em sede de direito por vezes coincidentes, até no seu texto. [8] Em 12-06-2015 o administrador juntou no mesmo apenso os documentos alusivos ao registo. [9] Procedimento que obriga a consulta acrescida do processo, quando é suposto que a leitura da factualidade tida como assente seja suficiente e esclarecedora para a apreciação jurídica subsequente, só pontualmente se podendo justificar a consulta de outros elementos; como dispõe o art.º 606.º, nº4 do CPC, ao relatório (nº 2) segue-se a enunciação dos “fundamentos”, “devendo o juiz discriminar os factos que considera provados”, dificilmente se alcançando esses fundamentos por via do que “se dá por reproduzido”. [10] No caso, a Juiz transcreveu sob o número 4 dos factos provados a cláusula alusiva à “renúncia”, cláusula que foi a única transcrita pelos intervenientes, sendo que a factualidade dada por assente sob o número 9 está expressamente mencionada no acordo. Quanto aos “considerandos” e às demais cláusulas vertidas no acordo, o documento respetivo foi junto pela P com a impugnação que apresentou à lista, sem cuidar a interveniente – nem todos os demais intervenientes nesse acordo – de juntar peça processual que permita processamento de texto, com violação do princípio da colaboração; o tribunal da primeira instância ultrapassou essa situação nos termos enunciados, esta Relação deve exprimir a fundamentação de facto na forma correta. [11] Com a seguinte redação:
“18.º
Efectivamente, o BANCO E concedeu à Insolvente o referido financiamento e, por conta do mesmo, processou os pagamentos de todas as facturas que lhe foram apresentadas pela Impugnante melhor identificadas no artigo 9.º da Impugnação, aliás como a própria Insolvente reconheceu em Novembro de 2011 – cfr. documento n.º 1, que ora se junta.
19.º
O BANCO E é, por conseguinte, totalmente alheio aos desentendimentos entre a Insolvente e a Impugnante, espelhado nas cartas que constituem os documentos n.ºs 2 e 3 da Impugnação e documento n.º 1 ora junto”. [12] Assim:
“161. Em face do facto 17 ora provado, dever-se-á, consequentemente, dar como não provado que: Facto B)
-Qual, o concreto valor do crédito em dívida relativamente ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.0 ….
Facto C)
- Qual o concreto crédito reclamado a imputar a cada uma das fracções que compõem o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …”. [13] Concluso o processo em 24-05-2018, em 28/05/2018 (e não 2019 como indicado pela apelante) foi proferido despacho pelo qual:
O juiz fixou o seguinte objeto do processo: “[a]ferir se a P é credora da Insolvente pelo valor de €1.201.627,42 e se o mesmo tem natureza garantida por beneficiar de direito de retenção sobre o prédio localizado no Sítio da Vargem, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º … — freguesia do Caniço”.
E fixou os seguintes temas da prova:
“- Do acordo tripartido celebrado no dia 01/06/2009, condições, prazos de pagamento acordados e (in)cumprimento do mesmo.
- Dos actos praticados pela Impugnante com vista à cessação do acordo referido em 1. e circunstâncias subjacentes.
- Da construção e actos praticados pela Impugnante sobre o prédio localizado no Sítio da Vargem, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º … — freguesia do Caniço”. [14] Com a seguinte redação:
“21º
Aliás, em 02/11/2011, já a ora impugnante tinha comunicado à insolvente, por escrito, que iria exercer o direito de retenção que legalmente lhe assistia sobre o prédio em construção – Cfr doc. nº 52, junto com a reclamação. 22º
E até à presente data, não entregou a obra construída à insolvente, detendo, assim, a ora impugnante a posse sobre o prédio em vias de acabamento.
23º
Na verdade a ora impugnante, tem o acesso à obra vedado e mantém vigilantes na mesma, sendo que ninguém, além do pessoal ao seu serviço, tem acesso à obra construída”. [15] Cfr. os arts. 153.º a 156.º, inclusive, das alegações de recurso quanto ao “facto 16” e os arts. 158.º a 160.º inclusive quanto ao “facto 17”. [16] Cfr. os arts. 170.º a 172.º, inclusive, das alegações de recurso, quanto à matéria que se pretende seja dada como não provada, indicada como “facto D”. [17] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1982, Vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, p. 742. [18] “O resultado a que o empreiteiro fica vinculado é o de realização duma obra, o que individualiza os contratos de empreitada no âmbito da figura mais vasta dos contratos de prestação de serviço.
A obra tanto pode ser a de construção duma coisa nova, como a simples reparação, limpeza, modificação, manutenção ou destruição duma coisa já existente, devendo, contudo, traduzir-se no resultado de actividade de alteração física de coisa corpórea.
É este conceito restrito de obra que permite distinguir a obrigação do empreiteiro das obrigações de outros prestadores de serviços em que, apesar da sua actividade se reportar a coisas, isso não implica a sua alteração física (v.g. vigilância, transporte), ou se refere a criações intelectuais que, apesar do suporte material no qual se encontram exaradas, não deixam de ser coisas incorpóreas (v.g. filme, livro, programa radiofónico, software, invento) (João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2013, Coimbra, Almedina, pp. 49-50). [19] Como refere Menezes Leitão, “[a]pesar de não se encontrar expressamente contemplado no art.º 754.º, tem sido ainda reconhecido pela doutrina o direito de retenção ao empreiteiro, sendo minoritária a posição contrária. Actualmente há ainda uma justificação suplementar que é o facto de o art.º 25.º do DL 201/98, de 10 de Julho, conferir direito de retenção ao construtor do navio o que constitui manifestamente um caso de empreitada” (Garantia das Obrigações, 2016, Coimbra: Almedina, p. 233).
No mesmo sentido, refere Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, Coimbra, p. 342:
“O legislador consagrou, com carácter geral, o direito de retenção apenas nas hipóteses em que o crédito do retentor tenha surgido por causa da coisa por si detida legitimamente, exigindo, portanto, uma conexidade objectiva entre o crédito e a coisa (debitum cum re iunctum). É o que acontecerá sempre que o crédito do retentor resulte de despesas feitas com na coisa, com a coisa, ou por causa da coisa. Tal deverá ser o caso do empreiteiro, ao qual deve ser reconhecido o direito de reter a obra (mobiliária ou imobiliária), enquanto não lhe for pago o preço”.
Cfr., ainda, Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 2001, Coimbra: Almedina, p. 225. [20] Acórdão do TRL de 22-10-2020, processo: 11891/19.1T8SNT-B. L1-8, Relator: Luís Correia Mendonça, acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais arestos aqui aludidos. [21] “O preâmbulo (por vezes composto por uma sequência de considerandos) assume conteúdos muito diversificados, que vão desde a referência a atos passados – descrição das negociações, ações de due diligence já efetuadas (…) documentos entregues – até à revelação de pressupostos, motivos, objetivos e intenções, passando por especificações relativas às partes, relações de grupo e conexão com contratos com celebração anterior, contemporânea ou posterior.
Todas estas proposições, depois de interpretadas, são atendíveis na interpretação do contrato, servindo em especial como auxiliares para a compreensão dos objetivos do contrato (…) e para estabelecer os termos do seu equilíbrio (…)” (Carlos Ferreira de Almeida, Contratos IV, Funções. Circunstâncias. Interpretação, 2014, Coimbra: Almedina, p. 279). [22] Não há elementos que permitam avaliar sobre o volume de obra executado até 01-06-2009 e que terá sido pago, porquanto o acordo tripartido não alude a isso e os articulados também não fazem essa menção; também não temos elementos que permitam concluir que após 01-06-2009 foi executado apenas o volume de obra refletido nas faturas enunciadas sob o número 7, tendo até em conta o teor desse número: sabe-se que foram emitidas essas faturas, pagas, segundo a versão da P, com atraso, mas não podemos ter como seguro que não tenham sido emitidas e pagas, atempadamente, outras.
Refira-se que decorre do acordo tripartido que, nessa data, estavam por executar trabalhos correspondentes a 2.888.738,22€ (cláusula 1ª, nº1, alínea h), pelo que, se se considerasse que posteriormente foi executada, apenas, a obra correspondente aos autos de medição a que se reportam as faturas indicadas sob o número 7 dos factos provados, a conclusão seria que a P não executou obra no valor de 1.262.883,93€ (2.888.738,22€ - 1.625.854,29€). [23] “A condição é uma cláusula acessória típica, um elemento acidental do negócio jurídico, por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva)” (acórdão do STJ de 10-02-2009, processo: 312-C/2000.C1-A.S1, Relator: Moreira Alves). [24] Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2021 Coimbra: Almedina, pp.207-208. [25] Como se referiu no acórdão do STJ de 16-05-2019, processo : 61/11.7TBAVV-B.G1.S1 (Relator: Rosa Tching), “[o] artigo 754º do Código Civil, concede ao empreiteiro o direito de retenção do objeto da empreitada enquanto o dono da obra não pagar o preço da obra, quer esta tenha sido acabada, quer não, e, consequentemente, o art.º 759º, nº 2 do mesmo código, atribui a este direito real de garantia prevalência sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente, introduzindo, deste modo, uma exceção quer à hierarquia dos credores, quer ao princípio da prioridade de registo”. [26] Nem a devedora, nem o administrador da insolvência deram nota, especificamente, das obras/trabalhos por concluir, individualizando em concreto o que ainda estava em falta para dar a obra como terminada e qual o seu reflexo no valor global da empreitada, nomeadamente com referência a cada uma das fracções do Empreendimento. [27] Não se suscitam, assim, no processo quaisquer questões alusivas aos efeitos da declaração de insolvência no negócio em causa que, na perspetiva da sociedade insolvente e uma vez que a massa insolvente até questiona a validade da declaração resolutória feita pela empreiteira, traduziria um negócio em curso (art.º 102.º do CIRE), pelo menos até à apreensão do Empreendimento. Para além das situações de extinção do contrato na sequência de vicissitudes de caráter geral relacionadas com o incumprimento contratual (numa situação, pois, de patologia da relação contratual), relevam, no âmbito específico do contrato de empreitada, os art.ºs 1229.º e 1230.º, nº 1 do Cód. Civil; não se colocando qualquer dessas hipóteses, o contrato de empreitada cessa com a conclusão da obra e entrega da mesma ao dono da obra. [28] Refere a L nas suas alegações de recurso:
“31. Sucede que, relativamente aos requisitos do direito de retenção, não resultou desde logo provado o concreto crédito a imputar ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …, apreendido sob a verba n.° 7 do auto de apreensão de 05/11/2013 e, individualmente, a cada uma das 100 fracções que o compõem.
32. Muito menos qual o concreto valor do crédito em dívida.
33. Com efeito, e num primeiro momento, a credora em causa afirma exercer o direito de retenção sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º …, para garantia do valor em capital de €844.242,06.
34. Não individualizando, porém, a totalidade do crédito (capital) que reclama, por referência a cada concreta fracção que o compõe”. [29] Na sequência de despacho proferido nesse apenso, no sentido de o administrador da insolvência “juntar aos autos, documento que comprove a adjudicação dos imóveis ao credor hipotecário TREASUREGARDEN, LDA., em cumprimento da proposta por este apresentada, ou esclarecer o que tiver por conveniente” o administrador da insolvência apresentou a seguinte informação, em 09-05-2023:
“-A insolvência foi requerida em 05/07/2013, pelo credor hipotecário Banco E S.A., na sequência de um acordo efetuado com a sociedade insolvente, conforme resulta dos autos;
-No referido acordo, era condição o cumprimento dos contratos promessa de compra e venda, mediante o término das obras e a obtenção das licenças de utilização do imóvel construído no prédio urbano, inscrito sob o artigo …º da freguesia do Caniço, denominado Edifício … II, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o nº …/20060105, da respetiva freguesia;
- Conforme relatório apresentado pelo Administrador Judicial, foram relacionados 21 contratos promessa, devidamente contabilizados nas contas da sociedade;
- Foram apreendidas seis frações autónomas do Edifício … (Verbas 1 a 6) e um prédio urbano, destinado à construção, onde foi edificado um conjunto de cem frações autónomas, divididas por três blocos (Verba 7), em estado de inacabado;
- Em 26/04/2015, foi enviado pelo credor hipotecário, N Banco, SA, os valores mínimos de venda dos prédios apreendidos para a massa insolvente, para os efeitos do disposto do nº 2 do artigo 164º do CIRE, conforme informação seguinte: (Doc.1)
-Fração AK – €68.600,00
-Fração AI – €75.000,00
-Fração AN – €76.000,00
-Fração AD – €64.800,00
-Fração O – €47.300,00
-Fração B – €31.000,00
-Todas as frações pertencem ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o n.º … (Edifício …), conforme documento em anexo; (Doc. 2)
- Prédio urbano, sito em Vargem, freguesia de Caniço, concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º … - €6.715.400,00 – (Edifício … II), conforme documento em anexo; (Doc. 3)
O Administrador Judicial, após ter procedido à apreensão dos bens e respetivo registo da declaração de insolvência sobre as frações autónomas, deu início ao cumprimento dos contratos promessa de compra e venda que se encontravam em vigor, relativo ao Edifício … I;
1) Por escritura pública de 26/07/2016 foi cumprido o CPCV da fração AI, tendo a massa insolvente recebido o montante de 16.350,00 €; (Doc. 4)
2) Por escritura pública de 26/07/2016 foi cumprido o CPCV da fração AN, não tendo a massa insolvente recebido qualquer valor, tendo em conta que o mesmo já teria sido pago em data anterior à declaração de insolvência; (Doc. 5)
3) Por escritura pública de 15/09/2016 foi cumprido o CPCV da fração AK, não tendo a massa insolvente recebido qualquer valor, tendo em conta que o mesmo já teria sido feita em data anterior à declaração de insolvência; (Doc. 6)
4) Por escritura pública de 24/01/2018 foi vendida a fração autónoma identificada pela letra B, mediante proposta apresentada pelo credor hipotecário, e com o acordo dos restantes membros da Comissão de Credores. A Fração autónoma foi vendida pelo preço de 33.800,00 €, tendo sido pago a caução de 6.760,00 €, com a dispensa do depósito do preço; (Doc. 7)
5) Por escritura pública de 18/04/2023 foi vendida a fração autónoma identificada pela letra O, mediante proposta apresentada pelo atual credor hipotecário, e com o acordo da Assembleia de Credores. A Fração autónoma foi vendida pelo preço de 75.000,00€, com a dispensa do depósito do preço; (Doc.8)
- Para a aquisição do Prédio urbano, sito em Vargem, freguesia de Caniço, concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º … – foram apresentadas várias propostas, tendo o credor hipotecário, A L, STC - SA., em 03/01/2022, apresentado uma proposta de aquisição para o imóvel em construção, no montante de 7.297.956,00 € (Sete milhões duzentos e novena e sete mil, novecentos e cinquenta e seis euros), condicionada à prévia aceitação dos promitentes compradores da devolução do sinal pago, em singelo, num valor total de 670.000,00€;
- No decorrer das negociações com os promitentes compradores, a sociedade T, Lda., adquiriu o crédito hipotecário, detido pela sociedade L; - O atual credor hipotecário T Lda., apresentou uma proposta de aquisição dos prédios inscritos na matriz, sob os artigos 6105º e 6061º
- O da freguesia do Caniço, pelos valores de 7.500.000,00€ e 75.000,00€, respetivamente, no valor total de
7.575.000,00€; (Doc.8)
- As dívidas da massa foram pagas, no valor total de 827.121,06€, conforme quadro seguinte, equiparam-se à caução necessária para o efeito, pela proposta apresentada no montante de 7.575.000,00€;
(…)
- As custas processuais foram pagas pelo valor global de 31.235,06 € (635,06 € + 30.600,00 €);
- As vendas totalizaram no montante de 7.951.800,00 € (Sete milhões novecentos e cinquenta e um mil e oitocentos euros), tendo sido depositado o montante das cauções, no valor global de 23.110,00 €;
- A conta da massa insolvente tem um saldo atual no montante de 183.929,22 €, correspondente à provisão constituída pelo Credor hipotecário para o pagamento dos honorários variáveis do Administrador Judicial; (Doc.9)
Pelo acima exposto, o ora signatário vem dar conta do encerramento da liquidação do ativo, encontrando-se salvaguardado por garantia bancária, o pagamento do crédito da sociedade P, caso obtenha vencimento no pedido do recurso apresentado.
O ora signatário procederá à prestação de contas no prazo de 10 dias, tendo em conta o pagamento efetivo das custas processuais;
Roga a V. Exa. Deferimento” (sublinhado nosso). [30] No articulado de oposição refere o BANCO E:
“35.º
O BANCO E – insiste-se – é o credor da prestação que consistiu na renúncia ao direito de retenção: é ele o interessado nessa prestação (para a M2 a existência ou inexistência de direito de retenção é indiferente).
36.º
O BANCO E cumpriu as suas prestações, não assiste à P o direito de incumprir a sua contra prestação (resolvendo a renúncia que fez ao direito de retenção, ou de outro modo prejudicando essa renúncia)”. [31] Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, 1990, Coimbra: Almedina, pp. 371-372.
“Em vez de um acto puramente abdicativo, sem destinatário, o abandono liberatório é um acto praticado em benefício do credor de determinada obrigação propter rem. Por isso as legislações mais recentes deixaram de falar, para as situações a que este instituto se aplica, de abandono, utilizando, em substituição, o conceito de renúncia liberatória (renúncia a favor de…). Acresce que no abandono liberatório, conforme adiante veremos, o devedor propter rem tem de notificar a sua vontade ao credor, sendo essa notificação imprescindível para que a obrigação possa extinguir-se. O abandono liberatório implica sempre, portanto, uma declaração de vontade. Ora, no abandono puro e simples o abandonante não emite qualquer declaração negocial: executa ou actua a sua vontade de abandonar, sem ter que a levar ao conhecimento de quem quer que seja” (obr. cit. pp. 364-365). [32] Distinguindo entre “abandono, renúncia abdicativa e renúncia liberatória” cfr. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2001, Lisboa: Quid Juris, pp. 245-250. [33] Obr. cit., p. 292. [34] Carlos Ferreira de Almeida, obr. cit. p. 291. [35] Acessível in www.tribunalconstitucional.pt [36] Assim:
“Cumpre começar por fixar o objecto do recurso, o qual, pelas razões constantes do incontestado despacho do relator, acima transcrito, se restringe à apreciação da alegada inconstitucionalidade orgânica dos Decretos-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho e n.º 379/86, de 11 de Novembro e da inconstitucionalidade material da norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 755º do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de Novembro, enquanto confere ao promitente comprador de um imóvel, caso tenha havido tradição, direito de retenção sobre o mesmo imóvel, por créditos resultantes de incumprimento pelo promitente vendedor”. [37]Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, Coimbra: Almedina, pp. 392-393. [38] “A solução deste nº 2 não é pacífica entre os autores. Parece, no entanto, que se justifica melhor a atribuição, ao direito de retenção, do regime estabelecido para os privilégios no art.º 751.º, dada a sua natureza legal e a natureza dos actos que dão lugar aos créditos do detentor da coisa. Normalmente esses créditos derivam de despesas feitas com a coisa, e essas despesas devem ficar integralmente a cargo dos que têm direitos sobre ela, porque todos eles aproveitaram delas e não seria justo que se locupletassem à custa de quem as realizou” (Pires de Lima e Antunes Varela, obr. cit, pp. 749-750). [39] A obrigação de pagamento do preço da empreitada é do dono da obra, sem prejuízo dos valores poderem ser pagos diretamente pela entidade financiadora, se tal for acordado entre os vários intervenientes. [40] Foi esse o entendimento sufragado pelo STJ, no específico âmbito do contrato de empreitada, nos acórdãos de 03-06-2008, processo: 08A1470 (Relator: Cardoso Albuquerque), em que se conclui que “[a] prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca prevista no art.º 759.º, n.º 2, do CC, não é materialmente inconstitucional” e de 10-05-2011, processo: 661/07.0TBVCT-A.G1.S1 (Relator: Gabriel Catarino), que concluiu como segue:
“IV - A graduação escalonada/privilegiada que o legislador atribui ao direito de retenção em relação à hipoteca, no art.º 759.º do CC, não belisca nenhum direito fundamental ou fere de forma desajustada qualquer outro direito constitucionalmente protegido, nomeadamente o da proporcionalidade e da igualdade ou ainda o da confiança na estabilidade dos direitos constituídos anteriormente”, não se logrando localizar qualquer aresto em sentido contrário. Lê-se naquele primeiro aresto:
“Por último e embora essa questão não haja sido suscitada tanto na 1ª instância, como na Relação vem a recorrente arguir a inconstitucionalidade da norma do nº2 do artº 759 do CCivil apontada na 1ª instância como determinando a prevalência do direito de retenção que se pretende ver reconhecida sobre a hipoteca de que a mesma é titular e mau grado a anterioridade do respectivo registo.
Com efeito e de harmonia com o disposto na norma citada e quando recaia sobre coisa imóvel é o direito de retenção equiparado à hipoteca, mas prevalece sobre esta, mesmo que registada anteriormente.
Esta solução legal tem efectivamente suscitado reparos, mas não julgamos que a preferência atribuída ao “jus retentionis” seja equiparável ao regime dos privilégios imobiliários gerais que motivou a intervenção do Tribunal Constitucional através dos Acórdãos nºs 362/2002 e 363/2002 declarando a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas que conferiam tais privilégios à Fazenda Nacional e à segurança social e na interpretação segundo a qual elas preferiam à hipoteca.
Na verdade, o principal argumento acentuado pelo Tribunal Constitucional foi o facto dos créditos privilegiados não terem conexão alguma com a coisa objecto da garantia e o próprio princípio da confidencialidade tributária impossibilitar os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedores ou do Estado ou da segurança social.
E neles se acrescentou que não estando tais créditos sujeitos a registo, o particular que exercesse a garantia podia ser confrontado com a existência de um crédito privilegiado e que “frustrando a fiabilidade que qualquer registo deve merecer, tal implicará uma “ lesão desproporcionada do comércio jurídico”. Situação diferente ocorre com o direito de retenção.
Com efeito a razão da preferência que lhe é atribuída reside no facto do retentor não poder invocar o seu direito contra outros credores, para impedir a execução da coisa, por isso em contraponto reconhecendo a lei, esse dito privilégio, no âmbito do processo executivo como sustenta Vaz Serra no seu estudo sobre o tema no Anteprojecto do Cod . Civil
A atribuição ao direito de retenção da “oponibilidade erga omnes” decorre por seu turno do próprio facto da retenção e da publicidade inerente pois mostrando a coisa em poder do retentor, logo fará suspeitar de que não está livre.
E o grau de preferência que lhe é atribuído tem fundamentos que amplamente o justificam face à natureza dos actos que dão lugar as créditos do retentor.
Com efeito c resultando normalmente o crédito de despesas com a fabricação, conservação ou melhoramento de coisa alheia, será de concluir que se essas despesas não tivessem sido realizadas, a coisa poderia ter perecido e então nem o seu proprietário, nem o credor hipotecário nem qualquer outro credor poderiam realizar o seu direito.
É essa no fim de contas a razão fundamental da preferência que a lei entendeu atribuir-lhe pois como já sustentava Guilherme Moreira, citado por Mª Isabel Meneres Campos, Da Hipoteca, 224 ainda na vigência do direito anterior, se não lhe fosse atribuída tal preferência, todos os demais credores se locupletariam à sua custa em função do valor da coisa para que concorrera o retentor com as despesas com ela feitas.
No fundo, trata-se de garantia muito especial caracterizada por um nexo de ligação muito apertado entre a coisa e a obrigação, exactamente uma situação inversa às dos mencionados privilégios para além de envolver um processo de coacção sobre o devedor.
Para além disso, sempre importará referir que por via de regra os créditos que conferem o direito de retenção sobre os imóveis representavam uma pequena quantia em relação ao valor da coisa, logo sem possibilidade da prevalência a ele atribuída sobre a hipoteca esvaziar os créditos por esta garantidos
Outrossim e mesmo no caso muito especial e severamente criticado pela doutrina da atribuição dessa garantia ao crédito resultante do incumprimento pelo promitente alienante do contrato promessa com tradição da coisa, nos termos da al. f) do artº 755ºdo CCivil ( introduzido pelo DL nº 379/86, retirando-o, com a respectiva eliminação do anterior nº 3 do artº 442º, conforme a redacção do DL nº236/80 ) já decidiu o Tribunal Constitucional em não julgar inconstitucional tal normativo, enquanto interpretado como concedendo ao promitente comprador de imóvel ou fracção autónoma com tradição do mesmo, direito de retenção com preterição de hipoteca constituída ou registada antes da invocação do direito de retenção ( Acórdãos nº 356/2004 in DR IIsérie de 28/06/2004 e o publicado no DR , II série, de 10/02/2005), tendo também este mesmo Supremo já decidido não serem inconstitucionais as normas que prevêem a preferência do direito de retenção do promitente adquirente de imóvel em contratos promessa tradiciários, sobre o titular da hipoteca.
Pelo que se não vê que a apontada prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca enquanto garantia real reconhecidamente das mais importantes e com um regime intimamente conexionado com o crédito imobiliário e desempenhando um papel insubstituivel na dinamização da vida económica ofenda qualquer dos princípios e valores constitucionais acima referidos quer o da proporcionalidade, quer o da igualdade, quer o da confiança, de resto já tendo este Supremo por inúmeras vezes rejeitado essa pretensa inconstitucionalidade da norma do artº 759º (em que estão definidos os casos especiais do direito de retenção conferido a titulares de créditos em que se dilui ou não existe a sua conexão objectiva com a coisa) ainda que convocada a propósito do direito de retenção conferido ao promitente comprador sendo a tal propósito elucidativo o recente acórdão deste Supremo de 12 /09/2007 procº nº 07ª 2235 in www.djsi.pt em que de forma exaustiva se aborda tal temática com resenha dos acórdãos anteriores, incluindo do Tribunal Constitucional.
Deste modo julgamos que ao contrário do alegado que de nenhuma inconstitucionalidade material enferma o dispositivo legal em questão”.
Igualmente, no mesmo sentido, vai o acórdão de 10-05-2011, processo: 661/07.0TBVCT-A.G1.S1 (Relator: Gabriel Catarino) que, também no âmbito do contrato de empreitada, concluiu como segue:
“IV - A graduação escalonada/privilegiada que o legislador atribui ao direito de retenção em relação à hipoteca, no art.º 759.º do CC, não belisca nenhum direito fundamental ou fere de forma desajustada qualquer outro direito constitucionalmente protegido, nomeadamente o da proporcionalidade e da igualdade ou ainda o da confiança na estabilidade dos direitos constituídos anteriormente” (sublinhado nosso). [41] “O artigo 334.º prevê a boa fé objectiva: não versa factores atinentes, directamente, ao sujeito, mas antes elementos que, enquadrando o seu comportamento, se lhe contrapõem. Nessa qualidade, concorre com outros elementos normativos, na previsão legal dos actos abusivos: o sujeito exerce um direito - move-se dentro de uma permissão normativa de aproveitamento específico - o que, já por si, implica a incidência de realidades normativas e deve, além disso, observar limites impostos pelos três factores acima isolados, dos quais um, a boa fé. O sentido desta implica a determinação do conjunto” (Menezes Cordeiro, Da Boa fé no Direito Civil, 1984, vol. II, coleção Teses, Coimbra: Almedina, p.662) [42] Acórdão do STJ de 14-03-2019, processo: 1189/15.0T8PVZ.P1.S1 (Relator: Nuno Pinto Oliveira), concordando-se com o aresto quando aí se conclui que “[o] alcance do princípio do abuso do direito excede o conjunto dos grupos ou tipos de casos considerados na doutrina e na jurisprudência – como a exceptio doli, o venire contra factum proprium, o tu quoque ou o desequilíbrio no exercício jurídico – e, por consequência, não é absolutamente necessário coordenar a situação sub judice a algum dos tipos enunciados”.
O acórdão versa questões no âmbito do relacionamento entre o condómino e o condomínio, concluindo que “[o] autor, ao actuar ilicitamente, designadamente deixando de pagar as quotas ao condomínio, não pode prevalecer-se das consequências jurídicas (sancionatórias) de uma actuação ilícita do condomínio, concretizada na não realização de obras para as quais as quotas, que o autor deixou de pagar, seriam necessárias”. [43] A propósito desta regra Menezes Cordeiro salienta que “[a] sua aplicação requer a maior cautela. Fere as sensibilidades primárias, ética e jurídica, que uma pessoa possa desrespeitar um comando e, depois, vir exigir a outrem o seu acatamento. Não é líquido, contudo e sempre a priori, que um sujeito venha eximir-se aos seus deveres jurídicos alegando violações perpetradas por outra pessoa” (Menezes Cordeiro, obr, cit. p. 837). [44] Que a entidade financiadora justificou com comportamentos que imputou à dona da obra, tendo aliás a inquirição de algumas testemunhas, feita em julgamento, incidido sobre essa matéria, sendo que não consta qualquer facto pertinente a esse propósito. [45] Saliente-se que, relativamente às faturas em que foram feitos pagamentos parciais, é inequívoco que, pelo menos na data em que foi feito o primeiro pagamento a entidade bancária soube da emissão da fatura, estando nessas circunstâncias as faturas B 7, A 247 e 2.10, descartando-se até aquelas em que o segundo pagamento foi de montante que temos por irrisório e porventura juridicamente irrelevante.