AECOP
RECONVENÇÃO
Sumário


Sendo a AECOP ( ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias) um procedimento especial, são-lhe aplicáveis as regras gerais do CPC (art. 549.º n.º 1), entre as quais se conta as da reconvenção (art. 266.º), cabendo ao juiz, utilizando os seus poderes de gestão processual e de adequação formal (artigos 6.º e 547.º), adaptar o processo à tramitação da reconvenção, pelo que relegar a invocação da compensação para a oposição a subsequente execução (art.º 729.º, al. h), implicaria um desnecessário desperdício de recursos e violaria o princípio constitucional da igualdade, cumprindo-se, assim, a função instrumental do processo civil em face do direito material.

Texto Integral


Relatora: Anizabel Sousa Pereira
Adjuntos:  Jorge dos Santos e
Margarida Pinto Gomes

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I - Relatório

S..., Imports & General Trade, Unipessoal, Lda intentou o presente procedimento de injunção contra M... – Instalação de Ar Condicionado e Frio, Lda pedindo a condenação desta a pagar-lhe € 6.978,48, acrescidos de € 108,05 a título de juros vencidos e taxa de justiça, alegando como causa do seu pedido um contrato de compra e venda ( de automóvel) celebrado com a R. “ pelo preço de 27.367,50€ (vinte e sete mil trezentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos), conforme a sua fatura n.º ..., de 29/12/2021; valor este a que acresce uma outra factura com o n.º ..., relativa a serviços extra, no valor de € 3.110,98 (três mil cento e dez euros e noventa e oito cêntimos), somando o valor de € 30.478,48 (trinta mil quatrocentos e setenta e oito euros e quarenta e oito euros). Para pagamento do mencionado preço, a Denunciada, entregou até à presente data, à Denunciante a quantia total de 23.500,00€, mediante duas transferências bancárias, uma no valor de 13.500,00€ (treze mil e quinhentos euros) e outra no montante de 10.000,00€ (dez mil euros), Estando em falta a quantia de € 6.978,48.
Citada, a Requerida deduziu oposição e impugnou a factualidade respeitante à fatura de serviços extra e no mais formulou reconvenção onde concluiu que deve a presente ação ser julgada improcedente, absolvendo a Requerida do pedido, e julgada procedente a reconvenção apresentada pela Requerida, condenando-se, em consequência, a A a reembolsar à Reconvinte na quantia de 7.197,34€ (sete mil, cento e noventa a sete euros e trinta e quatro cêntimos), em consequência da redução do preço da compra e venda dos autos, titulado pela fatura n.º ...; ou, caso se entenda ser devida a quantia titulada pela fatura n.º ... referente a alegados serviços extra, no que se não concede, a reembolsar a Reconvinte pela quantia de 4.086,36€ (quatro mil e oitenta e seis euros e trinta e seis cêntimos), em consequência da redução do preço da compra do veículo dos autos titulado pela fatura ... e da compensação operada nessa hipótese com o alegado crédito titulado pela fatura n.º ....
Notificada, a A apresentou requerimento de resposta à oposição e suscitou, além do mais, a inadmissibilidade da reconvenção deduzida.
Na sequência da oposição deduzida foram os autos de Injunção distribuídos como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e aberta conclusão a Mmª Juiz do tribunal “a quo” proferiu o despacho sob recurso que é do seguinte teor:
“…
A ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias é caracterizada por uma tramitação simplificada. Com efeito, a aludida forma processual comporta, apenas, duas fases elementares: os articulados de petição e contestação e a audiência final. Nesta medida, consideramos que este procedimento especial não se compagina com a admissão de mecanismos que abstraiam aquela que foi a lógica ensaiada pelo legislador e que, dessa forma, defraudem o sentido da sua tramitação simples e rápida. Tal sucederia se fosse admissível a formulação de um pedido reconvencional ou de um incidente de intervenção de terceiros, os quais implicam o exercício mais aprofundado do contraditório e a discussão de questões que nos levam para além dos articulados iniciais.
Nesta lógica, fora do âmbito das ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias decorrentes de transações comerciais com pedidos superiores à alçada da Relação – relativamente às quais a lei prevê o respetivo prosseguimento sob a forma de processo comum - importará rejeitar a possibilidade de o requerido/réu formular um pedido reconvencional nos termos previstos no art. 266.º n.º2 do Código de Processo Civil, neste tipo de procedimento especial.
Quando está em causa uma compensação de créditos, há quem entenda que a mesma pode ser invocada por via de exceção, por se considerar que a reconvenção apenas é obrigatória se o valor do crédito for superior ao que é peticionado pelo autor, e quem admita, por sua vez, que, independentemente do valor do contra crédito, a compensação deve poder ser invocada, por via reconvencional, competindo ao juiz proceder à adequação formal do processo, nos termos previstos no art. 547.º do Código de Processo Civil (acolhimento, este, minoritário).
A este propósito, seguimos, contudo, o teor do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22-06-2017, processo n.º 69039/16.0YIPRT.G1, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler o seguinte: “À luz da atual lei processual civil, a compensação terá sempre que ser suscitada em sede de reconvenção, mesmo quando o crédito invocado pelo réu não excede o do autor, ou seja, independentemente do valor dos créditos compensáveis e quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. (…) Daí que, no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98, no qual não é admissível reconvenção, não seja possível operar a compensação de créditos por via de exceção quando o crédito invocado pelo réu é inferior ao do autor. (…) A circunstância de não ser admissível reconvenção não autoriza a que se possa concluir que neste tipo de ações, excepcionalmente e apenas no seu domínio, a compensação de créditos possa ser encarada como excepção peremptória. (…) Tal interpretação não é inconstitucional, porquanto não viola os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva contidos no art. 20º da Constituição da República. (…)O réu não fica impedido de arguir a compensação, apenas não o pode fazer por via da exceção e, não podendo operar a compensação de créditos no processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98, por nele não ser admissível reconvenção, não está impedido de fazer valer o seu crédito através da propositura de uma acção autónoma para esse efeito.”.
Nesta lógica, acompanhamos o entendimento de que a compensação de créditos não pode, em sede de ação especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, ser admitida, quer invocada por meio de exceção, quer por meio de pedido reconvencional, pois tal constituiria desvirtuar a lógica do legislador ao instituir uma ação simplificada e, concomitantemente, célere.
Face ao exposto, indefere-se a reconvenção apresentada pelo Réu, por inadmissibilidade legal.
Notifique.”.
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Inconformada com a decisão que assim decidiu, veio a Ré/reconvinte interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

“1) A reconvenção é legalmente admissível em sede de ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias, sendo essa «a solução que resulta da conjugação do Art 549.º, n.º 1 com o art.266, n.º 2, al. c);
permite a apreciação numa única ação das questões que, doutra forma, teriam de ser apreciadas em duas ações (cf. art. 729.º, al. h)); a imediata apreciação da compensação evita que o compensante suporte o risco de insolvência da contraparte; conforma-se melhor com o princípio da igualdade das partes; o legislador quis facilitar a compensação; é a posição que mais se conforma com o espírito do atual processo civil, o qual dá prevalência às decisões de mérito sobre as decisões formais, recorrendo para tal, designadamente aos princípio da gestão processual e da adequação formal.» (Acórdão da RL de 23/02/2021, Relator Luís Filipe Sousa).
2) A reconvenção deduzida pela Apelante tem por fundamento o mesmo facto jurídico em que assenta a injunção instaurada pela Apelada, a saber, contrato de compra e venda celebrado entre as partes, e visa obter, por um lado, o reembolso do preço pago à Apelada em excesso, decorrente da redução do preço previsto na mencionada compra e venda com fundamento na venda de coisa defeituosa, e, por outro, caso se entenda ser devida a fatura da Apelada referente a serviços extra, no que se não concede, uma compensação entre esse alegado crédito da Apelada e o crédito da Apelante correspondente ao valor do preço pago em excesso.
3) A invocação da compensação enquanto forma de extinção das obrigações pode ser realizada mediante a invocação de uma exceção perentória e ainda por via da dedução de um pedido reconvencional.
4) A presente reconvenção é admissível, porquanto cumpre os requisitos de ordem formal e substantiva de que depende a sua admissibilidade, nos termos das disposições conjugadas constantes dos artigos 266.º e 583.º do CPC.
5) O despacho em crise violou, além do mais, as disposições legais constantes dos artigos 6.º, 266.º, n.º 2, alíneas a) e c), 547.º, 548.º e 549.º do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos mais de Direito, deverá a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que admita a reconvenção deduzida pela
Apelante, assim se fazendo JUSTIÇA!. “
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A A não apresentou contra-alegações.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II - Delimitação do objeto do recurso

A questão decidenda a apreciar é delimitada pelas conclusões do recurso: saber se a reconvenção é admissível nos processos de injunção que devido à oposição deduzida seguem os termos das AECOPs.
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III – Fundamentação

O contexto processual relevante é o constante do relatório.

IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA

Tal como ressuma do relatório supra, entendeu o tribunal a quo que o pedido reconvencional deduzido pela R. não é admissível no caso dos autos face à forma processual escolhida pela A. sufragando o entendimento de que “a compensação de créditos não pode, em sede de ação especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, ser admitida, quer invocada por meio de exceção, quer por meio de pedido reconvencional, pois tal constituiria desvirtuar a lógica do legislador ao instituir uma ação simplificada e, concomitantemente, célere.”. Para o efeito, invoca jurisprudência que sustenta tal tese.
Insurge-se a apelante contra o despacho recorrido por entender que “ A reconvenção é legalmente admissível em sede de ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias, sendo essa «a solução que resulta da conjugação do Art 549.º, n.º 1 com o art.266, n.º 2, al. c”. Para o efeito, invoca jurisprudência que sustenta tal tese.
Vejamos.
No caso vertente estamos perante um procedimento de injunção, o qual uma vez apresentada a oposição, e remetidos os autos à distribuição, nos termos do disposto no 16.º do Anexo ao DL 269/98, de 1.09, segue, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do art. 1.º e nos arts. 3.º e 4.º (art. 17.º, n.º 1 do referido Anexo).
O procedimento de injunção apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 ou, independentemente desse valor, de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas enunciadas alíneas a), b) e c) do predito decreto-lei 62/2013 (artigo 2º/2).
É certo que neste tipo de ações apenas se mostram legalmente previstos dois articulados – a petição inicial e a oposição.
Estando em causa um pedido inferior a 15.000,00€, a decisão recorrida considerou convocável o regime especial de procedimento e, portanto, a inviabilidade processual da reconvenção.
Contudo, o procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor.
 Se estiver em causa uma injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transação comercial com valor superior a 15.000,00€, em que tenha sido deduzida oposição, ela segue os termos do processo comum (artigo 10º/2 do identificado decreto-lei n.º 62/2013).
Se a injunção se destinar à cobrança de dívida de valor não for superior a 15.000,00€, ela segue a forma de processo especial (artigos 3.º a 5.º do referido decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro).
Ora, a lei não toma posição clara sobre a admissibilidade da reconvenção em processo originariamente de injunção e, por isso, existe controvérsia na jurisprudência.

Conforme resumidamente se lê no  AC. RL de 23-02-2021, relator Luís Pires de Sousa e citado pela recorrente a respeito desta temática e da invocação da compensação de créditos em sede de pedido reconvencional, perfilam-se três teses:

a) A da inadmissibilidade da reconvenção uma vez que tal não se coaduna com a simplicidade de tramitação e celeridade que o legislador pretendeu imprimir a esta forma processual ( Neste sentido, veja-se, entre outros, Ac. TRL de 05-02-2019, proc. 75830/18.6YIPRT.L1, relator Carlos Oliveira; Ac. TRP de 21-06-2021, proc. 83857/20.1YIPRT-A.P1, relator Pedro Damião e Cunha; Ac. TRE de 23-04-2020, proc. 90849/19.1YIPRT-A.E1, relator Francisco Matos), tendo sido esta a tese seguida pela decisão recorrida;
b) A da admissibilidade da dedução da compensação, mas como exceção perentória sob pena de ser coartado um meio de defesa ao requerido ( Neste sentido, Ac. TRC de 16-01-2018, proc. 12373/17.1YIPRT-A.C1, relatora Maria João Areias; Ac. TRG de 05-11-2020, proc. 9426/20.2TIPRT-A.G1, relatora Lígia Venade; Ac da RG de 5-03.2020, proc. (104469/18.2YIPRT.G1), relator Ramos Lopes; Ac. RG 5/3/2020 (3298/16.9T9VCT-B.G1 ( (e no qual a ora relatora teve intervenção como 1ª adjunta);
c) A da invocação da compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respetiva tramitação à dedução do pedido reconvencional.” ( Neste sentido, veja-se Acs. TRL de 09-10-2018, proc. 102963/17.1YIPRT.L1, relator Cristina Coelho; de 16-06-2020, proc. 77375/19.8YIPRT-A.L1, relator Micaela Sousa; e de 23-02-2021, proc. 72269/19.0YIPRT.L1, relator Luís Filipe Sousa; AC RP de 13-06-2018, relator Rodrigues Pires; AC RP de 14-12-2022, relator Carlos Portela; Ac da RG de 17-12-2018, Proc. 110141/17.3YIPRT.G1, relatora Fernanda Proença; AC da RG de 31-01-2019; proc. 53691/18.5 YIPRT.A-G1, relatora Maria Purificação Carvalho; AC RG de 15-12-2022. Proc. 117544/21.7YIPRT-B.G1, relatora Maria Cristina Cerdeira), sendo esta a tese defendida pela recorrente.

Não obstante posição antes tomada quanto à impossibilidade de dedução de pedido reconvencional em sede de injunção, melhor ponderada a questão, parece-nos ser esta última posição a que melhor reflete o espírito do atual processo civil, o qual dá prevalência às decisões de mérito sobre as decisões formais, recorrendo para tal designadamente aos princípios da gestão processual e da adequação formal.
Saliente-se que, mesmo sem considerar a situação particular do instituto da compensação, já o STJ, basicamente por razões de igualdade, defendeu ser de admitir a reconvenção neste tipo de procedimentos, considerando expressamente inexistir “motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir a reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da Relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção do pagamento de importâncias de valor inferior” – ac. de 6.6.2017, proc. 147667/15.5YIPRT.P1.S2.
Do mesmo modo, enfatizando nestes casos a aplicação do princípio da adequação processual ínsito no art. 547.º CPC, o já supra mencionado Ac. RG, de 31.1.2019 (Proc.53691/18.5YIPRT.A-G1, relatora Maria Purificação Carvalho): «Afigura-se-nos de frágil sustentabilidade o entendimento de que a proibição de reconvenção se extrai da existência de apenas dois articulados e do escopo de celeridade que presidiu à criação dos procedimentos em causa. A celeridade é um valor inerente a qualquer procedimento processual, não apenas a estes, e a ilação extraída da existência de apenas dois articulados contraria frontalmente o princípio da adequação processual, consagrado no art.º 547 do C. P. Civil, com o qual se pretende evitar que razões de natureza adjectiva obstem à realização do direito substantivo.
O caso sub judice, tal como nos é dado conhecer, apresenta-se como um típico exemplo em que débeis razões processuais obstariam à realização da justiça, sem que se vislumbre valor jurídico que tal justifique. Com efeito, a apreciação da defesa apresentada pela requerida impõe-se sob pena de não se perceber a relação contratual entre as partes estabelecida e de se apreciar apenas uma pequena parte dessa relação (pequena parcela nos termos definidos pela recorrente).
(…)
ainda que a requerida não se encontre impedida de, em acção a instaurar posteriormente, vir a pedir o reconhecimento do seu crédito, tal reconhecimento não ocorrerá a tempo de o poder contrapor ao crédito da requerente, pois que vedando-lhe a invocação do contracrédito na presente acção, significará que, na prática, ainda que possua (no âmbito dessa mesma relação), um contracrédito contra a requerente, a requerida será obrigada a, em primeiro lugar, satisfazer o crédito da requerente, correndo o risco de o seu contracrédito não vir a ser satisfeito.»
Do mesmo modo se defendeu no supra citado ac. da RL de 23-02-2021 e referido pela recorrente, aí se enfatizando que a jurisprudência tem vindo a alterar a posição de rejeição da reconvenção que antes vinha sendo pacificamente assumida com várias ordens de razões: “ é a solução que resulta da conjugação do Art. 549º, nº1 com o Art. 266º, nº2, al. c); permite a apreciação numa única ação das questões que, doutra forma, teriam de ser apreciadas em duas ações (cf. Art. 729º, al. h)); a imediata apreciação da compensação evita que o compensante suporte o risco de insolvência da contraparte; conforma-se melhor com o princípio da igualdade das partes; o legislador quis facilitar a compensação; é a posição que mais se conforma com o espírito do atual processo civil, o qual dá prevalência às decisões de mérito sobre as decisões formais, recorrendo para tal designadamente aos princípios da gestão processual e da adequação formal.”.
Igualmente Miguel Teixeira de Sousa, em diversos textos publicados no Blog do IPPC( último dos quais, em 15.05.2020, em comentário aos dois Acordãos da RG de 05-03-2020 e supra citados e sob a epígrafe “AECOPs e compensação: que tal simplificar o que é simples?» ), propugnou a aplicação, já relativamente à ação declarativa especial (AECOP), do regime da reconvenção, argumentando, em resumo que sendo a AECOP um procedimento especial, são-lhe aplicáveis as regras gerais do CPC (art. 549.º n.º 1), entre as quais se conta as da reconvenção (art. 266.º), cabendo ao juiz, utilizando os seus poderes de gestão processual e de adequação formal (artigos 6.º e 547.º), adaptar o processo à tramitação da reconvenção; relegar a invocação da compensação para a oposição a subsequente execução (art.º 729.º, al. h), implicaria um desnecessário desperdício de recursos e violaria o princípio constitucional da igualdade.
Conforme se sintetiza no AC da RP de 14-12-2022 ( Carlos Portela) supra citado “ a argumentação que está na base daquelas decisões, pode pois concluir-se da seguinte forma:
Atenta a redacção dada pelo legislador ao art.º 266º, nº 2, al. c) do actual Código de Processo Civil, impõe-se concluir que foi intenção do mesmo estabelecer que a compensação de créditos, independentemente do valor dos créditos compensáveis terá sempre de ser operada por via da reconvenção.
Apesar de ser aceite o entendimento generalizado de que no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98 (emergente de injunções de valor não superior a 15.000,00€), não é admissível reconvenção, ainda assim nesta forma de processo, deve ser dada ao réu a possibilidade de invocar a compensação de créditos, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal ajustando a respectiva tramitação à dedução do pedido reconvencional.
Tudo isto porque não faz sentido que se retire ao réu a possibilidade de numa acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, quando essa a mesma pode ser posteriormente invocada por este como fundamento de oposição à execução, atento o disposto no art.º 729º, alínea h) do Código de Processo Civil.”
Acresce dizer ainda que tal como o afirma expressamente Miguel Teixeira de Sousa, os fundamentos para a admissibilidade da dedução da reconvenção para fazer valer a compensação valem para todos os outros casos em que, nos termos do art.º 266.º, n.º 2, CPC, a reconvenção seja admissível na AECOP pendente – cf. neste sentido, “AECOPs e Compensação, Blog IPPC, 26-04-2017 https://blogippc.blogspot.com.” ( sublinhado nosso).
Por todas aquelas razões aduzidas e alterando a nossa anterior posição, propendemos a aceitar que o facto de se tratar de ação que admite apenas dois articulados e de se visar com ela a simplicidade e celeridade processual, não significa que se não admita a reconvenção.
Seria materialmente injusto e violador do princípio da igualdade, não permitir que a requerida, invocando factos que podem ser até base de exceções (pense-se na exceção de não cumprimento) e que, portanto, serão necessariamente conhecidos na corrente ação, fosse obrigada a propor ação posterior para ver reconhecido eventual crédito que daí resultasse para si com base nos mesmos factos.
Concluindo, entende-se que devem ser usados os poderes de gestão e adequação processual previstos nos arts. 6º e 547º do CPC, por forma a ajustar a tramitação das ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias à dedução do pedido reconvencional, desde que esse seja admissível nos termos prescritos no art. 266º do CPC.
Nunca será demais recordar que o processo civil tem uma função de instrumentalidade face ao direito material.
Revertendo estas considerações ao caso dos autos, impõe-se a procedência da apelação, com a revogação da decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus termos, mediante análise dos requisitos constantes do art. 266º do CPC.

V- Decisão:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que admita a reconvenção, caso conclua pela verificação dos demais requisitos legais necessários à sua admissibilidade, seguindo-se as devidas consequências legais.
Custas pela parte vencida, ora apelada ( cfr. art. 527º do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 25 de maio de 2023

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Jorge dos Santos e
Margarida Pinto Gomes